Chão de Escola #22: Os trabalhadores e o uso da Justiça do Trabalho durante a ditadura militar, por Paulo Henrique Silveira Damião



Paulo Henrique Silveira Damião



Apresentação da atividade

Segmento: Ensino Médio (3º ano)

Unidade temática: Ditadura Militar e os mundos do trabalho

Objetivos gerais:

– Refletir sobre as formas de lutas e resistências dos trabalhadores durante a ditadura militar;
– Relacionar o processo de autoritarismo com os impactos na vida dos trabalhadores;
– Caracterizar a Justiça do Trabalho como uma importante instituição de resistência.

Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC):

(EF09HI19) Identificar e compreender o processo que resultou na ditadura civil-militar no Brasil e discutir a emergência de questões relacionadas à memória e à justiça sobre os casos de violação dos direitos humanos.

Duração da atividade:  

Aulas Planejamento
01Etapa 1
02Etapas 2
03Etapa 3 e 4
04Etapa 5
05Etapa 6

Conhecimentos prévios:

– Direitos e Leis Trabalhistas
– Políticas econômicas e sociais relacionadas aos mundos do trabalho
– Autoritarismo e repressão

Atividade

Recursos: Projetor, caixa de som, computador, quadro, fotocópia, caderno.

A atividade propõe uma reflexão a respeito dos impactos do autoritarismo da ditadura militar sobre a vida dos trabalhadores, procurando destacar a ação dos trabalhadores na busca por direitos através da Justiça do Trabalho e seus tribunais trabalhistas.

Etapa 1: Os direitos trabalhistas e a criação da Justiça do Trabalho

Para entendermos como se deu o recurso à Justiça do Trabalho durante a ditadura, pensando-o como uma forma de resistência às políticas autoritárias dos governos militares, é importante fazermos um recuo na história, voltando ao contexto de criação da Justiça do Trabalho e da consolidação dos direitos trabalhistas.
Foi durante a Era Vargas (1930-1945) que a sociedade viveu grandes transformações do ponto de vista trabalhista, sendo a Justiça do Trabalho (1934) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT/1943) as principais delas.

Pergunte aos estudantes e dialogue com a turma sobre o que eles lembram e sabem sobre a relação de Getúlio Vargas com os direitos trabalhistas.
A conversa inicial tem o objetivo de situar os estudantes no contexto de criação dos direitos trabalhistas e recuperar informações que serão trabalhadas em aula.

Entregue aos alunos os documentos a seguir impressos ou projete-os na lousa.

Peça para os alunos pesquisar e responder às perguntas abaixo.

  1. Identifique e explique dois direitos do trabalho que constavam na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
  2. Qual a importância da criação da Justiça do Trabalho para as relações de trabalho no Brasil e cumprimento da CLT?  
  3. A partir da leitura dos documentos, explique porque é importante que abandonemos a noção de passividade dos trabalhadores durante o contexto da Era Vargas e da criação das leis trabalhistas?

A partir dos trechos e das respostas dos estudantes, conseguimos perceber que a elaboração dessa nova estrutura que visava regular as relações de trabalho se deu a partir de uma dinâmica política entre Estado e classe trabalhadora, na qual essas duas forças políticas arbitraram seus interesses, em uma espécie de “via de mão-dupla”.
Enfatize esse aspecto, para os estudantes perceberem que a classe trabalhadora não era passiva na relação com Vargas e o Estado, e que a Justiça do trabalho tem função política ainda hoje na vida da classe trabalhadora.


Etapa 2: O golpe civil-militar e a guinada autoritária

Recupere o debate feito sobre o conceito de direitos trabalhistas e Justiça do Trabalho na aula anterior, enfatize que ela ainda hoje é um dos principais meios para os trabalhadores acionarem seus direitos trabalhistas, e que, no contexto da ditadura civil militar, ela foi um meio para os trabalhadores reivindicarem direitos.
Leia e analise com os estudantes as alterações na política trabalhista realizada durante a ditadura através da leitura de trechos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Explique para os alunos o que foi a CNV e sua importância para a análise da história do Brasil. Você pode transmitir o documento abaixo por meio de uma fotocópia ou projetá-los em sala de aula.

