Dorothy Thompson, companheira historiadora
Antonio Luigi Negro (Brasil)
Professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, Brasil
O centenário do nascimento de E. P. Thompson em 2024 recoloca diante do desafio de nos percebermos no presente, pensando o futuro, sem o culto ao passado. É exatamente isso o que nos diz Dorothy Thompson (1923-2011), dissidente do Partido Comunista, professora e historiadora do cartismo, das mulheres e irlandeses.
Edward Thompson e Dorothy Thompson.
Disponível em: https://progressivegeographies.com/2022/01/20/edward-e-p-thompson-and-dorothy-thompson-website
Em seu artigo traduzido para o português – “Marxismo e História” –, Dorothy deixa claro que a sociedade pós-capitalista não precisa ser o socialismo (embora fosse exatamente o socialismo, junto com o comunismo, o que constava nos planos de Marx e Engels para todo o planeta Terra). Foi a admiração de Marx por Darwin – a vida evolui sem obedecer a uma lógica predeterminada – que levou Dorothy a observar e argumentar que a melhor maneira de sobrevivermos ao capitaloceno não precisa ser o socialismo.
Para Dorothy Thompson, se a teoria marxista não for de fato dogmática – e haja vista que a emancipação da classe trabalhadora não cabe a ninguém mais além da própria classe trabalhadora –, são os de baixo quem tem a palavra sobre como encontrar a melhor maneira de enfrentar e resolver os problemas de sua História.
Este raciocínio não é apenas uma avaliação sobre o futuro. Tendo vitoriosamente sobrevivido à ascensão e guerra total do nazi-fascismo, a geração de Dorothy e E. P. Thompson se viu, anos depois, diante da invasão da Hungria pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em 1956. Destruído por tanques de guerra, o caminho húngaro pelo socialismo foi desfeito pelo stalinismo.
Outra experiência decisiva para Dorothy se definir como historiadora foi o esforço de guerra antinazista. Ela se deu conta, de uma vez por todas, de que as pessoas mais comuns eram bem mais capazes do que era corriqueiramente admitido. Tinham aptidões que não se via em gente como ela, que tinha tido uma vida familiar estável e protegida, e que tinha ido a escolas consideradas boas. Se engajar, olho no olho, com combatentes de diferentes classes sociais, constatando a forte presença dos de baixo, reforçou o socialismo da jovem Dorothy Towers, que, à época, pertencia à Juventude Comunista. Segundo ela, quem passou por isso teve a chance de controlar qualquer hesitação quanto aos valores revolucionários da liberdade, fraternidade e igualdade. Foi também essa experiência quem despertou o interesse pela história das pessoas comuns, moldando o estudo da História, no pós-guerra, com muita originalidade e de modo perturbador. As novas personagens que tinham entrado em cena para vencer a direita genocida incomodavam com sua desenvoltura, cidadania e aspirações quanto ao seu lugar na sociedade.
Com toda a certeza, esse olhar de Dorothy sobre o passado, o presente, e o futuro, está inscrito na obra de E. P. Thompson, a começar pela mais famosa de todas, A Formação da Classe Operária Inglesa. “Cada capítulo foi discutido com ela, e eu estava numa boa posição para tomar de empréstimo não só suas idéias, como o material de suas anotações”, ele admitiu por escrito, no prefácio. “Sua colaboração se encontra, não neste ou naquele ponto em particular”, prosseguiu, “mas na forma de encarar todo o problema”.
A forma de encarar todo o problema da História da classe trabalhadora passava, em primeiro lugar, pelo reconhecimento dos danos que o preconceito causava, aquele segundo o qual só os marxistas sabem a verdadeira receita para a transformação da sociedade. Em seu livro sobre o cartismo – The Chartists. Popular politics in the Industrial Revolution –, Dorothy Thompson se viu diante de um movimento que não quis destruir o sistema capitalista, ou que não conseguiu destruí-lo. Mas nem por isso pode ser rebaixado como uma iniciativa inconseqüente ou prematura, carente de liderança adequada. Em “Marxismo e História”, ela não sente problema algum em reconhecer que os líderes cartistas, “por timidez ou conservadorismo, decepcionaram a multidão britânica consciente e revolucionária, recuando bem na hora em que a revolução armada era possível”. Sem condenações, sua capacidade de compreender se fazia a partir da ausência de expectativa quanto a um programa de expropriação dos expropriadores. Dorothy já sabia muito bem, que os de baixo, agindo na História, podiam surpreender. Sua análise não estava preocupada com o que a classe trabalhadora devia estar fazendo, mas sim com o que estava, na real, fazendo.
Esta era a aliança entre ela – mulher instruída e militante – com as pessoas mais simples e comuns. Essa era a maneira do casal Dorothy e Edward de abordar todo o problema. Atuantes na tradição marxista, tanto ela como ele podiam achar estranho – seria, não seria? – se tudo o que tivessem para se interessar fosse, ao longo dos séculos, a luta dos pobres contra os ricos.
