Olá, Ynaê, é um prazer receber você na seção Chão de Escola do LEHTM-UFRJ, em nossa série de discussões sobre a Lei 10.639/03. Você tem feito um esforço de letramento étnico-racial para além da academia em várias ações como professora da UFF, articulista de uma coluna na Deutsche Welle (DW) e na Rede de Historidoras e Historiadores Negros. . Como que você vê a temática étnico-racial na acadêmica e sua relação com a educação básica e o trabalho docente?
Eu vejo a temática étnico-racial na Academia em duas perspectivas. Uma delas é a perspectiva que diz respeito aos pesquisadores, professores e professoras que se dedicam ao tema. Então a gente tem há muito tempo e em diferentes áreas uma expertise muito grande no que diz respeito ao trabalho com as questões étnico-raciais. Na historiografia, eu ressalto as análises da história da escravidão no Brasil e também do pós-abolição. Temos também pesquisas na área da sociologia, da antropologia e da educação, então, sem sombra de dúvida, há uma qualidade indiscutível no trabalho feito por pesquisadores brasileiros no campo da questão étnico-racial, embora ainda falte um diálogo mais aprofundado com outras áreas, na medida em que eu defendo que a temática étnico-racial não é exatamente um objeto de pesquisa, mas ela guarda uma centralidade na organização da história brasileira e das Américas também. Então, acredito cada vez mais na impossibilidade de pensar temas que são temas constitutivos da história do Brasil, pra ficar aqui na nossa perspectiva, sem um diálogo mínimo com as questões étnico-raciais.
A historiografia dita mais clássica, a história política por exemplo, muitas vezes esteve distante desse debate. É algo que precisa começar a ser repensado. Eu faço parte do grupo de historiadores e intelectuais que defendem a impossibilidade de uma perspectiva brasileira em qualquer momento da nossa história que não passe pelo debate étnico-racial.
Mas, para aqueles que estão travando esse debate como tema de pesquisa, a relação com a educação básica e com o trabalho feito pelos professores é fundamental, porque o que a gente está propondo é o que tem se convencionado chamar de letramento racial. Existe uma constatação principal nos estudos da área étnico-racial no Brasil de que a manutenção racista do Brasil se dá a partir de uma série de silenciamentos. É fundamental que esses silenciamentos sejam rompidos tanto na Academia, mas sobretudo nas escolas que infelizmente foram, ao longo da História do Brasil, espaços de perpetuação de uma lógica racista e silenciosa brasileira.
Então, o trabalho com a Educação Básica é fundamental, indissociável das pesquisas étnico-raciais e isso ficou ainda mais evidente com a promulgação da Lei 10.639 e depois com a 11.645 que são leis fomentadas, pensadas, articuladas por movimentos sociais negros e indígenas e que exigem, efetivamente, uma entrada dessas temáticas nos currículos brasileiros, algo que durante muito tempo não foi feito ou foi feito de maneira muito torta, de maneira que mantivesse indígenas e africanos e seus descendentes como uma espécie de anedota da História do Brasil e não como construtores reais desse país.
Eu acho que inclusive essa perspectiva desse diálogo constante e praticamente incontornável com o universo escolar brasileiro, com o Chão da Escola, é outra marca positiva de quem tem se aventurado a ter a questão étnico-racial como tema de pesquisa e que em última instância também nos leva para o que a gente chama de História Pública na área de História, para um debate mais amplo pra outros setores da sociedade que não sejam só a Academia ou só o espaço escolar, mas que estejam pensando uma produção crítica do saber histórico veiculado de forma adaptada para que mais pessoas possam ter acesso.
Acreditamos que dois episódios recentes de nossa história amarram a questão de letramento racial e de classe à temática do Patrimônio. Em 2017, o Cais do Valongo foi declarado Patrimônio da Humanidade e em 2021 tivemos a estátua de Borba Gato incendiada em São Paulo. Como você percebe esses dois episódios atrelados a um letramento étnico-racial e ao questionamento de memória?
