Está no ar o quinto episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ!
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho.
Neste quinto episódio, conversamos com César Queiroz, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e Marcos Braga, professor da rede pública estadual de educação do Amazonas e doutorando do programa de pós-graduação em História da UFAM. Os convidados são organizadores do livro Breve dicionário analítico sobre a obra de Edward Palmer Thompson. A obra é produto da disciplina “Trabalho e movimentos sociais na Amazônia”, oferecida no PPGH/UFAM, em 2024, em homenagem ao centenário de Edward Thompson, sendo o foco do curso debater as contribuições thompsonianas e as polêmicas que o envolveram ao longo de sua vida. Os/as alunos/as da disciplina elaboraram verbetes que fazem parte da composição desta breve dicionário.
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Entrevistadores: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Josemberg Araújo, Larissa Farias e Thompson Clímaco Roteiro: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Larissa Farias e Thompson Clímaco Produção: Ana Clara Tavares e Larissa Farias Edição: Josemberg Araújo e Thompson Clímaco Diretor da série: Thompson Clímaco Coordenadora geral do Vale Mais: Larissa Farias
Vale Mais #32: Breve dicionário analítico sobre a obra de Edward Palmer Thompson, por César Queirós e Marcos Braga –
Vale Mais
Está no ar o quinto episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ!
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho.
Neste quinto episódio, conversamos com César Queiroz, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e Marcos Braga, professor da rede pública estadual de educação do Amazonas e doutorando do programa de pós-graduação em História da UFAM. Os convidados são organizadores do livro Breve dicionário analítico sobre a obra de Edward Palmer Thompson. A obra é produto da disciplina “Trabalho e movimentos sociais na Amazônia”, oferecida no PPGH/UFAM, em 2024, em homenagem ao centenário de Edward Thompson, sendo o foco do curso debater as contribuições thompsonianas e as polêmicas que o envolveram ao longo de sua vida. Os/as alunos/as da disciplina elaboraram verbetes que fazem parte da composição desta breve dicionário.
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Entrevistadores: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Josemberg Araújo, Larissa Farias e Thompson Clímaco
Roteiro: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Larissa Farias e Thompson Clímaco
Produção: Ana Clara Tavares e Larissa Farias
Edição: Josemberg Araújo e Thompson Clímaco
Diretor da série: Thompson Clímaco
Coordenadora geral do Vale Mais: Larissa Farias
Luiz Azevedo Mestre em sociologia e pedagogo. Era Secretário Geral do Sindicato dos Bancários de São Paulo em 1985
Quarenta anos se passaram. Já estou com 70. Falar desta greve mexe comigo e com os bancários da minha geração. Graças a ela firmei minhas convicções em defesa do planejamento estratégico situacional e da necessidade de um sindicalismo democrático e de massas. A alegria dos grevistas revelou seu caráter libertador. A classe trabalhadora sentiu que se livraria da ditadura com as mobilizações das Diretas Já e estava ansiosa para se livrar, nem que fosse por pouco tempo, do sufoco que sofria diante da opressão nos locais de trabalho.
Olhar 40 anos depois para aquela greve nos permite capturar com maior profundidade o seu significado para o movimento sindical brasileiro e para as relações entre capital financeiro e bancários, em uma época em que a automação ainda estava longe do que presenciamos atualmente. Apenas em São Paulo havia cerca de 140 mil bancários. Em todo o país eram cerca de 700 mil, dos quais 500 mil trabalhadores(as) aderiram à greve nas principais capitais e cidades do Brasil. Havia muitos jovens, pois a jornada de seis horas permitia combinar estudo e trabalho. Grande parte encarava o trabalho bancário como provisório. Também era uma categoria com forte presença feminina. E muitas jovens bancárias sofriam com o assédio sexual de contadores e chefias e iam ao Sindicato. Eu atendi inúmeras. Era o tempo do contador “cantador”.
A maior greve nacional bancária da história foi deflagrada dia 10 de setembro de 1985. Milhares de bancários compareceram à praça da Sé, em São Paulo, e às assembleias realizadas país afora, dispostos a deflagrar a greve, que vinha sendo preparada há três meses. Estavam convictos de que era justa e necessária, tanto que a aprovaram por unanimidade. À zero hora do dia 11 de setembro a greve começou e o Brasil começou a parar. Sua dimensão e as características que adquiriu encurtaram sua duração. A Justiça do Trabalho apressou seu julgamento e, no dia seguinte, o Banco do Brasil cedeu.
A dimensão da greve não tem relação apenas com o número de dias parados. Afinal, em 1951, os bancários haviam paralisado os bancos por 69 dias. Está relacionada com a abrangência nacional de uma greve de massa, unitária, com ampla adesão e apoio da opinião pública. Entraram em greve contínuos, escriturários, caixas, contadores e gerentes, jovens e trabalhadores de todas as idades. Todos, unidos e animados, compareceram e deram vida às assembleias, passeatas e atos públicos. As atividades eram uma verdadeira festa. A juventude brilhava, criava, inventava e revelava quão grande era a vontade de se expressar.
Em sua dimensão cabe considerar as conquistas econômicas, mas também a vitória política e os impactos que promoveu no movimento sindical. A greve mobilizou uma legião de ativistas sindicais, que tomaram em suas mãos a formação de oposições nos sindicatos dirigidos por dirigentes acomodados à estrutura sindical atrelada ao Estado. Quebrou o processo de negociação coletiva regionalizado, em datas-base distintas, impulsionando a unificação e sua nacionalização, o que se consolidou seis anos depois, com o Comando Nacional de Negociação e a assinatura da primeira Convenção Coletiva Nacional dos bancários, em 1991.
