Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho

Lugares de Memória dos Trabalhadores #29: Usina Cinco Rios, Maracangalha, São Sebastião do Passé (BA) – Idalina Maria Almeida de Freitas



Idalina Maria Almeida de Freitas
Professora da UNILAB-Campus dos Malês



O pequeno distrito de Maracangalha onde se encontram as ruínas da Usina Cinco Rios, está situado no município de São Sebastião do Passé, no Recôncavo Baiano. Local que inspirou a famosa canção de Dorival Caymmi na década de 1950, as histórias que envolveram o “ir para Maracangalha” e a exímia “sambadeira”, a Anália, personagem imortalizada pelo poeta, que nasceu e morou na região, são memórias ainda vivas entre os moradores.

A Usina Cinco Rios foi fundada em 6 de novembro de 1912, sucedendo a antiga Usina Maracangalha. O engenho Maracangalha, que deu origem à usina, já existia desde 1757. Inicialmente de propriedade da tradicional família Costa Pinto, a Usina foi adquirida nos anos 1930 por Clemente Mariani, famoso empresário e político baiano. Fechou e reabriu na mesma década, passando para a administração de Álvaro Martins Catharino. No final da década de 1940 esteve à frente Augusto Novis, um dos mais conhecidos usineiros da Bahia. Em meio à decadência de outras usinas no Estado, teve êxito considerável entre as décadas de 1950 e 70.

Cinco Rios foi uma das mais bem equipadas usinas baianas, com maquinário de última geração e força motriz de máquinas a vapor. Possuía propriedades agrícolas que forneciam a cana de açúcar, direcionadas para as moendas e caldeiras. Ao longo do tempo chegou a ter um laboratório químico de controle de qualidade, oficina mecânica, serraria, carpintaria, fundição e outros serviços auxiliares capacitados a produzir peças de reposição. Além de utilizar a estrada de ferro Centro Oeste da Bahia (EFCOB), dispunha de 8 quilômetros de linha férrea, e uma pequena estação própria, juntamente com três locomotivas que realizavam o transporte da cana vindas de suas propriedades agrícolas.

Como várias usinas no Nordeste, Cinco Rios oferecia casas para a acomodação dos trabalhadores e suas famílias. No livro de notas da Usina da década de 1940, por exemplo, encontram-se registros de residências de trabalhadores; uma casa de oração; hospedaria; escritório; uma casa da sociedade dos operários; uma escola, todos com serviços sanitários, cobertas de telhas e com luz elétrica instalada.


Os/as trabalhadores/as da Usina eram, em sua grande maioria negros e negras, descendentes de famílias que há muito habitavam antigas fazendas da região, nos entornos de São Francisco do Conde, Santo Amaro e São Sebastião do Passé. No seu auge, todo o processo produtivo chegou a empregar cerca de mil trabalhadores.


Para muitos deles, a rotina nos campos começava logo cedo com a limpa da cana e a plantação. Alguns possuíam relação fixa de trabalho na empresa, em geral nos ofícios de cozinhador, soldador, evaporador, motorista, carpinteiro, caldeireiro, pedreiro, entre outros. Já uma outra parcela trabalhava de forma sazonal, nas épocas de corte da cana e transporte até a usina para a moagem. As mulheres trabalhavam no corte da cana nos campos. Algumas também foram professoras dos/as filhos/as de trabalhadores em escolas no entorno. As atividades, em geral, eram penosas e o olhar atento do feitor “lembrava o tempo dos engenhos”, em uma memória ainda presente do período da escravidão.

Uma forte sociabilidade cultural dos trabalhadores contrapunha-se ao árduo cotidiano na Usina. Eram comuns os sambas de roda, as brigas de galo, a prática do futebol e de rodas de capoeira. Ainda são recorrentes as lembranças de Besouro, lendário capoeirista temido na região por sua valentia e mandigas. O largo da capela de Nossa Senhora da Guia, próximo à Usina, era o principal ponto de concentração dos trabalhadores e de suas famílias.

Em 1946, os trabalhadores da Usina Cinco Rios aderiram ao Sindicato do Trabalhadores das Usinas de Santo Amaro que naquele ano ampliou sua representação para São Francisco do Conde e São Sebastião do Passé. Nos anos 1940 duas grandes greves paralisaram as usinas do Estado, inclusive Cinco Rios. Em 1954 uma nova greve generalizada espalhou-se pela região. Naquele período, um sindicalismo ativo, com forte influência da militância do Partido Comunista Brasileiro (PCB), organizou os trabalhadores locais e denunciou as péssimas condições de trabalho e o descumprimento da legislação trabalhista. Com a ditadura militar, a região foi declarada área de segurança nacional e o movimento sindical foi fortemente reprimido, jamais recuperando sua pujança anterior.

A Usina Cinco Rios encerrou definitivamente suas atividades em 1987 e hoje encontra-se em ruínas. Quem se aproxima pela estrada de terra e adentra o pequeno distrito de Maracangalha, já avista o que sobrou da imponente construção. Grande parte dos maquinários vindos da Europa e EUA ainda se encontram no local, deteriorando-se sob a ação do tempo. Ao andarmos pela localidade é impossível não ouvir histórias de vidas de gerações de famílias ligadas ao trabalho nas atividades açucareiras. Estão ali as lembranças de jornadas exaustivas, de deslocamentos, de formas de associativismos, dos sambas de roda e capoeira, além da reestruturação nas relações de trabalho por meio da carteira assinada e das lutas por direitos. São diversas histórias e memórias ainda a desvendar de quem foi para Maracangalha.

Notícia sobre Usina Cinco Rios na revista Bahia Ilustrada em 1918.
Acervo Hemeroteca digital Biblioteca Nacional
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Para saber mais:


Crédito da imagem de capa: Fachada da Usina Cinco Rios. Acervo Hemeroteca Digital Biblioteca Nacional, sem data.


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

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