Lugares de Memória dos Trabalhadores #09: Praça Dom Pedro II, Petrópolis (RJ) – Eduardo de Oliveira



Eduardo de Oliveira
Doutor em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC-FGV



Situada no centro histórico de Petrópolis, a praça Dom Pedro II é um de vários logradouros que representam os fortes vínculos entre a cidade e a monarquia. A praça fica junto à Rua do Imperador, à Rua da Imperatriz e bem próxima ao Museu Imperial. Inicialmente batizada como “Praça do Imperador”, ainda na época do planejamento da cidade (1845), foi também denominada “Praça Pedro de Alcântara” por alguns poucos anos, após o advento da República. Em 1911, o barão do Rio Branco, em meio a uma grande solenidade festiva, inaugurou no local uma estátua do monarca, a primeira de Pedro II em praça pública. No entanto, as constantes alusões à monarquia expressadas na nomenclatura de ruas e praças de Petrópolis não refletem outros papeis exercidos por estes locais. A praça Dom Pedro II foi palco de importantes manifestações proletárias, em particular de trabalhadores têxteis, sem qualquer relação com as tradições imperiais.

Nos anos 1870, iniciou-se um processo de industrialização em Petrópolis, que se tornou um dos maiores pólos fabris do Estado nos primeiros anos do século XX. Os têxteis viriam a constituir o maior contingente de empregados nas fábricas locais, atingindo perto de 5 mil operários nos anos 1930. Graças à sua mobilização, nas primeiras décadas do século XX a praça foi o centro de significativas manifestações.


O primeiro registro de concentração proletária na praça Dom Pedro II ocorreu durante a greve geral de 1917: na noite do dia 6 de agosto, uma multidão de grevistas, sendo a maioria de operários têxteis, reuniu-se pacificamente no local após passeata e foi dispersada pela cavalaria da força policial. No mês seguinte, a seção local da União dos Operários das Fábricas Têxteis (UOFT), criada por iniciativa de anarquistas, organizou um grande comício na praça Dom Pedro II


O operário Pedro Medina, preso em 1918 devido à insurreição anarquista, foi libertado no ano seguinte, assumiu a presidência da UOFT e liderou outra greve geral nas indústrias têxteis ainda naquele ano. “Mais de cinco mil operários enchiam completamente a praça Dom Pedro”, informou um jornal da época. A UOFT promoveria outras mobilizações no local na década de 1920, como, por exemplo, o protesto contra as execuções de Nicola Sacco e Bartolomeu Vanzetti – operários anarquistas italianos condenados à morte  nos EUA em 1927.

Outras duas manifestações, iniciadas na praça Dom Pedro II, também iriam marcar a cidade nos anos 1930. A primeira, em 1934, reuniu milhares de cidadãos que reivindicavam a manutenção no cargo do então prefeito Yêdo Fiúza. A decisão do interventor estadual Ary Parreiras de substitui-lo, provocou a mobilização de distintas categorias e setores sociais. Embora não tenha sido um movimento exclusivamente operário, atingiu grande participação popular graças aos têxteis. Em 31 de dezembro, os manifestantes concentraram-se na praça e saíram em passeata, carregando um caixão para o “enterro simbólico” de Parreiras. Horas depois a multidão se dispersou. Mas alguns manifestantes envolveram-se num enfrentamento contra adversários de Fiúza, provocando um tiroteio na rua do Imperador. O resultado: dois operários mortos.

Seis meses depois, já no contexto do antagonismo entre Ação Integralista Brasileira (AIB)  e Aliança Nacional Libertadora (ANL), houve novas manifestações e conflitos. Já então congregados em um sindicato, os têxteis foram o esteio para a criação do núcleo local da Aliança na sede do próprio sindicato, a 200 metros da praça Dom Pedro II. Tendo organizado comícios com expressiva participação operária, a ANL promoveu, dia 9 de junho de 1935, outra manifestação na praça, reunindo 2.500 pessoas. De lá, a multidão saiu em passeata pela rua do Imperador. Em frente à sede integralista ocorreu um tiroteio, no qual morreu o tecelão Leonardo Candú, da ANL.

Outras manifestações iriam acontecer na praça Dom Pedro nas décadas seguintes, e até no século XXI, seja por sua localização central, seja pela “tradição” iniciada nos anos 1910 pelos têxteis. Com o esvaziamento do parque industrial local, a partir dos anos 1960, eles deixaram de protagonizar grandes protestos no local que, ainda assim, manteve-se como “palco” para manifestações públicas de diversos segmentos. Mesmo refletindo a tradição monárquica de uma cidade criada pelo próprio imperador, a praça Dom Pedro também simboliza, ainda hoje, apesar das omissões na memória oficial, trabalhadores que se reuniam em multidões para protestar ou reivindicar, vivendo (e morrendo) por uma causa.

Tribuna de Petrópolis de 11 de junho de 1935 informando sobre a morte do operário Leonardo Candu, episódio que deu início à greve geral na cidade.
Fonte: Pedro Aiello (blog “Petrópolis Antigamente”).


Para saber mais:

  • MACHADO, Paulo Henrique. Pão, terra e liberdade na Cidade Imperial: a luta antifascista em Petrópolis no ano de 1935. Petrópolis: ed. do autor, 2008.
  • OLIVEIRA, Eduardo. Cidade “verde” ou cidade “vermelha”: AIB e ANL em Petrópolis. Tese apresentada ao PPGHPBC do CPDOC da Fundação Getulio Vargas. Rio, 2018. In: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/24530
  • PINHEIRO, Paulo Sérgio. ”O Proletário Industrial Na Primeira República”. In: Boris Fausto (ORG.). III. O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
  • SILVEIRA FILHO, Oazinguito Ferreira. Petrópolis a outra, um invisível universo operário. Revista do Instituto Histórico de Petrópolis. In: http://ihp.org.br/?p=1038
  • SOUZA, Amélia Maria. Considerações sobre a Historiografia Petropolitana, Petrópolis, Universidade Católica de Petrópolis, 1975.

Crédito da imagem de capa: Uma manifestação tomou conta de Petrópolis no último dia de 1934: a multidão se concentrou na praça Dom Pedro para protestar contra o governo do Estado do Rio de Janeiro. Fonte: Projeto Dami – Museu Imperial de Petrópolis.  


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

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