LMT #124: Estádio da Rua Javari, São Paulo (SP) – Bruno Caccavelli


Bruno Caccavelli
Mestre em História pela Unifesp e professor do ensino básico


A Rua Javari no bairro da Mooca da cidade de São Paulo, situa-se entre a Rua dos Trilhos, nome devido à estrada de ferro Santos-Jundiaí, e a Rua da Mooca, por muito tempo principal via do bairro. Foi na rua Javari que, em 1897, foi estabelecida a fábrica têxtil Regoli & Crespi (depois Cotonifício Crespi) que funcionou até 1963. Na mesma rua havia uma cocheira, além de casas de operários. É nessa mesma rua que se encontra o Estádio Conde Rodolfo Crespi, do Clube Atlético Juventus, popularmente conhecido como Estádio da Rua Javari.

A Mooca foi palco de diversas mobilizações sociais no início do século XX. Sua formação em fins do século XIX foi marcada pela grande concentração de fábricas e residências operárias. A maioria dos operários e operárias era composta de imigrantes italianos, mas também havia espanhóis, alemães, russos, poloneses, lituanos e húngaros, além de um significativo contingente de trabalhadores nacionais, em sua maioria negros. Assim era um espaço de grande multiplicidade cultural e identitária.

Os ofícios iam desde os mais especializados como ferreiros e carpinteiros até os trabalhadores em fábricas como Calçados Clark, Laticínios União, Cia. Antártica Paulista e Serraria Matarazzo. Contudo eram predominantes os estabelecimentos têxteis como a Penteado, a Labor e o Cotonifício Crespi.

Os trabalhadores criavam e encontravam muitas possibilidades de sociabilidade, organização e diversão como clubes recreativos, sociedades e uniões mutualistas, beneficentes, sindicais e políticas, bandas musicais, círculos e centros de estudos. Associações esportivas marcaram presença no bairro desde cedo. O Germânia, por exemplo, foi fundado em 1889 por uma elite econômica da comunidade alemã local. Os clubes formados por trabalhadores não demoraram a aparecer: Athlético Mooca, Mocidade da Mooca, Flor da Mooca, União Mooca, Regoli, Crespi & Cia (em 1909 se tornou Crespi FC) entre outros.

Aos domingos as várzeas do rio Tamanduateí e do Carmo eram espaços de recreação das famílias operárias e o futebol era uma das práticas mais populares. Essa diversão foi levada para as ruas e pátios de fábricas e com o tempo foi ganhando maior organização, dividindo-se times por seções ou adotando as regras inglesas. Era comum que trabalhadores recorressem à direção das fábricas para a compra de uniformes e outros custos. Os empresários por sua vez aproveitavam a publicidade dos jogos e passaram a incentivar o esporte como forma de ampliar o controle e as relações paternalistas, participando ou indicando funcionários de altos cargos para funções de destaque na diretoria do clube.

Os clubes de trabalhadores das empresas de propriedade da família Crespi – Extra São Paulo e Cavalheiro Crespi – se uniram em 1924, dando origem ao Cotonifício Rodolfo Crespi Futebol Clube (CRC FC). As cores eram preto, branco e vermelho e a sede social ficava na Rua dos Trilhos. Em 1930 o time passou a se chamar Clube Atlético Juventus em homenagem ao clube italiano de Turim. Inicialmente o uniforme teria as mesmas cores do time homônimo, mas por sugestão do próprio Crespi as cores passaram a ser grená e branco inspiradas no outro clube da cidade italiana, o Torino FC. O nome e o uniforme revelavam as conexões e os laços identitários italianos na fundação do clube.

Em 1930 o Juventus enfrentou o Corinthians no Parque São Jorge e surpreendeu ao vencer por 2 a 1 ganhando a alcunha de Moleque Travesso. Conforme o profissionalismo no futebol se intensificou, o clube se retirou das competições oficiais e passou a disputar o Campeonato Paulista Amador sob o nome de CA Fiorentino conquistando o título de campeão em 1934 batendo a Ponte Preta na rua Javari. Em 1935, o Juventus voltou ao Campeonato Profissional, renovando e profissionalizando a equipe.