Sobre a segunda questão que vocês me colocam, eu acho que, em primeira instância, é preciso lembrar que esses dois episódios demonstram como que a escravidão e o racismo, mas sobretudo a escravidão, num primeiro momento, é um passado presente. Obviamente a instituição escravista não existe a 135 anos no Brasil, mas a gente tem uma série de amarras que foram construídas durante o período da escravidão e, sobretudo, depois da abolição da escravidão, já na vigência de um regime republicano, que organizaram o Brasil de uma maneira absolutamente desigual, e combinada, e essa desigualdade estava pautada na ausência da presença negra nesse lugar de trabalhador livre, trabalhador brasileiro, uma perspectiva positiva de brasilidade. Essa aí é uma aposta de sucesso da República brasileira, em pelo menos nos seus [primeiros?] 70/80 anos de existência. Então, esses dois episódios, tanto o incêndio da estátua do Borba Gato quanto à declaração do Valongo como Patrimônio da Humanidade, demonstram que por mais que tenha havido um esforço político muito significativo no sentido de manter essas histórias e sobretudo as memórias em relação a escravidão, e a tudo que ela construiu, a ordenação racial que ela sustenta em silêncio, esses silêncios estão sendo rasgados. Estão sendo rasgados pela própria condição e estrutura material do Rio de Janeiro, que foi a maior cidade escravista do mundo, então, a História do Valongo não é só uma história do Rio de Janeiro nem só do Brasil, é uma história que conta muito do que foi esse espaço Atlântico e, o incêndio da estátua do Borba Gato também está atrelado a um debate e a um reposicionamento político mais amplo, também numa escala Atlântica, que aconteceu nesses últimos anos. Ainda bem que tem-se questionado como que essas figuras que foram monumentalizadas e passaram por esse processo sem uma leitura minimamente crítica das suas biografias, sem entender na verdade quem foram esses sujeitos. Como Borba Gato, que é um dos muitos bandeirantes que existiram na história brasileira, e nós sabemos quais eram as funções dos bandeirantes, a serviço da escravização indígena, da destruição de Quilombos e assim por diante. Então, o que eu vejo é que nós temos agora, nestes últimos anos, em grande medida por conta também de uma facilitação do acesso a informação por conta das Redes Sociais, o que é, a meu ver, a parte positiva do uso das Redes, a possibilidade mais democrática de acesso a informação, por mais que nem sempre essa informação seja correta, a gente tem o problema das fake news, é sempre fundamental lembrar disso, mas há um uso positivado dessas redes no sentido de fazer circular informações que estiveram durante muito tempo restritas ao universo acadêmico.
Os historiadores que trabalham com a história da escravidão no Brasil, já sabiam há muito tempo aonde ficava o Valongo, assim como parte significativa dos movimentos sociais que vivem em volta ali da região da Gamboa e da Saúde que são descendentes de pessoas que moram ali, de famílias que moram ali há décadas. São pessoas que salvaguardam a memória desse lugar e, sobretudo, a memória negra desse lugar. Então, pra quem trabalha nessa perspectiva não havia uma novidade, mas a sociedade brasileira, na sua escala maior, desconhece essa história. Nós fomos ensinados a entender figuras como Borba Gato como heróis da Nação. Então, o que a gente tem é uma perspectiva crítica em questionar esses lugares sociais, esses marcadores sociais que foram feitos, que determinam quem deve ser monumentalizado, sobre quem nós contamos na história. E existe uma radicalidade que, em muitos casos é muito bem vinda, de se negar a manter essa percepção de brasilidade, sobretudo essa estruturação de poder que organiza essa percepção de brasilidade. Então, a Memória é um espaço de disputa muito importante, todo mundo quer saber o que é e da onde veio, é algo que transcende possíveis escolhas profissionais. A identidade, a construção da identidade é um atributo da humanidade, então as disputas das memórias é algo fundamental para que a gente comece a mudar justamente o que a gente entende como sendo Brasil. Então, esses dois episódios são episódios muito interessantes para se pensar numa transformação que imagino ser muito positiva no sentido de questionar essa ordenação que silenciou o Cais do Valongo, que aterrou o Cais do Valongo durante séculos e que ao mesmo tempo constrói estátuas enormes de um homem que foi, sem sombra de dúvidas, um genocida.
Na construção histórica que tivemos no país, classe e raça são elementos nada desprezíveis. Pensando nos Mundos do Trabalho e nas pesquisas atuais, quais construções, conceitos ou linhas de pesquisa, você considera que avançaram nessa relação entre classe e raça à brasileira?
