LMT #117: Cervejaria Brahma, Passo Fundo (RS) – Jênifer de Brum Palmeiras


Jênifer de Brum Palmeiras
        Doutoranda em História pela Universidade de Passo Fundo


Situada à Avenida Gal. Neto, 171, na região central de Passo Fundo, a Cervejaria Artesanal de Bramatti & Corá foi fundada em 1910 pelos descendentes italianos Jorge Corá e Alexandre Bramatti, e vendida em 1915 para os irmãos Otto e Hugo Bade e o imigrante suíço Jorge Barbieux, sob novo nome, Cervejaria Serrana. Nesta época, a cidade passava por um surto de desenvolvimento industrial provocado, entre outras razões, pelo impacto da inauguração da ferrovia (1898) que ligava o Rio Grande do Sul a São Paulo.

No período entre guerras a Cervejaria Serrana tornou-se a maior indústria da cidade. Em 1947, a Companhia Cervejaria Brahma, com sede no Rio de Janeiro, em um projeto de expansão nacional, adquiriu a Serrana, transformando-a em sua filial no Rio Grande do Sul.

A Brahma, como se tornou conhecida pela população, foi uma importante referência do desenvolvimento urbano e econômico de Passo Fundo na segunda metade do século XX. Ainda hoje existe o “beco da Brahma”, onde havia casas dos antigos operários da fábrica, uma arquitetura vernacular em pleno centro da cidade. A chaminé da fábrica, referência preservada até hoje, emitia o apito que despertava a cidade a cada novo amanhecer e ao final de mais um dia.

Com uma mão de obra composta majoritariamente por homens da própria cidade, a Brahma chegou a ter cerca de 1.500 trabalhadores entre as décadas de 1960 e 80.  A empresa desenvolveu uma atuante política paternalista em relação a seus funcionários. Era conhecida por pagar os melhores salários da região. Mantinha no seu refeitório bebida à vontade e os antigos trabalhadores relatam que “podiam até tomar cerveja na hora do almoço”. Também investia amplamente em publicidade nos jornais da região e, em épocas festivas presenteava as entidades da sociedade local com seu famoso chopp. Possuía também um time de futebol que era considerado um dos melhores dentre todas as filiais da Companhia, além de ter importante presença no cenário esportivo de Passo Fundo. Para a empresa o time de futebol era tão importante, que muitas vezes a contratação de trabalhadores era baseada nas “habilidades futebolísticas”.

Para os operários trabalhar na Brahma era motivo de status. Em geral, tinham crédito no comércio local e uma sensação de prestigio social. “Todo mundo queria trabalhar na Brahma”, relembram muitos antigos funcionários.


A Brahma reforçava assim um forte sentimento de pertencimento à empresa entre seus trabalhadores, ao mesmo tempo que desenvolvia poderosos laços e conexões com a comunidade local em geral.


Apesar dessas relações, a presença de uma grande fábrica na região central da cidade passou a gerar tensões e problemas. Já em 1953, o Plano Diretor de Passo Fundo destacava a necessidade de uma reestruturação urbanística, afirmando que a zona industrial deveria estar próxima da ferrovia, e não no centro, com o propósito de não limitar o desenvolvimento econômico do município. Apesar disso, a fábrica não apenas permaneceu, como ampliou sua produção, tornando-se uma das cervejarias mais importantes do Rio Grande do Sul.

No entanto, a localização da fábrica tornou-se um problema incontornável a partir da década de 1980. A logística do transporte dos produtos por caminhões era particularmente delicada.  Relatos de antigos operários descrevem vários problemas nesse sentido. “Na verdade, dava até medo ver o caminhão sair, a gente pensava que ia tombar, pois para se chegar até a estrada era preciso dar umas voltas para sair do centro da cidade”, relembra um deles. O barulho e odores da fábrica também provocavam incômodos e reclamações entre os vizinhos.

Ao longo dos anos 1990, a empresa foi passando por várias transformações e reestruturações. O número de trabalhadores foi sendo reduzido, bem como uma série de benefícios. Apesar dessa “morte lenta”, o fechamento da fábrica em 1997 foi visto como abrupto e pegou os funcionários e boa parte da população de surpresa. Ela teria sido “fechada da noite pro dia”, como se tornou um lugar comum na cidade. O impacto simbólico e econômico do fechamento da Brahma foi fortemente sentido em Passo Fundo.

Após o fechamento foi realizado um grande movimento por parte dos ex-funcionários, do sindicato e do poder público para que a fábrica fosse reaberta. Apesar dos esforços, a decisão do grupo empresarial já estava tomada. Restou uma estrutura de edifícios no centro da cidade que ocupava quatro quadras da área urbana, além, é claro, de uma chaminé enorme, avistada de longe. Nesse contexto, foi iniciado um processo de patrimonialização da fábrica. Em 1999, a chaminé da fábrica foi tombada como patrimônio do município e as demais edificações foram vendidas para diferentes grupos empresariais da cidade., O prédio principal, onde a chaminé se localiza, mantém a arquitetura original e atualmente é alugado para a Faculdade Anhanguera.

Os antigos operários guardam, até hoje, objetos, como copos, garrafas personalizadas e quadros produzidos para brindes em festas comemorativas como lembranças daquele local de trabalho e das relações de amizade e sociabilidade que ali se forjaram. Embora fechada há décadas, a Cervejaria Brahma ainda é uma referência e um fundamental lugar de memória dos trabalhadores de Passo Fundo.

Time de Futebol da Brahma Passo Fundo. Acervo Instituto Histórico de Passo Fundo.

Para saber mais:

  • FERREIRA, E. S. Cervejaria Serrana, Continental e Brahma. In: 150 momentos mais importantes da história de Passo Fundo.Org. Osvandré Lech. Passo Fundo: Méritos, 2007.
  • KNACK, Eduardo Roberto Jordão. Industrialização e Urbanização no Centenário de Passo Fundo/RS – 1957. História: Questões & Debates, v. 64, n. 1, jul. 2016
  • PALMEIRAS, J. B. Reclamatórias trabalhistas: o papel do sindicato no caso da Cia. Cervejaria Brahma. Missões: Revista de Ciências Humanas e Sociais, v.6, 2020
  • PALMEIRAS, J. B. Lobby empresarial: o caso da Cervejaria Brahma na Assembleia Legislativa do RS (1947-1953) In: V Congresso Internacional História, Regiões e Fronteiras, 2021, Passo Fundo. Anais do V Congresso Internacional História, Regiões e Fronteiras, 2021.
  • O NACIONAL. Passo Fundo: O Nacional, 1947 – 1997. Arquivo Histórico Regional e Instituto Histórico de Passo Fundo.

Crédito da imagem de capa:  Panorama da fábrica no centro da cidade.  Acervo Czamanski – Instituto Histórico de Passo Fundo.


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

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