CE #38: 100 anos da Lei de Férias: conquistas, retrocessos e disputas – Bruno Lima

Bruno Lima
Mestre em História Social (UnB)
Em uma modesta nota publicada no jornal Correio da Manhã, de 29 de dezembro de 1925, a Associação dos Empregados no Commercio (AAEC) do Rio de Janeiro vinha a público comemorar a sanção da primeira lei de férias aprovada no Brasil. A nota da AAEC foi publicada cinco dias após o presidente da República Arthur Bernardes sancionar o Decreto nº 4.982, concedendo 15 dias de férias remuneradas anuais aos empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários, jornalistas, e de instituições de caridade e beneficentes. O decreto ainda estabelecia que o período de descanso pudesse ser concedido de uma só vez ou parcelado e previa multa de dois milhões de réis a quem infringisse a nova legislação. O valor era relativamente alto. A nível de comparação, na mesma edição do Correio da Manhã, uma casa com duas salas, dois quartos, cozinha, banheiro e chuveiro era anunciada por dezesseis milhões de réis.
Apesar de a nota da AAEC afirmar que a entidade lutava pela implementação de uma lei de férias há 15 anos, o recesso remunerado não era uma reivindicação prioritária da classe trabalhadora da época, que concentrava suas mobilizações na regulamentação da jornada de trabalho de oito horas e no aumento salarial. Importante salientar que, ao contrário das férias, o descanso semanal remunerado figurava como uma pauta antiga em alguns setores, como os comerciários, por exemplo.
Justamente por não ser uma bandeira dos trabalhadores é que as férias podem ter entrado na pauta da Câmara dos Deputados. A explicação pode estar no esforço dos parlamentares em evitar conflitos mais intensos entre os empregados e o empresariado, promovendo um direito que não era oriundo de pressões sociais com a chancela do Estado. Havia também o interesse dos deputados de patrocinar o benefício com o objetivo de angariar capital político junto aos trabalhadores.
Contudo, talvez a principal razão para que a lei de férias tenha sido aprovada esteja na tentativa das elites políticas de frear um conjunto mais robusto e amplo de leis do trabalho, fornecendo pequenos avanços sociais aos trabalhadores. Nesse sentido, é importante ressaltar que o direito às férias vinha sendo discutido na Câmara desde 1917 com a análise de um projeto de Código de Trabalho, apresentado na esteira da Greve Geral daquele ano. O texto não foi aprovado, mas deu origem à Lei de Acidentes de Trabalho, de 1919.
Em 1923, uma nova tentativa de elaboração de um código de trabalho voltou às discussões. Entre outros pontos, o projeto previa oito horas de trabalho diárias ou quarenta e oito horas de trabalho semanal; concessão de um dia de descanso semanal aos domingos; proibição do trabalho de menores de 14 anos e do trabalho noturno para mulheres; e férias de 15 dias. Assim como em 1917, a proposta de se elaborar um código de trabalho foi esvaziada, resultando em duas novas legislações específicas: a Lei de Férias, de 1925, e o Código de Menores, de 1926. Desta forma, o que seria um bloco coeso de regras que regulamentaria o trabalho no país, se tornou dois dispositivos pontuais.
O projeto da Lei de Férias foi apresentado pelo deputado carioca Henrique Dodsworth e discutido em uma comissão formada pelo também deputado Afrânio Peixoto e pelos secretários do Conselho Nacional do Trabalho (CNT), Lins Mario Poppe e João Lousada. O texto original concedia os dias de licença apenas aos comerciários e escriturários, mas ampliou o benefício também aos operários, causando reações da burguesia industrial brasileira.
O empresariado apelava para o moralismo na tentativa de barrar a análise do projeto, argumentando que a eventual aprovação da Lei de Férias incentivaria a ociosidade e a vadiagem no meio operário. Para o patronato, apenas os empregados do comércio deveriam ser beneficiados pela legislação.
