Chão de Escola #26: Trabalhadores da Fábrica de Ferro São João de Ipanema, por Karina Oliveira Morais dos Santos


Karina Oliveira Morais dos Santos


Apresentação da atividade

Segmento: 2º ou 3º ano do Ensino Médio

Unidade temática: Escravidão e liberdade no Brasil Imperial

Objetivos gerais:

– Compreender a agência dos africanos livres e escravizados que, enquanto sujeitos, incidem em suas próprias condições de vida, respondendo ao contexto em que estão inseridos, articulando-se e agindo sobre ele;

– Desnaturalizar o entendimento de que africanos livres e escravizados foram trazidos ao Brasil apenas enquanto mão de obra para suprir os ditos trabalhos mais “brutos” das lavouras e engenhos, interessando ao Estado também por seus conhecimentos técnicos;

– Compreender a existência de diversas formas de compulsoriedade do trabalho, que se verifica também no universo do trabalho livre assalariado;

– Discutir a construção de narrativas históricas enquanto parte do processo de seleção da memória.

Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC):

(EM13CHS101) Analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão e à crítica de ideias filosóficas e processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.

(EM13CHS401) Identificar e analisar as relações entre sujeitos, grupos e classes sociais diante das transformações técnicas, tecnológicas e informacionais e das novas formas de trabalho ao longo do tempo, em diferentes espaços e contextos.

Duração da atividade: 4 aulas de aproximadamente 50 minutos a 01 hora.

Aulas Planejamento
01Etapa 1
02Etapas 2 e 3
03Etapa 4
04Etapa 5

Conhecimentos prévios:

– História Geral do Brasil (Colônia e Império)

Atividade

Recursos: Impressos; equipamento de retroprojetor

Etapa 1: Sob um mesmo chão de fábrica

Fonte: Instituto Moreira Salles

Apresente a fotografia acima aos alunos, informando o título, data e arquivo onde se encontra (Fábrica de Ferro São João de Ipanema, 1880, Instituto Moreira Salles), explicando tratar-se de uma fábrica de ferro fundada em 1810 no interior paulista (no município de Iperó – SP), a partir de uma Carta Régia, e que encerrou suas atividades em 1895. A Fábrica de Ferro de Ipanema, hoje, faz parte de um conjunto arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN. Processo número: 0727-T-64. Número de inscrição: 376-B; Vol. 1; F. 061; Data: 24 set. 1964), como “remanescentes da arqueologia industrial” brasileira e é parte da Floresta Nacional de Ipanema. 

Com vistas a construir o entendimento inicial sobre o caso, de forma participativa, solicite que os estudantes leiam os documentos 1 e 2 (se for necessário, faça uma leitura coletiva dos mesmos) e responda as questões abaixo.

1. A Fábrica Ipanema foi criada em 1810, por uma Carta Régia, após a chegada da corte portuguesa ao Brasil.  Quais eram as possíveis intenções da Coroa e dos governos locais na edificação de uma fábrica como essa?
2. Quais perfis de trabalhadores acreditam que ali existiam e quais ofícios exerciam?
3. Além dos ofícios citados no Regulamento de 1834, que outros trabalhadores e ofícios poderiam existir em uma fábrica de ferro no início do século XIX?

Na correção da atividade, relacione a criação da fábrica com os alvarás de abertura dos portos e a autorização de manufaturas pela monarquia lusa em 1808, explicando o significado da instalação da corte no Rio de Janeiro para a economia brasileira.

Etapa 2: Os vários trabalhadores e ofícios na Fábrica de Ferros Ipanema

Retome a última pergunta, questionando qual era o tipo de trabalho que existiu no Brasil durante o Império e os tipos de trabalho não descritos no regulamento.  
Solicite que os estudantes façam uma leitura das tabelas abaixo e responda as perguntas que seguem (as tabelas podem ser projetadas ou distribuídas impressas).

