
Rana Behal
Associação Indiana de Historiadores do Trabalho e Professor Aposentado do Deshbandhu College, Nova Deli
Em 6 de junho de 2025, o The Tribune, um conhecido periódico de Chandigarh, publicou uma matéria para marcar o Dia do Trabalhador, em 1º de maio de 2025, intitulada “Chheharta: de polo industrial a cidade esquecida”, que parece ser uma peça nostálgica e quase um obituário, escrita por Manmeet Singh Gill. Ele escreveu: “Outrora um distrito industrial próspero com uma identidade própria, a história de Chheharta é agora de declínio e abandono. Localizada nos arredores da cidade sagrada de Amritsar, Chheharta era um centro movimentado, abrigando mais de uma dúzia de grandes fábricas e inúmeras indústrias de pequeno porte, teares mecânicos e manuais”. Chheharta é uma cidade suburbana situada a 7 km a oeste da cidade de Amritsar (estado de Punjab e lar do Templo Dourado, o local mais sagrado da religião sikh), na Índia, ao longo da Grand Trunk Road que leva à fronteira com o Paquistão.
Chheharta tinha uma tradição de movimentos trabalhistas e atividades sindicais vibrantes durante os anos 1930 e 1940. A União dos Trabalhadores Têxteis foi formada em 1944, e antes disso já existiam Federações de Trabalhadores. O Congresso Sindical de Toda a Índia (All India Trade Union Congress, AITUC) estava presente em Amritsar antes de 1947. O Partido Comunista da Índia foi muito ativo na região. A maioria dos mazdoors (termo punjabi para trabalhadores), antes da Partição entre Índia e Paquistão, eram muçulmanos das periferias da cidade, além de alguns sikhs e hindus oriundos do interior agrário. No entanto, a Partição do subcontinente indiano em 1947 foi um choque traumático para a cidade. A violência sectária em larga escala afetou gravemente as empresas industriais e comerciais. A grande maioria dos mazdoors muçulmanos foi forçada a partir para o Paquistão, privando a indústria de sua força de trabalho. No entanto, a chegada de refugiados hindus e sikhs vindos do Paquistão substituiu parcialmente os mazdoors muçulmanos, juntamente com a força de trabalho local existente, o que ajudou na retomada da atividade industrial. Nas décadas seguintes, muitos migrantes vindos de Himachal, Uttar Pradesh (UP) e Bihar passaram a fazer parte da força de trabalho no complexo industrial de Chheharta. Muitos dos migrantes vindos de UP e Bihar pertenciam a comunidades de castas inferiores.
Houve um ressurgimento das atividades industriais nas três décadas seguintes à Partição em Chheharta. Uma variedade de produtos passou a ser fabricada, com os têxteis, incluindo tecidos de lã, algodão, seda, tapetes e xales, destacando-se entre todas as indústrias em Amritsar. As fábricas têxteis passaram a dominar o espaço industrial de Chheharta. Os sindicatos e as atividades trabalhistas voltaram a ganhar força.
O Congresso Sindical de Toda a Índia (AITUC), controlado pelo Partido Comunista da Índia, desempenhou um papel importante na organização dos mazdoors para lutar por seus direitos.
O novo partido no poder da Índia independente, o Congresso Nacional Indiano, também criou o Congresso Sindical Nacional Indiano (Indian National Trade Union Congress, INTUC).
A luta dos mazdoors durante a segunda metade do século XX em Chheharta está entrelaçada com o lendário casal comunista e sindicalista, os camaradas Satya Pal Dang e Vimla Dang. Ambos vieram de famílias de classe média e se envolveram com o movimento comunista durante os tempos de faculdade em Lahore, antes da Independência. Chegaram a Amritsar em 1952 como parte do AITUC e permaneceram comprometidos com a luta dos mazdoors por mais de seis décadas até o fim de suas vidas. Sua popularidade entre os mazdoors se refletiu em ambos terem se tornado presidentes do Comitê Municipal de Chheharta em diferentes períodos. Vimla Dang sempre destacou o papel das trabalhadoras e de suas famílias nos movimentos operários de Chheharta. Ela organizou uma Istri Sabha (Assembléia de Mulheres) para defender a causa das mulheres que apoiavam as greves dos mazdoors, tanto participando diretamente quanto angariando alimentos durante as paralisações. Após o massacre de sikhs em 1984, no norte da Índia, ela viajou pelo país arrecadando fundos para o sustento das viúvas sikhs e suas famílias. O casal viveu de forma simples e frugal, permanecendo parte integrante da comunidade da classe trabalhadora em Chheharta.