A estratégia adotada na campanha e na greve considerou as experiências assimiladas nas greves bancárias anteriores, decretadas a partir de 1978, quando teve início o chamado novo sindicalismo. Em 1978, os bancários paulistas aprenderam que não era possível reproduzir nos bancos o estilo de greve “braços cruzados, máquinas paradas”, usado pelos metalúrgicos naquele ano. Em 1979, que a paralisação deveria ser nacional e obter a adesão também dos bancários que exerciam cargos de chefia; que os piquetes deveriam ser organizados de forma a evitar intervenções policiais agressivas, que naquele ano resultou em um quebra-quebra de grandes dimensões na região central de São Paulo. Que greve bancária precisaria ter apoio da população, principal afetada com a paralisação dos bancos, pois à época ainda era necessário ir a agências para sacar, pagar, transferir e depositar, pois a automação ainda não assegurava as comodidades atuais.
A situação política vinha evoluindo de forma contraditória. A vitória do PMDB nas eleições de 1982 arranhou a legitimidade da ditadura. Em 1983, milhares de delegados sindicais, do campo e das cidades, se reuniram e fundaram a Central Única dos Trabalhadores – CUT, oportunidade em que avançamos na articulação com os movimentos sociais. Estes avanços ocorriam apesar da repressão da ditadura, que havia decretado intervenção em vários sindicatos um mês antes da fundação da CUT, devido à greve geral de 21 de julho de 1983. Dentre eles, no Sindicato dos Bancários de São Paulo, que teve parte da direção presa e toda ela cassada.
Folha Bancária cobriu toda a greve. Nesse número, destaque para a passeata pelas Avenidas São João, Ipiranga, São Luiz, termianando na Praça Patriarca em São Paulo dia 28 de agosto. Crédito: Esdras Martins/MochilaPress
Para assegurar que o jornal diário do sindicato, a Folha Bancária, chegasse às mãos dos trabalhadores na base foi estruturado um sistema de distribuição em todos os bairros de São Paulo. Em cada aglomeração de agências, a Folha era posta em um local combinado e os ativistas bancários a pegavam e distribuíam nas agências próximas. Nestas microrregiões, o jornal foi um excelente instrumento de organização. Aproximou e ampliou o número de ativistas, que foram fundamentais na mobilização para as “Comissões de Esclarecimento” e na constituição dos mais de 60 Comandos de Microrregião, que escolhiam, juntamente com os grupos de banco, representantes para o Comando Geral de Greve. Um processo envolvente, uma organização que descentralizava, mas mantinha um comando central democrático e participativo, que chegou a contar com mais de 200 bancários na reta final da campanha.
Um ano antes da greve o Brasil foi palco da maior mobilização de massas de sua história, a campanha das Diretas Já, quando milhares de pessoas ocuparam as praças e avenidas Brasil afora. Ali as pessoas já começaram a tomar gosto pelas grandes mobilizações. As diretas não foram aprovadas e o fim do regime militar ocorreu com a eleição de Tancredo Neves para Presidente e Sarney para vice, em um Colégio Eleitoral. Tancredo faleceu e tomou posse José Sarney, mesmo assim eram grandes as expectativas em relação ao novo governo. Neste novo contexto, marcado pelo crescimento dos índices de inflação, a jovem democracia se viu diante da continuidade das greves pela reposição das perdas salariais.
A intervenção militar no Sindicato de São Paulo foi suspensa nos últimos dias da ditadura, em dezembro de 1984. A diretoria cassada organizou uma chapa unitária e reconquistou o Sindicato, que passou a ser presidido por Luis Gushiken, a partir de março de 1985. Simultaneamente, a oposição cutista venceu as eleições no Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, aumentando a força dos cutistas e sindicalistas autênticos, que já contavam, entre outros, com Olívio Dutra em Porto Alegre; e núcleos de oposição espalhados pelo Brasil.
Os bancários aderiram à campanha pelo reajuste trimestral dos salários e inovaram na comunicação e na agitação. Em resposta, os banqueiros concederam uma antecipação salarial de 25%, a ser compensada nas negociações de setembro. Neste contexto, os dirigentes sindicais cutistas e autênticos, a partir do Sindicato de São Paulo, iniciaram intenso processo de articulação política para viabilizar um calendário de organização e de lutas unificadas, buscando a unidade pela base, indo muito além das articulações nas cúpulas sindicais.
Estas articulações resultaram em um encontro nacional, realizado no Rio de Janeiro, no Hotel Glória, entre 6 e 8 de junho de 1985, quando a estratégia e o calendário de campanha foram aprovados. A estratégia sindical definida era de que as circunstâncias exigiam uma campanha salarial nacional e unitária, sustentada em uma intensa agenda de assembleias, atos, eventos organizativos e passeatas, a exemplo do movimento das diretas. Este calendário já deveria contemplar uma data indicativa de paralisação para depois da data-base (1o de setembro) e a definição de assembleias simultâneas em todo o Brasil no dia 10 de setembro, com possibilidade de greve a partir de 11.
A ampla divulgação deste calendário possibilitou que os bancários pudessem pressionar as direções sindicais acomodadas em todo o país para colocar em prática o plano de mobilização. Em sua concepção estava clara a pretensão de forçar a unidade, vencer eventuais resistências, conquistar a opinião pública e seguimentos da categoria pouco afeitos a paralisações. Os clientes foram avisados com antecedência para que pudessem sacar e realizar suas atividades bancárias previamente. A reivindicação de incorporação dos 25% antecipados era de fácil assimilação pela categoria e pela população.
Em agosto de 1985 a inflação do mês alcançou 14% e os lucros dos bancos foram extraordinários, revelando o quanto os banqueiros estavam enriquecendo às custas de seus clientes e do trabalho dos bancários. As assembleias, atos e assembleias foram crescendo e se espalhando pelo país. Nos sindicatos dirigidos por dirigentes acomodados, os bancários de bancos públicos pressionavam e faziam os eventos acontecer. A greve como último recurso foi assimilada por todos os segmentos da categoria, demonstrando que a intransigência era dos banqueiros.
