Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho

Chão de Escola #46: O colonialismo e as relações de trabalho na contemporaneidade – um olhar através do cinema africano, por David Marinho


David Marinho de Lima Junior (Professor de História nos municípios de Cabo Frio e Maricá)


Apresentação da atividade

Segmento: Ensino Médio

Unidade temática: Política e Trabalho

Objetos de conhecimento:
Descolonização da África contemporânea, relações étnico raciais na contemporaneidade e relações de trabalho na contemporaneidade

Objetivos gerais:
– Apresentar aos educandos uma narrativa africana sobre o desdobramento do processo de independência política do continente.
– Analisar as questões de classe, raça e gênero presentes no filme “La Noire de …
– Identificar nas relações de trabalho da contemporaneidade as permanências do colonialismo europeu.

Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC):

(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.
(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc, desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.
(EM13CHS503) Identificar diversas formas de violência (física, simbólica, psicológica etc), suas principais vítimas, suas causas sociais, psicológicas e afetivas, seus significados e usos políticos, sociais e culturais, discutindo e avaliando mecanismos para combatê-las, com base em argumentos éticos.

Duração da atividade: 

Aulas Planejamento
01Etapa 1
02Etapa 2
03Etapa 3

Conhecimentos prévios:
– Política colonial francesa em África;
– Contexto das independências africanas no pós 1945;
– Panafricanismo


Atividade

Atividade e recursos: Computador com acesso à internet, projetor e caixa de som, ou TV com acesso à internet

Considerando que os educandos já estão familiarizados com o contexto pós 1945 no continente africano, a primeira etapa consiste em apresentar a biografia de Ousmane Sembène. O professor pode contextualizar a trajetória do cineasta em uma aula expositiva ou usar o storytelling como ferramenta. A proposta é ressaltar a agência africana frente ao colonialismo e despertar o interesse dos educandos pela sua obra. Para facilitar, seguem alguns destaques da trajetória do cineasta:

Ousmane Sembène nasceu em 1923 na região da Casamansa, território ao sul da Gâmbia que hoje faz parte do Senegal, marcado pela insurgência e pela pluralidade étnica. A Casamansa nunca foi completamente pacificada pelos franceses, até hoje existe uma luta separatista pela independência da região. Importante ressaltar que a manutenção de sua pluralidade é uma das principais bandeiras da região, contrariando uma percepção comum sobre as realidades africanas de que a pluralidade étnica resulta em conflitos e enfraquecimento.
Sembène teve uma educação corânica em sua família (o Islã é a religião majoritária na região) e teve acesso ao sistema de educação francês por conta de seu pai ser originalmente de Dacar. (Dacar era uma das quatro comunas francesas que davam acesso à “cidadania” francesa aos africanos colonizados através da política de assimilação cultural. Obviamente, uma cidadania de segunda classe)
O futuro cineasta foi expulso da escola francesa na Casamansa após revidar a agressão de um professor francês e em 1938 se mudou para Dacar, sob os cuidados de um tio, onde deu sequência aos estudos em outra escola francesa.
Em 1943 se alistou nos Atiradores Senegaleses, tropa que reunia africanos de toda a antiga África Ocidental Francesa (AOF) para lutar na Segunda Guerra Mundial.
A guerra foi um marco na formação da visão de mundo de Sembène, no exército ele vivenciou o racismo e a segregação racial, passando a questionar a suposta dívida que os africanos teriam com os franceses, segundo a educação oferecida pelos franceses nos moldes assimilacionistas.
Em 1946, ele deixa o exército e vai tentar a vida em Marselha, na França. Trabalhou como estivador e se aproximou do movimento sindical. Já não era mais uma pessoa religiosa e se ressentia pela falta de reconhecimento da participação de soldados negros africanos na guerra.
Filiou-se ao Partido Comunista Francês, se tornando um proeminente membro da Confédération générale du travail (CGT) em 1950.
No início da década de 1950, sofreu um grave acidente de trabalho que o levou a ficar meses de cama. Nesse tempo, se dedicou aos livros da biblioteca da CGT, notando assim uma ausência sistemática de protagonistas africanos na literatura. Movido por esse incômodo, decidiu se dedicar à literatura com a finalidade de contribuir para o fim dessa exclusão.
Publicou alguns livros de boa repercussão até a década de 1960, quando percebeu que a literatura tinha um alcance muito restrito em África, percebeu que suas obras ficavam restritas a círculos intelectuais e que, para alcançar o grande público africano, o cinema seria uma ferramenta mais eficiente.
Com a mediação de alguns contatos da CGT, no início da década de 1960 Sembène vai estudar cinema na União Soviética, onde foi discípulo de Mark Donskoy, e retornou pronto para revolucionar o cinema e dar início ao que conhecemos como Cinema Africano.