Tabela 1: Relação de escravos empregados na Fábrica de Ferro São João de Ipanema (FSJI) – 5 de março de 1825
Fonte: APESP – CO5213, Folder 11
Tabela 2: Relação das pessoas que residiam na Fábrica de Ferro São João de Ipanema (FSJI)em 1827
Fonte: APESP – CO5213, Folder 12
Tabela 3: Africanos libertos pertencentes a Fábrica de Ferro São João de Ipanema (FSJI) desde 1835
Fonte: APESP – CO5215, Folder 12
Tabela 4: Escravos pertencentes a FFSJI desde 1835
Fonte: APESP – CO5215, Folder 12

A Fábrica de Ipanema foi uma das pioneiras apresentava uma composição de trabalhadores particular: europeus e locais assalariados junto a sentenciados, negros livres e escravizados e indígenas, compartilharam os mesmos espaços e, por vezes, até as mesmas funções, em um empreendimento fabril fundado em 1810 e que se encerrou em 1895. Considere as informações nas tabelas, e descreva:

  1. Na tabela 1, quais os tipos de ofícios existiam na fábrica e eram exercidos por trabalhadores escravizados? Como se distribuía esses ofícios em relação ao gênero (homem/mulher)? 
  2. Nas tabelas 2, 3 e 4, qual a situação dos trabalhadores(as) escravizados(as) e libertos(as)? Qual a condição racial usada para descrever os trabalhadores e trabalhadoras na tabela 2?
  3. Quais eram as formas de acesso à liberdade para os trabalhadores escravizados?

Provoque um debate para que se reflita sobre a pluralidade de sujeitos envolvidos no fabrico do ferro: quem eram eles(as), de onde vinham, como chegaram até ali e em quais condições etc. 

Aqui, a intenção não é, necessariamente, chegar a respostas concretas, mas estimular para a reflexão. Evidenciando que são homens, mulheres e crianças de diferentes origens, ofícios, religiões, formas de se comunicar, se relacionar e se organizar e, principalmente, distintos quanto ao estatuto legal e vínculo de trabalho.

Etapa 3

Recupere o debate realizado na última aula e a resposta a análise das tabelas (projetando-as, se possível).

Na sequência, ainda na perspectiva de compreender sobre os sujeitos e ofícios que exerciam, divida a turma em duplas e  distribua, para cada uma,  os dois trechos abaixo.

Trecho 01

Mas são necessários discípulos. Os que tenho indicado não serão a princípio suficientes para encher o grande destino do Ipanema. Os negros, e os índios podem suprir o vazio nos serviços mais grosseiros; mas não é esta uma medida, que satisfaça (…) sente-se vivamente a necessidade de prover no aumento de sua população.

Fonte: Senador Vergueiros, 1822 Apud MORAES, Frederico A. P. Subsídios para a História do Ypanema Lisboa: Imprensa Nacional, 1858, p. 73.

Trecho 02

Constando-me por informação do ex-Diretor, que se acha na cadeia dessa cidade um dos antigos escravos desta fábrica de nome Henrique, que a tempos daqui fugiu, rogo a V. Exa. sua vinda, visto que ele é bom mestre fundidor e de refinos e haver presentemente grande precisão de mestres desta qualidade, e estar eu informado, que a causa da sua fugida não foi outra senão o rigor e talvez crueldade com que era tratado.

Fonte: Ofício de 05 de outubro de 1842, de António Ribeiro Escobar, diretor interino da Fábrica de Ferro São João de Ipanema (FSJI), para José Carlos Pereira de Almeida Torres, Presidente da Província de São PauloARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – Fábrica de Ferro de Ipanema: CO5215, Folder 10.

1. Qual a problemática apresentada pelo Senador Vergueiro e qual era sua proposta de resolução?
2. Como sua proposta de resolução dialoga com as listagens de trabalhadores apresentadas anteriormente?
3. Qual o papel dos negros africanos no âmbito da Fábrica de Ferro Ipanema de acordo com a primeira e a segunda fonte? O que elas dizem em relação as funções exercidas por eles?

Na correção, se evidencia que o trabalhador escravizado era necessário para a fábrica não apenas por sua força física de trabalho, mas pelo conhecimento que acumulava em funções especializadas.

Etapa 4: Trabalhadores livres assalariados

Como constatamos na etapa anterior, a Fábrica de Ferro de Ipanema contava, também, com amplo contingente de trabalhadores livres assalariados, em grande parte europeus que migravam sob contratos firmados a partir de acordos diplomáticos.

Apenas em 1830, com a Lei de Setembro de 1830, é que se legisla sobre o contrato de trabalho no Brasil, regulando o contrato escrito sobre prestação de serviços no Império. A Lei era distribuída em oito artigos e aplicava-se tanto aos trabalhadores brasileiros, quanto aos estrangeiros. Abarcava os casos em que a prestação de serviços era definida por tempo determinado e também as situações em que se dava por empreitada. Nela, define-se regras para o empregador e para o empregado.

