Laboratório de Estudos da História dos Mundos do Trabalho

LMT #141: Complexo Florestal e Madeireiro Panguipulli (COFOMAP), Los Ríos, Chile – Robinson Silva Hidalgo




O Complexo Florestal e Madeireiro de Panguipulli (COFOMAP) foi uma grande empresa florestal, propriedade do Estado do Chile e administrada por seus trabalhadores. Mais de 3.000 pessoas e suas famílias viveram e trabalharam em seus 400.000 hectares. Esse território nas cordilheiras, localizado entre os municípios de Panguipulli e Futrono, na atual região de Los Ríos, no sul do Chile, foi progressivamente povoado por famílias oriundas das regiões próximas de Valdivia e Araucanía. Em especial, camponeses e trabalhadores chilenos sem-terra, que se empregaram nas explorações florestais que se desenvolveram desde a década de trinta de maneira massiva.

O COFOMAP foi criado graças ao processo de ocupação de terras por trabalhadores organizados no verão de 1970-1971, isso no contexto dos abusos patronais em relação a questões como salários justos, falta de serviços sociais, proibição de formar sindicatos, entre outros maus-tratos trabalhistas. Como parte das negociações com o recém-instalado governo de Salvador Allende, decidiu-se criar uma empresa pública gerida em conjunto por trabalhadores (seis delegados no Conselho Diretivo) e representantes do governo (dois delegados no Conselho), além de um diretor-executivo nomeado por Allende.

Nesse território fundaram povoados, escolas, centros esportivos e de saúde, constituindo uma estrutura social que foi destruída de forma dramática a partir de 11 de setembro de 1973, quando ocorreu o Golpe de Estado pelo qual as Forças Armadas derrubaram o Governo de Salvador Allende.
A partir desse momento, um brutal processo de contrainsurgência se desenvolveu, que começou com a ocupação militar de todas as terras e localidades do COFOMAP, resultando em toque de recolher,  detenção e  encarceramento, torturas, assim como o desaparecimento e a execução sumária e ilegal de dezenas de trabalhadores e militantes de esquerda. Essa repressão localizada na região se deveu ao processo de politização dos trabalhadores e ao exemplo que representava a cogestão de suas organizações sindicais com o Estado para levar adiante uma administração socialista da empresa. Convém recordar que a ocupação de terras entre 1970 e 1971 teve um grande impacto na imprensa e na opinião pública da época, chegando a ser um tema de debate no Congresso Nacional.

Nesse sentido, essa área contou com uma forte presença de militantes de esquerda: socialistas, comunistas e, particularmente, jovens do Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR), um partido recém-formado na época, de caráter guevarista, que impulsionou o processo de mobilização para ocupar as terras por parte dos trabalhadores. Todos esses grupos ajudaram na criação de sindicatos e desenvolveram atividades políticas, tanto formativas quanto mobilizadoras no local.

Esse processo gerou um clima de terror agudo, seguido pela intervenção e posterior liquidação da empresa, privatização das terras e, finalmente, com a gradual, porém constante, expulsão dos habitantes do Complexo. Constituiu-se, assim, uma prática de deslocamento forçado de milhares de pessoas, inserida em uma estratégia repressiva do Estado, somando outro crime contra a humanidade na região.

Nos dias 3 e 4 de outubro de 1973, em Neltume, cidade de Panguipulli, na região de Los Ríos,doze pessoas foram fuziladas após serem acusadas de atacar o Posto de Carabineros da localidade. Em 9 de outubro, foram detidos, executados e desaparecidos dezessete habitantes de setores da área Sul do Complexo. Um dia depois, no dia 10 de outubro, outros quinze dirigentes sindicais e trabalhadores da COFOMAP foram detidos em Liquiñe, também na região, e depois transferidos até a Ponte Toltén, em Villarrica, onde foram fuzilados e desaparecidos. Essas ações repressivas foram investigadas pela justiça chilena nos autos do caso: Caravana da Morte, episódio Valdivia.