O filme possui aproximadamente uma hora, portanto é possível exibi-lo na íntegra em dois tempos de aula com uma certa folga, já contando pequenos imprevistos. Para a exibição do filme, é importante criar um roteiro de análise para os educandos e educandas. Seguem uma sugestão de roteiro e uma análise isotópica do filme que pode servir de subsídio para o professor se preparar para a exibição:

Sugestão de roteiro de análise:

  1. O que a França e os patrões brancos representavam para a protagonista?
  2. Essa visão é compartilhada por outros personagens africanos presentes no filme? Exemplifique:
  3. As relações de trabalho encontradas na França atenderam as expectativas da protagonista? Explique:
  4. Mesmo o filme retratando um Senegal independente, é possível identificar a presença do colonialismo nas relações? Exemplifique:
  5. É possível identificar formas de resistência ao colonialismo no filme? Explique:
  6. É possível traçar paralelos entre as relações apresentadas no filme e a nossa realidade, tanto presente quanto passada? Justifique:

A última etapa consiste em uma roda de conversa tendo como base o roteiro de análise respondido pelos educandos e educandas e conduzido pelo professor ou professora no sentido de relacionar as permanências do colonialismo em nossas relações sociais, especialmente nas relações do mundo do trabalho.
O professor ou professora deve aproveitar os pontos trazidos pelos educandos, mas buscar sempre manter o foco na maneira como a mentalidade introduzida pelo colonialismo europeu (racista, sexista, escravista) ainda pode ser claramente percebida em nosso cotidiano, ressaltando a atualidade de uma história contada através de um filme de 1966.
Para fechar, sugiro pegar o gancho das questões presentes no filme para trazer essas questões para ainda mais próximo com alguns apontamentos sobre a “PEC das Domésticas” e suas repercussões na mídia e na classe média brasileira. Ressaltando as resistências para a superação de claros traços de nossa herança escravista, ao considerar a conquista de direitos básicos para as empregadas domésticas como um problema para o Brasil.


Bibliografia e Material de apoio:

ARMES, Roy. O cinema africano: uma tentativa de definição. In: África: um continente no cinema. FERREIRA, Carolin Overhoff (org.). São Paulo: Editora Unifesp, 2014

BAMBA, Mahomed. O(s) Cinema(s) Africano(s): No singular e no plural. In: Cinema Mundial Contemporâneo. BAPTISTA, Mauro; MASCARELLO, Fernando (orgs.). Campinas: Papirus, 2008.

BOAHEN, A. Adu.; SURET-CANALE, Jean. A África Ocidental In: História Geral da África – África desde 1935. MAZRUI, Ali A.; WONDJI, Christophe. (editores). São Paulo: Cortez, 2011.

GADJIGO, Samba. Ousmane Sembène – The Making of a Militant Artist. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 2010.

ILIFFE, JOHN. Os africanos – História dum continente. Lisboa: Terramar, 1999

LIMA JUNIOR, David Marinho de. Descolonizando as mentes – Ousmane Sembène e a proposta de um cinema africano da década de 1960. 115 f. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, RJ, 2012.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.

PARADA, Mauricio; MEIHY, Murilo Sebe Bon; MATTOS, Pablo de Oliveira. História da África Contemporânea. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio : Pallas, 2013.

THIONG’O, Ngugi Wa. A descolonização da mente é um pré-requisito para a prática criativa do cinema africano? In: Cinema no Mundo – Indústria, política e mercado. MELEIRO, Alessandra (org.). São Paulo: Escrituras Editora, 2007.

__________. Decolonising the Mind – The Politics of Language in African Literature. London: James Currey, 1997.

Filme
La Noire de … (Black Girl)
Senegal / França – 1966 – 65m – preto e branco – 35mm
Produção: Les Actualités Françaises (França) / Films Domirev (Senegal) / Ministère Coopération (França)


Créditos da imagem de capa: Ousmane Sembène, pioneiro do cinema africano, atuando como um professor de escola popular em seu filme “La Noire de …”


Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral, Samuel Oliveira, Felipe Ribeiro, João Christovão, Flavia Veras e Leonardo Ângelo.

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