LMT #137: Minas de Carvão de Zollverein, Essen, Alemanha – Stefan Berger

Stefan Berger
Professor de História Social e Diretor do Instituto para Movimentos Sociais da Ruhr-Universitaet Bochum
Em 2001, o complexo da mina de carvão Zollverein, incluindo a coqueria, recebeu o status de Patrimônio Mundial da UNESCO — na época, um dos poucos sítios de patrimônio industrial a receber essa distinção máxima. Nos últimos quinze anos, o complexo tem sido a joia da coroa do patrimônio formado pela paisagem industrial no vale do Ruhr, na Alemanha, que dificilmente encontra paralelo em qualquer outra parte do mundo. Dezenas de minas de carvão, siderúrgicas, montes de resíduos, canais, conjuntos habitacionais operários e outras formas materiais e imateriais de patrimônio industrial constituem a base de uma paisagem da memória que está ligada não tanto à história da classe trabalhadora da região, mas sim às suas duas indústrias dominantes — o carvão e o aço, respectivamente.
Zollverein foi fundada em 1847, bem ao lado da linha ferroviária construída no mesmo ano, o que garantia o transporte eficiente de carvão. Uma coqueria foi adicionada em 1866. A mina foi continuamente expandida antes da Primeira Guerra Mundial, e sua capacidade de produção atingiu um novo patamar durante o período, com 2,5 milhões de toneladas de carvão produzidas anualmente. No final dos anos 1920, eram produzidas 12.000 toneladas de carvão por dia, e a Zollverein havia se tornado uma das mais modernas e maiores minas do mundo. Seu design em estilo Bauhaus também lhe garantiu o apelido de “a mina mais bonita do mundo”. Quase milagrosamente, sobreviveu quase ilesa aos pesados bombardeios do Ruhr durante a Segunda Guerra Mundial e, em 1953, já era novamente a mina mais produtiva do Ruhr e de toda a Alemanha Ocidental, com uma produção anual de 2,4 milhões de toneladas de carvão.
A crise do carvão após 1959 levou a uma redução gradual da capacidade da Zollverein, até seu fechamento em 1986. A coqueria sobreviveu até 1993. Já protegida como patrimônio desde os anos 1980, o local onde, em seu auge, milhares de mineiros trabalharam arduamente, transformou-se em um espaço de patrimônio industrial gerido pela Fundação Zollverein. O Museu do Ruhr, principal museu regional da área do Ruhr, instalou-se na antiga unidade de lavagem de carvão da mina em 2010. Atualmente, cerca de 700.000 visitantes, muitos deles estrangeiros, visitam o museu e o território da antiga mina, onde podem escolher entre uma ampla variedade de visitas guiadas.
O que os visitantes do complexo de Zollverein e de centenas de outros sítios semelhantes aprendem é, acima de tudo, uma história sobre poder econômico, progresso tecnológico, engenhosidade de engenheiros e empreendedores, e sim, os trabalhadores que operavam as minas e forjas também são mencionados, mas como exatamente eles são representados?
Os mineiros de carvão chegaram antes dos trabalhadores das usinas siderúrgicas, e sua história inicial, que remonta ao início da era moderna, recebe bastante atenção. A história dos mineiros de carvão no Ruhr está intimamente ligada ao Estado prussiano, que assumiu o controle da região após as Guerras Napoleônicas. Como funcionários do Estado prussiano, gozavam de um status elevado como profissionais respeitados, com jornada de trabalho de oito horas, salários decentes e condições de trabalho razoáveis. Em troca, eram súditos leais à coroa prussiana. Com a privatização das minas e a liberalização da economia a partir dos anos 1860, os mineiros passaram a enfrentar as incertezas do mercado e viram suas condições de trabalho e salários piorarem, assim como seu status geral na sociedade. Visto que seus apelos ao rei não eram atendidos, eles passaram, com certo atraso, a organizar seus próprios interesses por meio da criação de sindicatos. No entanto, os donos das minas no vale do Ruhr eram absolutamente contrários à sindicalização e faziam de tudo, geralmente com o apoio das autoridades, para manter suas posições de “senhores em sua própria casa”. Assim, foi apenas após mais uma greve fracassada, em 1889, que os mineiros conseguiram fundar uma organização sindical permanente, o chamado Alter Verband. Contudo, os mineiros logo se dividiram ideologicamente entre social-democratas, católicos e até mesmo um pequeno sindicato polonês, que organizava os numerosos mineiros de língua polonesa que haviam migrado para o vale do Ruhr em busca de melhores condições de vida e ali enfrentavam forte discriminação.