Mesmo com a pressão empresarial, o texto foi aprovado no final de 1925 e levado à sanção presidencial. Apesar da evidente conquista, os trabalhadores não puderam gozar imediatamente do benefício. O dispositivo demorou quase um ano para ser regulamentado e, somente em outubro de 1926, as regras foram publicadas no Diário Oficial da União, por meio do decreto nº 17.496.
Durante o ano de 1926 diversas reuniões foram realizadas a fim de regulamentar a aplicação da nova legislação. Os encontros contavam com a participação de parlamentares, representantes do CNT, e de trabalhadores e empresários. Um anteprojeto foi apresentado sob a relatoria de Libanio da Rocha Vaz, representante dos empregadores, cabendo ao desembargador Ataulpho de Paiva a presidência dos trabalhos.
Um dos pontos de maior divergência tratava sobre a concessão dos 15 dias de férias aos trabalhadores demitidos nos últimos três meses do ano, desde que o motivo da dispensa não fosse por falta grave. Após acalorados debates, a redação final estabeleceu o pagamento dos 15 dias de férias aos empregados dispensados, desde que tivessem trabalhado no curso do 12º segundo mês.

O Jornal do Brasil, de 30 de outubro de 1926, noticiou que o presidente da República Arthur Bernardes sancionaria a regulamentação da Lei de Férias, no dia em que era comemorado o Dia do Empregado do Comércio.
Desta forma, em 30 de outubro de 1926 a Lei de Férias foi regulamentada, prevendo que as férias fossem sempre gozadas nos 12 meses seguintes ao que o empregado tivesse obtido o direito; proibindo desconto de faltas por doença ou por outro motivo de força maior; possibilidade de os dias serem concedidos de uma só vez ou parceladamente; estabelecendo que as férias deveriam ser concedidas na época que melhor atendesse o interesse da empresa; e que o pagamento referentes aos 15 dias deveriam ser pagos antes de o trabalhador entrar de férias, entre outros pontos.
Mesmo após regulamentada, a Lei de Férias ainda suscitava dúvidas sobre sua aplicação. A principal delas era sobre se a contagem para o gozo dos dias deveria considerar o decreto, de dezembro de 1925, ou a publicação no Diário Oficial, em outubro de 1926. Prevaleceu o entendimento de que o decreto seria o marco a ser aceito para os cálculos de concessão do benefício.
Outro aspecto importante da lei foi o fato de ela atribuir ao CNT a fiscalização da execução das regras recém-aprovadas, examinando os livros, fichas e cadernetas com os registros dos trabalhadores. Nos meses imediatamente seguintes à promulgação da lei, diversos casos começaram a chegar ao CNT, a maioria deles eram reclamações trabalhistas referentes às carteiras de trabalho. Muitos empregados buscavam o órgão argumentando que tiveram o benefício negado por não conseguirem comprovar o tempo de trabalho por meio dos registros nas carteiras de trabalho.
Em muitas situações, os empregados conseguiam ter suas contestações acolhidas. Além disso, os casos analisados pelo CNT começaram a formar jurisprudência trabalhista, como a pacificação do entendimento de que a demissão voluntária não acarretaria na perda do pagamento de férias.
Se a criação da Lei de Férias não foi uma prioridade dos trabalhadores, o mesmo não se pode dizer de sua aplicação. Com as regras regulamentadas, entidades sindicais passaram a pressionar patrões e autoridades para que a nova legislação fosse seguida. Em dezembro de 1927, foi fundado o Comitê Pró-Lei de Férias, na sede da União dos Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT).
Nesse contexto, a UOFT foi uma importante entidade na luta pela aplicação da Lei de Férias, iniciando uma campanha para incentivar seus sindicalizados a reivindicarem o direito recém-adquirido. Em 1929, a UOFT saiu em defesa de 800 trabalhadores/as da Fábrica de Tecidos Botafogo que haviam sido dispensados sem receberem as férias a que tinham direito.
