Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho

Lugares de Memória dos Trabalhadores #48: Vilas Operárias do Horto, Rio de Janeiro (RJ) – Mariana Costa



Mariana Costa
Doutora em História pela PUC-Rio e pesquisadora do LEHMT/UFRJ



Nas décadas finais do Império, a área onde atualmente estão situados os bairros do Jardim Botânico e do Horto, no Rio de Janeiro, era parte do território que compreendia a Freguesia da Gávea. Desde meados da década de 1880, a região passaria a receber alguns dos principais investimentos industriais realizados na cidade, como o da Companhia de Fiação e Tecelagem Carioca, instalada à Estrada Dona Castorina (atual Rua Pacheco Leão), e a Fábrica de Fiação e Tecelagem Corcovado, localizada na Rua Jardim Botânico. Aquele território foi marcado pela história fabril que constituiu elemento fundamental da experiência de muitos dos trabalhadores e trabalhadoras da cidade entre o final do século XIX e início do XX.

Em 1890, quando já se encontrava instalada a Fábrica Carioca e apenas um ano após a inauguração da Fábrica Corcovado, os operários na Freguesia contavam 856 indivíduos. Já em 1906, eram 3.305 os trabalhadores nas indústrias. Se comparados os dados do censo de 1890 e 1906, nota-se um sensível acréscimo de 2.448 pessoas, evidenciando que as fábricas de tecidos instaladas na região durante o período passaram a atrair esses trabalhadores para o bairro.


Já no final do século XIX começaram a ser construídas vilas operárias por empresas privadas e pelas próprias companhias têxteis com a finalidade de abrigar a crescente mão de obra industrial.


Em 1889, a Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro construiu a Vila Bocayuva à Estrada Dona Castorina, destinada a 800 operários. Por iniciativa da mesma companhia, a Vila Arthur Sauer começou a ser construída em 1891 também à Estrada Dona Castorina. Poucos anos depois, a Companhia de Fiação e Tecelagem Carioca construiu uma vila operária destinada à moradia de seus empregados, instalada à Estrada Dona Castorina, além de diversos outros pequenos núcleos de moradias naquela via e na Rua Lopes Quintas. Muitas das casas de vilas operárias e de outros núcleos de moradias erguidos no final do século XIX e início do século XX ainda encontram-se no bairro. Alguns logradouros menores da área que abrigavam esses conjuntos residenciais, como a Rua Estella e Rua Faro, ainda hoje conservam as suas denominações originais daquele período.

Outra pequena via que concentrava diversas moradias dos trabalhadores fabris no Horto é atualmente denominada Rua Mestre Joviniano. Trata-se de uma homenagem ao operário da Fábrica Carioca chamado Joviniano de Paula Bohemia, que exerceu a prestigiada função de mestre da banda de música do Clube Musical Recreativo Carioca durante as duas primeiras décadas do século XX. Na Estrada Dona Castorina, encontrava-se a sede da associação de lazer fundada ali em 1895 por empregados da própria companhia. Mestre Joviniano também foi membro do Carioca Foot-ball Clube, associação esportiva formada em 1907 pelos mesmos trabalhadores fabris. Desde a sua inauguração, a sede da agremiação se mantém na Rua Jardim Botânico, onde atualmente divide espaço com uma empresa de academia no mesmo endereço.

A partir da década de 1940, a crescente especulação imobiliária na região foi acompanhada por uma transformação significativa das atividades econômicas no bairro, que começava a perder a sua marca fabril. No início da década de 1930 uma crise financeira levou ao fechamento da fábrica Corcovado. Nos anos seguintes, a empresa loteou suas propriedades situadas no Jardim Botânico, destinando o empreendimento para as camadas médias ascendentes e a elite carioca. No início dos anos 1960, a Fábrica Carioca fechou definitivamente as suas portas. Demolida, seus terrenos no bairro foram loteados, sendo adquiridos, entre outros, pela Rede Globo.

Na década de 1980, o conjunto de imóveis que formava uma das vilas operárias que abrigavam os empregados têxteis, e que ainda hoje encontra-se no Horto, se tornou patrimônio tombado do município. Tratava-se da vila operária conhecida como Chácara do Algodão, construída em 1889 para moradia dos operários da Fábrica Carioca, que abrange parte da Rua Estella, Rua Caminhoá (antiga rua D. Laura), Rua Abreu Fialho (antiga rua Henrique), Rua Alberto Ribeiro, Rua Mestre Joviniano (marco do portão de acesso à Cia. de Fiação e Tecelagem Carioca), Rua Pacheco Leão, Rua Fernando Magalhães (rua Dona Emma), e partes da Rua Faro.

A consolidação de um bairro fabril no Jardim Botânico durante o final do século XIX e primeiras décadas do século XX, quando diversos operários e operárias se estabeleceram nas vilas operárias ali edificadas e vivenciaram seus momentos de lazer e trabalho, é parte da história do Rio de Janeiro. Os vestígios materiais e simbólicos dessa história são encontrados ainda hoje no bairro, convertendo-se em um testemunho eloquente das experiências e desafios enfrentados por esses trabalhadores.

Incrustadas em uma das regiões mais valorizadas do Rio, as vilas operárias do Horto evidenciam a marca popular ainda presente na região, –  tanto pela presença de antigos/as operários/as e seus descendentes que ali ainda moram, quanto pela vizinhança da centenária Comunidade do Horto, constituída inicialmente por trabalhadores do Jardim Botânico, e que hoje é palco de lutas contra remoções do bairro que têm passado por um forte processo de gentrificação nas últimas décadas. Em um emaranhado de lembranças e esquecimentos, enraízam-se naquele espaço histórias e memórias que as elites cariocas insistem em negar aos descendentes desses operários ainda nos dias de hoje.

Casas da antiga Vila Operária do Horto no início do século XIX.
Fotografia de Julio Dias.



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Crédito da imagem de capa: Entrada da Fábrica Carioca no início do século XX. Revista da Semana, 4 de março de 1901.


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

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