Chão de Escola #20: Introdução ao tema trabalho no currículo de História, por Claudiane Torres



Claudiane Torres da Silva (Professora de História SME-RJ)



Apresentação da atividade

Segmento: 1º ano do Ensino Médio

Unidade temática: Analisar as relações de produção, capital e trabalho em diferentes territórios, contextos e culturas, discutindo o papel dessas relações na construção, consolidação e transformação das sociedades.

Objetivos gerais:

– Caracterizar o conceito histórico e sociológico de trabalho
– Relacionar o trabalho com a organização política e social em sociedades distintas
– Apresentar as diversas formas de trabalho ao longo da história

Objeto de conhecimento: Identificar e discutir os múltiplos aspectos do trabalho em diferentes circunstâncias e contextos históricos e/ou geográficos e seus efeitos sobre as gerações, em especial, os jovens e as gerações futuras, levando em consideração, na atualidade, as transformações técnicas, tecnológicas e informacionais.

Duração da atividade:  

Aulas Planejamento
01Debate dialogado sobre o trabalho como tema transversal ma educação.
02Etapa 1
03Etapa 2
04Etapa 3

Conhecimentos prévios:

– Apresentação de um debate dialogado que propõe pensar trabalho como tema transversal na Educação e o significado disso para os(as) estudantes.


Atividade

Atividade e recursos: Textos, fotocópia, datashow e vídeos.

Professor(a), inicie a atividade dialogando com os(as) estudantes sobre o que eles entendem por trabalho. Procure mapear as principais ideias sobre o que significa trabalho na vida dos(as) estudantes. Esse debate servirá para problematizar algumas questões que vamos abordar ao longo dessa atividade. A ideia é registrar o que os(as) estudantes pensam antes da apresentação do tema de forma problematizada e depois quando o tema já estiver elaborado. Após esse registro prévio sobre o que os(as) estudantes pensam sobre trabalho, leia o que diz o texto a seguir sobre temas transversais na BNCC que servirá para você preparar a apresentação do conceito de “trabalho e consumo” na base. Observe o que o texto apresenta como objetivo principal para abordar temas transversais em sala de aula e avalie criticamente como o conceito de trabalho está atrelado ao consumo e a vida contemporânea invisibilizando todo o percurso histórico que o conceito trabalho significa para as mais diversas sociedades em diferentes tempos históricos.

Etapa 1: Trabalho como conceito

Professor(a), nesta etapa, divida a turma em grupos de, no máximo, cinco estudantes para um debate. A proposta é apresentar a cópia de vários textos e verbetes que apresentem o tema Trabalho como conceito e solicitar que todos os grupos leiam o trecho e apresentem suas considerações ressaltando o que mais chamou atenção deles nos trechos abaixo.

Texto I: Definição de trabalho no dicionário da Língua Portuguesa

Aplicação das forças mentais ou físicas na execução de uma obra realizada; lida; fadiga; esforço; ocupação; emprego; obra realizada; ação dos agentes naturais; feitiço; despacho; aflições; cuidados; empreendimentos (LUFT, 1991, p. 606).

Texto II: Trabalho como categoria

À categoria trabalho são atribuídos inúmeros significados, o que faz com que, muitas vezes, seja empregada de forma vaga e imprecisa. Entre os significados, o trabalho é muito pronunciado pelo seu sentido de ausência enquanto mercado de trabalho, confundindo-se com o emprego e a sua falta. (…) Alguns autores, entre eles Suzana Albornoz (1992), apresenta uma síntese dessas significações entre as línguas da cultura europeia. Segundo ela, o grego distingue fabricação de esforço, este como oposto ao ócio. O latim distingue entre laborare, como sendo a ação do labor – dor, sofrimento, fadiga e, operare que corresponde a opus – obra. O italiano distingue entre lavorare e operare e o espanhol entre trabajar e obrar.