Mas o que parecia ser uma nova conquista sólida adquirida pelos trabalhadores não durou muito tempo. Em 1931 o Decreto nº 19.808 suspendeu toda a legislação anterior sob o argumento de que a Lei de Férias causava “confusão resultante das várias interpretações do aludido texto ocasionando constante desinteligência entre patrões e empregados ou patrões e operários”. Além de suspender a Lei de Férias, o decreto de 1931 determinava que as empresas deveriam conceder férias aos empregados que tivessem direito ao período até abril de 1932, retroativo a 1930, e que o recém criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio criaria uma comissão encarregada de elaborar um anteprojeto de reforma da lei.
Somente em 1934, por meio do Decreto nº 23.768, o benefício foi restabelecido com regras semelhantes ao que havia sido firmado em 1926. A principal mudança estava no artigo quarto, que condicionava a concessão das férias exclusivamente aos trabalhadores associados a sindicatos de classe reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. A medida estava em sintonia com a Lei de Sindicalização, aprovada em 1931, e com a investida de Getúlio Vargas de manter os trabalhadores e sindicatos sob a tutela do Estado.
Somente com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, que o recesso anual remunerado passou a constar como um direito consistente na vida dos brasileiros que trabalham com vínculo formal de trabalho.
Hoje, as regras que dispõem sobre as férias estão presentes em diversos artigos da CLT, como o pagamento em dobro dos dias de descanso se ultrapassar o período concessivo, possibilidade de saída coletiva em até dois períodos no ano, possibilidade de “vender” até 1/3 do tempo de descanso e a obrigatoriedade de informar o período de descanso com 30 dias de antecedência. Mais recentemente, a Reforma Trabalhista, de 2017, criou a possibilidade de divisão do tempo de descanso em até três períodos e a proibição de as férias começarem dois dias antes de feriado ou do descanso semanal.
Desta forma, como pôde ser visto, o direito às férias foi um benefício forjado dentro da burocracia estatal e do legislativo brasileira, temoroso das pressões sociais do período. Embora não fosse uma agenda prioritária do sindicalismo, o não cumprimento da lei por parte do empresariado, logo se tornou mais um elemento de mobilização e luta por direitos por parte dos trabalhadores, em um contexto marcado por crescente efervescência política e social e pela intervenção estatal nas relações de trabalho. Ao longo dos anos, diversas legislações foram promulgadas, revogadas e alteradas. Sofreu resistências de industriais e empresários brasileiros e demorou até se tornar um direito solidificado aos trabalhadores. Contudo, hoje, é um benefício líquido e certo e favorece milhões de empregados e empregadas de todo o país.

Texto original da Lei de Férias, preservado no arquivo da Câmara dos Deputados, em Brasília-DF. Foto: Rossini Gomes
PARA SABER MAIS:
GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
GOMES, Ângela Castro. Cidadania e direitos do trabalho: descobrindo o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
NUNES, Guilherme Machado. “Esse direito arrancado no tempo reacionário”: A primeira Lei de Férias brasileira (1925-1930). In: revista Perseu: história, memória e política. nº 13. 2017. Disponível em: https://revistaperseu.fpabramo.org.br/index.php/revista-perseu/article/view/121
NUNES, Guilherme Machado. “A Lei De Férias No Brasil é Um Aleijão”: Greves E Outras Disputas Entre Estado, Trabalhadores/as E Burguesia Industrial (1925-1935). 2016. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/148964
PIRES, I. C. da S. As mulheres na União dos Operários em Fábricas de Tecidos: atuações, obstáculos e negociações (Rio de Janeiro, 1926 – 1930). Tempos Históricos, [S. l.], v. 26, n. 2, p. 274–307, 2022. DOI: 10.36449/rth.v26i2.28459. Disponível em: https://e-revista.unioeste.br/index.php/temposhistoricos/article/view/28459 . Acesso em: 12 dez. 2025.
POPINIGIS, Fabiane. Proletários de casaca: trabalhadores no comércio (Rio de Janeiro, 1850-1920). 1a.. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007. 261p .
Crédito da imagem de capa: Em nota publicada no Correio da Manhã, de 29 de dezembro de 1925, a Associação dos Empregados no Commercio (AAEC) do Rio de Janeiro comemorou a sanção da primeira lei de férias aprovada no Brasil.