A história dos trabalhadores das siderúrgicas é ligeiramente diferente: eles nunca gozaram do tipo de proteção estatal que os mineiros desfrutaram antes da plena ascensão do capitalismo liberal nas décadas de 1860 e 1870. Eles formaram sua primeira organização sindical permanente quase ao mesmo tempo que os mineiros, em 1891. Após o fim das Leis Antissocialistas na Alemanha, em 1890, que haviam reprimido severamente todas as organizações socialistas, os movimentos sindicais prosperaram em geral durante os anos de 1890. No entanto, eles, em grande parte, falharam, especialmente no setor de carvão e aço, em levar os empregadores à mesa de negociações. Estes últimos, porém, não apenas fecharam fileiras contra os sindicatos e buscaram reprimi-los. Eles também tentaram vincular a lealdade dos trabalhadores às suas respectivas empresas, oferecendo a eles uma gama de benefícios e recompensas, incluindo boas moradias, seguros contra acidentes e doenças, planos de aposentadoria, hospitais da empresa, lojas de alimentos subsidiadas, entre outros. As indústrias Krupp, no Ruhr, foi um dos principais exemplos de paternalismo empresarial na Alemanha Imperial. Seus proprietários orgulhavam-se de cuidar de seus trabalhadores em troca da lealdade destes à empresa.
Sob essas condições, não surpreende saber que os Social-Democratas, durante muito tempo, não conseguiram se tornar a força política dominante na região do Ruhr. O Catolicismo Social e o Liberalismo Nacional eram ambos mais influentes, sendo o primeiro especialmente forte entre os trabalhadores católicos da região. Além disso, o extraordinário sucesso econômico da Alemanha Imperial não deixou os trabalhadores alemães indiferentes. Eles começaram a se sentir fortemente alemães no novo Estado-nação, tanto que, após o início da Primeira Guerra Mundial, a grande maioria deles se sentiu incapaz de se opor ao conflito. Até mesmo os Social-Democratas votaram unânimes a favor da guerra no Reichstag alemão em setembro de 1914.
Especialmente no Museu do Ruhr, os visitantes aprendem muito sobre os desdobramentos políticos ligados à história da classe trabalhadora. Assim, descobrem que os Social-Democratas, muito antes de 1914, já estavam divididos quanto ao caminho político a ser seguido — reformista e gradualista ou revolucionário. A guerra logo aprofundou essas divisões, o que acabou levando à cisão do partido. No Ruhr, tanto os Social-Democratas Majoritários (de orientação reformista) quanto os Social-Democratas Independentes (mais revolucionários) tinham seus redutos em diferentes cidades da região. Quando a Revolução Alemã de 1918 pôs fim ao derrotado Império Alemão, ambos os partidos formaram um governo de unidade, que, no entanto, não durou. Quando a ala à esquerda dos Socialistas Independentes, juntamente com outros grupos radicais minoritários, fundaram o Partido Comunista da Alemanha em janeiro de 1919, ele quase não tinha apoio entre os trabalhadores do Ruhr — mas isso mudaria rapidamente.
Se a insurreição comunista do início de 1919 se concentrou em Berlim, onde também foi derrotada, foi o Ruhr que assumiu o centro do palco nos acontecimentos revolucionários de 1920. Após o Kapp Putsch, um golpe da direita, contra a jovem República de Weimar, formou-se na região o chamado “Exército Vermelho do Ruhr”, à medida que os trabalhadores se armaram e buscaram não apenas defender a república contra a direita, mas também empurrá-la mais na direção de uma república social, já que muitos estavam decepcionados com os ganhos limitados proporcionados pela Alemanha republicana. No entanto, a desunião dentro das fileiras do Exército Vermelho do Ruhr e a brutal repressão imposta por paramilitares de direita a serviço da recém-estabelecida república transformaram o “Vermelho do Ruhr” e a chamada “luta do Ruhr” apenas em um episódio da história inicial da República de Weimar — ainda que seja, sem dúvida, um evento sobre o qual aprendemos em locais como o Museu do Ruhr.