Comissão de Esclarecimento no primeiro dia de greve na Avenida Paulista em São Paulo. Crédito: Esdras Martins/MochilaPress
A crescente participação nas atividades ia aumentando a confiança da categoria no movimento e atraindo de contínuo a gerente. Passeatas imensas, como as realizadas em São Paulo, com mais de 50 mil pessoas, se espalharam pelo país. As de 28 de agosto, que contaram com a participação de milhares de pessoas anunciaram o caráter de massas que teria a greve. Em São Paulo, a juventude organizou uma bateria de abertura com motos, que ocuparam e iam organizando o trânsito nas avenidas São João, Ipiranga e São Luiz. Os banqueiros mantinham sua intransigência e foi ficando evidente que a greve era justa e inevitável.
Ao invés de piquetes, foram organizadas “Comissões de Esclarecimentos”, como forma de explicitar o caráter pacífico do movimento. Postes e muros foram inundados de cartazes que diziam “Se não sacou, é bom sacar, os bancários vão parar”. Esta mensagem foi essencial, pois na época nem os caixas nem as formas de pagamento eletrônicos estavam disseminadas. O impacto foi extraordinário e os saques antes da greve serviram como instrumento de pressão e conquistaram a opinião pública. A ampla e prévia divulgação da data da greve para dez dias após a data-base, depois do pagamento dos salários dos bancários e de todos os trabalhadores, foi acertada.
A dimensão, a unidade, a ampla adesão e o apoio da população naquela conjuntura de redemocratização e lutas por direitos explicam porque a greve nacional dos bancários de 1985 foi um sucesso e alcançou seus objetivos em apenas dois dias de paralisação. A categoria bancária assimilou esta extraordinária experiência e as reproduziu em diferentes escalas nos anos seguintes.
Nos anos seguintes, os ativistas que se revelaram na greve disputaram e passaram a ocupar as direções sindicais em diferentes lugares do país. A greve teve um impacto positivo na sociedade em geral e reforçou a ideia dos bancários como parte fundamental da classe trabalhadora, colocando-os na vanguarda do movimento sindical ao lado dos metalúrgicos. Os sindicatos dos bancários em São Paulo e em várias cidades do país consolidaram-se como centros políticos e culturais fundamentais na vida urbana. A greve de 1985 ainda projetou lideranças na sociedade civil e na política, como Gushiken (SP), Olívio Dutra (RS) e Augusto Carvalho (DF), eleitos para a Assembleia Nacional Constituinte no ano seguinte. Diversos bancários foram eleitos para as Assembleias Constituintes nos estados.
O Departamento Nacional dos Bancários da CUT foi transformado em Confederação Nacional dos Bancários, posteriormente consolidada como Confederação Nacional dos Trabalhadores no Sistema Financeiro (CONTRAF). A primeira Convenção Coletiva Nacional foi assinada seis anos depois, em 1991, e a CONTRAF foi se tornando hegemônica no movimento sindical bancário.
Apesar das profundas mudanças no setor financeiro e na categoria bancária, a tradição de luta sindical que a greve de 1985 representou ainda inspira as novas gerações, destacadamente o planejamento, a organização e a identificação das vulnerabilidades da classe patronal. 1985 não vai se repetir daquela forma, mas numa fase de ainda maior financeirização do capitalismo, a organização dos trabalhadores bancários e suas lutas tem se mostrado cada vez mais importantes para a defesa da democracia e de um projeto de desenvolvimento ambientalmente sustentável e com distribuição de renda.
Já se passaram quarenta anos e tanto os que viveram como a geração atual de trabalhadores do sistema financeiro tem muito a comemorar, pois foi a maior greve nacional do país, tanto pela sua dimensão e resultados extraordinários que produziu, quanto pelo sindicalismo de massa e democrático que gerou, o que deve servir de exemplo para as gerações atuais e futuras.
As comissões de esclarecimento adquiriam várias formas, como esta manifestação dos bancários sentados, centro de São Paulo. Crédito: Esdras Martins/MochilaPress
PARA SABER MAIS:
Sindicato dos Bancários-SP/GEP-URPLAN. Paramos São Paulo, sacou? A participação dos bancários paulistas na greve que parou o Brasil em 1985.
Sader, Eder. Quando novos personagens entram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. São Paulo: Paz e Terra, 1991
Oliveira, Carlindo Rodrigues de. Greve e negociação coletiva no Brasil (1978-2018): Grandes ciclos, configurações diversas. Livro 2. São Paulo: Dialética, 2022.
Jinkings, Nise. Trabalho e resistência na “fonte misteriosa”: os bancários no mundo da eletrônica e do dinheiro. Campinas, SP: Editora Unicamp; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
Blass, Leila Maria da Silva. Estamos em Greve! Imagens, gestos e palavras do movimento bancário, 1985. São Paulo: Editora Hucitec e Sindicato dos Bancários de São Paulo, 1992
Crédito da imagem de capa: Assembleia Geral na praça da Sé aprova a deflagração da greve. Crédito: Esdras Martins/MochilaPress
No 54° episódio de Livros de Classe, Deivison Amaral professor da PUC-Rio, apresenta o livro Círculos operários: a igreja católica e o mundo do trabalho no Brasil, de Jessie Jane Vieira. A obra aborda a relação entre Igreja Católica e Estado no Brasil entre 1930 e 1964, destacando seu papel nos mundos do trabalho por meio dos círculos operários.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
Rana Behal Associação Indiana de Historiadores do Trabalho e Professor Aposentado do Deshbandhu College, Nova Deli
Em 6 de junho de 2025, o The Tribune, um conhecido periódico de Chandigarh, publicou uma matéria para marcar o Dia do Trabalhador, em 1º de maio de 2025, intitulada “Chheharta: de polo industrial a cidade esquecida”, que parece ser uma peça nostálgica e quase um obituário, escrita por Manmeet Singh Gill. Ele escreveu: “Outrora um distrito industrial próspero com uma identidade própria, a história de Chheharta é agora de declínio e abandono. Localizada nos arredores da cidade sagrada de Amritsar, Chheharta era um centro movimentado, abrigando mais de uma dúzia de grandes fábricas e inúmeras indústrias de pequeno porte, teares mecânicos e manuais”. Chheharta é uma cidade suburbana situada a 7 km a oeste da cidade de Amritsar (estado de Punjab e lar do Templo Dourado, o local mais sagrado da religião sikh), na Índia, ao longo da Grand Trunk Road que leva à fronteira com o Paquistão.