Bom, sobre a terceira pergunta, pensando mais especificamente nos Mundos do Trabalho. Nós temos avanços importantíssimos, sem sombra de dúvida, em relação a essa intersecção de classe e raça para entender a sociedade brasileira. Nós temos trabalhos muito interessantes e importantes que, inclusive, tem revisitado uma ideia que foi construída desse Mundo do Trabalho que, num primeiro momento, é um Mundo do Trabalho Livre e um Mundo do Trabalho Livre Branco. Então isso tem sido questionado, a própria ideia subjacente aos Mundos do Trabalho, que durante muito tempo excluiu a presença e a ação dos escravizados, que foram os construtores primeiros da sociedade brasileira, e também que durante muito tempo pareceu colocar trabalhadores negros e brancos num mesmo lugar. Em um lugar que muitas vezes silenciava as opressões raciais as quais os trabalhadores negros livres estavam sujeitos e isso, ainda bem, tem se transformado, tem se modificado em grande medida decorrente da presença de intelectuais e professores negros que estão trabalhando nesse universo dos Mundos do Trabalho e que estão trazendo questionamentos novos.
A própria racialização desse Mundo do Trabalho é um grande avanço que nós tivemos, na medida em que ele permite entender que esse Mundo do Trabalho é organizado não só por questões de classe mas, também, por questões de raça. Mas eu acredito que ainda precisamos caminhar numa perspectiva que permita, sobretudo em análises mais de síntese, porque nós temos muitos trabalhos monográficos, teses, dissertações, fundamentais que estão trabalhando em diferentes partes do Brasil, em diferentes momentos da História brasileira, com os mundos do trabalho nas suas especificidades. Mundos do trabalho na região norte, como é que as questões raciais e de classe se organizam, no sudeste é diferente, assim como no sul. Então essas diferenças regionais também devem ser pontuadas e nós temos uma quantidade muito significativa de trabalhos muito sérios e competentes feitos nesse sentido, mas acredito que ainda faltam análises de síntese mais contundentes que de fato, em alguma medida, reinaugurem a própria ideia de trabalho no Brasil, sobretudo na área da história.
Como é que ainda existe por conta, obviamente, do racismo que nos ordena, isso é muito evidente, nos livros didáticos no Brasil, por exemplo, uma ideia de que o negro brasileiro se circunscreve a experiência da escravidão. Não que a experiência da escravidão não seja fundamental e seja experimentada sobretudo pela população negra e ameríndia, é importante enfatizar isso, mas nós temos uma série de experiências de trabalhadores e trabalhadoras negros em liberdade ainda na vigência da escravidão e sobretudo após o 13 de maio de 1888. E isso ainda está muito circunscrito ao mundo acadêmico.
Acho que falta um esforço nosso aqui, de pensar em sínteses mais críticas e contundentes que permitam uma revisitação inclusive da maneira como a história brasileira vem sendo contada nos últimos anos e acredito que um caminho muito importante pra isso seria uma aproximação maior dos estudos feitos do Mundo do Trabalho com os estudos feitos no pós-abolição que em grande medida trazem biografias e estratégias de sobrevivência da população negra durante a vigência da República, mas também nos anos finais do Império do Brasil e que mostram justamente uma série de articulações feitas por esses sujeitos que muitas vezes ficaram silenciadas nos estudos do Mundo do Trabalho ou nos estudos sobre a história política do Brasil.
Acho que nós temos avanços significativos, acho que a própria consciência de que não se pode pensar no trabalho no Brasil sem os condicionantes de classe e raça e eu adicionaria também, de gênero, porque nós temos um país em que o serviço doméstico é fundamental para o funcionamento do Brasil hoje. Isso, obviamente, é resultado de um acúmulo de experiências brasileiras e esse serviço doméstico ele é feito majoritariamente por mulheres negras que por sua vez são a maior parte da população brasileira. Então nós também precisamos pensar em gênero no universo do Mundo do Trabalho pra que a gente possa ter uma percepção mais precisa e também mais crítica do que são esses mundos e de como eles são organizados a partir dessas camadas raciais, de classe, de gênero, sexuais também. Então acho que a gente pode ampliar o debate nesse sentido.
Tendo em vista os 20 anos da promulgação da Lei 10.639/03, você poderia fazer um breve balanço da importância dessa lei para o ensino de História? Falar um pouco sobre os avanços que ela proporcionou e os entraves e limites que ainda são enfrentados?
