E. P. Thompson na Queen’s University (Canadá, 1988) – Bryan Palmer



E. P. Thompson na Queen’s University (Canadá, 1988)



Conheci Edward e Dorothy Thompson em meados da década de 1970, quando eu era doutorando no Departamento de História da State University of New York (SUNY), em Binghamton. Como aprendiz de historiador, nenhum texto me influenciou mais do que The Making of the English Working Class (1963), um livro que Eric J. Hobsbawm descreveu como vulcânico, cujo impacto irrompeu sobre todo o terreno das historiografias nas últimas quatro décadas do século XX.

O que fez de The Making um estudo tão explosivo foi o casar multidimensional entre um resgate e um reexame disciplinado e rigoroso das fontes e sua persistência destemida e apaixonada de que, nas histórias de mulheres e homens trabalhadores, poderíamos avistar o heroísmo das recusas e um compromisso com a resistência que pudesse alimentar novas disposições para lutas no presente. Foi realmente um livro para a sua época já que os anos 1960, para muitos de nós, foi uma década que fomentou a rebelião.

A mim pareceu que potência de The Making se expressava em três aspectos. O primeiro era o seu domínio dos textos impressos, acompanhado de uma profunda pesquisa local que revelava muito do que nunca havia sido explorado, ou arrogantemente descartado como irrelevante. Thompson distribuiu esse amplo trabalho de leitura, descobertas e interpretação de fontes numa poderosa e generalizada narrativa analítica de lutas vencidas e perdidas, recuperando as compreensões coletivistas da classe trabalhadora a respeito de alternativas ao individualismo aquisitivo de um capitalismo emergente. Em segundo lugar, Thompson recusou-se a enterrar a formação de classes nas valas da determinação estrutural; o livro era repleto de promessas e do brio da agência humana. Finalmente o tom de Thompson – ao mesmo tempo respeitoso com os seus temas de estudo e causticamente irreverente em seus polêmicos comentários sobre a condescendente hipocrisia ideológica e acadêmica – foi um tônico singularmente revigorante e encorajador para todos os que ansiávamos por nos libertar da complacência dos saberes convencionais do ambiente intelectual dos anos 1950.

Depois de nos encontrarmos na década de 1970, Edward e eu trocamos correspondência sobre assuntos que envolviam a investigação histórica e questões políticas, tais como a campanha que ele liderou, o Desarmamento Nuclear Europeu (END). Visitei os Thompsons em sua casa de campo em Wick Episcopi, desfrutando de sua hospitalidade e de animadas discussões sobre o passado e o presente.

Quando, em meados da década de 1980, eu já ocupava um cargo acadêmico prestigioso  numa universidade canadense abastada, a Queen’s, organizei uma visita de Edward e Dorothy Thompson ao Departamento de História. Eles vieram para o semestre de inverno, ministraram cursos, e Edward deu uma série de palestras públicas que constituiriam o núcleo de seu Customs in Common: Studies in Traditional Popular Culture, publicado posteriormente em 1991.

As palestras tinham um subtítulo meio sem graça (“Temas da História Social da Inglaterra no Século XVIII”) mas eram tudo menos banais, abarcando uma gama variada de temas. Frequentemente, Thompson discutia um tópico específico, com comentários sobre uma literatura abrangente que refletia uma variedade de ideias transnacionais. As seis sessões de duas horas incluíam longas discussões sobre cercamento e direitos comuns, dimensões morais da multidão do século XVIII, charivari ou rough music; contemplavam também a venda de esposas vista sob o prisma dos debates recentes sobre as tradições inventadas. Qualquer pessoa que já tenha visto as palestras de Edward sabe muito bem que suas falas eram sempre teatrais, apresentadas com uma autoconfiança impressionante que incluía falar em dialeto, gesticulações e uma comunicação dramática. Essas apresentações públicas foram um tour de force.

