Paulo Keller
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA
A cidade de Paracambi, localizada a cerca de 80 km do Rio de Janeiro, num sopé na baixada fluminense e já nos limites do vale do café no sul do estado, tem hoje como seu principal símbolo a imagem da fábrica de tecidos da antiga Cia. Têxtil Brasil Industrial. A implantação pioneira desta grande fábrica de tecidos na década de 1870, nesta região, propiciou o surgimento de uma comunidade de trabalhadores têxteis que foi o núcleo principal aglutinador da população que hoje constitui o município de Paracambi.
Os fundadores desta antiga Companhia eram otimistas em relação à escolha do local de implantação da fábrica. O espaço apresentava um conjunto de vantagens, como a facilidade e comodidade de tráfego, a existência de um serviço telegráfico e do correio diário, a proximidade do grande mercado da capital (apenas 1h 30min de viagem em via-férrea), a abundância e altura das águas aproveitáveis para moverem o maquinismo da fábrica, além da povoação já existente no local. Todos esses fatores justificavam a escolha das terras da antiga fazenda do Ribeirão dos Macacos, no então município de Itaguay, para sede deste empreendimento industrial. Distava apenas 1 km da Estação Ferroviária de Macacos (inaugurada em 1861), um ramal da Estrada de Ferro D. Pedro II.
A fábrica de tecidos de algodão da Companhia Têxtil Brazil Industrial foi estabelecida inicialmente em 1870. Foi montada em um imponente edifício com 500 pés de comprimento sobre 50 de largura, com 3 andares, além das lojas, com alicerces de pedra e grossas paredes de pedra rústica até o vigamento do 1.o andar; e com paredes de tijolos daí para cima. Contudo, a Companhia não pode ir avante e foi dissolvida. Sendo que, no ano seguinte, em 1871, ela foi reorganizada, idêntica em tudo à primeira, com apenas ligeiras modificações em seus estatutos aprovados em 6 de setembro de 1871. A primeira diretoria eleita era composta pelos fundadores da empresa: Francisco de Assis Vieira Bueno, Zeferino de Oliveira e Silva e Joaquim Dias Custódio de Oliveira, capitalistas de origem portuguesa que haviam acumulado recursos no comércio da capital.
Essa foi a primeira grande(e até o final da década de 1880 a maior) fábrica de tecidos de algodão do Brasil. A Fábrica Brasil Industrial era equipada com 24.000 fusos e 400 teares, empregando inicialmente 400 pessoas. Neste período a cidade e a província do Rio de Janeiro tornaram-se o principal centro da indústria têxtil de algodão do Brasil.
A falta de uma vila operária estruturada no início do empreendimento gerava dificuldades para superar a escassez de operários. Assim, em 1886, a companhia já havia providenciado casas para os trabalhadores, constituindo uma vila operária. Em 1888 foram concluídas as “obras de saneamento da localidade”. A iluminação elétrica da vila ocorreu em 1919. À medida que se configurava o sistema de fábrica com vila operária, surgia uma ampla rede de serviços que incluía escola, armazém, clube social e esportivo, além de um posto de saúde e de uma capela. Estes serviços oferecidos na vila, tanto funcionavam como mecanismos de controle quanto espaços de sociabilidade dos operários e operárias em sua vida cotidiana, reforçando uma identidade cultural operária expressiva nesta comunidade de trabalhadores.
Essa forte identidade de classe compartilhada foi fundamental em momentos de crise como o vivido em 1918, quando uma grande greve colocou em xeque as formas de dominação e controle social da empresa. Liderados pelos anarco-sindicalistas da União dos Operários em Fábricas de Tecido do Rio de Janeiro, os cerca de 2 mil e 500 operários e operárias de Paracambi paralisaram seu trabalho por vários dias reivindicando a redução das extensas jornadas de trabalho. Apesar de fortemente reprimida, a greve logrou a extinção do trabalho aos domingos e legou uma cultura de resistência que se manifestaria, tanto no cotidiano fabril quanto no espaço público, em diversos momentos nas décadas seguintes.
Na segunda metade do século XX, a Cia. Têxtil Brasil Industrial passaria a enfrentar momentos de crise econômica e, a partir dos anos 1960, um contínuo declínio de seu antigo sistema fabril. Inicialmente com o transbordamento urbano da antiga vila operária, que resultou no surgimento do município de Paracambi, emancipado em 1960. Na década de 1970, as casas da vila foram vendidas e a rede de serviços foi sendo desativada. Nos anos 1980, o empreendimento industrial entrou em uma crise definitiva que levaria ao encerramento das suas atividades em 1996.
O tombamento deste sítio industrial como patrimônio histórico e cultural ocorreu ainda durante o funcionamento da fábrica em 1985 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC). O conjunto fabril tombado incluiu o edifício central (fábrica), a usina de força, a casa do diretor (casarão), a capela de Nossa Senhora da Conceição e edificações complementares, importantes espaços de memória local.
A transformação do prédio da fábrica em Centro de Ensino Público Integrado – Fábrica do Conhecimento ocorreu em 2002, passando a sediar diversas instituições educacionais tecnológicas e superiores públicas. Em 2020 foi criado o Centro de Memória e Museu da Indústria Têxtil projeto ligado ao IFRJ/Campus Paracambi, que funciona no prédio da antiga fábrica. O Centro de Memória constituí hoje um espaço de preservação deste valioso patrimônio industrial e de reflexão e de debate público sobre a memória da indústria e dos lugares de memória do trabalho fabril têxtil.
Para saber mais:
- CIAVATTA, Maria (org.) Memória e Temporalidades do Trabalho e da Educação. Rio de Janeiro: Lamparina/FAPERJ, 2007.
- KELLER, Paulo. Cultura do trabalho fabril. São Luís: EdUFMA, 2019.
- http://www.edufma.ufma.br/index.php/produto/cultura-do-trabalho-fabril/
- STEIN, Stanley. Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil: 1850/1950. Rio de Janeiro, Campus, 1979.
- SUZIGAN, Wilson. Indústria Brasileira: Origem e Desenvolvimento. São Paulo, Brasiliense, 1986.
- Site: Núcleo de Estudos do Centro de Memória Têxtil de Paracambi: https://memoriaoperariaparacambi.com.br/
Crédito da imagem de capa: Cia. Têxtil Brasil Industrial – Mestres, contramestres e encarregados – 1950. Acervo de Paulo Keller. Fotógrafo anônimo
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Lugares de Memória dos Trabalhadores
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.