E por fim, pensando aqui sobre a lei 10.639 que em 2023 comemora os seus 20 anos, é uma lei que eu considero fundamental por dois aspectos. O primeiro é pela sua origem, é uma lei que ela é decorrente de um processo histórico e longo dos movimentos sociais negros brasileiros, é uma exigência feita pelo movimento negro de uma nova forma de entender a história brasileira, uma maneira que traga as experiências negras e africanas para o debate. Então, foi uma medida que a primeira vez que ela aparece é na Constituição de 1988, acaba não sendo aprovada, essa demanda acaba não sendo absorvida na Constituição, mas como o debate sobre o racismo não parou por conta, justamente, das ações dos movimentos negros brasileiros, essa lei foi implementada há vinte anos atrás. Então, reconhecer as origens dessa lei é fundamental porque a gente muitas vezes naturaliza que as leis existem e não entende o que está por trás ou quem são as pessoas que estão formulando as leis no Brasil ou pelo menos pressionando para que as leis sejam formuladas. E, obviamente, o que nós temos também como grande ganho é o conteúdo dessa lei, a exigência de se pensar o processo educacional brasileiro a partir, também, das presenças africanas e negras em meio a esse processo. Isso significa falar mais sobre o continente africano do qual nós somos herdeiros diretos, sobretudo das regiões africanas das quais vieram africanos escravizados pra cá, então, obviamente a gente não pode perder a dimensão continental da África, embora isso ainda seja um problema no Brasil, reconhecer a diversidade africana e entender que para o Brasil faz muito mais sentido conhecer sociedades africanas das quais nós somos diretamente herdeiros do que, por exemplo, ficar, enfim, vagando por histórias da antiguidade ou do medievo que pouco falam sobre nossa constituição nacional. Não que elas não sejam interessantes e fundamentais para pensar a experiência humana, mas elas não são as únicas maneiras. Então, acho que esses são os dois principais avanços.
Nós temos, como eu disse no começo dessa entrevista, a escola como um espaço privilegiado de manutenção do racismo no Brasil e, qualquer criança, qualquer pessoa negra, provavelmente terá uma história de racismo pra contar nas escolas. Inclusive, muitas crianças negras foram apresentadas oficialmente ao racismo na sua experiência escolar, fosse pelas brincadeiras, as ditas brincadeiras de mau gosto, que são na verdade práticas racistas dos colegas, fosse pelo olhar de inferioridade dos professores que achavam que esses alunos e alunas negras seriam inferiores intelectualmente, fosse pelos livros didáticos, e aí acho que nós temos que ter muito cuidado com isso porque somos historiadores. Os livros didáticos na área de História no qual a presença negra, praticamente, a figura, as figuras negras não são apresentadas e quando são, são sempre lugares sociais de subalternidade. Então essa lei permite que a gente, também, de certa maneira, proponha uma espécie de redenção a essa estrutura racista no universo escolar para a maior parte da população brasileira.
É sobre isso, também, que estamos falando. A maior parte dos alunos brasileiros e brasileiras nas escolas são meninos e meninas negras que têm a sua construção identitária pautada por uma série de ausências, silêncios e lugares socialmente demarcados. Isso constrói a identidade dos brasileiros e brasileiras negros e negras. Então nós temos uma responsabilidade em transformar isso e a lei 10.639 foi pensada justamente no sentido de quebrar essa lógica racista que obviamente organiza as escolas, mas que tem uma dimensão muito mais ampla. Se você é uma criança que nunca se vê de maneira positiva, seja nos livros, qualquer livro, seja o livro de História ou nos livros de Literatura, seja no que é considerado arte, naquilo que é considerado belo e de quem pode fazer arte, isso obviamente determina como você está enxergando o mundo e como você está se enxergando no mundo. Então a lei 10.639, na minha perspectiva, tem um caráter quase revolucionário de romper com essas amarras e estruturas do racismo, sobretudo no espaço escolar, porque é ali que as crianças são ensinadas a como o racismo organiza suas vidas, sejam elas as crianças negras, sobretudo, que são as que sofrem com o racismo, mas as crianças brancas que passam a perpetuar esse lugar de racistas, é importante também dizer isso. Numa sociedade organizada pelo racismo, como eu defendo que é a sociedade brasileira, a gente não tem muitas possibilidades. Ou você é uma pessoa racista ou você é uma pessoa contra o racismo. E como o racismo no Brasil é uma estrutura, se não há um movimento contrário ao racismo a única opção que nós temos é a manutenção do racismo. Isso a gente vê de forma muito latente na experiência escolar, infelizmente e ainda. Então acho que esses são os principais avanços dessa lei.