Mais do que isso, porém, as palestras revelaram muito sobre Thompson. Como ele levava a sério seus temas, nunca subia ao palco sem estar preparado para a plateia específica a que se dirigia. Esta foi uma característica de sua figura pública, estabelecida relativamente cedo em sua carreira com uma palestra publicada, “Education and Experience: Fifth Mansbridge Memorial Lecture”, na qual ele abordou a questão da educação de adultos, dirigindo-se àqueles que viviam essa experiência enquanto professores ou estudantes.

Na Queen’s, Thompson optou por abrir sua palestra “Reconsiderações sobre Charivari ou Rough Music” não com algum exemplo do skimmington inglês, mas com charivaris que aconteceram no quintal da universidade, nas ruas de Kingston no século XIX. Edward se deu ao trabalho de passar alguns dias nos arquivos da Queen’s University vasculhando fontes locais, desempoeirando leis da cidade para encontrar exemplos de rough music no local onde ele estava lecionando, situando sua palestra de forma que o público de Kingston (embora muitos deles tivessem vindo de vários lugares, de Montreal a Toronto) pudesse apreciar.

Essa deferência cuidadosa aos que estavam sentados diante dele era um indicativo da natureza de Thompson: para ele, importava como se dirigir àqueles que leriam seus escritos ou ouviriam suas palestras. Ele queria se conectar com o público, algo em que se esforçava arduamente e considerava vital em seu trabalho de educação de adultos na década de 1950. Mas havia ainda outro aspecto relacionado à sua dedicação em vasculhar os arquivos locais.

Thompson sempre escreveu como um historiador provinciano. Com isso não quero dizer que ele era limitado, mas que pesquisou e escreveu suas histórias nas províncias. Edward construiu suas criativas obras de história a partir de fontes, pessoas, lugares e experiências – para usar uma das palavras que ele defendeu e que foi difamada por tantos que se desviaram para o pós-modernismo – que estavam distantes dos centros de poder metropolitano. Tal como o seu amigo Thomas McGrath, cuja poética americana se passava na agitação do Centro-Oeste, Thompson valorizava a humanidade maltrapilha dos destituídos, um processo de dimensão física e psíquica, bem como política. Ele encontrou o registro dessa humanidade em bibliotecas e outros repositórios locais de documentos empoeirados e deteriorados, fora das metrópoles.

Quanto a isso Thompson foi certamente o oposto de E. J. Hobsbawm, seu equivalente entre os historiadores marxistas britânicos. Eric trabalhou nas metrópoles da Europa e do mundo, sentindo-se à vontade entre os acervos das maiores e mais bem dotadas bibliotecas. A partir do que lera ali, em vários idiomas, Hobsbawm construiu histórias metropolitanas, grandes sínteses de eras definidas pelo capital, pelas barricadas urbanas da revolução e pelos centros do imperialismo. Mesmo quando se aventurou no terreno dos bandidos e rebeldes primitivos, as histórias de Hobsbawm nunca estiveram muito longe do alcance da autoridade metropolitana, que sempre procurou subjugar aqueles amotinados exasperantes. As histórias de Hobsbawm oferecem uma perspectiva do Olimpo; Thompson sempre transmite uma visão mais subterrânea.

O provincianismo de Edward, no sentido positivo da palavra, era genuíno. Ele gostava de estar entre as pessoas, pois elas viviam suas vidas o mais longe possível do alcance do poder. Quando ele e Dorothy estavam em Kingston, quiseram passar uma tarde de sábado no autódromo local, onde apreciaram os cavalos e a multidão, observando, comentando e perguntando. Por mais que Edward se esforçasse na apresentação de suas palestras públicas, não havia nada de encenação em suas interações cotidianas, ocasiões em que ele era a antítese do “professor empolado” com quem muitos cruzamos em nossas vidas acadêmicas.

Thompson podia ser inconstante e às vezes difícil, com sua predileção em argumentar. Ele não deixava ninguém – nem mesmo os amigos íntimos – escapar de sua opinião se percebesse que a pessoa havia dado corda para se enforcar. Ele podia ser duro na defesa dos valores pelos quais vivia, afastando-se de quem, tanto nos círculos acadêmicos como de esquerda, o considerasse demasiado intransigente; suas críticas chegavam mesmo a machucar, o que às vezes era devastador. Mas ele não guardava ressentimento, salvo aqueles que não conseguia controlar quando certos limites políticos fossem definitivamente extrapolados.

