Chão de Escola #18: Trabalhadores(as) escravizados(as) e livres no Brasil: terras, migrações, memórias e identidades, por Maciel Henrique Silva e Márcio Romerito da Silva Arcoverde


Professor Maciel Henrique Silva (IFPE) e Professor Márcio Romerito da Silva Arcoverde (CODAI-UFRPE)


Apresentação da atividade

Segmento: 2º e 3º ano do Ensino Médio

Unidade temática: Espaços de trabalhadores(as) na sociedade brasileira

Objetivos gerais:

– Compreender a dinâmica, os espaços dos(as) trabalhadores(as) escravizados(as) e do pós-abolição no Brasil;
– Discutir os lugares de memórias e seus significados na luta pelo direito da população negra e indígena à terra e à vida;
– Estimular a discussão sobre memórias, migrações e identidades quilombolas no pós-abolição;
– Desenvolver uma leitura das cidades brasileiras que problematize memórias e patrimônios alusivos à população trabalhadora negra;

Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC)

(EM13CHS104) Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço.
(EM13CHS201) Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em função de eventos naturais, políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a esses processos e às possíveis relações entre eles.
(EM13CHS204) Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas.
(EM13CHS401) Identificar e analisar as relações entre sujeitos, grupos, classes sociais e sociedades com culturas distintas diante das transformações técnicas, tecnológicas e informacionais e das novas formas de trabalho ao longo do tempo, em diferentes espaços (urbanos e rurais) e contextos.

Duração da atividade:  

Aulas Planejamento
01Etapa 1
02Etapa 1
03Etapa 2
04Etapa 2

Conhecimentos prévios:]

-Comércio transatlântico de escravos;
-Trabalho escravo no Brasil;
-Abolição da escravidão; Lei de Terras;
-Lei áurea;
-Industrialização e migração rural-urbano na Primeira República;
-Migrações nacionais na República anos 1940-1970.


Atividade

Recursos: Projetor, impressora, mapas, banco de dados https://www.slavevoyages.org/ e vídeos.

Etapa 1:  Os portos do Rio de Janeiro e Salvador como espaços de memória dos trabalhadores escravizados.

Professor(a), nessa etapa é importante esclarecer para os estudantes que espaços ou lugares de memória é um termo utilizado também no campo dos direitos humanos que se refere às diferentes referências das memórias de vítimas submetidas a graves violações e/ou supressões de direitos. A partir dessa problematização, distribua os textos para os discentes, divididos em duplas, que farão a leitura atenta com tempo determinado. Aqui é importante sinalizar que os estudantes precisam articular imagens, textos e mapas para construírem uma visão totalizante do tema.
Os textos serão entregues aos discentes, em dupla, deverão ler.

Após a leitura dos textos pelos estudantes o(a) professor(a) irá propor a problematização sobre o seguinte ponto:
Escravidão transatlântica e os fluxos das migrações forçadas de escravizados para as Américas; o professor(a) deverá projetar os mapas a seguir que devem ser contextualizados com as informações contidas na fonte.

Mapa 1: Visão geral do tráfico de escravos partindo da África, 1500-1900. Disponível em https://www.slavevoyages.org/voyage/maps#introductory-. Acesso em: 19 de out. 2021.
Mapa 8: Principais regiões em que os cativos desembarcavam, todos os anos.
Disponível em https://www.slavevoyages.org/voyage/maps#introductory-. Acesso em: 19 de out. 2021
Mapa 9: Volume e direção do tráfico de escravos transatlântico, de todas as regiões africanas a todas as regiões americanas.
Disponível em https://www.slavevoyages.org/voyage/maps#introductory-. Acesso em: 19 de out. 2021.

Depois de leitura dos textos e mapas, o(a) professor(a) deverá propor que os estudantes respondam em dupla:

1. Qual a importância de se criar políticas públicas para a sociedade compreender esses portos como espaços de memória dos trabalhadores?
2. Por que é importante a patrimonialização do Cais do Valongo para a memória dos trabalhadores?
3. Seria o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, e o Cais do Porto, em Salvador, lugares de memória para todos os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros? Justifique sua resposta.


Etapa 2: Trabalhadores livres pobres no pós- Abolição e a questão da terra

 “A reordenação das formas de trabalho, em seguida à Abolição, afetou a situação dos negros, já nascidos livres ou recém-libertos”. (GORENDER,1990, p.190)

“O trabalhador nacional era depreciado pelos fazendeiros. Estes não esperavam extrair do negro livre o mesmo rendimento que extraíam do negro escravo. Predominava a expectativa de que os escravos abandonariam as fazendas ou fariam exigências exorbitantes para continuar nelas”. (GORENDER, 1990, p. 192).

Professor(a), os textos a seguir são trechos do livro “Torto arado” (2018). A leitura, que deve ser transdisciplinar, abrange pelo menos conteúdos de História, de Literatura e de Geografia.

Os textos deverão ser entregues aos discentes, em dupla, para a leitura atenta.