Outro líder igualmente importante da AITUC, porém menos mencionado, foi o camarada Parduman Singh que, assim como o casal Dang, foi parte fundamental na organização de greves coletivas dos trabalhadores têxteis em 1955 e 1965. Essas greves foram bem-sucedidas em forçar os empregadores a aceitarem reivindicações por jornadas de trabalho mais curtas, salários mais altos, folgas, bônus, igualdade salarial para as trabalhadoras e reintegração de trabalhadores que haviam sido punidos por participarem das paralisações. Singh escreveu e publicou a história da AITUC na língua punjabi para comemorar seus 25 anos em Amritsar, em 1981. Durante o curso da luta operária, ambos os líderes, junto com centenas de trabalhadores, enfrentaram severa repressão estatal, como sentenças de prisão, ou tiveram que se esconder para escapar dela.
Enquanto o casal Dang e Parduman, que vieram da classe média e tiveram acesso à educação, tiveram suas vidas e trabalhos documentados, muitos ativistas e mazdoors permaneceram invisíveis, apesar de sua longa associação e compromisso com as lutas em Chheharta. Alguns deles também vieram de contextos marginalizados e de castas inferiores. Destacarei brevemente as histórias de alguns trabalhadores que participaram das lutas mazdoor e que continuam engajados até os dias atuais. O camarada Jagdish Sharma, da AITUC, chegou à Índia como refugiado ainda adolescente, após 1947. Depois de quatro ou cinco anos de incertezas financeiras e de passar por diversos campos de refugiados em Punjab, conseguiu um emprego como mazdoor em uma fábrica têxtil em Chheharta, em 1951. Durante os vinte anos em que trabalhou como operário têxtil, envolveu-se no movimento comunista e, em 1971, tornou-se trabalhador em tempo integral da AITUC. Há 75 anos ele permanece um comunista e ativista sindical dedicado, movido por convicção. Viveu com sua família em alojamentos da classe trabalhadora. Ele recorda: “Como muitos outros, também fui influenciado pelas ideias e pelos ativistas comunistas. Desde que me tornei mazdoor, sou e continuo sendo comunista. Nunca olhei para outro caminho, nem mesmo em sonhos”. Agora, já com mais de 80 anos, embora mais devagar, ele continua sendo um trabalhador comunista dedicado, em tempo integral, da AITUC. Foi com sua memória afiada que aprendi muitos aspectos e relatos anedóticos das lutas mazdoor e da repressão estatal em 1955, 1965 e 1972.
Kawanljit Singh, ex-trabalhador e ativista comunista, agora na casa dos 70 anos, relembra sua vida como operário e militante: “O trabalho têxtil era um negócio muito importante naqueles tempos. Comecei a trabalhar em 1962, na fábrica têxtil Radhakrishen Harbanslal, e trabalhei lá por muito tempo. Os trabalhadores vinham da cidade, de vilarejos próximos e até alguns eram migrantes de lugares mais distantes. Aprendi a operar as máquinas com um instrutor da própria fábrica, enquanto trabalhava lá. Naquela época, trabalhar em uma fábrica têxtil era considerado algo muito bom”.
O camarada Barjinder, do Partido Comunista da Índia Marxista (Communist Party of India Marxist, CPI M, um grupo dissidente), relembrou com nostalgia os tempos áureos das intensas lutas mazdoor das décadas de 1960 e 1970: “Os trabalhadores das fábricas têxteis eram respeitados e tinham orgulho de seu status como operários. Meu pai trabalhava com tear mecânico em uma fábrica têxtil. Naquela época, esse tipo de trabalho pagava salários melhores. Ele atribuía isso à presença de jathebandis mazdoor (organizações sindicais fortes), que lutavam por melhores salários”.
Já o camarada Amarjit Singh Assal, atual secretário da AITUC em Putlighar, veio de uma família de sem-terra da casta dos dalits. Sua origem marginalizada o aproximou do comunismo. Seu pai era um trabalhador que carregava sacos de grãos na estação de Patti. A oportunidade de estudar o levou a Chhehrata em 1977, onde se conectou com a ala estudantil do CPI, a Federação de Estudantes de Toda a Índia (All India Students Federation, AISF): “Desde 1983, venho atuando regularmente no Partido”. Naquela época, a luta mazdoor e a situação dos sindicatos passavam por um momento de enfraquecimento, um ponto crucial para sua sobrevivência. Como secretário do partido, ele conhece tanto a história quanto a situação atual do movimento sindical na antiga cidade industrial.
