Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho

Lugares de Memória dos Trabalhadores #62: Ginásio Mineirinho, Belo Horizonte (MG) – Roberto Véras de Oliveira



Roberto Véras de Oliveira
Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPB



O Ginásio Poliesportivo Jornalista Felipe Drummond, o Mineirinho, em Belo Horizonte foi inaugurado em março de 1980. Construído durante a ditadura militar, foi projetado para ser o maior da América Latina, com capacidade para até 25 mil pessoas.  Era mais uma expressão da megalomania do regime, sendo chamado à época de sua inauguração de Palácio dos Esportes.  O ginásio foi concebido para integrar o complexo esportivo da Pampulha, que inclui o Estádio Mineirão. Ao longo de sua história, além de uma variedade de atividades esportivas, o espaço também abrigou eventos culturais, políticos, comerciais e religiosos. Entre 7 e 11 de setembro de 1988, foi a sede do maior encontro sindical da história do país e o mais importante da Central Única dos Trabalhadores, o III Congresso Nacional da CUT.

Nascida 5 anos antes, a CUT foi fruto direto das mobilizações dos trabalhadores brasileiros do final dos anos 1970 e início dos 80. O chamado “novo sindicalismo”, além da luta pela democracia, propunha o rompimento com a estrutura sindical corporativa e uma prática baseada na participação ativa das bases. Em grande medida, a CUT também era uma expressão das contradições e limites da modernização conservadora promovida pela ditadura militar. Reunia representantes dos segmentos mais dinâmicos da economia, como metalúrgicos, petroleiros, químicos, trabalhadores de telecomunicações e bancários, mas também se destacava pela presença de trabalhadores rurais e de ramos tradicionais da indústria e dos serviços. Articulava setores com longa tradição sindical, assim como novas experiências, como as associações profissionais de servidores públicos. Sua capilaridade e presença em todo o território nacional igualmente chamava a atenção.

Assim como o Partido dos Trabalhadores, a CUT aglutinava muitas pessoas  recém iniciadas na luta sindical, mas também muitos militantes ligados a um diversificado leque de agrupamentos políticos de esquerda. Lideranças que buscavam reformar a prática sindical “por dentro” da estrutura oficial misturavam-se a militantes de oposições sindicais que, frequentemente, nunca haviam tido cargos na burocracia de um sindicato. Ao longo dos anos 1980, essas diferentes visões foram se aglutinando em blocos cujos principais eram a “Articulação Sindical”, majoritária, e a “CUT pela Base”.

Apesar do nome, a CUT não foi a única central sindical brasileira que emergiu com a redemocratização do país. Sua rival, a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), reunia setores mais conservadores do sindicalismo, mas também contava com o apoio de grupos de esquerda, como sindicalistas do PCB e do PCdoB. A CUT, no entanto,  rapidamente ganhou visibilidade e tornou-se protagonista nas greves e lutas sociais que marcaram o final da ditadura e todo o governo Sarney. Foi precisamente no contexto da Constituinte que o terceiro congresso da central foi agendado para o Ginásio do Mineirinho. Assim como em outros momentos, Belo Horizonte seria o palco de um grande encontro sindical.


Assim, no início de setembro de 1988, acorreram ao local trabalhadores(as) do campo e da cidade de todas as regiões do país. Muitos haviam percorrido, de ônibus, longos trechos até chegarem à capital mineira. Ao todo somaram 6.247 delegados(as), sendo 3.178 representantes de base e 3.065 de diretorias sindicais, membros de 1.143 entidades sindicais.


Os(as) trabalhadores(as) rurais compareceram com a maior delegação (32%), seguida pela representação da indústria (24%), dos serviços (21%) e do funcionalismo (16%). Em uma conjuntura em que a crise do sindicalismo internacional já chamava a atenção, a CUT era vista com otimismo. Representantes das mais importantes organizações sindicais mundiais, incluindo visitantes de 39 centrais de 33 países, estiveram presentes no Mineirinho naqueles dias.

O congresso debateu diversos temas conjunturais, além de um plano de lutas. Foi, no entanto, a forma da organização da central que provocou as mais acirradas polêmicas. A Articulação Sindical avaliava que era preciso fazer a CUT passar de uma “referência de massa” (que a confundia com um “movimento” ou um “partido político”) a uma organização genuinamente “sindical”. Diante de tal posição, os demais segmentos convergiram para o entendimento de que a CUT deveria se consolidar como uma “central de trabalhadores”, ao invés de se converter em uma “central de sindicatos”.

A grandiosidade do evento e as disputas apaixonadas geraram um clima único. As bandeiras, camisetas, broches, bonés e faixas tanto tinham as marcas da identidade comum como demarcavam as diferenças. O Ginásio abrigou momentos de alegria e confraternização, expressas por meio de músicas, danças, comidas, bebidas e conversas informais com sotaques dos quatro cantos do país. Mas também ecoou discursos inflamados, palavras de ordem, entoação de refrãos de músicas e hinos políticos, assim como viu perfilarem-se os grupos em disputa, nos aplausos efusivos, nas vaias furiosas e nas votações tensas. As performances das correntes, com palavras de ordem e gestos sincronizados, lembravam torcidas de futebol. Ao final, as teses da Articulação Sindical foram vitoriosas e Jair Meneguelli (metalúrgico do ABC Paulista) foi eleito presidente com 60,4% dos votos.

O III CONCUT fechou um ciclo para o sindicalismo brasileiro e para a CUT, quando viveu-se no país um momento excepcional de greves, mobilizações e congressos massivos. Foi assim que o Mineirinho entrou para a história do sindicalismo brasileiro.

Ginásio do Mineirinho, Belo Horizonte (MG), 2019.
Foto: Reprodução/TV Globo.


Para saber mais:


Crédito da imagem de capa: III Congresso da Central única dos Trabalhadores, Ginásio do Mineirinho, Belo Horizonte (MG). Fotografia de Roberto Parizotti. Acervo CEDOC CUT.



Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

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