O terreno onde funcionava a cocheira na Rua Javari foi doado para o CRC FC por Rodolfo Crespi e transformado em um campo de futebol em 1925. O espaço rapidamente passou a ser utilizado por diversos clubes da região e, principalmente, pelo Juventus. Em 1941, ganhou arquibancadas e foi reinaugurado com o nome de Estádio Conde Rodolfo Crespi, ganhando um aspecto mais parecido com o que é nos dias de hoje. Em agosto de 1959, diante de mais de dez mil espectadores, o jovem Pelé marcou aquele que muitos consideram ser o gol mais bonito de sua carreira e que lhe rendeu uma estátua no estádio juventino.


Durante a famosa Greve dos 300 Mil em 1953 o estádio se tornou um importante marco para as mobilizações dos trabalhadores. Os grevistas concentraram no local o comitê da greve. Também havia ali uma cozinha comunitária auxiliada por comerciantes e moradores.


A família Crespi se afastou nos anos 1950 deixando o clube em má situação financeira. O time contou com uma mobilização popular de moradores da Mooca para sobreviver e chegou a realizar turnês pelo exterior. Em 1967 o Juventus comprou o estádio dos Crespi, mas a posse definitiva veio apenas em 1976. No início dos anos 1980, o Juventus viveu ótima fase desportiva. Em 1983 venceu a então Taça de Prata, equivalente à segunda divisão do campeonato brasileiro.

Atualmente existem discussões sobre a arenização do estádio e sobre a criação do Juventus Sociedade Anônima de Futebol, o que tornaria o clube uma empresa. Em contrapartida parte da torcida busca afirmar uma tradição operária. É comum ver nos jogos da Javari, faixas e alusões à grande greve de 1917, ao mesmo tempo que os torcedores entoam gritos de “ódio eterno ao futebol moderno”, em uma referência não apenas ao fim dos passatempos amadores e aos problemas trazidos pela hipermercantilização, mas também aos ataques ao “espírito” comunitário representado pelo time e à “verdadeira” paixão pelo futebol.

Torcida do Juventus da Mooca no setor 2 do Estádio da Rua Javari. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UQmarBzvh8E


Para saber mais:

  • VAZ, Alexandre Fernandez. Juventus, da Mooca (e um pouco de Corinthians). Ludopédio, São Paulo, v. 152, n. 29, 2022.  https://ludopedio.org.br/arquibancada/juventus-da-mooca-e-um-pouco-de-corinthians/ Acesso em 12/06/2022.
  • HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; FAVERO, Raphael Piva Favalli. Cronologia das torcidas organizadas (X): CAJU – Clube Atlético Juventus. Ludopédio, São Paulo, v. 107, n. 30, 2018. https://ludopedio.org.br/arquibancada/juventus/ Acesso em 12/06/2022.
  • LOPES FTP, HOLLANDA BBB de. “Ódio eterno ao futebol moderno”: poder, dominação e resistência nas arquibancadas dos estádios da cidade de São Paulo. Tempo [Internet]. 2018. Disponível em : https://doi.org/10.1590/TEM-1980-542X2018v240202
  • CACCAVELLI, Bruno. Lazer e sociabilidade de trabalhadores do bairro paulistano da Mooca, 1900-1920. Dissertação de Mestrado em História, EFLCH-Unifesp, 2015.
  • HOLLANDA, Bernardo Buarque de; FONTES, Paulo (orgs.). Futebol & mundos do trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2021.

Crédito da imagem de capa: Estádio da rua Javari,  década de 30. Disponível em: https://www.juventus.com.br/clube/historia/1924-a-1961/


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