Nós temos uma série de entraves e limites que ainda são enfrentados. Primeiro na própria execução da lei. Em muitas escolas, pra que essa lei seja executada é preciso que haja algum tipo de supervisão, por um lado, e de acompanhamento para entender se a lei está sendo cumprida e como ela está sendo cumprida. Infelizmente em muitos casos a gente vê que o cumprimento da lei se dá geralmente no 20 de novembro quando as escolas se organizam e falam um pouco do que foi Palmares e pensam 2 ou 3 outros importantes personagens negros da história brasileira, mas aí durante todo o restante do ano escolar a gente continua vendo a ausência negra nessas histórias que são contadas. Então, eu acho que a lei ela é fundamental na medida em que ela promove ou proporciona a possibilidade de uma revisitação contundente ao nosso currículo.
O que eu acho mais interessante da lei 10.639 é que quando ela nos obriga a pensar o Brasil a partir da sua negritude e da sua afro-existência, ela tá pensando uma outra maneira de contar história. É uma lei que não é só uma lei de novos conteúdos a serem abordados nas escolas, é de uma nova forma de ensinar as ideias de Brasil, seja na área da História, na área das Artes, na Literatura, que geralmente são as áreas que mais abordam essas questões.
Nós vivemos num país que é abertamente racista e conservador, então nós temos uma série de limites e entraves, a primeira delas é o fato que durante muito tempo, sobretudo os professores e professoras das redes municipais e estaduais não tiveram formação pra poder dar esses conteúdos, então a gente ainda precisa retomar algo que foi feito durante os primeiros anos da implementação da lei, que é a formação continuada desses professores e professoras. É preciso que haja uma vontade política tanto no âmbito federal, quanto estadual, quanto municipal e também das instituições escolares para que essa lei seja realmente implementada e o enfrentamento real com uma série de posições conservadoras, tanto políticas como também religiosas, que mantém uma ideia que foi construída no Brasil propositadamente de que as populações negras são inferiores ou que as religiões de matrizes africanas são religiões do demônio ou coisas que o valha. Então, a gente tem entraves tanto no cotidiano escolar quanto, também, nas esferas políticas, nas esferas públicas do Brasil e obviamente os últimos anos do governo Bolsonaro essa dificuldade só aumentou porque o espaço do conservadorismo brasileiro também se ampliou consideravelmente.
Imagino que nós precisemos ampliar os esforços em todas essas escalas para que a gente tenha uma transformação efetiva, que a gente possa galgar aquilo que a lei traz de mais poderoso, de mais transformador, que é repensar o Brasil a partir da presença e das ações efetivas das populações negras e africanas ao longo dos nossos cinco séculos de existência. E, obviamente, atrelar essa discussão à discussão indígena que foi também uma demanda que foi absorvida alguns anos depois pela lei 11.645 que fala sobre os povos indígenas no Brasil e que encontra dificuldades muito parecidas com a 10.639 na medida em que a gente mantém esse olhar profundamente racista e segregador para as populações indígenas no país.
Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (2012), Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (2007), bacharel e licenciada em História pela USP (2002). Atualmente é Professora Adjunta no Instituto de História da Universidade Federal Fluminense – UFF. Realiza Pesquisa na aérea de História da América, com ênfase em Escravidão Moderna e Relações Étnico-Raciais nas Américas, atuando principalmente nos seguintes temas: escravidão, América ibérica, formação dos Estados Nacionais, cidades escravistas , relações étnico raciais e ensino de história.
Crédito da imagem de capa: Primeira Marcha Zumbi – Foto: Geledés Instituto da Mulher Negra /Rede de Historiadores Negros /Acervo Cultne.
Chão de Escola
Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.
A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral, Samuel Oliveira, Felipe Ribeiro, João Christovão, Flavia Veras e Leonardo Ângelo.