Anderson Pereira Corrêa
Professor da Universidade Federal do Pampa
A União Operária foi fundada em 25 de abril de 1925 no Teatro Rio Branco, Praça XV de Novembro (atualmente Centro Administrativo Integrado Renato Mendes Jacques, na praça Getúlio Vargas). Em 1927, a União adquiriu seu espaço próprio à Rua Vinte de Setembro, 241. O prédio da sede, que existe até hoje, começou a ser construído em 1955. Em seus primeiros anos, a União Operária foi uma entidade pluriclassista, sindical, de mútuo socorro (mutualista) e de assistência. A entidade foi fundada por trabalhadores de variados ofícios, incluindo artesãos (sapateiros, ferreiros, marceneiros), servidores públicos, comerciantes, vendedores de lenha, aguadeiros, lavadeiras e empregadas domésticas. Após a década de 1950, adotou o complemento “Primeiro de Maio”.
Alegrete foi uma das primeiras cidades a desenvolver uma economia urbana no Rio Grande do Sul, na virada do século XIX para o XX. Embora sua base econômica fosse alicerçada na produção primária, principalmente a pecuária, na cidade havia muitas oficinas, manufaturas, algumas indústrias e um comércio bem estruturado. Além disso, possuía uma importante estação da Viação Férrea e, a partir da década de 1920, iniciou um processo de ampliação dos serviços públicos. Esse relativo desenvolvimento econômico atraiu imigrantes, em particular italianos e alemães. Em 1921, o município possuía 30.905 habitantes, dos quais 7,8% eram imigrantes. A proporção de imigrantes na população de todo o Rio Grande do Sul naquele período era de 6,9%.
Assim como em outros lugares do país, desde o final do século XIX, associações operárias de categorias específicas e pluriprofissionais surgiram em Alegrete. A presença de imigrantes na economia urbana e na organização das primeiras associações operárias foi bem significativa. Em 1882, por exemplo, foi fundada na cidade uma associação mutualista italiana. A Mútua Proteção Operária da cidade foi criada em 1897 e registros indicam a existência de uma Associação dos Empregados no Comércio em 1905 e de um Centro Operário em 1915. O Primeiro Congresso Operário do Rio Grande do Sul, realizado em Porto Alegre em 1898, foi presidido pelo marceneiro Eduardo Mallmann, então presidente da Mútua Proteção Operária de Alegrete.
A União Operária organizava conferências, assembleias e participou ativamente dos congressos da FORGS (Federação Operária do Rio Grande do Sul) em 1927 e 1928. Possuía, inclusive, uma escola e realizava atividades de confraternização e protesto no dia 1º de maio. Na União também foram discutidas a implantação das novas regulamentações do trabalho, de assistência, previdência e organização sindical a partir da década de 1930. No entanto, a nova legislação trabalhista, com seu caráter corporativo e de organização dos trabalhadores em categorias profissionais, acabou por enfraquecer o papel de entidades como a União Operária, que reunia várias categorias e prestava socorro através do mutualismo (pecúlio com fins de ajuda mútua em caso de doença). Com as novas leis, seu caráter mutual e sindical foi se esvaziando. A partir da década de 1950, a União Operária foi assumindo cada vez mais características de um clube recreativo, com a realização de bailes e carnavais.
Embora em seus primeiros anos, a presença de imigrantes tenha sido predominante entre seus sócios e dirigentes, a União Operária rapidamente caracterizou-se como um espaço de união de trabalhadores de diversas nacionalidades e etnias. Em particular, os trabalhadores afrodescendentes, rejeitados em outras associações da cidade, assumiram um lugar de destaque na União.
A partir do final da década de 1930 trabalhadores negros passaram a ocupar os cargos na direção, inclusive a presidência da entidade. Tal processo atingiu seu ápice na década de 1970, quando a União Operária Primeiro de Maio passou a ser conhecida como “Clube dos Negros”, por reunir a comunidade afrodescendente do bairro e da cidade como um todo.
Após um período de decadência e inatividade, a União Operária Primeiro de Maio foi reativada por um grupo de ativistas sindicais e culturais com o objetivo de preservar a memória das lutas sociais da cidade e promover discussões políticas e culturais sobre questões relacionadas à classe, gênero e etnias. O prédio-sede da União é atualmente compartilhado com a União das Associações de Bairros de Alegrete (UABA) e encontra-se em condições precárias, necessitando de uma reforma e “restauração” de suas características arquitetônicas. Como um lugar de memória fundamental para a história dos trabalhadores e trabalhadoras de Alegrete, há uma campanha em curso para que seja tombado e reconhecido como Patrimônio Histórico do município.
Para saber mais:
- CORRÊA, Anderson R. Pereira. Movimento operário em Alegrete: a presença de imigrantes e estrangeiros (1897 – 1929). Porto Alegre, dissertação (História-PUCRS), 2010. http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2325
- CORRÊA, Anderson R. Pereira. “A Formação da Classe Operária em Alegrete: a participação de imigrantes (República Velha)”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, v. 01, p. 13-35, 2015. https://seer.ufrgs.br/revistaihgrgs/article/view/60828
- CORRÊA, Anderson R. Pereira. Uma história operário-sindical de Alegrete; a formação da classe operária alegretense. Bagé, RS: Faith, 2018. v. 01. 86p. https://docplayer.com.br/84643036-Uma-historia-operario-sindical-de-alegrete-a-formacao-da-classe-operaria-alegretense.html
- PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz; LUCAS, Maria Elizabeth. Antologia do movimento operário gaúcho (1870-1937). Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS/Tchê!, 1992.
- PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. Que a União Operária seja a Nossa Pátria – História das lutas dos gaúchos para construir suas organizações. Porto Alegre: Ed.Universidade/UFRGS, 2001.
Crédito da imagem de capa: Prédio da União Operária 1º de Maio, de Alegrete, construído em 1955. A casa, em primeiro plano, pertence à família Castilhos, os doadores do terreno pra construção da sede. Foto de Anderson Pereira Corrêa, 2012.
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Lugares de Memória dos Trabalhadores
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
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