LMT#97: Fábrica e vila operária Rheingantz, Rio Grande (RS)- Caroline Matoso



Caroline Matoso
Doutoranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul



A primeira empresa têxtil do  Rio Grande do Sul se estabeleceu no município de Rio Grande em 1873, sendo conhecida popularmente como Fábrica Rheingantz. A indústria atraiu migrantes de regiões rurais e de imigrantes europeus que viam nela uma oportunidade de emprego. Assim como outras tecelagens do período, em 1884 a Rheingantz criou uma vila operária no entorno de sua fábrica visando garantir uma mão de obra estável. Além de casas de moradia, a vila contava com creche e escola primária, salão de festas, biblioteca, corpo de bombeiros, clube cultural, restaurante, mercearia, assistência médica e pecuniária.

Em 1879, a empresa do imigrante alemão Carlos Guilherme Rheingantz já contava com 900 operárias(os) e 100 costureiras que trabalhavam em suas residências. Em 1907, estava entre as 100 maiores indústrias do Brasil com 1.008 trabalhadoras(es).

De um lado, a vila operária facilitava o controle social. Os moradores eram constantemente vigiados e situações de seu cotidiano familiar eram frequentemente reportadas aos mestres da empresa, sendo passíveis de punições. Por outro, a vila era também um espaço fundamental de sociabilidade e formação de identidades, redes de solidariedade e ajuda mútua entre os trabalhadores.

A fábrica e sua vila também ocupavam um espaço importante na geografia social de Rio Grande. Suas sirenes para as trocas de turno ecoavam por toda a cidade e são até hoje lembradas. Nas memórias das(os) operárias(os) da empresa, um dos pré-requisitos para adquirir moradia na vila operária era ser “chefe de família”, o que, na prática, excluía as mulheres trabalhadoras.

As mulheres formaram a maioria da mão de obra da Fábrica Rheingantz durante todo o seu período de funcionamento. As operárias se encontravam sobretudo na seção da tecelagem. No entanto, cargos como contramestre e mestres de sessão eram ocupados exclusivamente por trabalhadores do sexo masculino, em geral alemães e seus descendentes.

A operária Soeli Botelho, por exemplo, comenta que começou a trabalhar na Fábrica Rheingantz aos 14 anos de idade, em 1947. A tapeçaria, seção no qual trabalhou até os 18 anos, era destinada apenas ao trabalho de crianças. A produção de tapetes era um setor importante da fábrica e os menores de idade recebiam a metade do salário destinado a um trabalhador adulto.

A feminização do trabalho industrial têxtil foi um fenômeno internacional comum entre os séculos XIX e XX. Em entrevistas realizadas com trabalhadoras(es) da empresa, estas associavam o fato de haver mais mulheres na sessão de tecelagem pela característica do trabalho exigir paciência, sendo uma tarefa monótona. Estas trabalhadoras eram em sua maioria brasileiras de regiões próximas a fábrica e, em 1932, quando o trabalho feminino noturno foi proibido por lei, a empresa realizou campanhas de recrutamento de tecelões em Pernambuco. 


O controle e disciplinamento dos(as) trabalhadores (as) também eram estritos no interior do espaço fabril. Comportamentos considerados inadequados, como risadas e conversas eram punidos com descontos salariais e até demissões. Mas também eram comuns diferentes formas de resistências dos(as) operárias no processo produtivo. Muitas vezes as máquinas eram propositadamente quebradas ou desligadas antes da sirene tocar, fios eram estragados e eram recorrentes as brigas e discussões com os mestres e feitores


A cidade de Rio Grande foi palco de intensas lutas sociais. Durante muito tempo foi conhecida como a “cidade vermelha”. A primeira notícia de movimentações grevistas no município data de 1890, quando as tecelãs da Fábrica Rheingantz paralisaram o trabalho, reivindicando a demissão de um inspetor da empresa pelos maus tratos dispensado às(os) operárias(os). Desde então, o movimento operário e a participação das mulheres foi se fortalecendo. Uma das figuras importantes na história do movimento operário de Rio Grande é a tecelã da Fábrica Rheingantz, Angelina Gonçalves, que foi brutalmente assassinada pela polícia durante uma manifestação no 1º de maio de 1950. Angelina Gonçalves era militante do Partido Comunista do Brasil (PCB), e desde fins da década de 1940, uma das lideranças da União das Mulheres-Riograndinas.