Chheharta tinha uma tradição de movimentos trabalhistas e atividades sindicais vibrantes durante os anos 1930 e 1940. A União dos Trabalhadores Têxteis foi formada em 1944, e antes disso já existiam Federações de Trabalhadores. O Congresso Sindical de Toda a Índia (All India Trade Union Congress, AITUC) estava presente em Amritsar antes de 1947. O Partido Comunista da Índia foi muito ativo na região. A maioria dos mazdoors (termo punjabi para trabalhadores), antes da Partição entre Índia e Paquistão, eram muçulmanos das periferias da cidade, além de alguns sikhs e hindus oriundos do interior agrário. No entanto, a Partição do subcontinente indiano em 1947 foi um choque traumático para a cidade. A violência sectária em larga escala afetou gravemente as empresas industriais e comerciais. A grande maioria dos mazdoors muçulmanos foi forçada a partir para o Paquistão, privando a indústria de sua força de trabalho. No entanto, a chegada de refugiados hindus e sikhs vindos do Paquistão substituiu parcialmente os mazdoors muçulmanos, juntamente com a força de trabalho local existente, o que ajudou na retomada da atividade industrial. Nas décadas seguintes, muitos migrantes vindos de Himachal, Uttar Pradesh (UP) e Bihar passaram a fazer parte da força de trabalho no complexo industrial de Chheharta. Muitos dos migrantes vindos de UP e Bihar pertenciam a comunidades de castas inferiores.
Houve um ressurgimento das atividades industriais nas três décadas seguintes à Partição em Chheharta. Uma variedade de produtos passou a ser fabricada, com os têxteis, incluindo tecidos de lã, algodão, seda, tapetes e xales, destacando-se entre todas as indústrias em Amritsar. As fábricas têxteis passaram a dominar o espaço industrial de Chheharta. Os sindicatos e as atividades trabalhistas voltaram a ganhar força.
O Congresso Sindical de Toda a Índia (AITUC), controlado pelo Partido Comunista da Índia, desempenhou um papel importante na organização dos mazdoors para lutar por seus direitos.
O novo partido no poder da Índia independente, o Congresso Nacional Indiano, também criou o Congresso Sindical Nacional Indiano (Indian National Trade Union Congress, INTUC).
A luta dos mazdoors durante a segunda metade do século XX em Chheharta está entrelaçada com o lendário casal comunista e sindicalista, os camaradas Satya Pal Dang e Vimla Dang. Ambos vieram de famílias de classe média e se envolveram com o movimento comunista durante os tempos de faculdade em Lahore, antes da Independência. Chegaram a Amritsar em 1952 como parte do AITUC e permaneceram comprometidos com a luta dos mazdoors por mais de seis décadas até o fim de suas vidas. Sua popularidade entre os mazdoors se refletiu em ambos terem se tornado presidentes do Comitê Municipal de Chheharta em diferentes períodos. Vimla Dang sempre destacou o papel das trabalhadoras e de suas famílias nos movimentos operários de Chheharta. Ela organizou uma Istri Sabha (Assembléia de Mulheres) para defender a causa das mulheres que apoiavam as greves dos mazdoors, tanto participando diretamente quanto angariando alimentos durante as paralisações. Após o massacre de sikhs em 1984, no norte da Índia, ela viajou pelo país arrecadando fundos para o sustento das viúvas sikhs e suas famílias. O casal viveu de forma simples e frugal, permanecendo parte integrante da comunidade da classe trabalhadora em Chheharta.
Outro líder igualmente importante da AITUC, porém menos mencionado, foi o camarada Parduman Singh que, assim como o casal Dang, foi parte fundamental na organização de greves coletivas dos trabalhadores têxteis em 1955 e 1965. Essas greves foram bem-sucedidas em forçar os empregadores a aceitarem reivindicações por jornadas de trabalho mais curtas, salários mais altos, folgas, bônus, igualdade salarial para as trabalhadoras e reintegração de trabalhadores que haviam sido punidos por participarem das paralisações. Singh escreveu e publicou a história da AITUC na língua punjabi para comemorar seus 25 anos em Amritsar, em 1981. Durante o curso da luta operária, ambos os líderes, junto com centenas de trabalhadores, enfrentaram severa repressão estatal, como sentenças de prisão, ou tiveram que se esconder para escapar dela.