Documento 1 

Em troca, poderia se construir uma tapera de barro e taboa, que se desfizesse com o tempo, com a chuva e com o sol forte. Que essa morada nunca fosse um bem durável que atraísse a cobiça dos herdeiros. Que essa casa fosse desfeita de forma fácil se necessário. Podem trabalhar – contavam nas suas romarias pelo chão de Caxangá –, podem trabalhar, mas a terra é dessa família por direito. Os donos da terra eram conhecidos desde a lei de terras do Império, não havia o que contestar. Quem chegasse era forasteiro, poderia ocupar, plantar e fazer da terra sua morada. Poderia cercar seu quintal e fazer roça na várzea nas horas vagas. Poderia comer e viver da terra, mas deveria obediência e gratidão aos senhores.

(JUNIOR, Itamar Vieira. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2021, p. 183)

Documento 2

Além da dívida de trabalho para com os senhores da fazenda, não havia nada para deixar para os filhos e netos. O que era transmitido de um para outro era a casa, quase sempre em estado ruim e que logo teria que ser refeita. Os pioneiros não pensavam assim, ou seus pensamentos eram abafados pela urgência de se manter a paz entre os trabalhadores e seus senhores. Ou porque havia uma gratidão pela acolhida que as gerações seguintes já não tinham, talvez por terem nascido e crescido neste lugar. Os mais jovens começavam a se considerar mais donos da terra do que qualquer um daqueles que tinham seus nomes transcritos no documento, que tinha sua cópia disputada e negociada pelos gerentes de forma desvantajosa para eles.
Meu irmão insistiu no assunto, apesar de evitar falar na frente de nosso pai. Vivia com Severo para cima e para baixo, entre um trabalho e outro, para ganhar a atenção dos moradores. “Não podemos mais viver assim. Temos direito à terra. Somos quilombolas.” Era um desejo de liberdade que crescia e ocupava quase tudo o que fazíamos. Com o passar dos anos esse desejo começou a colocar em oposição pais e filhos numa mesma casa. Alguns jovens já não queriam permanecer na fazenda. Desejavam a vida na cidade. Os deslocamentos se tornaram mais intensos que no passado, quando nos transportávamos em animais para outros lugares, cidades e os povoados vizinhos. A vida na cidade, entre viajantes e comerciantes, era atraente. Pesava na decisão justamente o trabalho para os fazendeiros, que foi mantido entre nós e atravessou gerações. Zezé queria dizer ao nosso pai que não nos interessava apenas a morada. Que não havia ingratidão. “Eles que não nos foram gratos, correm boato que querem vender a fazenda sem se preocupar com a gente”, dizia para mim e Domingas. “Queremos ser donos de nosso próprio trabalho, queremos decidir sobre o que plantar e colher além de nossos quintais. Queremos cuidar da terra onde nascemos, da terra que cresceu com o trabalho de nossas famílias”, completou Severo, numa roda de prosa debaixo da jaqueira na beira da estrada.

(JUNIOR, Itamar Vieira. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2021, p. 186-187).

Documento 3

Depois de leitura dos textos o(a) professor(a) deverá propor que os estudantes respondam em dupla:

1.Quais as possibilidades de sobrevivências que os textos 1 e 2 apontam para as situações na pós-abolição?
2. A permanência da estrutura de posse de terra nas mãos da elite senhorial afetou a autonomia de trabalhadores e trabalhadoras negras no meio agrário? Aponte exemplos ou situações relativas ao tema. 
3. Discuta com sua dupla, a partir das imagens e textos propostos, quais os sentidos de liberdade e de trabalho para trabalhadores e trabalhadoras no Brasil após o 13 de Maio de 1888.
4. Propor aos estudantes uma pesquisa sobre a chamada escravidão contemporânea ou trabalho análogo à escravidão.


Bibliografia e Material de apoio:

ABREU, Martha; PEREIRA, Matheus Serva (orgs.). Caminhos da liberdade: histórias da abolição e do pós-abolição no Brasil. Niterói: PPGHistória – UFF, 2011.

CARVALHO DA ROCHA, Ana Luiza; JUNIOR, Norberto Kuhn; MAGALHÃES, Magna Lima e NUNES, Margarete Fagundes. “Era um hino de fábrica apitando”: a memória do trabalho negro na cidade de Novo Hamburgo (RS), Brasil. Etnográfica. Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, vol. 17 (2), 2013, p. 269-291.

DABAT, Christine Rufino. Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco, segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais. 2ª ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.

FRAGA FILHO, Walter.  Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Campinas, Sp: Editora da Unicamp, 2006.

GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990.

HERNANDEZ, Julianna do Nascimento; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; OLIVEIRA, Rayhanna Fernandes de Souza (organizadoras). Trabalho escravo contemporâneo: conceituação, desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

Sites:

https://lehmt.org/lugares-de-memoria-dos-trabalhadores-33-cais-do-valongo-rio-de-janeiro-rj-ynae-lopes-dos-santos/

https://lehmt.org/lugares-de-memoria-dos-trabalhadores-cais-do-porto-salvador-bahia-joao-jose-reis/

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44091474

https://conversadehistoriadoras.com/2014/09/15/pos-abolicao-no-mundo-atlantico/

http://www.inci.org.br/acervodigital/index.php



Créditos da imagem de capa: https://outraspalavras.net/historia-e-memoria/porto-do-rj-onde-o-capitalismo-tisnou-o-brasil/, acessada em 25 de outubro de 2021.


Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral e Samuel Oliveira

LEHMT, Claudiane Torres da Silva, Luciana Wollmann e Samuel Oliveira

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