Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho

LMT #128: Fábrica de Cimento Perus, São Paulo (SP) – Maria Helena Bertolini Bezerra e Pedro Augusto Bertolini Bezerra





Quem já participou de mobilizações e manifestações promovidas pelos movimentos sociais de Perus, provavelmente já se deparou com o lema “Firmeza Permanente”. A expressão utilizada pelos trabalhadores da Fábrica de Cimento, não se refere apenas às lutas dos operários da região, mas também se firmou como identidade de grupos organizados que lutam por justiça social e pela preservação da memória e divulgação da história do bairro.

Inaugurada em 1926, a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus (CBCPP), a maior e mais moderna fábrica de cimento do país à época, estava ligada ao processo de industrialização nacional apoiado por capital estrangeiro, nesse caso, canadense.

Afastada da região central da cidade de São Paulo, no distrito de Perus, a localização da fábrica foi favorecida pela proximidade da área de extração de calcário e pela presença das linhas férreas Perus-Pirapora (1914), que transportava a matéria-prima da cidade vizinha, Cajamar, até a fábrica; e a São Paulo Railway (1867), possibilitando o escoamento do cimento produzido. A instalação da fábrica de cimento foi de grande importância para a urbanização paulistana, fornecendo grande parte do material necessário para a construção de parte importante da cidade, em pleno processo de expansão.

A presença da fábrica atraiu trabalhadores de todas as regiões do país, em particular do Nordeste, mas também alguns estrangeiros. Em sua maioria homens, a CBCPP chegou a ter cerca de 1.400 operários em seu auge, no início da década de 1960. Nos terrenos de propriedade da empresa foram criadas vilas operárias, que dispunham de boa infraestrutura. A mais conhecida delas era a Vila Triângulo. No bairro como um todo, formaram-se vários loteamentos para acomodar a massa de trabalhadores considerados de menor qualificação.

Em 1951, a fábrica de cimento e todo complexo produtivo, incluindo a ferrovia, pedreiras de calcário, o Sítio Santa Fé (fazenda de reflorestamento situada em Perus) e terras que abrangem aproximadamente 60% do território do atual município de Cajamar, foram compradas por José João Abdalla, médico, deputado federal e Secretário do Trabalho no governo Adhemar de Barros (1950 – 1951).

À frente da administração da fábrica, Abdalla resolveu incrementar a produção de cimento sem alterar a capacidade produtiva da indústria, sobrecarregando os trabalhadores e a maquinaria, o que logo lhe rendeu a fama de “mau patrão”. Naquele contexto, o Sindicato dos Trabalhadores de Cimento, Cal e Gesso, ganhou reconhecimento entre os operários, ao organizar uma forte resistência à superexploração do trabalho. Com a assessoria do advogado Mário Carvalho de Jesus, um dos fundadores da Frente Nacional do Trabalho (FNT), organização inspirada nos princípios do solidarismo cristão, emergiu um poderoso movimento operário que envolvia os ideais da não-violência ativa, uma das principais estratégias da esquerda católica.

Em 1958, ocorreu uma primeira grande paralisação na empresa conhecida como a greve dos 46 dias, em que os trabalhadores reivindicavam aumento salarial e melhores condições de trabalho. A unidade, firmeza e apoio da comunidade, tornaram-se características marcantes das diversas greves dos trabalhadores da fábrica de cimento que ocorreram naquele período. Os operários de Perus passaram a ser conhecidos como “queixadas” (um porco do mato, que quando ameaçado se une em manada, bate o queixo e enfrenta o caçador), apelido surgido numa assembleia sindical.


Foi, no entanto, a greve iniciada em 14 de maio de 1962, que tornou os “queixadas” protagonistas de um dos movimentos mais importantes da história dos trabalhadores brasileiros.


Entre idas e vindas, liderados por João Breno, o movimento durou 7 anos. Diante da férrea intransigência patronal em atender as reivindicações e da repressão estatal, ainda mais acirrada com o golpe de 1964 e a intervenção ministerial no sindicato, muitos operários voltaram ao trabalho. Uma grande parte, no entanto, permaneceu paralisada, contando com o apoio de uma extensa rede comunitária e sindical.

Em janeiro de 1969, em pleno auge da ditadura militar, os trabalhadores da CBCPP ganharam na justiça o direito à indenização salarial pelos dias parados e a reintegração ao trabalho dos operários estáveis. Essa mobilização mostrou a força da luta baseada na não-violência, a “firmeza permanente”.

Após o fim da greve, a fábrica de cimento passou por períodos de instabilidade. Foram diversas as denúncias de fraudes e investigações conduzidas contra a gestão de Abdalla, cujos bens chegaram a ser confiscados pela União em 1973. Com a retomada da fábrica pelo Grupo Abdalla, o ritmo de produção de cimento diminuiu consideravelmente, assim como o faturamento da empresa. Em 1987, a Fábrica de Cimento Portland Perus fechou definitivamente.

Em 1992, o conjunto formado pela fábrica, as vilas operárias e a ferrovia foi tombado como patrimônio histórico da cidade de São Paulo, durante a administração da prefeita Luiza Erundina. Desde então, os movimentos sociais da região, inspirados pela firmeza dos trabalhadores locais, lutam pela reapropriação das dependências da antiga fábrica. Seus escombros marcam a paisagem da região, constituindo um grande monumento à luta e resiliência dos operários queixadas, um capítulo fundamental da história do trabalho no Brasil.

Visitação guiada às ruínas da Fábrica de Cimento Perus. Fonte: Facebook da Comunidade Cultural Quilombaque


Para saber mais:


Crédito da imagem de capa: Manifestação dos trabalhadores da Cimento Perus no centro de São Paulo em 1962. Fonte: Acervo do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Cimento.


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

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