Enquanto o casal Dang e Parduman, que vieram da classe média e tiveram acesso à educação, tiveram suas vidas e trabalhos documentados, muitos ativistas e mazdoors permaneceram invisíveis, apesar de sua longa associação e compromisso com as lutas em Chheharta. Alguns deles também vieram de contextos marginalizados e de castas inferiores. Destacarei brevemente as histórias de alguns trabalhadores que participaram das lutas mazdoor e que continuam engajados até os dias atuais. O camarada Jagdish Sharma, da AITUC, chegou à Índia como refugiado ainda adolescente, após 1947. Depois de quatro ou cinco anos de incertezas financeiras e de passar por diversos campos de refugiados em Punjab, conseguiu um emprego como mazdoor em uma fábrica têxtil em Chheharta, em 1951. Durante os vinte anos em que trabalhou como operário têxtil, envolveu-se no movimento comunista e, em 1971, tornou-se trabalhador em tempo integral da AITUC. Há 75 anos ele permanece um comunista e ativista sindical dedicado, movido por convicção. Viveu com sua família em alojamentos da classe trabalhadora. Ele recorda: “Como muitos outros, também fui influenciado pelas ideias e pelos ativistas comunistas. Desde que me tornei mazdoor, sou e continuo sendo comunista. Nunca olhei para outro caminho, nem mesmo em sonhos”. Agora, já com mais de 80 anos, embora mais devagar, ele continua sendo um trabalhador comunista dedicado, em tempo integral, da AITUC. Foi com sua memória afiada que aprendi muitos aspectos e relatos anedóticos das lutas mazdoor e da repressão estatal em 1955, 1965 e 1972.
Kawanljit Singh, ex-trabalhador e ativista comunista, agora na casa dos 70 anos, relembra sua vida como operário e militante: “O trabalho têxtil era um negócio muito importante naqueles tempos. Comecei a trabalhar em 1962, na fábrica têxtil Radhakrishen Harbanslal, e trabalhei lá por muito tempo. Os trabalhadores vinham da cidade, de vilarejos próximos e até alguns eram migrantes de lugares mais distantes. Aprendi a operar as máquinas com um instrutor da própria fábrica, enquanto trabalhava lá. Naquela época, trabalhar em uma fábrica têxtil era considerado algo muito bom”.
O camarada Barjinder, do Partido Comunista da Índia Marxista (Communist Party of India Marxist, CPI M, um grupo dissidente), relembrou com nostalgia os tempos áureos das intensas lutas mazdoor das décadas de 1960 e 1970: “Os trabalhadores das fábricas têxteis eram respeitados e tinham orgulho de seu status como operários. Meu pai trabalhava com tear mecânico em uma fábrica têxtil. Naquela época, esse tipo de trabalho pagava salários melhores. Ele atribuía isso à presença de jathebandis mazdoor (organizações sindicais fortes), que lutavam por melhores salários”.
Já o camarada Amarjit Singh Assal, atual secretário da AITUC em Putlighar, veio de uma família de sem-terra da casta dos dalits. Sua origem marginalizada o aproximou do comunismo. Seu pai era um trabalhador que carregava sacos de grãos na estação de Patti. A oportunidade de estudar o levou a Chhehrata em 1977, onde se conectou com a ala estudantil do CPI, a Federação de Estudantes de Toda a Índia (All India Students Federation, AISF): “Desde 1983, venho atuando regularmente no Partido”. Naquela época, a luta mazdoor e a situação dos sindicatos passavam por um momento de enfraquecimento, um ponto crucial para sua sobrevivência. Como secretário do partido, ele conhece tanto a história quanto a situação atual do movimento sindical na antiga cidade industrial.
Da mesma forma, Mohinder Singh Walia, ex-trabalhador das ferrovias, está ligado à AITUC há quarenta anos. Mesmo após a aposentadoria, continua atuando no Partido, sem receber nenhum benefício financeiro: “A política da classe trabalhadora e suas atividades se expandiram, enviando sinais claros aos empregadores contra demissões arbitrárias ou o descumprimento das leis trabalhistas”, comentou. No entanto, ele e seus colegas se mostram decepcionados com o declínio dos sindicatos e fechamento das fábricas. Ele contesta as acusações de que a política mazdoor seria a responsável por isso: “Lutamos pela aprovação das leis trabalhistas e, agora, lutamos por sua aplicação. As razões para o fechamento das fábricas foram outras. As terras das fábricas se tornaram muito valiosas, e os proprietários encontraram negócios mais lucrativos ao vendê-las”.
A década de 1980 foi marcada por um forte declínio industrial em cidades conhecidas como Bombaim, Ahmedabad e Kanpur. O declínio da cidade industrial de Chhehrata começou aproximadamente na mesma época, devido ao surgimento do militantismo sikh na política de Punjab. Amritsar tornou-se o principal centro do conflito armado entre militantes sikhs e o Estado indiano. O clima de violência instaurado, tanto pelos militantes quanto pelo Estado, afetou a vida cotidiana das pessoas em Amritsar. Militantes sikhs também passaram a mirar os sindicatos e começaram a extorquir os donos das fábricas. As tendências de declínio se agravaram ainda mais com a adoção de políticas econômicas neoliberais pelo Estado indiano no início da década de 1990. Muitos empresários industriais e comerciais deixaram a região e se realocaram em outras partes da Índia.
Iniciei este artigo com a reportagem do jornal The Tribune sobre a situação marginalizada do distrito industrial de Chhehrata. Em 2017, enquanto me levava de moto pela Grant Trunk Road em Chhehrta, o camarada Barjinder apontou para ambos os lados da estrada, onde antes grandes fábricas dominavam a paisagem de todo o trecho de Chhehrta até o cruzamento de Putlighar. Hoje, essas são apenas memórias nostálgicas, já que toda a paisagem da área industrial foi transformada em shoppings, hotéis, lojas sofisticadas de automóveis, hospitais particulares, instituições privadas de ensino e formação, etc. As fábricas com suas chaminés e seus trabalhadores desapareceram. A presença da classe trabalhadora nos bairros diminuiu. As chamadas reformas trabalhistas introduzidas por um governo autoritário retiraram os direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas de lutas e, consequentemente, enfraqueceram a organização da classe trabalhadora em toda a Índia. Ao me postar em frente ao escritório da AITUC em Putlighar, só consigo ver uma única e simbólica grande chaminé que sobreviveu a esses tempos turbulentos.
Foto do escritório da AITUC em Putlighar, Chheharta. Um símbolo do que já foi um sindicato muito poderoso em Chheharta.
