César Augusto Queirós
Professor do Departamento de História da UFAM
Quem hoje, ao transitar pelo agitado centro de Manaus, passa pela rua Marcílio Dias, talvez não perceba, em meio à intensa movimentação dos vendedores ambulantes e dos transeuntes, um pequeno prédio que abriga parte importante da história dos trabalhadores e trabalhadoras amazonenses: a Casa do Trabalhador do Amazonas (CTA). Essa casa, foi palco de importantes lutas travadas pela classe trabalhadora do estado nas últimas sete décadas, tornando-se também espaço de sociabilidade e de intensa formação política.
Até meados da década de 1940, a maioria das entidades sindicais amazonenses não possuía sede própria. Em 1944, cumprindo promessa feita aos trabalhadores amazonenses e seguindo a “política de assistência social do presidente Getúlio Vargas”, o então interventor federal Álvaro Maia adquiriu um imóvel situado na rua Marcílio Dias, 256. As instalações foram cedidas pela Delegacia Regional do Trabalho para a instalação da Casa do Trabalhador do Amazonas (CTA), servindo como sede para diversos sindicatos e associações. Em agosto de 1947, o prédio passaria definitivamente às entidades sindicais, já no governo de Leopoldo Neves.
A Casa do Trabalhador do Amazonas foi criada com a finalidade “servir de sede às entidades sindicais existentes ou que vierem a ser organizadas” no estado. Sua primeira diretoria, eleita em junho de 1947, era presidida por Otavio Teixeira Morais da Câmara, do Sindicato dos Gráficos. Seu lema, “Paz, Trabalho, Pão e Liberdade”, até hoje está inscrito nas paredes da Casa do Trabalhador.
Nos anos 1950, alguns dos principais sindicatos do Amazonas estavam vinculados à CTA, incluindo as Federações dos Trabalhadores das Indústrias e dos Trabalhadores de Transportes Fluviais. Mais de duas dezenas de entidades sindicais tinham conexão com a Casa.
Além de abrigar as sedes dos sindicatos, a Casa do Trabalhador oferecia ainda assistência médica e gabinete dentário a seus associados. Seus salões, além de servirem de espaço para as diversas assembleias dos trabalhadores, abrigavam ainda bailes de carnaval, festividades, competições esportivas e atividades de formações políticas, caracterizando-se como um importante local de sociabilidade e vivência associativa. Em julho de 1947, por exemplo, o Sindicato dos Taifeiros, Culinários e Panificadores em Transportes Fluviais convidava os trabalhadores para uma “esplendorosa e animada” festa dançante. Frequentemente eram realizados bailes ao som de conhecidas “jazz-bands” com o objetivo de angariar fundos para algum trabalhador enfermo ou necessitado.
A CTA recebia auxílio financeiro do Ministério do Trabalho, por meio da Delegacia Regional do Trabalho (DRT) para os custos de manutenção e para seus projetos sociais. Nos primeiros anos da Casa era evidente a estreita relação entre sua diretoria eleita e a DRT, por meio da figura do delegado Edmundo Fernandes Levy, que atuava diretamente na dotação orçamentária, obtenção de recursos e atividades cotidianas da Casa.
Essa forte aproximação do CTA com a Delegacia Regional do Trabalho, começou mudar em 1958, com a eleição de Manoel Amâncio de Oliveira, do Sindicato dos Portuários, para a presidência da Casa do Trabalhador. A CTA passou a adotar uma postura mais independente, atraindo um novo grupo de sindicalistas. Muitas dessas novas lideranças tinham ligações com o PCB, o que acirrou as disputas políticas no meio sindical, colocando em rota de colisão a nova direção e o grupo ligado ao PTB, que prestava apoio aos governos trabalhistas de Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho.
Neste contexto, as eleições de 1960 para a direção da CTA foram bastante conturbadas e ocorreram em um clima de radicalização. Durante a eleição, a proposta de alteração do estatuto da entidade e a não homologação de alguns membros do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Alimentação resultaram em tensas discussões e um conflito físico entre os sindicalistas. Os membros da oposição, ligados ao PTB, se retiraram do pleito e foi eleita a chapa apoiada pelos comunistas e encabeçada por Francisco Washington, do Sindicato dos Garçons. Este episódio representou uma ruptura no movimento sindical amazonense uma vez que os sindicatos descontentes pediram seu afastamento da CTA e inauguraram uma nova sede: a Casa dos Sindicatos de Manaus (CSM). Na solenidade de inauguração da CSM, estavam presentes o Delegado Regional do Trabalho, Nelson Braga; Danilo Areosa, representando o Governador Gilberto Mestrinho (PTB) e algumas autoridades militares. Na ocasião, foi reafirmado o apoio daquelas associações ao governador.
De toda forma, no período que precedeu o Golpe de 1964, a Casa do Trabalhador do Amazonas tornou-se um espaço privilegiado nas lutas sociais da classe trabalhadora amazonense. Foi um lugar de organização e apoio vital para os mais importantes movimentos paredistas deflagrados naqueles anos, como a greve dos Portuários, ocorrida em 1958, as greves dos tecelões e estivadores, em 1962, e a greve dos bancários, em 1963.
A repressão desencadeada pela ditadura instituída em 1964 e uma nova reconfiguração da classe trabalhadora e do movimento sindical nas décadas seguintes enfraquecerem a centralidade da Casa na vida social do Amazonas. No entanto, a despeito de todos os obstáculos, a Casa do Trabalhador do Amazonas resiste e continua abrigando sindicatos, realizando atividades de formação e segue sendo, há sete décadas, o “quartel general dos trabalhadores da terra cabocla”.
Para saber mais:
- QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. A Casa do Trabalhador do Amazonas: o quartel general dos trabalhadores da terra cabocla (1944-1964). In: Clarice Gontarski Speranza. (Org.). História do Trabalho: entre debates, caminhos e encruzilhadas. Jundiaí: Paco Editorial, 2019.
- QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. ‘Que fizeram com meu pai?’: sindicalismo e ditadura no Amazonas. Escritas do Tempo, v. 2, 2020. https://periodicos.unifesspa.edu.br/index.php/escritasdotempo/article/view/1204
- VALENTE, Aviz. CGT: antecedentes e protagonistas. Manaus: Travessia, 2005.
Crédito da imagem de capa: Lema da Casa do Trabalhador do Amazonas inscrito no salão principal da entidade. Foto de César Queiroz, 2021.
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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
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