Após contextualizar a norma, leia-a coletivamente com os estudantes esclarecendo dúvidas quanto ao vocabulário e contexto (se possível distribua-a em papel ou a projete para todos terem acesso), e, depois, solicite que se responda as questões.

1. Após ler o documento na íntegra, avalie quais são as garantias previstas para o empregado e para o empregador.
2. A qual(quais) categoria(s) de trabalhadores(as) a Lei se aplica e a qual(quais) não se aplicava?
3. Pensemos em um caso hipotético em que um trabalhador estrangeiro “comum” – operário – contratado para servir por cinco anos na Fábrica de Ipanema, como geralmente ocorria, tendo atravessado o oceano, sem conhecer as condições reais de trabalho, moradia, alimentação, saúde, comunicação e infraestrutura, depois de um ano almejasse retornar ao seu país ou buscar outra forma de sobreviver. Como seu soldo estava atrasado há meses, não era possível enviar ajuda à família, que ficou em seu país de origem, uma vez que seu contrato não previa o financiamento da viagem de sua esposa e filhos. Seu empregador não aceita o rompimento do contrato e então este trabalhador resolve abandonar o emprego. O que aconteceria com ele, de acordo com a Lei de 13 de setembro de 1830?

Na correção da atividade, explique que tanto na Fábrica de Ferro de Ipanema como em outros empreendimentos públicos, por vezes a própria viagem do trabalhador livre assalariado que migrava – e também a de sua família, em situações em que havia autorização para tal – seria descontada do ordenado da pessoa contratada. No caso da Fábrica de Ipanema, também se descontava os gastos com enfermaria, quando o(a) trabalhador(a) adoecia. A prática consistia na abertura de uma “conta” para cada pessoa que registrasse sua primeira entrada na enfermaria da fábrica. No caso daqueles legalmente livres, abrir uma conta na enfermaria significava gerar custos que a maioria não teria condições de pagar, inclusive os assalariados com menor remuneração, dado os frequentes atrasos no pagamento do soldo.

Discuta com seus alunos sobre o conceito de compulsoriedade do trabalho, tomando estes exemplos enquanto ponto de partida, estimule para que debatam também sobre a situação dos Africanos Livres que, apesar do estatuto, não possuíam remuneração.

Etapa 5

Recupere os pontos trabalhadores nas aulas anteriores, evidenciando a forma como a Fábrica evidencia a complexidade da economia e das relações de trabalho no século XIX.

E como atividade de fechamento, mantenha a divisão em duplas que trabalharam anteriormente, peça para ler o texto abaixo e criar a biografia de um trabalhador fictício que tenha trabalhado na fábrica. A biografia inventada deve ter coerência com as informações históricas discutidas em aula.

Escreva três a cinco parágrafos, explicitando a origem do trabalhador (data de nascimento e local de nascimento), gênero (homem/mulher), seus vínculos familiares, sua formação, como chegou ao Brasil, onde trabalhava na Fábrica, e seu estatuto livre, escravizado ou liberto.

Peça que os alunos criem uma ilustração para a personagem inventada e faça uma exposição das redações com as imagens numa parede da escola.

Bibliografia e Material de apoio:

BITTENCOURT, Circe M.F. Usos didáticos de documentos; Aprendizagens em História. In: ______Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

KNAUSS, Paulo. Documentos históricos na sala de aula. Primeiros escritos, nº 1, julho – agosto, 1994.

KNAUSS, Paulo. Sobre a norma e o óbvio: a sala de aula como lugar de pesquisa. In: NIKITIUK, Sonia M. Leite (org.). Repensando o ensino de história. São Paulo: Cortez, 2001. p. 26-46.

SANTOS, Karina Oliveira Morais dos. Composição de trabalhadores na Fábrica de Ferro de Ipanema (1822-1842). Rio de Janeiro: UFF, Revista Cantareira, n. 34, 25 jan. 2021.

SANTOS, Karina Oliveira Morais dos. Trabalho, Cotidiano e Conflito na Fábrica de Ferro de Ipanema (1810-1895). Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP): Guarulhos, 2021.

SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.


Créditos da imagem de capa: Fábrica de Ferro São João Ipanema. Arquivo pessoal de Karina Morais.



Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral, Samuel Oliveira, Felipe Ribeiro, João Christovão, Flavia Veras e Leonardo Ângelo.

LEHMT, Samuel Oliveira, Claudiane Torres da Silva e Luciana Wollmann

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