No anos 60, a Fábrica Rheingantz passou por um período de crise financeira e administrativa, com constantes atrasos do pagamento dos salários das(os) trabalhadoras(es). Não conseguindo se reerguer e mergulhada em dívidas de indenizações trabalhistas, a empresa decretou sua falência em 1968. Dois anos depois, a empresa reabriu com novos donos, intitulando-se Inca Têxtil, permanecendo funcionando parcialmente até 1990.

Diante das tentativas dos antigos proprietários da empresa de desapropriação das residências na vila operária, em 2009 ocorreram audiências públicas para debater a regularização das casas operárias. Durante as audiências iniciou-se um debate que envolveu diversos setores da sociedade de Rio Grande sobre a patrimonialização da fábrica e da vila operária Rheingantz.. 

Em 2012, o prédio da Fábrica Rheingantz e a vila operária foram tombados pelo IPHAE – Instituto do Patrimônio Histórico do Estado -, conservando-se sua estrutura física e preservando a memória de um espaço laboral no qual parte dos habitantes de Rio Grande desenvolveram sua infância, adolescência e vida adulta. Recentemente, a Innovar Incorporações, proprietária da  fábrica desde 2012, assinou um termo de intenção com a Universidade Federal de Rio Grande (FURG) para a implementação de um museu e de um acervo histórico naquelas antigas instalações fabris.

Operárias trabalhando na sessão de tecelagem da Fábrica Rheingantz.
Fonte: Informativo da Indústria Walling, 1957. 
Vila operária da Fábrica Rheingantz.
Acervo Biblioteca Pública de Rio Grande, início do séc. XX


Para saber mais:

  • COSTA, Vanessa Avila. Procura-se objetos e memórias da Fábrica Rheingantz: uma exposição arqueológica digital. Biblioteca Pública de Pelotas, 2020. Disponível em: http://museuhistoricobpp.com.br/index.php/2020/07/28/procura-se-objetos-e-memorias-da-fabrica-rheingantz/
  • FERREIRA, M. L. M. Os fios da memória: a Fábrica Rheingantz, entre o passado, presente e patrimônio. Horizontes Antropológicos, ano 19, n. 39, 2013.
  • FERREIRA, M. L. M.  Os três apitos: memória coletiva e memória pública, Fábrica Rheingantz, Rio Grande, RS, 1950-1970. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.
  • MATOSO, Caroline D; LEDERMAN, Luana S. A resistência das operárias da fábrica Rheingantz aos métodos punitivos: Transgressões no ambiente Fabril (Rio Grande 1920-1968). Revista Ars Histórica nº19, 2019.
  • MATOSO, Caroline Duarte. As Marias que tecem o amanhã : fiando a existência e tramando a resistência na fábrica Rheingantz (Rio Grande, 1920-1968). Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2019.

Crédito da imagem de capa:  Fábrica Rheingantz no início do século XX. Acervo Biblioteca Pública de Rio Grande, início do séc. XX 


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Paulo Fontes

2 thoughts on “LMT#97: Fábrica e vila operária Rheingantz, Rio Grande (RS)- Caroline Matoso

  1. Minha tia, Suely Telmo Botelho, acredito que seja a citada no artigo.

    Lembro na minha infância em ouvir as histórias da fábrica, a rigidez do trabalho, como também, quando a mesma diz que aos 14 anos estava trabalhando na confecção dos tapetes.

    Hoje, ela fez 89 anos, mora com minha mãe em Canoas/RS. Tenho certeza que a tia Suely fez parte da história da fábrica, como também, a importância da fábrica na sua formação!

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