A imagem de Thompson como militante intelectual e político talvez seja agora sua caricatura mais comum em certos círculos, com o que se perde muito. Como interlocutor pessoal e como crítico de trabalhos inéditos, ele se entregava ao máximo, compartilhando insights, fontes e reflexões analíticas com uma generosidade prodigiosa. Na tribuna e nos escritos, tanto seu latido como sua mordida poderiam ser altos e fortes, sem dúvida. Mas à mesa de jantar e em reuniões sociais mais íntimas ele era afável e gentil, um convidado e um anfitrião perfeito, o epítome de um amigo dedicado. Acima de tudo, E. P. Thompson foi talvez o mais talentoso escritor na área de história social durante a segunda metade do século XX. Como comentou outro historiador da Inglaterra do século XVIII (e além), Nicholas Rogers, “nunca mais veremos gente como E.P. Thompson.”

E.P. Thompson at Queen’s University, Canada, 1988



I first met Edward and Dorothy Thompson in the mid-1970s, when I was a PhD candidate in the History Department at the State University of New York at Binghamton. No text influenced me more as an apprentice historian than Thompson’s The Making of the English Working Class (1963), a book that Eric J. Hobsbawm described as volcanic, its impact erupting across the terrain of  historiographies in the last four decades of the 20th century.

What made The Making such an explosive study was its multi-dimensional combination of a disciplined, rigorous recovery and reassessment of evidence and its bold, uninhibited insistence that in histories of working men and women we could discern the heroism of refusals and commitment to resistance that might well feed new appetites for struggle in our own times. It truly was a book for its times, the 1960s being, for many of us, a decade nurturing rebellion.

The strengths of The Making seemed to me threefold. First was its mastery of printed texts that was then complemented by deep, locally-embedded research, uncovering much that had never before been explored or that was cavalierly dismissed as irrelevant. Thompson extended such wide reading and discoveries/re-interpretation of evidence into a powerful generalized analytic narrative of struggles won and lost, a recovery of collectivist working-class understandings of alternative to the acquisitive individualism of an emerging capitalism. Second, Thompson refused to bury class formation in the deep ruts of structural determination, the book bristling with human agency’s promise and panache. Finally, Thompson’s tone, at once respectful of his subjects of study and caustically irreverent in its polemical put-downs of condescending ideological and academic cant, was a uniquely invigorating tonic, bracing to all of us who thirsted for liberation from the complacency of the conventional wisdoms of a 1950s intellectual environment.

After meeting in the 1970s, Edward and I corresponded around issues involving historical research and political issues, such as the campaign he spearheaded, European Nuclear Disarmament, or END. I visited the Thompson’s at their country home in Wick Episcopi, enjoying their hospitality and animated discussions about the past and the present.

When, in the mid-1980s, I found myself ensconced in a privileged academic appointment at a fairly well-heeled Canadian university, Queen’s, I arranged to have Edward and Dorothy Thompson visit the History Department. They came for the winter semester, taught courses and, in Edward’s case, gave a series of public lectures which would constitute the core of his Customs in Common: Studies in Traditional Popular Culture, which would be published a few years later, in 1991.

The lectures bore the relatively innocuous subtitle, “Themes in the Social History of England in the 18th-Century,” but they were anything but banal, ranging broadly. They often included Thompson reflecting on a specific topic with asides on wide-ranging literatures reflecting a diversity of transnational thought. Included among the six two-hour sessions were hour long discussions of enclosure and common rights; the moral dimensions of the 18th-century crowd; charivari or ‘rough music’; and the sale of wives viewed through recent discussions of invented traditions. These public performances – and anyone who ever saw Edward lecture knows well that his ‘talks’ were always theatrical, presented with a riveting aplomb that included speaking in dialect, demonstrative gestures, and dramatic delivery – were a tour de force.