Texto III: Trabalho na perspectiva cristã

Na perspectiva cristã, o trabalho humano aparece como uma forma de domar a natureza, lugar do mal e do inacabado, o que acaba por santificar a ação daquele que a transforma, o trabalhador. Na sujeição da natureza, a possibilidade de aproveitá-la para o bem e para o enriquecimento dos homens (BRANDÃO, 1994).
Na tradição judaico-cristã e em muitos dos mitos que referem à origem das sociedades humanas, o trabalho é sinônimo de uma labuta, sempre penosa, para a qual o homem está fadado. O trabalho será então punição (ALBORNOZ, 1992). (…)
Nesta mesma tradição, o trabalho é o castigo pelo pecado original, ou então pela transgressão de alguma proibição. Não é o ócio e o prazer, mas a atividade penosa que aumenta a glória de Deus. (…) É com a Reforma Protestante que se vai dar um novo sentido ao trabalho, que passa a ser a chave da vida. Contudo, o bom trabalho, expressão aristotélica, será reservado a alguns poucos, embora todos devam trabalhar para que o produto do esforço de uns não seja cobiçado por outros.

Texto IV: Trabalho como vocação

Max Weber, na obra “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (1980, p. 186), ressalta o ethos em torno do qual se organiza o espírito do capitalismo e as alterações no conceito de trabalho: “…Ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é, enquanto for feito legalmente, o resultado e a expressão de virtude e de eficiência em uma vocação …”. Em verdade, é a ideia de um dever profissional que está colocado, com vistas à organização racional do trabalho, em torno da empresa, a qual o trabalhador deverá se adaptar. O trabalho ganha, então, o sentido de vocação, com um fim em si mesmo, como um valor com qualidades éticas voltadas ao bem comum condizentes com o capitalismo, onde a influência da educação religiosa, que estimula a concentração mental e o sentimento de obrigação, torna-se essencial na combinação do trabalho com a produção econômica. Rompe-se, desta forma, com os conceitos de trabalho tradicional, especialmente o trabalho artesanal, manual e o labor doméstico, em suas formas de quantidade e relações, círculo de fregueses, modo de vida, etc. Atribui-se, assim, um novo sentido ao trabalho, que ganha força com o desenvolvimento do capitalismo ocidental moderno, demonstrando a inversão de valores que a sociedade burguesa teve de promover para justificar o culto ao trabalho como atividade livre que enobrece, que gera riqueza, ao contrário da tradição que reservava o trabalho ao escravo e ao artesão.

Texto V: Trabalho na antiguidade

Na Antigüidade, o desprezo pelo labor era porque este não deixava grandes obras, representava especialmente o interesse da esfera privada e, por isto, era considerado de menor valor. “Laborar significava ser escravizado pela necessidade, escravidão esta inerente às condições da vida humana” (Arendt, 1995, p. 94). Camponeses eram considerados como escravos, fazedores de labor, porque produziam o necessário para a vida. Na Grécia, a divisão entre o trabalho braçal e intelectual distinguia os lugares dos homens e das mulheres na vida pública e privada. Na Renascença, o trabalho manual passou a ser visto como estímulo para o desenvolvimento do homem. Com o surgimento da ciência moderna, a transformação da natureza não recai mais sobre os escravos, mas sobre os homens livres. A contemplação dos filósofos ainda é o mais importante, mas o trabalho manual passa a ter mais prestígio.

Texto VI: Trabalho como valor

O trabalho como valor retoma, de certa forma, a questão da centralidade do trabalho difundida ao extremo na sociedade moderna –, que refere especialmente à capacidade do trabalho em constituir-se num centro organizador de atividades e de atitudes humanas, de referências sociais e de orientações morais – agora problematizando o direito ao trabalho – o direito de trabalhar no sentido do emprego – como uma forma de inclusão social, como sugere Olivier Mongin (1996, p. 74): “… Não conhecemos outro tipo de integração, nas nossas democracias atuais, que não seja a que passa pelo trabalho”. Ainda na perspectiva dos valores, Leonardo Boff (2000, p. 92), na sua discussão sobre o ser no mundo, a partir de Heidegger, afirma que o trabalho constitui-se numa das duas formas de o ente humano existir e coexistir. Segundo ele, “fundamentalmente, há duas formas de ser-no-mundo: o trabalho e o cuidado. Aí emerge o processo de construção da realidade humana”.

Fonte dos textos: ZUCCHETTI, Dinora Tereza. O trabalho como conceito, valor e formação. Prâksis – Revista do Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes, p. 09 – 13, acessada no site file:///C:/Users/claud/Downloads/O_trabalho_como_conceito_valor_e_formaca.pdf

Após a leitura, debate e apresentação dos trechos pelos(as) estudantes, peça que registrem no caderno as seguintes questões:

  1. O conceito de trabalho sempre foi o mesmo ao longo da História e nas sociedades? Justifique sua afirmação.
  2. Em que períodos históricos foi percebido uma alteração significativa do conceito de trabalho? Apresente dois períodos segundo os trechos apresentados.