Da mesma forma, Mohinder Singh Walia, ex-trabalhador das ferrovias, está ligado à AITUC há quarenta anos. Mesmo após a aposentadoria, continua atuando no Partido, sem receber nenhum benefício financeiro: “A política da classe trabalhadora e suas atividades se expandiram, enviando sinais claros aos empregadores contra demissões arbitrárias ou o descumprimento das leis trabalhistas”, comentou. No entanto, ele e seus colegas se mostram decepcionados com o declínio dos sindicatos e fechamento das fábricas. Ele contesta as acusações de que a política mazdoor seria a responsável por isso: “Lutamos pela aprovação das leis trabalhistas e, agora, lutamos por sua aplicação. As razões para o fechamento das fábricas foram outras. As terras das fábricas se tornaram muito valiosas, e os proprietários encontraram negócios mais lucrativos ao vendê-las”.
A década de 1980 foi marcada por um forte declínio industrial em cidades conhecidas como Bombaim, Ahmedabad e Kanpur. O declínio da cidade industrial de Chhehrata começou aproximadamente na mesma época, devido ao surgimento do militantismo sikh na política de Punjab. Amritsar tornou-se o principal centro do conflito armado entre militantes sikhs e o Estado indiano. O clima de violência instaurado, tanto pelos militantes quanto pelo Estado, afetou a vida cotidiana das pessoas em Amritsar. Militantes sikhs também passaram a mirar os sindicatos e começaram a extorquir os donos das fábricas. As tendências de declínio se agravaram ainda mais com a adoção de políticas econômicas neoliberais pelo Estado indiano no início da década de 1990. Muitos empresários industriais e comerciais deixaram a região e se realocaram em outras partes da Índia.
Iniciei este artigo com a reportagem do jornal The Tribune sobre a situação marginalizada do distrito industrial de Chhehrata. Em 2017, enquanto me levava de moto pela Grant Trunk Road em Chhehrta, o camarada Barjinder apontou para ambos os lados da estrada, onde antes grandes fábricas dominavam a paisagem de todo o trecho de Chhehrta até o cruzamento de Putlighar. Hoje, essas são apenas memórias nostálgicas, já que toda a paisagem da área industrial foi transformada em shoppings, hotéis, lojas sofisticadas de automóveis, hospitais particulares, instituições privadas de ensino e formação, etc. As fábricas com suas chaminés e seus trabalhadores desapareceram. A presença da classe trabalhadora nos bairros diminuiu. As chamadas reformas trabalhistas introduzidas por um governo autoritário retiraram os direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas de lutas e, consequentemente, enfraqueceram a organização da classe trabalhadora em toda a Índia. Ao me postar em frente ao escritório da AITUC em Putlighar, só consigo ver uma única e simbólica grande chaminé que sobreviveu a esses tempos turbulentos.
Foto do escritório da AITUC em Putlighar, Chheharta. Um símbolo do que já foi um sindicato muito poderoso em Chheharta.
Tradução: Yasmin Getirana
Para saber mais:
- Portelli, ‘The Peculiarities of Oral History’ in History Workshop Journal. Vol. 12. No. 1, 1981, pp. 96-107.
- Praduman Singh, Amritsar di Mazdoor Tahireek Da Sankhep Itihas: Textile Mazdoor Ekta Union Amritsar de Panjhi Saal 1955-1980 [A Short History of Labour in Amritsar: 25 Years of Textile Unity Union in Amritsar], (Amritsar: Textile Mazdoor Ekta Union, 1981); Amritsar District Gazetteer 1971.
- Bashir Ahmed Bakhtiar, ‘Labour Movement and Me’ translated from Urdu to English by Ahmad Azhar in Ravi Ahuja (ed.) Working Lives & Worker Militancy: The Politics of Labour in Colonial India (New Delhi: Tulika books, 2013), pp. 274-328.
- Chitra Joshi, Lost Worlds: Indian Labour and Its Forgotten Histories (New Delhi: Permanent Black), 2003.
Crédito da imagem de capa: Fotografia de arquivo do líder do CPI, Satya Pal Dang, a discursar numa reunião de trabalhadores em Punjab. Disponível em: https://www.tribuneindia.com/news/in-depth/the-dangs-of-chheharta-legacy-that-endures/
Lugares de Memória dos Trabalhadores
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Mensalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.