More than that, however, they revealed much about Thompson. Just as he took his subjects seriously, he never went on to the stage without being prepared in terms of the particular audience he addressed. This was a feature of his public persona established relatively early in his career with his published lecture, “Education and Experience: Fifth Mansbridge Memorial Lecture,” in which he addressed the issue of adult education, delivering it to those who taught in and were students of this experience.

At Queen’s, Thompson’s “Charivari or ‘Rough Music’ Reconsidered’ opened, not with some example of the English skimmington, but with charivaris that had taken place in the university’s backyard, on the streets of 19th-century Kingston. Edward had taken the trouble to spend some days in the Queen’s University archives, digging through local sources, scouring city-by laws to come up with examples of rough music in the place he was lecturing in, situating his talk in ways that a Kingston audience (although there were many in attendance from an array of places, from Montreal to Toronto) could be expected to appreciate.

This thoughtful bow to those seated before him was indicative of Thompson’s nature: it mattered to him how he addressed those who would read his writing or listen to his lectures. He wanted to connect, something he worked hard at and considered vital in his early adult education work in the 1950s. But there was another dimension to his taking time to sift through local archives as well.

Thompson always wrote as a provincial historian. By this I do not mean he was narrow. Rather, he researched and wrote his histories from the provinces. Edward constructed his imaginative works of history out of sources, people, places, and, to use one of the words he championed and that so many who detoured into postmodernism denigrated, experiences that were distant from the centres of metropolitan power. Like his friend, Thomas McGrath, whose American poetics were set in the rough and tumble of the Midwest, Thompson valued nothing more than the frayed humanity of those displaced by authority, a process with a physical and psychic, as well as political, dimension. He found the record of this in local, rather than metropolitan, libraries and other depositories of dusty and deteriorating documents.

In this Thompson was certainly the opposite of his counterpart among the British Marxist Historians, E. J. Hobsbawm. Eric worked out of the metropoles of Europe and the world, comfortable in the collections of the largest and best-endowed libraries. From what he read there, in numbers of languages, Hobsbawm constructed metropolitan histories, broad sweeping syntheses of ages defined by capital, the urban barricades of revolution, and empires with their vison of imperial dominance. Even as he ventured onto the terrain of primitive rebels and bandits, Hobsbawm’s histories were never far-removed from the reach of metropolitan authority that always sought to bring such irksome mutineers to heel. Hobsbawm’s histories offer an Olympian view; Thompson’s always convey a more subterranean vision.

Edward’s provincialism, in the positive sense of the word, was genuine. He enjoyed being among people as they lived their lives as much away from the reach of power as they could manage. When he and Dorothy were in Kingston they wanted to spend a Saturday afternoon at the local race track, where they enjoyed the horses and the crowds, watching, commenting, and questioning. As much as Edward worked at staging his public lectures, there was nothing postured in his everyday interactions, where he was the antithesis of “the pompous professor” that many of us have crossed paths with in our academic lives.

Thompson could be mercurial, sometimes difficult in his penchant for argument. He was not one to let anyone else, even close friends, off hooks that he thought they had impaled themselves on of their own making. He could be rough in defending the values he lived by, alienating some in both academic and left-wing circles who thought him too uncompromising, even wounding in his criticism, which could be devastating. But he bore no grudges, save for those he could not soften when specific political lines were definitively crossed.

Thompson as intellectual and political combatant is perhaps the caricature of Edward now commonplace in certain circles. Yet this misses much. As a private correspondent and critic of unpublished work he was giving to a fault, sharing insights, sources, and analytic reflections with a prodigious generosity. At the podium and on the page, both his bark and his bite could be loud and hard, to be sure, but at the dinner table and in the close encounters of sociability he was affable and considerate, the consummate host or guest, the epitome of a caring friend. Above all else, E. P. Thompson was perhaps the most gifted writer in the field of social history during the last half of the 20th-century. As another historian of 18th-century England (and more), Nicholas Rogers, has commented, “we shall never see the likes of E.P. Thompson again.”