LMT #130: Rua Diogo Rebolo, Campinas (SP) – Ricardo Pirola



A rua Diogo Rebolo está situada no bairro Jardim Paranapanema, em Campinas (SP), a cerca de cinco quilômetros do centro da cidade. A rua foi criada no ano de 2015, a partir do projeto de lei do vereador Gustavo Petta (PCdoB), depois de ampla mobilização do movimento negro local. O nome da rua é uma homenagem ao principal líder de um plano de insurreição escrava surgido em Campinas em 1832. Originário do norte de Angola, Diogo Rebolo reuniu sob sua liderança centenas de trabalhadores escravizados de mais de 15 engenhos produtores de açúcar, com o objetivo de matar seus senhores para acabar com a escravidão. A eclosão da insurreição estava programada para ocorrer no domingo de Páscoa, quando os proprietários estivessem participando das festividades religiosas. A descoberta antecipada dessa rebelião, seguida da prisão dos acusados e do reforço do número de vigilantes armados nas fazendas, inibiu a eclosão do movimento rebelde. As fazendas envolvidas na trama de rebelião estavam situadas ao norte de Campinas, próximas ao rio Atibaia e nas terras do atual distrito de Barão Geraldo. Ainda hoje é possível visitar uma dessas propriedades. Esse é o caso, por exemplo, da fazenda Tozan/Monte D’este, que na época se chamava Ponte Alta e pertencia ao capitão-mor Floriano de Camargo Penteado.

Apesar de o plano de insurreição de 1832 ter fracassado, os escravizados em Campinas e em diversas outras partes da província de São Paulo não deixaram de lutar e de organizar novos projetos de rebelião. A história da escravidão negra em São Paulo foi marcada por constantes batalhas protagonizadas pelos escravizados em nome da liberdade. Até o final século XVIII, a então capitania de São Paulo era caracterizada pela presença de um grande número de indígenas e por uma parcela pequena de escravizados negros e colonos brancos. Foi apenas no século XIX que a escravidão de africanos e seus descendentes se consolidou nessa região. Dois fenômenos ajudam a explicar o crescimento da escravidão negra em São Paulo. O primeiro deles foi a própria expansão da produção de cana-de-açúcar, como decorrência do aumento do preço dessa mercadoria no cenário internacional a partir de 1790. O segundo elemento foi a descoberta da boa qualidade das terras na província de São Paulo para produção de café, que no século XIX se tornaria uma das bebidas mais consumidas do mundo. Se em meados do século XVIII, os escravizados africanos e seus descendentes não alcançavam 10% dos moradores da capitania de São Paulo, em 1836 essa população já representava cerca de 30% do total de habitantes. Em regiões como a de Campinas, marcada pela larga produção de cana-de-açúcar e café, o número de escravizados negros chegava a 50% nos anos 1830.

O rápido crescimento da população negra escravizada e a grande concentração de africanos provenientes de uma vasta região da África central atuaram como fatores decisivos nos processos de estruturação de planos de rebelião. Os africanos trazidos para São Paulo no século XIX eram provenientes dos portos de Benguela, de Luanda e de territórios localizados ao norte de Angola e do Congo. Esses africanos falavam línguas semelhantes (como o kikongo, kimbundu e Umbundu) e compartilhavam entendimentos religiosos de explicação dos fenômenos naturais. Tal proximidade cultural facilitou a união dos cativos, com origens diversas, para lutar pela liberdade do cativeiro.


A província de São Paulo, na primeira metade do oitocentos, registrou a ocorrência de diversos planos de insurreição.


Os documentos conhecidos atualmente apontam para três regiões da província como polos de agitação escravista: a) Litoral norte, com destaque para São Sebastião e Ubatuba, nas décadas de 1820 e 1830 (nessa região se registrou a existência de plano de insurreição em 1825 e em 1831); b) Oeste paulista, especialmente Campinas (além da trama de 1832, a localidade registrou planos de rebelião em 1830 e 1848) e Itu (existem registros de planos de revolta em 1794 e 1809) ; c) Vale do Paraíba (identificou-se planos de rebelião em Bananal em 1833; em Areias em 1843; e em diversas localidades da fronteira do Vale do Paraíba com o Rio de Janeiro em 1848).

Já na segunda metade do século XIX a ocorrência de planos de insurreição de escravos se alastrou por todo o território da província. Após 1850 a escravidão se disseminou muito além do litoral, do vale do Paraíba e do entorno de Itu e Campinas, atingindo uma vasta região. Nesse período, São Paulo se tornou então a província com o quarto maior número de escravos negros no país, perdendo apenas para Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. As mudanças ocorreram também no perfil demográfico da população escravizada, isto é, o número de africanos diminuiu (como decorrência da lei do fim do tráfico de 1850) e cresceu a presença de cativos trazidos pelo tráfico interno de outras regiões do país. Ao mesmo tempo, a segunda metade do século XIX ficou marcada pela difusão de ideias abolicionistas. Todo esse cenário influenciou diretamente na disseminação dos movimentos de insurreição e na intensificação de outras formas de rebeldia como os assassinatos de senhores e feitores e as fugas em massa das fazendas. Dentre os movimentos de rebeldia nesse período destacam-se a agitação dos cativos em São Roque em 1854, o levante da fazenda Castelo em Campinas no ano de 1882 e as fugas em massa de escravizados de propriedades rurais em Capivari e Montemor em 1887. A forte agitação das senzalas em todo o século XIX acabou contribuindo decisivamente para a abolição da escravidão em 13 de maio de 1888.

Quanto ao Diogo Rebolo, a documentação que nos sobrou sobre o plano de 1832 em Campinas não registra as sentenças dos acusados. De acordo com o código criminal do Império do Brasil, os cativos condenados por liderar uma tentativa de insurreição deveriam ser sentenciados à pena de galés, o que significava prisão com trabalho forçado em obras públicas. O tempo da sentença podia ser de 10 anos (pena mínima) ou durar por toda a vida (pena máxima). É difícil saber qual foi o destino de Diogo Rebolo sem os documentos do século XIX. Contudo, sua coragem continua ainda hoje a inspirar outras lutas por justiça em Campinas. O fato de existir uma rua com seu nome em uma das principais cidade do Estado de São Paulo é sinal de que suas ideias seguem a embalar as esperanças de um mundo mais justo para todos.

Placa da rua Diogo Rebolo em Campinas (SP). Crédito: Ricardo Pirola. 


Para saber mais:

  • AZEVEDO, Elciene. O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na província de São Paulo. Campinas: Unicamp, 2010.
  • MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da abolição. Rio de Janeiro: UFRJ/Edusp, 1994.
  • PIROLA, Ricardo F. Senzala insurgente: malungos, parentes e rebeldes nas fazendas de Campinas (1832). Campinas, SP: Unicamp, 2011.
  • REIS, João José & GOMES, Flávio dos Santos. Revoltas escravas no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.
  • SLENES, Robert W. “A árvore de ‘nsanda’ transplantada: cultos Kongo de aflição e identidade escrava no Sudeste brasileiro (século XIX)”. In: LIBBY, Douglas Cole; FURTADO, Júnia Ferreira. Trabalho livre, trabalho escravo: Brasil e Europa, século XVIII e XIX. São Paulo: Annablume, 2006. p. 273-316.
  • XAVIER, Regina Célia Lima. Religiosidade e escravidão, século XIX: mestre Tito. Porto Alegre: UFRGS, 2008.

Crédito da imagem de capa: Moagem de Cana, fazenda Cachoeira, Campinas, 1830. Autor: Benedito Calixto, acervo: Museu Paulista da USP


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