Thompson Chega à Unicamp
Michael M. Hall (Estados Unidos)
Departamento de História Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil
A recepção dos trabalhos de E.P. Thompson nos anos 1970, pelo menos na Unicamp, provocou um certo choque cultural.1 Paulo Sérgio Pinheiro e eu oferecemos um seminário para pós-graduandos de ciências sociais em 1975 e 1976 no qual pedimos como leituras alguns escritos de Thompson. A reação de muitos dos alunos foi uma mistura de incompreensão e indignação.
Especialmente no caso do capítulo que escolhemos do The Making of the English Working Class, livro disponível apenas em inglês na época, muitos alunos ficaram exasperados porque o autor não “explicitou seus pressupostos teóricos e metodológicos”. Pelo visto, não estavam nada encantados pelo estilo de exposição, em que os argumentos emergem no decorrer da narrativa. Além do mais, alegaram grande preocupação pelo risco de serem contaminados pela “empiria”.
A falta de entusiasmo veio em parte do fato dos alunos no seminário virem da Sociologia e da Ciência Política, acostumados a um outro estilo de exposição e geralmente não preparados para a leitura do Making, que pressupõe uma certa familiaridade com a história da Inglaterra. (A pós-graduação de História na Unicamp começou mais tarde). Além disso, alguns dos alunos pareciam considerar a leitura em inglês uma rendição ao imperialismo.
Em parte, eu creio que a reação a Thompson se deveu ao contexto do período. Estávamos no auge do althusserianismo no Brasil e a hostilidade implícita de Thompson a esta vertente do marxismo era evidente, embora explicitada apenas mais tarde com a publicação do seu livro, The Poverty of Theory, em 1978.2
A conjuntura política também pesou na recepção de Thompson. Havia um certo relaxamento da ditadura no governo Geisel que provocou esforços para expandir as discussões na esquerda. Quando Paulo Sérgio organizou um grande congresso internacional na Unicamp em 1975 sobre “História e Ciências Sociais”, os participantes exprimiram uma ampla variedade de pontos de vista, incluindo discussões que indicavam divergências dentro do extenso campo do marxismo.3 Um dos conferencistas, o historiador Arno Mayer, comentou com surpresa que parecia a França da Restauração onde, apesar de um governo repressivo, era possível debater praticamente tudo dentro do salon.
As divergências estavam também evidentes no nosso seminário de pós-graduação onde Thompson virou objeto de bastante discussão. Alguns alunos criticaram a falta de ortodoxia marxista-leninista, sem muita ideia da relação complexa de Thompson com Marx4. Outros gostaram do exemplo de um marxismo não-stalinista e especialmente de uma intepretação que enxergava trabalhadores como sujeitos da sua própria história.
Os artigos de Thompson pareciam mais acessíveis do que o Making. “The Moral Economy of the English Crowd in the Eighteenth Century”, em particular, provocou discussões. A interpretação neste artigo, que recusou classificar como “primitivos” movimentos não liderados por partidos de vanguarda, causou bastante interesse porque servia, entre outras coisas, para legitimar debates em curso na época sobre novos movimentos sociais.
Apesar de ter despertado um certo interesse em 1975-76, o amplo aproveitamento dos trabalhos de Thompson teve de esperar outra conjuntura política e o aparecimento de traduções. The Making saiu em espanhol numa tradução sofrível em 1977 e uma coleção de artigos na mesma língua dois anos depois.5 Essa disponibilidade e os acontecimentos políticos do fim da década abriram as portas para uma consideração mais informada e aprofundada de Thompson. É a minha impressão que a historiografia tradicional brasileira nunca se recuperou da experiência.
Notas
1 Estas linhas são apenas lembranças pessoais. Para outras observações sobre a recepção das obras de Thompson no Brasil, veja Dea Fenelon, “E.P. Thompson—História e Política,” Projeto História, vol. 12 (1995), pp 77-93, e outros artigos pertinentes no mesmo número.
2 O livro saiu em português como A miséria da teoria em 1981, embora mutilado pela exclusão de vários artigos presentes na edição inglesa.
3 Veja os dois volumes dos trabalhos organizados por Paulo Sérgio Pinheiro, Estado autoritário e os movimentos sociais (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978) e Trabalho escravo, economia e sociedade (Paz e Terra, 1983).