Etapa 2: O trabalho como conceito histórico e sociológico: os desafios

Professor(a), nesta etapa, apresente os vídeos 1 e 2 para reforçar a ideia de trabalho como conceito histórico e sociológico. Pare o vídeo em alguns momentos e registre tópicos no quadro que oriente o debate do conceito de trabalho ao longo da História.
Para instrumentalizar o debate com os alunos sobre o trabalho como conceito histórico e sociológico, inicie um debate com os(as) estudantes sobre as condições de trabalho no século XXI atualmente, o papel da escola em abordar esse tema e como ele deve ser objeto de reflexão dos futuros e atuais trabalhadores e trabalhadoras. Para tal, convido o(a) professor(a) a ouvir e assistir a palestra “Os desafios do Trabalho no século XXI” do Professor Ricardo Antunes (Unicamp) no link https://www.youtube.com/watch?v=MngrxshE5XY 

Vídeo I: Os sentidos do trabalho ao longo da história (Canal Professor Ricardo Normanha)

O trabalho é uma categoria central para a Sociologia. E o sentido do trabalho sofreu grandes transformações ao longo da história da humanidade.

Tempo: 8´16´´

Vídeo II: História do Trabalho no Brasil (Canal Professor Ricardo Normanha)

Nesse vídeo abordaremos de forma panorâmica a história do trabalho e da classe trabalhadora no Brasil.

Tempo: 24´26´´

Após a exibição dos vídeos e o debate sobre os principais desafios sobre o trabalho no século XXI, faça as seguintes indagações aos estudantes:

  1. Por que os desafios da compreender o trabalho requer estudar História e Sociologia? Que contribuições essas disciplinas poderiam oferecer ao conceito de trabalho?
  2. Quais os pontos mais importantes do vídeo História do Trabalho no Brasil e como você vê a classe trabalhadora no Brasil atualmente?

Etapa 3: Precarização do trabalho no século XXI

Professor(a), apresente o documentário Autogerencimento subordinado: curta-metragem sobre precarização e uberização do trabalho.

O curta Autogerenciamento Subordinado trata sobre as condições de vida dos trabalhadores que prestam serviços para empresas de aplicativos. Essa modalidade de trabalho flexível que ficou conhecida como “uberização” ou autogerenciamento subordinado é uma consequência do desemprego e do neoliberalismo que ajuda a elevar os níveis de informalidade. Direção: Gabriel Coutinho, Thaís Gildo, Marcos Paulo Carvalho e João Pedro de Castro.

Nesta etapa, estimule o debate sobre os mundos do trabalho no Brasil atualmente e distribua a cópia da matéria do jornal Nexo a seguir.

Peça para os estudantes pesquisarem matérias de jornais sobre a reforma trabalhista de 2017 e os impactos dela na vida do trabalhador. Em seguida, solicite que os grupos produzam cartazes com os avanços e retrocessos no mundo do trabalho e a importância de compreender o trabalho como um conceito e um objeto da História.



Bibliografia e Material de apoio:

ALBORNOZ, Suzana. O que é o trabalho. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.

ZUCCHETTI, Dinora Tereza. O trabalho como conceito, valor e formação. Prâksis – Revista do Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes, p. 09 – 13.

Temas contemporâneos transversais na BNCC. Contexto histórico e pressupostos pedagógicos. Ministério da Educação, 2019. Acessado no site http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/implementacao/contextualizacao_temas_contemporaneos.pdf

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.

ARENDT, Hannah. A condição humana. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000. 

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Somos as águas puras. Campinas: Papirus, 1994.

FRIGOTTO, Gaudêncio (org). Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes, 1998.

LUFT, Celso Pedro. Minidicionário. 3. ed., São Paulo: Ática. 1991.

MONGIN, Olivier. O desencantamento democrático. In: MORIN, Edgar et al. A sociedade em busca de valores: para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. 

WEBER, Max. Os pensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980.


Créditos da imagem de capa: https://congressoipufrj.wordpress.com acessado em 20 de fevereiro de 2022.



Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral, Samuel Oliveira, Felipe Ribeiro, João Christovão, Flavia Veras e Leonardo Ângelo.

LEHMT

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