Contudo, a história principal logo retorna à trajetória econômica da Alemanha e o papel das indústrias de mineração e siderurgia do Ruhr em impulsionar esse processo. Com a estabilização da república entre 1924 e 1928, parecia que a Alemanha se recuperaria rapidamente da catástrofe que foi a Primeira Guerra Mundial. Zollverein foi modernizada para se tornar uma das maiores e mais modernas minas de carvão do mundo. Isso sinalizava ao mundo que a Alemanha estava de volta como uma das principais economias do mundo. Seu nome patriótico — a união aduaneira alemã (Zollverein), amplamente vista como precursora da unificação alemã em 1871 — parecia ideal para representar essa ascensão das cinzas. No entanto, a Grande Depressão pôs fim a essas esperanças, já que os trabalhadores alemães no Ruhr e em outras partes do país foram os mais atingidos pelo desemprego em massa que acompanhou a pior recessão da história global do século XX.
A ascensão dos nazistas na Alemanha não é ignorada pelo patrimônio da paisagem industrial do Ruhr. Os visitantes aprendem que isso não pode ser reduzido a um resultado da crise econômica, mas que ela certamente foi um fator contribuidor. No entanto, os nazistas sabiam que muitos trabalhadores não estavam convencidos por seu novo regime. Os meios sociais-democratas e católicos foram alguns dos mais resistentes às investidas dos nazistas. O Partido Comunista Alemão havia se tornado o partido comunista mais forte fora da União Soviética nos anos de 1920 e início de 1930. Tudo isso explica por que os Nacional-Socialistas no governo iniciaram uma ofensiva de conquista deliberada voltada aos trabalhadores, especialmente em regiões industriais como o Ruhr e em cidades claramente “vermelhas” como Berlim. Embora essa ofensiva, caracterizada por um bem estar (welfare) racializado e por várias vantagens prometidas aos trabalhadores – de carros populares até férias baratas – tenha sido acompanhada desde o início por terror contra todos aqueles que resistiam aos nazistas, há evidências consideráveis de que o ideal da Volksgemeinschaft (Comunidade Nacional) se mostrou atraente para muitos trabalhadores, incluindo os do Ruhr.
Após outra guerra mundial perdida, com os nazistas derrotados, a região do Ruhr voltou a ser central para permitir que a ascensão econômica da Alemanha se tornasse um motor fundamental para uma história de sucesso europeia, que é a mensagem central da narrativa do patrimônio industrial na Zollverein e no Ruhr de maneira mais geral. A região do Ruhr também foi a razão para a formação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a origem da atual União Europeia. Assim, uma história importante que o patrimônio industrial do Ruhr conta é a de um triunfo: sem o Ruhr, não haveria a ascensão da Alemanha para se tornar a economia mais forte da Europa pouco antes da Primeira Guerra Mundial; sem o Ruhr, não haveria uma ascensão semelhante à fênix das cinzas da Primeira e da Segunda Guerra Mundial e, sem o Ruhr, não haveria União Europeia. O orgulho regional se combina com o orgulho nacional nessa narrativa.
No que diz respeito a sorte dos trabalhadores alemães, a nova reconfiguração das relações industriais significou o estabelecimento de um corporativismo que deu aos sindicatos uma voz importante na administração das empresas. Os conselhos se tornaram instituições poderosas dentro das empresas, com forte representação de sindicalistas nos conselhos administrativos. A democracia no local de trabalho deveria acompanhar a democracia política da República Federal, e um espírito de parceria social entre o capital e o trabalho que beneficiaria ambos. Assim, a história conta que a Alemanha encontrou a fórmula que permitiu à sua economia nacional se tornar uma das mais bem-sucedidas do mundo, com os trabalhadores recebendo sua parte da prosperidade.
Em nenhum lugar a democracia industrial foi mais forte do que na região do Ruhr, onde as autoridades britânicas de ocupação já haviam estabelecido a representação igualitária de trabalhadores e gestão nos conselhos administrativos das indústrias de carvão e aço da região em 1947.
