Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho

LMT #121: União dos Operários da Construção Civil do Rio de Janeiro (RJ) – Eduardo de Oliveira


Eduardo de Oliveira
Doutor em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC-FGV


A União dos Operários da Construção Civil do Rio de Janeiro, fundada em 1915 ainda como União Geral da Construção Civil (UGCC), foi uma importante associação de trabalhadores cariocas na Primeira República. De orientação anarquista, protagonizou greves e protestos, bem como enfrentamentos com a polícia, especialmente entre 1919 e 1922. Neste período, em que a UOCC anunciava ter 14 mil associados, confrontos ocorreram em diferentes pontos da cidade mas, principalmente, nas duas sedes que a entidade ocupou neste período. Em pouco menos de três anos, forças de segurança invadiram e fecharam as sedes da União por quatro vezes. 

A mobilização cresceu bastante a partir de 1917, com a participação na chamada “greve geral”, e também devido à comoção causada pelo desabamento de um hotel em obras, acidente que provocou a morte de 40 trabalhadores e deixou pelo menos 20 feridos. Em 1919, a UGCC seria rebatizada como União dos Operários da Construção Civil, já então congregando milhares de pedreiros, carpinteiros, pedreiros, estucadores, ladrilheiros, pintores e ajudantes. Naquele ano o presidente da entidade era o português José Madeira, pintor, que também fazia parte da diretoria da Federação Operária do Rio. Desde 1917 já havia sido preso ao menos cinco vezes, sendo por isso conhecido pela polícia como “agitador anarquista”.

A primeira sede da UOCC funcionou no primeiro andar de um sobrado, no número 231 da Praça da República, em um quarteirão desaparecido nos anos 1940, com a abertura da Avenida Presidente Vargas. Foi em frente àquele sobrado que, em 9 de setembro de 1919, cerca de 600 operários se concentraram em um protesto, motivado pela apreensão do jornal anarquista Spártacus. Das janelas do primeiro andar, oradores faziam discursos inflamados, também ouvidos à distância por 50 policiais que compareceram ao local sob o comando do delegado Nascimento Silva.


No térreo do sobrado funcionava uma cervejaria, onde manifestantes ergueram uma barricada com mesas e cadeiras. Os policiais foram recebidos por uma “chuva” de garrafas, copos e pedras, mas conseguiram dispersar a multidão – além de efetuar 35 prisões e fechar a sede.  Um mês depois, José Madeira seria deportado, bem como outros militantes portugueses e espanhóis.


Pouco tempo depois, a União inaugurou uma nova sede, também próxima à Central do Brasil, na rua Barão de São Félix. E em 16 de junho de 1920, ali ocorreu outra operação policial, motivada por uma denúncia anônima. O Rio vivia então uma onda de atentados a bomba (19 delas já haviam explodido naquele ano, deixando 8 feridos) e a denúncia informava que havia material explosivo na União. Com efeito, a polícia alegrou haver encontrado duas bombas. Além delas também teriam sido apreendidas armas, publicações anarquistas, estopins e pólvora. Ao menos 17 associados foram presos.

Foram apreendidos ainda curiosos instrumentos de protesto: lâmpadas e ovos, cuidadosamente esvaziados e preenchidos com piche. Há alguns dias estas “bombas” vinham sendo atiradas em paredes de imóveis em construção na Esplanada do Senado. A “pichação” era uma forma de protesto contra prazos reduzidos e longas jornadas de trabalho dos pedreiros e também um alerta para colegas que não aderissem a greves.

Pichações na esplanada do Senado, em junho de 1920, foram o motivo alegado para a abertura de um inquérito policial que requeria o fechamento da União por tratar-se de um “centro de propaganda subversiva, sob a máscara de associação de classe”. Na manhã de 8 de fevereiro, terça-feira de Carnaval, a polícia agiu. Aproximadamente 50 agentes cercaram a sede da UOCC e quarteirões adjacentes. Houve um rápido conflito (três feridos) e duas prisões. A porta do sobrado estava fechada e, de início, os policiais não conseguiram entrar no imóvel. Das sacadas do primeiro andar, operários zombaram deles. Mas uma escada Magirus foi levada ao local: os operários conseguiram fugir pelas janelas dos fundos enquanto os policiais entravam pelas janelas da frente. Na sede da UOCC a polícia encontrou armas, material explosivo e centenas de panfletos de propaganda revolucionária. Como a sede estava vazia, ninguém foi detido no local – mas a polícia varejou lojas e botequins nas imediações, efetuando 25 prisões.

Proibidos de se reunir, associados da União passaram a organizar encontros clandestinos, embora suas convocações fossem anunciadas nos jornais em código. Somente em 1922 a UOCC iria reabrir suas portas. E, antes de o ano acabar, informou claramente seus objetivos, através de um comunicado, publicado em novembro: “Esta associação declara por meio da imprensa que não abandona os meios de ação direta, revolucionária, anarquista que continua no seu programa”. A declaração era especialmente perigosa para a União, dado que já vigorava o mandato do presidente da República Arthur Bernardes, herdeiro e continuador de um estado de sítio. Os jornais cariocas, censurados, omitiam a repressão da polícia.

Em 1924, a União dos Operários da Construção Civil iria novamente trocar de endereço, retornando à Praça da República. E nos anos seguintes ocuparia outras sedes, sempre no Centro. Atravessando períodos de maior ou menor repressão, iria mudar seus meios de luta – abandonando a “ação direta” e os enfrentamentos com a polícia, tendo sobrevivido pelo menos até o Estado Novo, em 1937. O pacato sobrado na Barão de São Félix, onde hoje funciona uma barbearia, sobrevive como endereço da memória de um tempo de enfrentamento e perseguição, mas também de resistência e mobilização.

A Praça da República, no início do século XX: bem perto da Central do Brasil e do QG do Exército ficava a sede do UOCC, em um quarteirão que desapareceu nos anos 1940, com a abertura da Avenida Presidente Vargas. Foto de Augusto Malta. Acervo do Instituto Moreira Sales


Para saber mais:


Crédito da imagem de capa: Matéria sobre os conflitos entre a polícia e a UOCC no jornal A Razão, 20 de janeiro de 1921.


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