Lugares de Memória dos Trabalhadores
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LMT #136: Haymarket Square, Chicago (US) – Leon Fink

01 DE MAIO DE 2025
LMT #136: Haymarket Square, Chicago (US) – Leon Fink



A Praça Haymarket, em Chicago, bombardeada em 4 de maio de 1886, e os desdobramentos posteriores a esse evento, destaca-se como um dos conflitos fundamentais da Era Dourada dos Estados Unidos. A Era Dourada geralmente se refere aos anos entre o fim da Reconstrução, durante a década de 1870, até o final do século XIX, anos que testemunharam um grande desenvolvimento econômico, urbanização e crescimento da imigração. O período também viu um aumento da polarização social, expressa pelo crescimento da pobreza e das enormes riquezas, e também pela amargas e, frequentemente violentas, greves do período. Haymarket, como o evento é conhecido, não apenas refletiu o acúmulo de tensões sociais, mas também teve repercussões que minaram o poder dos trabalhadores organizados na sociedade americana naquele período.

O “evento” em si se refere ao lançamento de uma bomba contra um destacamento policial em Chicago, que tentava separar um protesto liderado por anarquistas alemães, como parte de uma já sangrenta greve que reivindicava oito-horas de trabalho, e uniu o diversificado movimento operário em toda a cidade. Haymarket era um centro comercial pulsante, próximo a bairros de imigrantes (alemães, tchecos, irlandeses), e não muito longe do corredor industrial de siderurgia e ferrovia que impulsionou o crescimento explosivo da cidade durante a Era Dourada. Por anos, os bem-organizados trabalhadores operários de Chicago fizeram pressão por menores jornadas de trabalho e pelo reconhecimento de seus sindicatos pelos grandes empregadores da cidade. As demandas – originalmente enunciadas em uma lei estadual não aplicada de 1867 – foram acolhidas tanto pelo movimento social de amplo foco Knights of Labor (Cavaleiros do Trabalho), quanto pelas fileiras mais coesas da recém-formada American Federation of Labor – AFL (Federação Americana do Trabalho), que convocou greves massivas a partir do 1º de maio de 1886.

Em Chicago, assim como em outros lugares, conflitos e confrontos ocorreram imediatamente em frente aos portões das fábricas. Quando a polícia de Chicago agrediu grevistas desarmados, matando quatro trabalhadores em frente a empresa McCormick Reaper Works em 3 de maio, líderes anarquistas representando a International Working People’s Association (Associação Internacional de Trabalhadores) ou “Black International” (“Internacional Negra”) – efetivamente a ala radical do movimento operário local – convocaram um protesto para o dia seguinte na praça Haymarket. O líder anarquista August Spies, discursando no topo de uma carroça de feno, terminou com um apelo pelas vítimas da McCormick Works:

“O que eles fizeram? A polícia disse para vocês que eles eram uma multidão perigosa, armada até os dentes. O fato é que, como crianças ignorantes, eles se renderam ao esporte inofensivo de atirar pedras no matadouro McCormick. Eles pagaram o preço dessa loucura com o próprio sangue. A lição que tiro desse acontecimento é que homens trabalhadores devem se armar para autodefesa, para que assim estejam aptos a lidar com os mercenários do governo, que servem aos patrões”.

Enquanto Spies concluía suas observações, o Inspetor John Bonfield, acampado em um quartel da polícia a apenas um quarteirão de distância, ordenou a seus homens que dispersassem a multidão. Sem que muitos dos organizadores do protesto soubessem – incluindo Spies e seu companheiro anarquista Albert Parsons, que descansava em um bar de trabalhadores próximo – um ou mais participantes carregavam uma bomba de dinamite (preparada em antecipação a um futuro ataque policial). Enquanto os oficiais se movimentavam para reprimir o protesto, a bomba foi jogada, matando sete policiais. Rapidamente o que se seguiu foi uma lei marcial, incluindo uma onda de prisões, fechamento da imprensa operária e mandados de prisão de lideranças anarquistas por toda Chicago. Um julgamento apressado condenou sete, de oito acusados de homicídio, com a pena de morte. O oitavo, Oscar Neebe, foi sentenciado a quinze anos de prisão, embora ele não estivesse presente, nem soubesse do processo. Um dos acusados cometeu suicídio, quatro foram enforcados em 11 de novembro de 1887 e o governador republicano converteu a pena capital de dois em prisão perpétua. Em 1893, o recém-eleito governador democrata reformista John Peter perdoou e libertou os três acusados restantes, sob alegação de que o estado nunca apresentou evidenciais concretas da participação dos acusados no bombardeamento.