4 Foi um choque ver, alguns anos mais tarde, a primeira edição do livro William Morris, publicado em pleno stalinismo em 1955, quando Thompson era ainda membro do Partido Comunista.
5 Em uma iniciativa de professores do departamento de história da Unicamp, a primeira edição do The Making em português só seria publicada em 1988 no Brasil.
Thompson Arrives at the Unicamp
Michael M. Hall (US)
Department of History, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brazil
The reception of E.P. Thompson’s work in the 1970s, at least at the Unicamp, provoked a certain culture shock.1 In 1975 and 1976, Paulo Sérgio Pinheiro and I offered a seminar for graduate students in the social sciences in which we assigned as readings some of Thompson’s work. Many of the students reacted with a mixture of incomprehension and indignation.
Especially in the case of the chapter that we chose from The Making of the English Working Class, a book available only in English at the time, many of the students became exasperated because the author “didn’t make explicit his methodological and theoretical presuppositions”. They seemed not to have been charmed by the style of the exposition, in which the arguments emerged in the course of the narrative. Moreover, they claimed to be greatly concerned about the risk that they would be contaminated by “empiricism”.
The lack of enthusiasm resulted in part from the fact that the students in the seminar came from sociology and political science, had been accustomed to a different style of exposition, and generally lacked preparation for reading The Making, which presupposes some familiarity with English history. (The graduate program in History opened a little later). In addition, some of the students seemed to considered reading in English as a surrender to Imperialism.
In part, I think, the reaction to Thompson occurred on account of the context of the period. This was the high point of Althusserianism in Brazil and Thompson’s hostility to such an approach seemed evident, though only made explicit later with the publication of his The Poverty of Theory in 1978.2
The political conjuncture also played a role in the response to Thompson. A certain relaxation of the dictatorship during the Geisel government provoked efforts to expand discussion on the left. When Paulo Sérgio organized a large international conference at the Unicamp on “History and the Social Sciences” in 1975, the participants expressed a wide variety of points of view, including debates that indicated disagreements within the broad camp of Marxism.3 One of the participants at the conference, the historian Arno Mayer, commented with surprise that it all seemed like France of the Restoration when, despite a repressive government, it was possible to debate practically anything within the salon.
The divergences also appeared in our postgraduate seminar where Thompson became the object of considerable discussion. Some students criticized the deviation from Marxist-Leninist orthodoxy, without much of an idea of Thompson’s complex relation to Marx.4 Others liked the example of a non-Stalinist Marxism and particularly an interpretation that treated workers as subjects of their own history.
Thompson’s articles seemed more accessible than The Making. “The Moral Economy of the English Crowd in the Eighteenth Century”, in particular, provoked controversy. The interpretation in this article, which refused to classify as “primitive” social movements not led by vanguard parties, stirred up considerable interest because it served, among other things, to legitimize ongoing debates at the time regarding new social movements.
Despite having provoked some interest in 1975-76, a widespread appreciation of Thompson’s work had to wait for a different political conjuncture and for the appearance of some of his publications in translation. The Making came out in a passable Spanish version in 1977, and a selection of his articles appeared in the same language two years later.5 This availability and the political events toward the end of the decade opened the doors for a more informed and deeper consideration of Thompson. It is my impression that traditional Brazilian historiography has never recovered from the experience.
Notes
1 These are simply personal reminiscences. For other observations about the reception of Thompson’s work in Brazil, see Dea Fenelon, “E.P. Thompson—História e Política,” Projeto História, vol 12 (1995), pp. 77-93, e other pertinent articles in the same number.
2 The book came out in Portuguese as A Miséria da Teoria in 1981, mutilated by the exclusion of the articles included in the English edition.
3 See the two volumes, organized by Paulo Sérgio Pinheiro, of the papers presented at the conference: Estado autoritário e os movimentos sociais (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978) and Trabalho escravo, economia e sociedade (1983).
4 It was a shock, some years later, to see the first edition of the book William Morris, published during high Stalinism in 1955, when Thompson was still a member of the Communist Party.
5 Through the efforts of faculty members from the Unicamp History Department, a Portuguese translation of The Making appeared in 1987.