No mesmo período e como parte dessa estratégia, a administração delegada da ditadura militar no COFOMAP implementou uma série de medidas restritivas as liberdades de seus habitantes, todas voltadas para manter o controle da área e criar as condições para a retirada deles do território. Do ponto de vista administrativo, as terras do Complexo foram inicialmente transferidas para a Corporación Nacional Forestal (CONAF) e, posteriormente, para a Corporación de Fomento (CORFO). A partir dessa entidade, as terras foram privatizadas, desindustrializando a região e desmantelando todas as suas instalações produtivas, especialmente as serralherias, acelerando o assédio aos trabalhadores.

A situação se agravou a partir de 1981, depois que foi descoberta na região a presença de um destacamento guerrilheiro integrado por militantes do MIR, alguns deles trabalhadores florestais do COFOMAP. Entre setembro e dezembro de 1981, foram executados sumariamente sete militantes do MIR nos setores de Releco e Choshuenco, em meio a um deslocamento de centenas de militares e agentes da Central Nacional de Informações, que se espalharam por todas as propriedades do Complexo.

Seguindo uma prática do manual de contrainsurgência, os operativos militares se combinaram com operativos civis e militares, sob a coordenação do Comandante da Divisão do Exército e Governador Provincial de Valdivia, General Rolando Figueroa Quezada. Nesse processo, participaram funcionários públicos e membros de organizações civis ligadas à ditadura, como a Secretaria Nacional da Juventude ou Cema Chile. Esses operativos tinham como objetivo não apenas detectar apoio à insurgência, mas também disciplinar a população do Complexo através do medo e da cooptação.

É nesse contexto de repressão e ocupação militar que se desenvolveu o já mencionado processo de desintegração e liquidação do Complexo, processo concluído com a privatização a preço vil das diversas propriedades que o integravam, incluindo a expulsão gradual de todos seus habitantes, processo que não foi mediado por nenhuma resolução judicial.


Foi a partir dos anos 2000 que antigos militantes do MIR e suas famílias revisitaram a zona para explorar os locais em que ocorreu a repressão no início da ditadura e as atividades guerrilheiras de resistência no início dos anos 80.


Na busca por recuperar essas histórias de luta surge o contato com os habitantes de Neltume. Ao mesmo tempo procurava-se romper com o medo ainda existente, apesar do fim da ditadura, e impulsionar ações pontuais como encontros e conversas sobre o passado recente.

O seguinte passo foi criar um espaço para revitalizar a intensa história deste território. Foi assim que a comunidade de moradores e ex-militantes criaram o Centro Cultural Museu e Memória de Neltume. O Centro é uma instituição autogerida que luta pela memória e desde 2004 começou a recuperar a história do território de forma formal. Isso foi feito através de encontros, visitas a locais de repressão e de luta, assim como ativação comunitária em relação à memória histórica do território, criando uma exposição permanente e gerando ações educativas.

Atualmente, esse espaço continua muito ativo, apesar das dificuldades impostas pelo negacionismo, representado em ataques e roubos ao Museu e incêndios a ex-serralheria e à delegacia de Carabineros (ambos locais de memória). Todos episódios pouco investigados pelos organismos do Estado. Apesar disso, o Centro continua apoiando reivindicações ambientais, sociais e indígenas da região, dando continuidade histórica à ação de trabalhadores, militantes e ativistas que, durante o século XX, construíram a paisagem social e econômica dessas terras do sul.

Casa do Centro Cultural e Museu e Memória de Neltume. Fonte: museoneltume.cl


Bize, Cristóbal. (2017). El otoño de los raulíes. Poder popular en el Complejo Forestal y Maderero Panguipulli (Neltume, 1967-1973). Santiago: Tiempo robado.

Centro Cultural Museo y Memoria de Neltume. https://www.museoneltume.cl

Silva, R. La transformación de lo local. La empresa estatal Cofomap bajo la dictadura civil-militar-empresarial, Los Ríos, Chile (1977-1988). Boletín Americanista. N° 89, 2024 pp. 277-298.

Silva, R. La memoria de Neltume, Chile: el patrimonio que vence al negacionismo. Tempo & Argumento vol 16 N° 42,2024, p. e0104.


Crédito da imagem de capa: Ocupação da propriedade Neltume. Fonte: museoneltume.cl


Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

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