Embora haja preocupação já há alguns anos sobre o crescente número de empregadores que estão deixando o modelo de parceria social e cogestão, e embora os sindicatos sem dúvida tenham se tornado mais fracos, eles continuam sendo organizações poderosas na sociedade alemã, com forte influência sobre a Social-Democracia e a Democracia-Cristã. No que diz respeito à história dos trabalhadores contada em locais como Zollverein, o que é enfatizado é que, no Ruhr, sindicatos, junto com empregadores e o Estado tiveram sucesso em coordenar uma transição do carvão e do aço que não foi apenas ambientalmente sustentável, mas também socialmente justa. Hoje, o Ruhr é uma das regiões mais pobres da Alemanha, mas não se transformou em um “cinturão da ferrugem” alemão. Em comparação com outras regiões do Norte Global dependentes de carvão e aço, o Ruhr foi relativamente bem-sucedido em se reinventar, diversificando sua base industrial e mudando para uma economia voltada para o setor de serviços. Assim, encontramos nesta narrativa outro triunfo — desta vez, o sucesso em lidar com a desindustrialização, sem deixar os trabalhadores para trás, mas protegendo-os das incertezas do mercado livre.
Aqui, forneci um resumo da principal narrativa que os visitantes encontram sobre os trabalhadores do Ruhr quando visitam o complexo Zollverein, especialmente o excelente Museu do Ruhr, localizado na antiga unidade de lavagem de carvão do complexo, e em muitos outros locais do patrimônio industrial da região. Podemos resumir essa narrativa a um duplo sucesso — o da industrialização e o da desindustrialização. No entanto, essa narrativa da memória tem falhado em impedir o avanço do populismo de direita, que tem conquistado apoio substancial entre a classe trabalhadora branca do Ruhr. O Alternative für Deutschland (AfD, Alternativa Para a Alemanha) tem um de seus mais fortes redutos na região do Ruhr. Em Gelsenkirchen, o partido até se tornou a maior força nas recentes eleições gerais do país, em fevereiro de 2025, superando pela primeira vez os Social-Democratas, que haviam detido maiorias nesta cidade desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
O sucesso do AfD sinaliza que grandes setores da classe trabalhadora alemã, não apenas no Ruhr, consideram a narrativa do “duplo triunfo” não convincente. Ao contrário, eles sentem que seus sucessos arduamente conquistados na antiga República Federal estão ameaçados e que sua posição social está se deteriorando. E, nessa situação, a narrativa triunfalista do patrimônio industrial soa vazia e sem sentido. Portanto, as forças progressistas na política do Ruhr terão que repensar como reformular sua principal história sobre o passado, para que seja mais convincente no presente e recupere o futuro. A alternativa seria horrível: a ascensão de uma nova direita populista na Alemanha, quase cem anos após o sucesso dos Nazistas.

Museu do Ruhr em Zollverein atualmente.Imagem: Zollverein Foundation.
Tradução: Yasmin Getirana
Para saber mais:
- Stefan Berger, ‘Industrial Heritage and the Ambiguities of Nostalgia for an Industrial Past in the Ruhr Valley, Germany’, Labor: Studies in Working Class History 16:1 (2019), pp. 37 – 64.
- Stefan Berger, Christian Wicke Um imaginário pós-industrial? A popularização do patrimônio industrial no Ruhr e a representação de sua identidade regional, Estudos Históricos, vol. 7, n. 24, 2014.
- Stiftung Zollverein (ed.), The Zollverein World Heritage Site: the Past and Present History of the Zollverein Mining Complex and Coking Plant. Essen: Klartext, 2008.
- Bart Zwegers, ‘Zeche Zollverein: from Eyescore to Eyecatcher‘, in: idem, Cultural Heritage in Transition: a Multi-Level Perspective on World Heritage in Germany and the United Kingdom, 1970 – 2000, Cham: Springer, 2022, pp. 131 – 156.
- https://www.zollverein.de/zollverein-unesco-world-heritage-site
- https://www.route-industriekultur.ruhr/en
Crédito da imagem de capa: Miner with mining hammer in the 1950s Rights: © Photo: Zeche Zollverein e.V.
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