Celebrando o centenário do nascimento de Thompson, é impossível esquecer suas palavras: a História não é comparável a um túnel por onde um trem rápido roda rumo a planícies ensolaradas. Há muitas pessoas que nascem, vivem e morrem na escuridão da viagem, feita sem nem mesmo ver a luz ao fim do túnel. Com o olhar ensinado por Dorothy, Edward mostra a importância de quem viveu e morreu em tempo não redimido. Toda e qualquer possibilidade de futuro depende dessa experiência histórica.
Dorothy Thompson, comrade historian
Antonio Luigi Negro (Brazil)
Professor of History Department at Universidade Federal da Bahia, Brasil
The hundredth anniversary of E. P. Thompson’s birth in 2024 rekindles the challenge of perceiving ourselves in the present, thinking about the future, without worshiping the past. This is exactly what Dorothy Thompson (1923-2011), dissident of the Communist Party, professor and historian of Chartism, of women, and the Irish tell us.
Edward Thompson and Dorothy Thompson.
Available at: https://progressivegeographies.com/2022/01/20/edward-e-p-thompson-and-dorothy-thompson-website
In her article “Marxism and History”, she makes it clear that a post-capitalist society does not necessarily need to be a socialist one (although Marx and Engels’s plans for the entire Earth included exactly socialism and communism). It was Marx’s admiration for Darwin – life evolves without obeying a predetermined logic – that led Dorothy to observe and argue that the best way to survive the capitalocene does not have to be socialism.
For her, if the Marxist theory is not in fact dogmatic – and given that the working-class emancipation is not up to anyone other than the working class itself – it is those from below who have the say on how to find the best way to face and resolve the problems of their own history.
This reasoning is not just an assessment about the future. Having victoriously survived the rise of Nazi Fascism and the total war it unleashed, Dorothy and E. P. Thompson’s generation found itself, years later, faced with the invasion of Hungary by the USSR in 1956. Destroyed by tanks, the Hungarian path to socialism was crushed by Stalinism.
Another key experience for Dorothy in defining herself as a historian was the anti-Nazi war effort. She realized, once and for all, that the most ordinary people were much more capable than was usually admitted. They had skills that wouldn’t be seen in people like her, who had had a stable and protected family life, and had gone to schools considered to be good. Engaging, eye to eye, with fellows from different social classes, and noting the strong presence of those from below caused the reinforcement of the socialism in the young Dorothy Towers, who, at the time, belonged to the Communist Youth. According to her, those who went through this had the chance to remove any hesitation regarding the revolutionary values of freedom, fraternity and equality. This experience also sparked the interest in the history of ordinary people, shaping in a very original and disturbing way the study of History at large during the post-war period. The new characters who had entered the scene to defeat the genocidal far-right caused a certain discomfort about their resourcefulness, sense of political citizenship, and aspirations regarding their place in society.
Certainly, Dorothy’s look perspective to the past, the present and the future is inscribed in E. P. Thompson’s work, starting with the most famous of all, The Making of the English Working Class. “Each chapter has been discussed with her, and I have been well placed to borrow not only her ideas but material from her notebooks,” he admitted in the preface. “Her collaboration is to be found, not in this or that particular, but in the way the whole problem is seen.”
The way to address the entire problem involving the history of the working class was, firstly, to recognize the damage caused by the prejudice according to which only Marxists would know the true recipe to transforming society. In her book The Chartists. Popular Politics in the Industrial Revolution, Dorothy Thompson found herself facing a movement that did not want to or was not able to destroy the capitalist system. But that does not mean it can be dismissed as an inconsequential or premature initiative, lacking adequate leadership. In “Marxism and History,” she has no problem recognizing that the Chartist leaders, “by their timidity or conservatism had let down the class conscious and revolutionary British crowd, had drawn back just at the moment when armed revolution was possible.” Without judgment, her ability to understand was based on not having expectations regarding a program to expropriate the expropriators. Dorothy already knew very well that those from below, when acting upon History, could surprise. Her analysis was not concerned with what the working class should be doing, but rather with what they were actually doing.
This was the alliance between her – an educated woman and an activist – with the simplest grass-root people. This was Dorothy and Edward’s way of approaching the whole matter. Active within the Marxist tradition, both of them might find it strange – it would be, wouldn’t it? – if all their object of interest was, over the centuries, the struggle of the poor against the rich.
On celebrating the centenary of Thompson’s birth, it is impossible to forget his words: “(…) history cannot be compared to a tunnel through which an express races until it brings its freight of passengers out into sunlit plains. Or, if it can be, then generation upon generation of passengers are born, live in the dark, and die while the train is still within the tunnel Through the perspective taught by Dorothy, Edward shows the importance of those who “lived and died in an unredeemed time”. Any and all possibilities for the future depend on this historical experience.
Translation: Eneida Sela