Tradução: Yasmin Getirana
Para saber mais:
Portelli, ‘The Peculiarities of Oral History’ in History Workshop Journal. Vol. 12. No. 1, 1981, pp. 96-107.
Praduman Singh, Amritsar di Mazdoor Tahireek Da Sankhep Itihas: Textile Mazdoor Ekta Union Amritsar de Panjhi Saal 1955-1980 [A Short History of Labour in Amritsar: 25 Years of Textile Unity Union in Amritsar], (Amritsar: Textile Mazdoor Ekta Union, 1981); Amritsar District Gazetteer 1971.
Bashir Ahmed Bakhtiar, ‘Labour Movement and Me’ translated from Urdu to English by Ahmad Azhar in Ravi Ahuja (ed.) Working Lives & Worker Militancy: The Politics of Labour in Colonial India (New Delhi: Tulika books, 2013), pp. 274-328.
Chitra Joshi, Lost Worlds: Indian Labour and Its Forgotten Histories (New Delhi: Permanent Black), 2003.
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Mensalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.
Está no ar o quarto episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ!
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho.
Neste quarto episódio, conversamos com Itan Cruz, doutor em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), sobre sua tese Saraiva, Dantas e Cotegipe: baianismo, escravidão e os planos para o pós-abolição no Brasil (1880-1889). Ao longo da conversa, Itan mostra como investigou de que maneira políticos baianos, como Saraiva, Dantas e Cotegipe, influenciaram os últimos anos do cativeiro no Brasil. Entre jogos de poder, alianças improváveis e disputas internas, revelamos como o baianismo atravessou gabinetes, salões, senzalas e até as relações íntimas do Império.
Para saber mais, ouça o episódio. E não deixe de acompanhar a nova temporada do Vale Mais!
Entrevistadores: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Josemberg Araújo, Larissa Farias e Thompson Clímaco Roteiro: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Larissa Farias e Thompson Clímaco Produção: Ana Clara Tavares e Larissa Farias Edição: Josemberg Araújo e Thompson Clímaco Diretor da série: Thompson Clímaco Coordenadora geral do Vale Mais: Larissa Farias
Vale Mais #32: Breve dicionário analítico sobre a obra de Edward Palmer Thompson, por César Queirós e Marcos Braga –
Vale Mais
Está no ar o quinto episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ!
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho.
Neste quinto episódio, conversamos com César Queiroz, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e Marcos Braga, professor da rede pública estadual de educação do Amazonas e doutorando do programa de pós-graduação em História da UFAM. Os convidados são organizadores do livro Breve dicionário analítico sobre a obra de Edward Palmer Thompson. A obra é produto da disciplina “Trabalho e movimentos sociais na Amazônia”, oferecida no PPGH/UFAM, em 2024, em homenagem ao centenário de Edward Thompson, sendo o foco do curso debater as contribuições thompsonianas e as polêmicas que o envolveram ao longo de sua vida. Os/as alunos/as da disciplina elaboraram verbetes que fazem parte da composição desta breve dicionário.
Não deixe também de compartilhar e acompanhar os próximos episódios!
Entrevistadores: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Josemberg Araújo, Larissa Farias e Thompson Clímaco
Roteiro: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Larissa Farias e Thompson Clímaco
Produção: Ana Clara Tavares e Larissa Farias
Edição: Josemberg Araújo e Thompson Clímaco
Diretor da série: Thompson Clímaco
Coordenadora geral do Vale Mais: Larissa Farias
No 53° episódio de Livros de Classe, Alex Ivo, professor do Instituto Federal da Bahia (IFBA), apresenta o livro Estado-Patrão e a Luta Operária: O Caso FNM, de José Ricardo Ramalho. Publicado em 1989, a obra analisa a experiência dos operários da antiga Fábrica Nacional de Motores, em Duque de Caxias.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) vai realizar, nessa quarta-feira, dia 13 de agosto, a cerimônia de entrega da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho (OMJT) de 2025. A solenidade será às 17h, no edifício-sede do Tribunal, em Brasília. Criada na década de 1970, a comenda reconhece personalidades e instituições que se destacam no exercício de suas atividades ou que contribuíram de forma relevante para a sociedade e para a Justiça do Trabalho.
O Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT) da UFRJ será agraciado com a OMJT na figura de seu coordenador, Professor Paulo Fontes (IH-UFRJ). Também receberão a Ordem a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro e o Hospital de Amor (Hospital de Câncer de Barretos). Lideranças dos três Poderes, como a Ministra de Secretaria de Relações Institucionais do Brasil, Gleise Hoffman, o presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, entre outras autoridades, serão igualmente homenageadas.
Toby Boraman Pesquisador associado do Stout Research Centre, Universidade Victoria de Wellington, Nova Zelândia
Durante a onda de greves das décadas de 1960 e 1970, os chamados black bans (bloqueios negros) — em uma linguagem infeliz para os padrões atuais — foram uma forma frequente de paralisação. Eles consistiam em trabalhadores que se recusavam a realizar certos tipos de trabalho por diferentes motivos. Por exemplo, na Nova Zelândia (Aotearoa, no idioma Māori), durante os anos 1970, sindicatos impediram o comércio com o Chile (em protesto contra a ditadura de Pinochet) e com a França (em protesto contra os testes nucleares franceses no Pacífico Sul).
Os green bans (bloqueios verdes) foram um avanço inovador em relação aos black bans. Tratavam-se de paralisações políticas de cunho ecológico, iniciadas em 1970 por sindicatos de trabalhadores da construção civil na Austrália. A Federação dos Trabalhadores da Construção (Builders’ Labourers’ Federation) impôs green bans em terras em disputa, habitats naturais, edifícios e bairros operários ameaçados por empreendimentos imobiliários. Eles só o faziam após um pedido de algum grupo comunitário. Uma vez estabelecido o green ban, os trabalhadores da construção se recusavam a atuar no local. Assim, os green bans eram ao mesmo tempo uma forma de controle dos trabalhadores e de proteção ambiental. Seu sucesso notável em impedir projetos de construção caros levou à repressão. No entanto, muitos desses bans ainda são respeitados — por exemplo, eles salvaram diversos bairros históricos de Sydney.