Politicamente o pânico gerado pela bomba teve um impacto devastador no movimento operário de Chicago, assim como em outros locais. Enquanto o líder dos Knights of Labor, Terence Powderly, condenava os anarquistas tão duramente quanto a imprensa patronal, esse distanciamento não poupou seus companheiros da desmoralização generalizada oriunda da reação antitrabalhista da burguesia de todo país. Dentro de um ano, tanto os Knights of Labor quanto o movimento pela jornada de oito horas entraram em um declínio irreversível, enquanto o anarquismo, por vezes ainda demonstrando alguma força (como no caso do assassinato do presidente dos Estados Unidos, William McKingley, pelo ativista anarquista Leon Czolgosz, em 1901), foi escanteado para as margens da cultura política estadunidense. Das facções pró-trabalhadores, apenas a AFL, com seus objetivos específicos de defender direitos para trabalhares qualificados, emergiu do período em uma posição mais forte do que começou. Enquanto isso, durante anos fervilhou a controvérsia sobre quem era o verdadeiro autor do bombardeamento.

 O que permaneceu foi uma batalha pela memória de Haymarket. Por mais de um século, simpatizantes dos trabalhadores e seus antagonistas discutiram sobre as lições de Haymarket. Foi uma resistência heróica dos mártires operários contra a violência policial e empresarial? Um necessário posicionamento pela lei e ordem? Ou um sinal dos “velhos dias ruins” das relações entre capital e trabalho que deram lugar a uma ordem social mais esperançosa? Internacionalmente, a ascensão socialista e mais tarde de movimentos trabalhistas liderados por comunistas transformou as tradicionais celebrações do Primeiro de Maio nas comemorações do Dia Internacional dos Trabalhadores ainda em 1890.


Ao redor do mundo, o “Primeiro de maio” serviu como um grito de guerra para a mobilização e militância dos trabalhadores. Na Espanha, França e Itália – e talvez na maior parte da América Latina – federações sindicais socialistas e revolucionárias literalmente carregaram a bandeira da memória de Haymarket. Por exemplo, no México, o 1º de maio é um feriado nacional e popularmente conhecido como “Dia dos Mártires de Chicago”. 


A própria cidade de Chicago lutou por muito tempo para chegar a um consenso sobre os eventos de Haymarket. O primeiro memorial público no local, em 1889, mencionava apenas as vítimas policiais. Em 1990 o memorial foi declarado um risco para o trânsito e, após ser movido diversas vezes, foi explodido por manifestantes contrários à Guerra do Vietnã em 1969, até finalmente ser realojado para o pátio da Academia de Polícia. Enquanto isso, o esforço incessante de Lucy Parsons, viúva de Albert e ela mesma uma militante anarquista declarada (e futura membro fundadora da organização operária Industrial Workers of the World) foi coroado pela inauguração do Monumento aos Mártires de Haymarket, feito com fundos privados, no cemitério de Forest Home, coincidindo com a abertura da Feira Mundial de Chicago, em 1893. No entanto, a busca por um símbolo em comum para a cultura cívica da cidade continuou. Finalmente, em 2004, o prefeito de Chicago Richard M. Daley, herdeiro de um dos mais famosos esquemas clientelistas urbanos na história norte-americana, presidiu as instalações do Memorial Haymarket no local original. Projetada pela artista Mary Brogger e dedicada explicitamente a liberdade de expressão, e não aos direitos dos trabalhadores – ela ganhou o apoio tanto da federação sindical da cidade, quanto da Ordem Fraternal da Polícia – a escultura de bronze evoca imagens mais abstratas da busca por justiça social. Como diz uma placa no local: “Chegará o dia em que nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês sufocam hoje”. Ao contrário do restante do mundo industrializado, no entanto, trabalhadores norte-americanos e os seus representantes (assim como todas as instituições públicas) optaram há muito tempo por reservar a primeira segunda-feira de setembro – comemorada pelas federações sindicais locais desde 1880 – e não o 1º de maio, como o Dia Nacional do Trabalho nos EUA. É um ato revelador do excepcionalismo americano.

Atual monumento em  Haymarket Square, iChicago, inaugurado em 2004.


Para saber mais:

  • James Green, Death in the Haymarket (New York: Pantheon, 2006)
  • Laurajane Smith, Paul Shakel, and Gary Campbell,  Heritage, Labour, and the Working Classes (London: Routledge, 2012)
  • Paul Avrich, The Haymarket Tragedy (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1984)

Crédito da imagem de capa: Ilustração sobre os acontecimentos de 4 de maio de 1886 na Haymarket Square  de autoria de T. de Thulstrup e publicada no  Harper’s Weekly, v. 30, e15 de maio de 1886.


Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Mensalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

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