LMT #120: Vila Operária de Batatuba, Piracaia (SP) – Lilian Pires Staningher

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Lilian Pires Staningher
Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Unicamp


A história da vila operária de Batatuba, fundada em 1942 pela Companhia de Calçados Bata em Piracaia (SP), é um exemplo significativo do processo de industrialização nesta região do país. Instalada às margens da malha ferroviária, uma herança da produção do café na região Bragantina, essa localização garantia a logística na produção e na distribuição de calçados, ao mesmo tempo que mantinha a vila distante dos centros urbanos e de mobilizações sindicais, facilitando assim o controle social dos trabalhadores.

Em 1939, estimulada pela política desenvolvimentista do governo Vargas, a indústria de calçados tcheca Bata planejou a construção de dez fábricas com vilas operária  espalhadas pelo país , sendo apenas quatro parcialmente construídas. A mais importante delas foi a Vila de Batatuba em Piracaia. Planejada para dez mil habitantes como um modelo híbrido industrial-rural, a fábrica da Bata já empregava quase mil operários em 1940. Uma parte significativa deles era composta de lavradores, majoritariamente negros, aos quais se somaram imigrantes vindos de áreas em conflito na Europa, particularmente os funcionários da matriz da empresa Bata e seus familiares.

Batatuba foi construída sob uma tipologia urbanística denominada “Plano da Cidade Ideal Bata”, desenvolvida durante o entreguerras, na sede da companhia de calçados em Zlìn, na Tchecoslováquia. O plano, pensado para ser uma sociedade industrial ideal, previa a construção de escolas primária e técnica, além de espaços destinados a esportes, saúde e lazer, alojamento para rapazes solteiros e uma centena de moradias para operários e  funcionários graduados, incluindo membro da família Bata. A vila também contava com uma extensa infraestrutura básica, com redes de distribuição elétrica, de água e de coleta de esgoto.

O complexo foi edificado baseado em uma arquitetura vernacular, exceto a casa do empresário tcheco, Jan Antonin Bata,  que assumiu o comando das empresas em 1932, após a morte de seu meio irmão, fundador e idealizador da companhia, Tomàs Bata. Sua residência foi construída no estilo modernista. O higienismo foi uma marca na urbanização das vilas Bata, com um padrão de casas isoladas nos lotes e intercaladas entre si, ensolaradas e bem ventiladas. O sistema construtivo aliava técnicas desenvolvidas localmente ao modelo urbanístico Bata, como um aspecto do modus operandi da empresa para otimização do uso de material e da mão de obra.


O desenho urbano de Batatuba, assim como em outros complexos Bata , estava intrinsecamente relacionado ao modelo de produção da indústria. Pretendia-se que desempenho do operário na produção estivesse vinculado às atividades dele fora do ambiente de trabalho, mantendo o trabalhador num processo contínuo de capacitação e controle.


Um exemplo eram as atividades esportivas impostas pela empresa que se refletiam diretamente nas relações entre as equipes de trabalho e na disciplina fabril. As hierarquias e relações de dependência internas à fábrica se reproduziam na Vila. Os cargos técnicos ou de gerência eram ocupados especialmente pelos europeus, que também eram os professores dos cursos técnicos da escola na vila, assim como moravam nas maiores residências.

A indústria calçadista em Batatuba, chegou a empregar cerca de dois mil trabalhadores, mas, apesar da existência da Vila e suas boas condições, a rotatividade na fábrica parece ter sido alta, em particular em seus primeiros anos de existência. Relatos de antigos operários indicam as dificuldades dos trabalhadores locais com as novas tecnologias e com o  sistema de controle social dentro e fora da fábrica, orientado por um rígido código de conduta. Os funcionários europeus também tiveram dificuldades de adaptação.  Muitos abandonaram a vila e migraram para países como Canadá e Estados Unidos , ou retornaram para a Europa após o final da 2ª Guerra.

A Bata transformou a base econômica do município de Piracaia, tornando-a um dos principais polos industriais calçadistas do país até o final dos anos 1990. Muitas das pequenas fábricas de calçados que ainda resistem foram fundadas por antigos funcionários graduados da Bata. Após as mortes de Jan Antonin em 1965, e de seu filho, Jan Thomas quase uma década depois, a empresa sofreu um forte abalo administrativo, que foi agravado pela maior concorrência local, levando a empresa a um pedido de sua falência em 1983.

A vila, há quarenta anos sub judice devido ao processo de falência, ainda se encontra preservada em quase a totalidade de seu conjunto arquitetônico. Apesar da pouca manutenção nas edificações, como exemplo parte dos galpões das fábricas que se encontram quase em ruínas, este complexo fabril mantém o uso primário das construções, imóveis locados e administrados pela massa falida, tendo como locatários antigos funcionários ou seus filhos, mas também novos moradores e comerciantes.

Em 2007, o plano diretor municipal reconheceu a importância do conjunto e orientou para preservação da vila operária, bem como da história dos trabalhadores locais.  Em 2012, com a forte pressão do setor imobiliário, o poder público alterou a lei, sendo retirada a proteção municipal. Desde então, algumas ações de resgate e visibilidade para salvaguarda deste patrimônio industrial, como eventos culturais e as celebrações de Primeiro de Maio têm sido realizadas pela sociedade civil local, o que resultou na abertura de um processo de Tombamento pelo CONDEPHAAT em 2018, que ainda não foi concluído.

Vila operária, com campo de futebol e quadra de tênis abaixo, moradias operárias acima, com hotel para solteiros no alto à direita, cinema e escola à esquerda (Foto; arquivo antiga fábrica de Batatuba)

Para saber mais:

  • ARCHANJO, F. M. O Mundo Compreenderá – A História de Jan Antonin Bata – O Rei do Calçado. Gráfica Editora Aurora Ltda., Rio de Janeiro, 1951.
  • BATA, J.A. A Study of Migration. Batatuba, 1951 Disponível em: <http://digilib.k.utb.cz/handle/10563/26346>.
  • BOTAS, N. C. A.; KOURY, A. P. A. Cidade Industrial Brasileira e a Política Habitacional na era Vargas (1930-1954). Urbana, v. 6, n. 8, 2014.
  • COSTA, Georgia Carolina Capistrano Da. As cidades da Companhia Bata (1918-1940) e de Jan Antonin Bata (1940-1965): relações entre a experiência internacional e a brasileira. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 2012. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/102/102132/tde-24012013-154637/
  • STANINGHER, L.P. Batatuba: Vila Industrial da Companhia de Calçados Bata no interior de São Paulo – 1942. (Mestrado em História) Universidade Estadual de Campinas. 2018. Disponível em: https://1library.org/document/zg8103vy-batatuba-vila-industrial-companhia-calcados-interior-sao-paulo.html

Crédito da imagem de capa: Operários no interior da fábrica de calçados, década de 1940 (Foto; arquivo antiga fábrica de Batatuba)


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