Os green bans foram celebrados por muitos como exemplos de como os sindicatos podem realizar ações diretas bem-sucedidas em apoio a causas ambientais nesta era de mudanças climáticas, além de contestar a visão de que o movimento operário é incompatível com o ambientalismo. Embora os green bans australianos tenham ganhado certo reconhecimento internacional, os da Nova Zelândia ainda são quase desconhecidos fora do país. Em Aotearoa, os green bans também foram inovadores: tratavam-se de adaptações indígenas da prática australiana. Eles foram aplicados em apoio às reivindicações Māori por terras e áreas de pesca das quais haviam sido expulsos no final da década de 1970.
O green ban mais significativo na Nova Zelândia ocorreu em Takaparawhau/Bastion Point, Auckland, entre 1977 e 1978.
A área costeira de Takaparawhau foi o palco de um protesto Māori decisivo contra a privação de suas terras, e o green ban imposto em apoio à ocupação do local representou a mais importante paralisação de trabalhadores em solidariedade aos Māori na história do país. Foi também, talvez, um exemplo global da importância do apoio prático de sindicatos às lutas indígenas por direitos sobre a terra.
Um governo nacional agressivo, liderado pelo autoritário primeiro-ministro Robert Muldoon, decidiu transformar Takaparawhau, então uma vasta área gramada de propriedade estatal situada no alto de uma encosta, em um loteamento de luxo para moradias privadas. O terreno era valioso, com vista para o mar e próximo a algumas das residências mais ricas de Auckland. O povo indígena Ngāti Whātua e seus apoiadores então ocuparam, ou “repossuiram”, a terra, e os sindicatos impuseram um green ban em apoio.
Na década de 1840, os Ngāti Whātua haviam doado grande parte de suas terras em Auckland ao governador britânico. Eles mantiveram o território de Ōrākei (que incluía Takaparawhau) para que pudessem continuar vivendo em suas terras tradicionais. No entanto, apesar de uma decisão judicial de 1869 afirmar que o terreno de Ōrākei, com 700 acres, era inalienável, ao longo dos anos o governo colonial acabou comprando ou tomando compulsoriamente quase toda essa terra até 1951.
Em 1951, o governo expulsou de forma humilhante os Ngāti Whātua Ōrākei da pequena porção de terra que ainda lhes restava e incendiou tanto a casa de reunião comunitária quanto as residências particulares, reduzindo-as a cinzas. Joe Hawke, uma das lideranças do Grupo de Ação do Comitê Māori de Ōrākei (Ōrākei Māori Committee Action Group – ŌMCAG), que organizou a ocupação, foi expulso ainda criança junto com sua família, após a destruição de sua casa.
Em 1977, Hawke escreveu sobre Ōrākei:
restava agora apenas um quarto de acre — o urupā, ou cemitério… Hoje, em Bastion Point, os Ngāti Whātua lutam contra a divisão, pelo governo, do que é legitimamente a sua terra… Nosso povo não aceitará mais a desonra e a humilhação. Bastion Point representa a luta dos Ngāti Whātua pela devolução de seu mana [prestígio ou autoridade], honra e terra ancestral.
O green ban foi imposto antes que a ocupação passasse a impedir a chegada dos tratores ao local. Isso aconteceu após o ŌMCAG solicitar ao Conselho de Sindicatos de Auckland (Auckland Trades Council – ATC) que proibisse qualquer trabalho no terreno. O então presidente interino do ATC, Dave Clarke (do povo Te Paatu e membro do Sindicato dos Trabalhadores Marítimos), concordou com o pedido, e o green ban foi posteriormente confirmado pela Executiva completa do ATC após o retorno das férias de verão. O ATC era o órgão coordenador regional de Auckland para os sindicatos do setor privado filiados à Federação de Trabalhadores da Nova Zelândia.
Representantes do ŌMCAG então contataram com urgência os locais de trabalho que seriam responsáveis por iniciar as obras no terreno, a fim de por em prática o green ban. Foram organizadas assembleias sindicais com esses trabalhadores, incluindo fornecedores de brita e caminhoneiros, e eles votaram unanimemente a favor do ban, além da contribuição financeira para a ocupação. Os sindicatos contatados, entre eles os dos operários da construção civil e os dos motoristas, contavam com muitos membros Māori. Consequentemente, nenhuma obra foi iniciada em Takaparawhau, incluindo trabalhos de terraplanagem e infraestrutura, como a construção de estradas, por exemplo.
Em 5 de janeiro de 1977, a ocupação começou. Foi montada uma grande “cidade de barracas” (sem eletricidade ou água) para ocupar a terra. Milhares de apoiadores visitaram o local. Hortas foram plantadas, construções erguidas, e uma grande marae (casa de reunião comunitária) foi construída. Parte dos materiais de construção foi fornecida por sindicalistas. Muitos sindicalistas participaram diretamente, ou apoiaram, a ocupação.
Quatro meses após o início da ocupação, o governo ameaçou expulsar os ocupantes. Considerava os manifestantes como “invasores” e as barracas como uma “favela”. Apesar da ocupação estar desrespeitando a lei de invasão de propriedade (trespass law), o governo “teve que recuar por causa do amplo apoio popular à nossa causa”, segundo o ŌMCAG.
