LMT#104: Escola de Samba Império Serrano, Rio de Janeiro (RJ) – Alessandra Tavares



Alessandra Tavares
Professora da Educação Básica e Doutora em História pela UFRRJ



Quem acompanha os desfiles das escolas de samba sabe que a força de uma agremiação está no seu chão. A comunidade de cada escola de samba é a raiz, que compõe sua identidade e pertencimento com a região de sua origem. Fundado em 1947, o Grêmio Recreativo Esportivo Escola de Samba Império Serrano, fez sua trajetória no morro da Serrinha, no bairro de Madureira, subúrbio do Rio de Janeiro. O Império Serrano foi composto pelas últimas gerações de ex-escravizados e seus descendentes, que migraram do Vale do Paraíba e, sobretudo, pelos trabalhadores do porto do Rio de Janeiro e suas famílias. As regiões recortadas pela linha férrea, como Madureira, foram opções de moradias baratas para muitos trabalhadores no Rio de Janeiro desde o início do século XX, incluindo muitos estivadores e portuários em geral.           

A fundação do Império Serrano remete à dissidência da escola de Samba Prazer da Serrinha, representante dos moradores do morro nos desfiles de carnaval no início da década de 1930. Um grupo de jovens descontentes com a direção da Prazer da Serrinha, formou uma nova escola. Fundada em 1947, a Império Serrano, com sede na rua da Balaiada 133, foi gestada nas casas das famílias do morro da Serrinha, sob liderança dos trabalhadores portuários que moravam na região. Embora sua sede original tenha desabado devido a um forte temporal, na década de 1960, e hoje esteja localizada em uma das vias centrais do bairro de Madureira, o seu chão e lugar de memória é o morro da Serrinha.


A primeira diretoria da nova escola de samba foi composta com a predominância de operários filiados ao Sindicato do Trabalhadores em Trapiche e Café, também conhecido como Sociedade da Resistência dos Homens Pretos.


A Sociedade de Resistência foi fundada em 1905, sob o “auspício” do Sindicato dos Estivadores do Porto do Rio de Janeiro (1903), que até aquela data aglutinava diferentes modalidades de trabalho na região. Embora o trabalho da estiva seja uma modalidade específica executada dentro das embarcações, entrou no jargão dos trabalhadores portuários do Rio de Janeiro a autoidentificação como estivador ou simplesmente operários do cais do Porto. Uma identidade profundamente alçada na historicidade do trabalho na região e na força mobilizadora de seus sindicatos, que controlavam a oferta da mão de obra e os preços dos serviços, em uma relação conhecida como “closed shop”.  

O ingresso à Sociedade de Resistência se dava pela indicação de um membro ou pela hereditariedade, que era avaliada em reuniões e condicionada a um tempo de experiência no trabalho para a aprovação definitiva. O controle do acesso ao sindicato através de indicações fortaleceu o peso das relações familiares e a predominância de homens negros em seus quadros, como nos casos dos Oliveira, Feliciano e Dias, famílias moradoras do Morro da Serrinha que participaram da fundação do Império Serrano.       

Em 1947, ano de fundação do Império Serrano, a Sociedade da Resistência era um sindicato consolidado e estava em vias de construção de sua sede própria, um imenso prédio na rua do Livramento. Além de espaço de mobilização e organização da categoria, a sede ficaria na memória coletiva dos moradores da região portuária e do morro da Serrinha como um lugar de festas e diversões.

Nessa época o presidente do sindicato era Eloy Anthero Dias, o Mano Eloy, Sambista pioneiro, incentivador da fundação de escolas de samba e morador das redondezas do morro da Serrinha. Frequentador dos jongos e lazeres da região, suas experiências como presidente do sindicato e com o carnaval das escolas de samba foram fundamentais para a construção de uma agremiação com forte inspiração na valorização das redes familiares e no associativismo como forma de desenvolvimento local e na busca de um espaço democrático para os saberes presentes na escola de samba. Até o fim de sua vida, em 1971, Mano Eloy participou ativamente do Império Serrano.

Mesmo tendo iniciado seus desfiles mais de uma década após o início do campeonato oficial de escolas de samba, o “Reizinho de Madureira”, como o Império Serrano é conhecido, entrou na história do carnaval carioca como um dos maiores vencedores dos desfiles, com nove títulos de campeão no Grupo Especial e quatro no Grupo de Acesso. Atribui-se a sua vitória nos quatro primeiros campeonatos (1948, 1949, 1950, 1951) aos recursos advindos das relações com os trabalhadores do porto. Parte do salário dos associados do sindicato eram destinados ao Império Serrano em troca do passe livre dos trabalhadores nas festas promovidas pela escola de samba.

A relação entre o sindicato e o Império Serrano faz parte das memórias cantadas em letras de sambas. Expressões como “resistência”, “luta pela liberdade” e “democracia” são recorrentes nas músicas da escola, como foi o caso do enredo de 2001, “O Rio corre pro mar”, em que Arlindo Cruz e outros compositores do Império homenagearam o porto e os trabalhadores da estiva.

As memórias do morro da Serrinha, do Império Serrano e do próprio carnaval carioca estão permeadas de atravessamentos entre a escola de samba, o sindicato e os trabalhadores e trabalhadoras da região portuária do Rio de Janeiro. São lugares de memória dos lazeres e do trabalho, forjados por pessoas negras no pós-abolição e ao longo de todo o século XX que impactam até os dias de hoje a história da cidade e do país.

Sebastião Oliveira , trabalhador portuário, membro da Sociedade de Resistencia e fundador do Império Serrano.
Fonte :  Arquivo público do Estado de São Paulo



Para saber mais:

  • BARBOSA, Alessandra Tavares de Souza Pessanha.  A Escola de Samba “Tira o Negro do Local da Informalidade”: Agências e associativismos negros a partir da trajetória de Mano Eloy  (1930-1940). Tese (doutorado) UFRRJ: Seropédica, 2018.
  • CRUZ, Maria Cecília Velasco. Tradições Negras na Formação de um Sindicato: Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café.  Rio de Janeiro, 1905-1930. Afro-Ásia, 24 (2000), 243-290.
  • GALVÃO, Olívia Maria Rodrigues. A Sociedade de Resistência ou Companhia dos Pretos: um estudo de caso entre os arrumadores do Porto do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, UFRJ/IFCS. 1994.
  • VALENÇA, Rachel Teixeira. VALENÇA, Suetônio Soares. Serra, Serrinha, Serrano: O Império do samba. Rio de Janeiro: J. Olympio. 2016.
  • Museu Virtual do Império Serrano. Império Serrano Museu Virtual (@imperioserranomuseuvirtual) • Fotos e vídeos do Instagram

Crédito da imagem de capa: Festa do título de 1982, na sede atual. Fonte : Jornal do Brasil, 26 fevereiro de 1982


MAPA INTERATIVO

Navegue pela geolocalização dos Lugares de Memória dos Trabalhadores e leia os outros artigos:


Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Paulo Fontes

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Next Post

Artigo "A Revolução de 1930 e os sindicatos. História e historiografia do trabalho” - Paulo Fontes e Isabelle Pires

seg mar 7 , 2022
Paulo Fontes, professor do IH/UFRJ e coordenador do LEHMT/UFRJ e Isabelle Pires, doutoranda do PPGHIS/UFRJ e pesquisadora do LEHMT/UFRJ, publicaram o artigo “A Revolução de 1930 e os sindicatos. História e historiografia do trabalho” na recém lançada coletânea A Era Vargas (1930-1954) organizada por Marco Aurélio Vannucchi e Luciano Aronne […]

Você Pode Gostar