Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho

LMT#111: Companhia Salinas Perynas, Cabo Frio (RJ) – João Christovão

João Christovão
Professor da rede municipal de ensino de Cabo Frio e pesquisador do LEHMT/UFRJ



A capacidade de cristalização natural do sal na região de Perynas, localizada no entorno da Lagoa de Araruama em Cabo Frio (RJ), já era conhecida pelos povos indígenas nativos desde antes da chegada dos portugueses. Em 1824, com o fim do Contrato do Sal, que proibia a produção de sal no Brasil, a posse das terras de Perynas e o direito de nelas produzir foi concedida por Dom Pedro I ao empresário alemão Luís Lindenberg. A partir daí milhões de toneladas de sal foram produzidas por seus trabalhadores ao longo de quase 180 anos de atividade. 

Luís Lindenberg morreu em 1850 deixando aos seus descendentes uma grande fortuna. Os 109 escravos que chegou a possuir foram responsáveis diretos pela construção e funcionamento da primeira salina comercial do Brasil, bem como pelo resto do seu patrimônio que, em grande parte, não foi mantido por seus herdeiros.

Em 1891 a maior parte de Perynas foi vendida ao Banco do Comércio e Indústria do Brasil e, em 1895, adquirida por José Caetano Jalles Cabral que, em 1923, a vendeu a seu genro, o médico e professor de medicina, Miguel Couto. Apesar de toda a instabilidade da empresa e da própria indústria salineira fluminense nas primeiras décadas do século XX, Perynas se manteve produtiva e permaneceu como a principal indústria salineira do país.

Em 1929 a empresa adquiriu o direito de utilizar o porto do Forno em Arraial do Cabo, distrito de Cabo Frio, controlando assim toda a cadeia produtiva do sal, com seu produto seguindo por uma pequena ferrovia até o porto onde era embarcado em seus próprios navios. Sob a presidência de Miguel Couto Filho, que viria a ser governador do Estado e senador, Perynas viria a estreitar ainda mais suas relações com as esferas governamentais que deram ao sal o status de política de Estado. A década de 1940 viu surgir o Instituto Nacional do Sal, a Álcalis, empresa estatal produtora de barrilha e a iodação do sal, projeto relatado por Miguel Couto Filho em 1948.


Os trabalhadores da cadeia produtiva do sal eram, em grande parte descendentes de escravizados que migraram da área rural, vindo a formar bairros periféricos como o Itajuru e a Abissínia.


Além dos salineiros havia os remadores lacustres que transportavam o produto pela lagoa até o porto da Passagem, os estivadores e os arrumadores que trabalhavam no porto carregando os navios que iam para outras regiões do país. Os contratos de trabalho eram, em sua maioria, precários, sendo a atividade dos trabalhadores marcada por um forte sentimento de solidariedade e ajuda mútua. A presença feminina estava restrita às salinas que, à época da safra, via juntar-se aos trabalhadores fixos, dezenas de mulheres e crianças para fazer a colheita do sal.

Perynas, que chegou a ter cerca de 500 trabalhadores fixos registrados, exercia enorme influência local. Trabalhar ali era um desejo e um objetivo de muitos na região. A empresa desenvolveu um sistema paternalista de relações com sua força de trabalho que incluía uma série de “benesses” e mecanismos de controle. Foi a primeira salina da região a ter uma taverna onde seus trabalhadores podiam comprar gêneros de primeira necessidade, o que frequentemente gerava dívidas e relações de dependência. Em 1928 foi inaugurada uma escola de ensino primário para os filhos dos trabalhadores. Havia ainda uma capela católica, um posto de saúde e um campo de futebol para os times da empresa. Além disso, ser um trabalhador fixo significava a possibilidade de morar em uma das muitas casas existentes na área da empresa.

Para além dos benefícios que fizeram com que Perynas permanecesse na memória afetiva dos que lá trabalharam e viveram e povoasse o imaginário dos que esperavam um dia lá trabalhar, as lembranças da empresa são igualmente marcadas pelas duras condições de trabalho e pela luta por direitos. Perynas também foi o berço do movimento sindical dos trabalhadores do sal na região. Entre 1918 e 1926 os estivadores arrumadores e remadores lacustres organizaram seus sindicatos, já os salineiros só organizariam o seu em janeiro de 1940.

Uma das lideranças importantes dos salineiros foi Aldir José de Sousa, mais conhecido como Didi do Sindicato. Criado entre as salinas de Perynas, seu Didi pôde estudar em sua escola, indo, na década de 1950, trabalhar no escritório da empresa. Não demorou para que tomasse contato com membros do sindicato e visse ali a possibilidade de melhorias para si e seus companheiros. Militante ativo, presidente do Sindicato e um dos líderes da grande greve de 1960, foi eleito vereador em 1962 “com os votos dos trabalhadores do sal”. Cassado em 1964 por ocasião do golpe civil-militar, seu Didi passou por inúmeras dificuldades ao final de sua vida.

A ditadura foi um golpe decisivo na organização dos trabalhadores do sal em Cabo Frio, mas a indústria salineira fluminense, por motivos distintos, também não seria mais a mesma. Em 1974 a concorrência do sal potiguar e o aumento do turismo ganharam impulso com a inauguração do Porto Ilha em Areia Branca (RN) e da Ponte Rio-Niterói. Em 1983 Perynas tornou público seu interesse em deixar a produção de sal para atuar na área do turismo. A mudança nunca chegou a se concretizar, mas começava ali o desmonte de toda a sua estrutura produtiva.

Perynas encerrou suas atividades na primeira década do século XXI deixando para trás ruínas e marcas cristalizadas como sal na memória dos trabalhadores que, além de assistir ao seu fechamento, lutam até hoje, na justiça, para receber seus direitos.

Vista parcial de Perynas com a usina de refino de sal ao centro, 1979.
Fonte: Imagem retirada do folheto SAL, comemorativo dos 50 anos da empresa na família de Miguel Couto.


Para saber mais:


Crédito da imagem de capa: Trabalhadores na puxada do sal, 1948. Fotografia de Wolney Teixeira


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

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