O comitê continuou enviando seus representantes às reuniões sindicais para obter apoio e reforçar o green ban. Após esses encontros, professores, estivadores/portuários, marítimos, ferroviários, operários da construção civil, enfermeiros, trabalhadores dos frigoríficos, entre outros, doaram dinheiro. Trabalhadores de uma cervejaria passaram a destinar semanalmente uma parte de seus salários à ocupação. No entanto, Syd Keepa, membro do sindicato dos caminhoneiros, lembra que alguns dirigentes sindicais apresentaram o green ban aos trabalhadores como uma ação contra os esforços do primeiro-ministro Muldoon, uma figura profundamente polarizadora, de “construir casas para gente rica naquele local”, a fim de contornar alguns membros do sindicato que estavam “um pouco incertos” quanto aos direitos dos Māori.
Em abril de 1978, foi concedida uma liminar para impedir que os manifestantes “invadissem, utilizassem ou ocupassem a terra” em Takaparawhau. O ŌMCAG, em um “apelo especial aos trabalhadores”, pediu que estes “defendessem Bastion Point” e “demonstrassem solidariedade de classe conosco em nossa luta… Uma agressão contra um é uma agressão contra todos!” O ATC convocou um grande piquete sindical caso uma tentativa de despejo fosse realizada. Segundo Syd Jackson, membro da Executiva do ATC e importante liderança do movimento pela soberania Māori, vários trabalhadores entraram em greve para se dirigirem rapidamente para a ocupação em solidariedade, quando surgiram ameaças de despejo.
Apesar desses chamados, em 25 de maio de 1978 o Estado desalojou à força os ocupantes e prendeu 222 pessoas. Centenas de apoiadores, incluindo sindicalistas, não conseguiram chegar a Takaparawhau, pois a polícia havia bloqueado todas as estradas da região. A ocupação durou 17 meses. Funcionários do governo, membros de um sindicato conservador do setor público que não fazia parte do ATC, furaram o green ban ao demolir as construções. O despejo de 1951 havia se repetido, apesar da resistência massiva e não violenta.
Para o ŌMCAG, o governo havia retirado sua “máscara de democracia” e revelado sua “verdadeira face de violência estatal, ao usar 600 policiais, além de membros do Exército, da Marinha e da Força Aérea… Bastion Point seria loteado para uma elite rica. “O espírito dos povos Māori e Pākehā [europeus /brancos] diante da força massiva do Estado foi formidável”. Muitos sindicalistas estavam entre os presos. As duzentas prisões representaram uma das maiores detenções em massa de manifestantes na história do país.
Sindicatos, tanto local quanto globalmente, geralmente negligenciaram as questões indígenas. O green ban em Takaparawhau foi um exemplo de aliança prática bem-sucedida entre povos indígenas e sindicatos, além de ter sido uma ação ambiental. Sua aparente derrota, devido à repressão estatal, acabou se transformando em vitória quando, após uma audiência no Tribunal de Waitangi em 1987, o governo finalmente devolveu a maior parte de Takaparawhau ao Ngāti Whātua (o terreno havia permanecido sem construções, e o green ban continuou em vigor após o despejo). Hoje, grande parte dessa terra é uma reserva pública, a Reserva Takaparawhau, “para o benefício de todos” e é gerida conjuntamente pelo Ngāti Whātua Ōrākei e pela Câmara Municipal de Auckland.
Hoje, a ocupação é celebrada como um marco histórico. Ela representou um ponto de virada em um importante renascimento Māori. Na década de 1970, os Māori já haviam perdido cerca de 95% de suas terras desde o início da colonização, por meio de guerras, confisco e compras forçadas. Takaparawhau foi uma das primeiras (embora pequenas) porções de terra a serem devolvidas aos Māori no contexto do esforço do Estado para reparar essas injustiças, que começou em meados da década de 1980 com o Tribunal de Waitangi. A ocupação abriu os olhos de muitos neozelandeses Pākehā para a natureza sistêmica e contínua da expropriação de terras e do racismo.
O green ban também foi um ponto alto da ação direta dos trabalhadores em apoio aos direitos de terra dos Māori. Os Māori (inclusive os que integravam o ŌMCAG) estavam concentrados predominantemente na classe trabalhadora de operários manuais, e frequentemente desempenhavam um papel central em muitos sindicatos considerados “militantes” e em greves. As conexões mútuas e tradições de solidariedade com outros sindicalistas, desenvolvidas ao longo da década de 1970, o período com mais greves e protestos da história do país, lançaram as bases para o green ban. Vários outros green bans também foram impostos sobre áreas tradicionais de pesca e terras alienadas na década de 1970. Mas, após as derrotas progressivas dos sindicatos e seu esvaziamento, nas décadas de 1980 e 1990, pela desindustrialização e pelo neoliberalismo, os green bans não voltaram a ser aplicados, até onde se sabe.
Sharon Hawke, ed. Takaparawhau: The People’s Story (1988)
Bastion Point: The Untold Story (1999 documentary)
Cybele Locke, Comrade: Bill Andersen, A Communist Working-Class Life (2022)
Crédito da imagem de capa: Takaparawhau, Auckland, 1978. Photo credit: Robin Morrison Estate, Auckland Museum, Tāmaki Paenga Hira.
Lugares de Memória dos Trabalhadores
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Mensalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho.
No terceiro episódio, conversamos com Thayara de Lima, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21 (2024). A obra propõe o conceito de “cultura de luta antirracista” e discute as noções de fragmentação, capilarização e descentralização do movimento negro. A autora destaca, ainda, o papel das mulheres negras como protagonistas de um processo de reeducação social. Para saber mais, ouça o episódio aqui. E não deixe de acompanhar a nova temporada do Vale Mais!
No 52° episódio de Livros de Classe, Glaucia Konrad, professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), apresenta o livro Mulheres e trabalhadoras: A presença feminina na constituição do sistema fabril, de Maria Valéria Pena. Publicado em 1981, o livro é resultado da tese de doutorado da autora e analisa o trabalho feminino entre 1850 e 1950.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.