A partir de pesquisa e da leitura dos trechos do relatório da Comissão Nacional da Verdade, responda as perguntas abaixo:

  1. Qual era o principal objetivo dos governos militares em aprimorar o que havia de mais repressivo na CLT?
  2. Explique o que é:

a) Política do arrocho salarial;

b) Perda da estabilidade do emprego;

c) Desestruturação da organização dos trabalhadores.

3.Quais suas consequências para o desenvolvimento econômico e o mundo do trabalho?

Aqui o objetivo é explorar junto aos alunos as variadas formas de repressão utilizadas durante os governos militares. Quando se fala em repressão, logo vem à nossa mente as prisões arbitrárias, torturas físicas e psicológicas, assassinatos e outros tipos de violência. Sem dúvida, são fatos arrepiantes de um passado que não se pode e nem se deve esquecer.
No entanto, repressão também pode ser interpretada como algo que pune e não necessariamente precisa estar atrelado à violência explícita. No caso dos trabalhadores, é possível pautar as leis do arrocho salarial e as intervenções nos sindicatos também como formas de repressão, ou como políticas repressoras, tal como já destacado anteriormente.


Etapa 3: Aula expositiva e dialogada

Recupere as questões trabalhadas a partir do relatório da CNV e através de uma aula expositiva dialogada, explique o contexto social dos trabalhadores na ditadura civil-militar.
Abaixo, frisamos os eventos e conceitos que devem ser enfatizados na aula.
O golpe civil-militar que retirou João Goulart da Presidência da República, marcou, entre outras coisas, uma inflexão nos projetos políticos que eram direcionados aos trabalhadores. Antes, políticas que buscavam, minimamente, valorizar os trabalhadores; no pós-golpe, projetos autoritários que sacrificavam a força de trabalho.
A ditadura estabeleceu uma Lei de Greves que proibiu as greves, um dos principais movimentos de reivindicação trabalhista, as leis salariais, que impactaram negativamente nos salários.
Após o golpe de estado, o governo realizou intervenções federais nos sindicatos, cassando diretorias que tinham legitimidade entre os trabalhadores e organizavam protestos, e empossando diretores sindicais que eram pró-governo.
E promoveu uma política econômica que tinha em vista o arrocho salarial, unificou o salário mínimo nacional e estabeleceu um reajuste anual para o mesmo que não acompanhava os índices de inflação, que eram manipulados pelos governos militares.



Etapa 4: Análise de Imagens

Apresente aos alunos as imagens abaixo. A primeira retrata manifestação popular que denunciava a crise econômica que abatia os lares, sobretudo dos assalariados, devido às leis autoritárias do “arrocho salarial”.

Imagem I: Manifestações contra o “arrocho salarial”

Fonte: Autoria desconhecida. Imagem retirada do livro Como pode um povo vivo viver nesta carestia, de Thiago Nunes Monteiro (Monteiro, 2017).

Imagem II: Charge satirizando o elevado custo de vida

Fonte: Charge de Otávio, sobre Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda e Planejamento da ditadura, publicada na Folha de São Paulo em 24 de junho de 2020. Disponível em: <https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1670143221443064-charges-da-folha-sobre-a-ditadura>. Acesso em: 29/03/2022.

Analise as imagens e responda as questões abaixo.

  1. Descreva as pessoas que fazem parte da imagem 1.
  2. Qual a pauta/objetivo da manifestação?
  3. Qual a principal crítica presente na charge da imagem 2?



