Eltern Campina Vale
Professor do Curso de História da UFAL (Campus do Sertão – Delmiro Gouveia)
Edificada entre 1917 e 1924, a Fábrica de Tecidos Rio Tinto no litoral norte da Paraíba, era filial da Companhia de Tecidos Paulista, sua matriz em Pernambuco. Fazia parte do projeto de ampliação dos negócios têxteis da família Lundgren, impulsionado por incentivos fiscais do governo paraibano. Desde sua fundação, um intenso processo migratório e de recrutamento de mão-de-obra transformou milhares de famílias de agricultores, de variadas regiões da Paraíba e estados vizinhos, em operários e operárias regidos pela disciplina e tempo fabril. Imigrantes alemães também foram contratados como técnicos ou chefes de seções. Frederico João Lundgren capitaneava todo o processo de contratação.
A estrutura da fábrica era distribuída entre cargos e seções internas ou subsidiárias, com um corpo heterogêneo de trabalhadores e trabalhadoras, chegando a 12 mil no fim dos anos 1950. Assim como em sua matriz em Pernambuco, a fábrica exerceu enorme poder político e simbólico sobre a comunidade operária em seu entorno. Uma ampla infraestrutura urbana e equipamentos assistências foram construídos pela empresa em Rio Tinto, incluindo, entre outros escolas, hospital, um porto e uma estrada de ferro próprios e até um hipódromo.
Se a dominação empresarial extrapolava os muros da fábrica, o cotidiano da vila operária, com 2.500 casas, praças, clubes de lazer, cinema e botequins, tornou-se um espaço crucial nas relações de sociabilidade, que também forjava um forte processo de construção de uma identidade e cultura operária.
No contexto dos primeiros decretos trabalhistas do governo Getúlio Vargas, foi criado em 1932, o Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Rio Tinto. Seria o marco de uma tradição de lutas sindicais que duraria décadas. Na vibrante cena trabalhista no estado do início da década de 1930, o sindicato logo articulou-se com a Federação dos Trabalhadores da Paraíba e a União Geral dos Trabalhadores da Parahyba do Norte. A imprensa sindical local, com o Jornal dos Operários, foi decisiva na consolidação da organização e identidade operária, além de denunciar os desmandos patronais. O Partido Comunista do Brasil (PCB) teve um papel fundamental neste processo. A “Célula Rio Tinto”, criada em fins de 1932 era uma das maiores do partido na Paraíba. Em 1933, no entanto, uma intensa repressão comandada pelo DOPS abateu-se sobre Rio Tinto, resultando no fechamento do sindicato, prisões e fugas.
Em 1943, o sindicato foi recriado, ficando, no entanto, sob estrito controle da direção da fábrica. João Batista Fernandes, presidente da entidade, era funcionário de inteira confiança dos Lundgren. A contenção do sindicato não significou, no entanto, ausência de lutas por direitos. No final da Segunda Guerra Mundial, as tensões entre os trabalhadores e os técnicos alemães explodiram num “quebra-quebra”, quando as casas dos chefes de seção germânicos foram depredadas. A Justiça do Trabalho foi outro meio importante usado pelos trabalhadores para reivindicar reajustes salariais, férias remuneradas, melhores condições de trabalho e a reintegração e manutenção de posse das casas da vila operária.
A vitória da chapa presidida por Antônio Fernandes nas eleições sindicais de 1960 marcaria um novo período de incremento das lutas operárias e presença dos trabalhadores no cenário público. Logo, o sindicato articulou-se à Confederação dos Trabalhadores da Paraíba e, a partir de 1962, ao Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em nível nacional. Em abril de 1962, Rio Tinto foi a sede do Congresso Paraibano dos Trabalhadores Urbanos e Rurais. Todo esse ativismo e mobilização levaram à eleição de Antônio Fernandes (numa aliança entre o PSB, PCB e PTB) à prefeitura de Rio Tinto em 1963, desbancando o histórico domínio empresarial na municipalidade.
O golpe militar foi bravamente enfrentado em Rio Tinto com uma greve geral decretada no dia 1 de abril de 1964. A resistência, no entanto, foi brutalmente reprimida e o sindicato sofreu intervenção governamental. O período ditatorial, no entanto, também significou um progressivo declínio econômico, político e simbólico da fábrica e do poder dos Lundgren.
Ao longo das década de 1970 e 1980, crises externas e contendas familiares abalaram a produção da fábrica até o encerramento de suas atividades em 1990. Desde então, parte importante da resistência e luta do trabalhadores consistiu na demanda pelo pagamento de indenizações e pela permanência de moradia na vila operária. Recentemente, parte das antigas dependências da tecelagem foi alugada à Universidade Federal da Paraíba.
No centenário do início da construção da fábrica em 2017, Nilson Lundgren, herdeiro dos fundadores, capitaneou a reativação de uma linha de produção, renomeando a tecelagem como “Rio Tinto Têxtil S/A”. A empresa ainda é proprietária de grande parte do patrimônio imobiliário da cidade e são constantes as reivindicações e lutas de ex-trabalhadores pela posse das casas da antiga vila operária. Muitos moram há mais de 60 anos nas mesmas residências. Se, mesmo passados tantos anos, um certo sentimento de “medo” da Companhia ainda persiste em Rio Tinto, também é possível perceber na memória local as “saudades do tempo do trabalho” ao lado da “saudade de convivência dos companheiros” como exemplos da solidariedade que marcou decisivamente a história dos trabalhadores e trabalhadoras de Rio Tinto.
Para saber mais:
- FERNANDES, João Batista. O extinto Rio Tinto. Recife: Imprensa Universitária, 1971.
- GÓES, Raul de. Herman Lundgren: Pioneiro do Progresso Industrial do Nordeste. Rio de Janeiro: A Noite, 1949.
- MACÊDO, Maria Bernadete Ferreira de. Inovações Tecnológicas e Vivência Operária –O caso de Rio Tinto 1950-1970. Dissertação (Mestrado). Departamento de Economia da UFPB. João Pessoa, 1986.
- PANET, Amélia et al. Rio Tinto: estrutura urbana, trabalho e cotidiano. João Pessoa: UNIPÊ, 2002.
- VALE, Eltern Campina. “Operários! Uni-vos!”: experiência e formação de classe na Fábrica de Tecidos Rio Tinto (Paraíba, 1924-1945). Tese (doutorado). Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em História, Recife, 2018.
Crédito da imagem de capa: Tecelã em manuseio de máquina da Fábrica de Tecidos Rio Tinto na década de 1940. Acervo Antônio Luiz, Rio Tinto.
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Lugares de Memória dos Trabalhadores
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.