LMT #132: Oficinas de conserto de trens da Great Western of Brazil, Jaboatão (PE)



Distante 17 quilômetros de Recife, Jaboatão está localizado na região metropolitana da capital pernambucana, entre a zona da mata e o litoral. Durante décadas, a principal característica da cidade foi a de ser um dos maiores centros ferroviários do país, abrigando as linhas, estações, prédios administrativos e as oficinas de conserto de trens da Great Western of Brazil (GWB). 

Os destinos da cidade e da empresa inglesa começaram a se entrelaçar em 1901, quando a GWB arrendou a Estrada de Ferro Central de Pernambuco, responsável pela construção do primeiro trecho de via férrea que ligava Recife a Jaboatão, inaugurado em março de 1885. Em 1910, a direção da GWB decidiu transferir as oficinas de Palmares para Jaboatão e a cidade passou a contar com o maior parque de consertos ferroviários do nordeste brasileiro.

A chegada das oficinas aumentou a população e alterou a dinâmica socioeconômica da região. Milhares de postos de trabalho foram criados, uma vila operária foi erguida e obras de infraestrutura viária transformaram a paisagem local. Por volta de 1935, cerca de 600 operários trabalhavam nas instalações como carpinteiros, pintores, serralheiros, torneiros, montadores e outras funções necessárias para manutenção de locomotivas, carros e vagões. Na década de 1960, a quantidade de operários trabalhando nas oficinas aumentou para cerca de 1.500.

Além disso, mais de 1.000 empregados da GWB moravam no entorno das oficinas, alguns deles na Vila Operária de Cascata, construída pela empresa para abrigar as famílias dos trabalhadores da estrada de ferro que chegavam do interior. Os aspectos culturais do cotidiano também foram alterados. Todos os dias de manhã, as sirenes das oficinas apitavam convocando os empregados ao início do expediente, despertando não somente os operários que precisavam bater o ponto, mas também aqueles que moravam nas proximidades, regulando o horário de parte da cidade.


Desde a chegada das oficinas em Jaboatão, a cidade se tornou local de grande concentração de trabalhadores e foco de agitações políticas.


Os ferroviários da Great Western contavam com um sindicato bastante combativo e atuante, que promovia greves com relativa frequência. Os trabalhadores também criaram uma sociedade beneficente dedicada ao pagamento de auxílios e benefícios relacionados à segurança social e à saúde.  Com uma intensa vida comunitária, os empregados da GWB ainda tinham uma Sociedade Musical Operária e um clube chamado Associação Atlética Great Western. Fundado em 1928, o time chegou a disputar a primeira divisão do campeonato pernambucano de futebol em 1936. Com o passar dos anos, a agremiação mudou o nome para Ferroviário Esporte Clube do Recife e em 1955 se tornou o Clube Ferroviário do Recife, que existe até os dias de hoje.

Nos anos 1930, o  Partido Comunista do Brasil (PCB) ganhou importante apoio entre os ferroviários. Não por acaso, o epicentro da Insurreição Comunista de 1935 em Pernambuco se deu em Jaboatão. Uma greve iniciada pelos operários que trabalhavam nas oficinas no início de novembro daquele ano animou os comunistas, que há tempos vinham articulando uma revolta em nível nacional.

Quando a revolta eclodiu em Pernambuco, com o levante do 29º Batalhão de Caçadores, parte dos ferroviários aderiu ao movimento, principalmente aqueles que trabalhavam no parque de consertos. A sede do sindicato dos trabalhadores, localizada na plataforma de trens de Jaboatão e próxima às oficinas, se tornou ponto de apoio dos insurgentes e depósito para armas e munição trazidas das unidades militares sublevadas para serem distribuídas aos entusiastas das causas revolucionárias. O tráfego de trens foi paralisado, veículos da companhia foram colocados à disposição dos rebeldes e funcionários que não aderiram ao movimento foram perseguidos.

Logo após a insurreição ser controlada, tanto o sindicato como a sociedade beneficente deixaram de ser reconhecidos pelo Estado como entidades de representação da categoria e terminaram sendo dissolvidas. Os ferroviários apontados como participantes da revolta foram presos e condenados e presos no Presídio Agrícola de Fernando de Noronha. Após cumprirem a pena, alguns desses trabalhadores desistiram da militância e cortaram totalmente seus laços com o PCB. Outros, no entanto, retomaram as atividades político-partidárias, sendo, inclusive, vigiados pelas forças policiais até o golpe civil-militar de1964, quando uma nova onda repressiva atingiu Jaboatão.

Na década de 1940, os galpões passaram por reformas e as oficinas foram ampliadas, ocupando uma área de 42.227 m². Contudo, em 1948, diante de uma forte crise financeira agravada pela Segunda Guerra Mundial, a GWB antecipou o término da concessão e entregou suas operações para a recém-criada estatal Rede Ferroviária do Nordeste. Em 1957, nova mudança: toda a malha ferroviária brasileira passou a ser de responsabilidade da Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA), que passou também a administrar o espólio da GWB.

Com a extinção da RFFSA, em 2007, grande parte das antigas instalações da estrada de ferro inglesa foi abandonada. Atualmente, os passageiros do metrô que descem na estação Jaboatão podem ver parte do que sobrou da antiga estrutura construída pela GWB no início do século XX. É que a moderna estação de metrô está localizada justamente onde antigamente ficavam as oficinas ferroviárias da Great Western e a estação ferroviária, que ainda permanecem em ruínas.

Fac-símile do jornal Folha do Povo (Recife) noticiando a greve dos ferroviários de Jaboatão em novembro de 1935. Folha do Povo, 11 de novembro de 1935.


Para saber mais:

  • LIMA, Bruno Sousa. Jaboatão sublevado: a participação dos ferroviários da Great Western na insurreição comunista de 1935. Dissertação (Mestrado em História). Universidade de Brasília. Distrito Federal. 2023.
  • MUSEU DA PESSOA. Um trem de histórias: registro e disseminação dos saberes e ofícios da Rede Ferroviária do Nordeste – Módulo Pernambuco (5 vols.). Recife: IPHAN, 2010.
  • PROCHNOW, Lucas Neves. O Iphan e o patrimônio ferroviário: a memória ferroviária como instrumento de preservação. 177 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural) – IPHAN, Rio de Janeiro, 2014.
  • SIQUEIRA, Tagore Villarim de. As primeiras ferrovias do nordeste brasileiro: processo de implantação e o caso da Great Western Railway. In Revista do BNDES, Rio de Ja-
  • neiro, V. 9, no 17, p. 169-220, jun. 2002.
  • VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 1935: sonho e realidade. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

Crédito da imagem de capa: Vista área dado complexo Ferroviário de Jaboatão nos anos 1960. Acervo Luiz Ruben Ferreira de Alcântara Bonfim. 


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

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