Etapa 5: O recurso à Justiça do Trabalho como forma de garantia e conquista de novos direitos

A mudança de conjuntura marcada pelo golpe de 1964 pode ser percebida através dos processos da Justiça do Trabalho. A experiência democrática vivida anteriormente, na qual trabalhadores e sindicatos tiveram grande expressão política, foi, de fato, rompida. Com a ditadura militar, trabalhadores e sindicatos perderam espaços importantes para a defesa de seus direitos, senão todos, com exceção da Justiça do Trabalho.
Na Justiça do Trabalho, os trabalhadores reivindicavam aumentos salariais reais, além de benefícios como gratificações, redução da jornada de trabalho, salário mínimo (piso salarial), seguro de vida, alimentação, pagamento de férias em dobro, entre outros.
Projete o documento a baixo (ata de abertura de um processo trabalhista), que serve como exemplo das reivindicações trabalhistas e suas justificações, e leia junto com os alunos.

Após a leitura coletiva do documento, responda as questões abaixo.

  1. Identifique a entidade que procura se posicionar na justiça do trabalho.
  2. Quais as reivindicações dos trabalhadores bancários?
  3. Contextualize as reivindicações com o contexto político e social dos trabalhadores na ditadura.
  4. Na sua opinião, as reivindicações dos trabalhadores na Justiça do Trabalho são legítimas?Elas foram atendidas pela Justiça do Trabalho? Justifique sua resposta.

Explique para os estudantes que dados de processos julgados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, com sede em Belo Horizonte/MG, demonstram que os trabalhadores e suas representações sindicais acumularam uma série de conquistas. Categorias de Juiz de Fora conseguiram ter aumentos salariais acima dos índices fornecidos pelos governos da ditadura; trabalhadores de instituições financeiras conquistaram redução da jornada de trabalho para 6 horas, com a categoria equiparada à dos bancários; motoristas de ônibus passaram a ter direito a uma diária remuneratória por dia trabalhado fora da sede; entre outras.


Etapa 6: Atividade final

Como atividade de conclusão e síntese, divida a sala em grupo e solicite que escrevam uma petição para ser encaminhada na Justiça do Trabalho. Depois, o documento produzido pelos estudantes, será debatido em grupo.

Escreva uma petição à Justiça do Trabalho.

1º passo: Cada grupo deverá escolher uma categoria trabalhista (bancários, metalúrgicos, trabalhadores do comércio ou tecelões).
2º passo: A partir da especificidade de cada profissão, que poderá ser pesquisa previamente, os alunos elaborarão de 3 a 5 reivindicações trabalhistas que servirão para abertura de um processo na Justiça do Trabalho.
3º passo: após a escolha das reivindicações, os alunos deverão elaborar uma pequena justificativa para cada demanda que será levada à Justiça, levando-se em consideração um contexto autoritário.
4º passo: concluída essa parte, um grupo irá analisar as demandas do outro grupo e, sendo um direito importante e necessário para aquela categoria, validar ou não suas reivindicações.
5º passo: por fim, o professor poderá propor uma discussão final a partir das demandas trabalhistas aprovadas por cada grupo.



Bibliografia e Material de apoio:

BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório, v. II, textos temáticos/Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV, 2014.

DAMIÃO, Paulo Henrique Silveira. A balança de Têmis e tempos sombrios: Justiça do Trabalho, trabalhadores e ditadura em Juiz de Fora (1964-1974). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2019.

JUIZ DE FORA. Memórias da repressão: relatório da Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora. Juiz de Fora: MAMM, 2015.

MONTEIRO, Thiago Nunes. Como pode um povo vivo viver nesta carestia. São Paulo: Martins Fontes, 2017.

MOREL, Regina Lúcia M.; PESSANHA, Elina G. da Fonte. A Justiça do Trabalho. Tempo Social, v. 19, n. 2, nov. 2007.

REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

Depoimentos Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora: <https://www.ufjf.br/comissaodaverdade/depoimentos/> SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores no Tribunal: conflitos e Justiça do Trabalho em São Paulo no contexto do Golpe de 1964. 2ª ed. São Paulo: Alameda, 2019.


Créditos da imagem de capa: Operários da Construção Civil. 05 de agosto de 1979. REG.: P&B 1/02/0090, sob guarda do Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3). 



Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral, Samuel Oliveira, Felipe Ribeiro, João Christovão, Flavia Veras e Leonardo Ângelo.

LEHMT

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