Lugares de Memória dos Trabalhadores #17: Monumento ao Trabalhador, Goiânia (GO) – Nélio Borges Peres



Nélio Borges Peres
Professor da Universidade Estadual de Goiás



O “passado foi duro, mas deixou o seu legado” para os que se fazem de “pedra de segurança dos valores que vão desmoronando”, dizem os versos de Cora Coralina aos nascidos em tempos rudes e que aprendem a aceitar “contradições, lutas e pedras como lições de vida”. Instalado na Praça dos Trabalhadores (antiga Praça Americano do Brasil) em 1959, diante da Estação Ferroviária de Goiânia (que funcionou entre as décadas de 1950 a 1980), o Monumento ao Trabalhador representou o crescimento das lutas trabalhistas e das ideias de justiça social que entusiasmavam vastos setores da população e repercutiam no mundo político.

O Monumento foi uma reivindicação de vários sindicatos de Goiás. Pedro Ribeiro dos Santos, então presidente da Federação dos Trabalhadores na Indústria no Estado de Goiás (FTIEG), foi um dos mais entusiasmados defensores da proposta. Ele argumentava que a obra deveria retratar tanto a importância do trabalhador na construção de Goiânia e na produção de riquezas em todo o mundo, quanto a força e relevância das lutas sindicais e dos rituais da classe, como as celebrações do Primeiro de Maio. No final dos anos 1950, José Feliciano, governador de Goiás pelo PSD e o prefeito de Goiânia, Jaime Câmara do mesmo partido, atenderam as reivindicações dos sindicalistas e aprovaram a construção do Monumento.

A execução da obra contou com os trabalhos do engenheiro Farid Helou, do arquiteto Elder Rocha Lima, e do artista plástico Clóvis Graciano, autor dos mosaicos intitulados “O mundo do trabalho” e “As lutas dos trabalhadores”. Graciano foi um artista figurativo (não abstracionista) conhecido por seus murais com temas sociais. No Monumento ao Trabalhador, projetou desenhos com pastilhas de cerâmica com imagens históricas que evocavam cenas do trabalho mecanizado e de lutas sociais como a dos chamados mártires de Chicago.


O Monumento causou grande controvérsia e resistência dos setores conservadores locais. De qualquer forma, no contexto anterior ao golpe de 1964, os trabalhadores já haviam tomado a praça para si e a transformado em um lugar de manifestações populares e comemorações do Primeiro de Maio.


Em 1969, no auge da ditadura militar, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) atacou o Monumento ao Trabalhador. A finalidade do grupo era a destruição da obra. Ao derramar piche fervido nas duas superfícies, os desenhos desapareceram da vista. Parcialmente destruído, o Monumento foi “esquecido” num contexto de repressão e silenciamento, particularmente em relação às lutas e memória dos trabalhadores. O descaso e animosidade dos gestores públicos locais em relação ao Monumento ficaram ainda mais evidentes em 1973, quando foi feita uma raspagem das pastilhas deterioradas sem plano de recuperação da obra.

Abandonado na Praça do Trabalhador até a redemocratização do país, a obra caía aos pedaços quando, na gestão do prefeito Joaquim Roriz (PMDB, de 1987 a 1988), os cavaletes de concreto foram retirados, sob alegação de que a Avenida Goiás seria prolongada para o norte da cidade e atravessaria a Praça dos Trabalhadores. No entanto, a extensão da avenida acabou seguindo trajeto diferente e a praça continuou sendo usada pelos trabalhadores para atos cívicos e manifestações populares, embora o Monumento e seu simbolismo continuassem relativamente esquecidos.

Ao longo dos anos 1990, porém, algumas tentativas frustradas de recuperação do monumento demonstram que sua memória permanecia viva entre alguns setores da sociedade goianiense. Em 2003, na gestão do prefeito Pedro Wilson (PT, de 2001 a 2004), agentes políticos e culturais vinculados a movimentos sociais de esquerda voltaram a reivindicar o Monumento como referência histórica e simbólica da política goiana. Um Grupo de Trabalho foi criado para fazer estudos que concluíram que o a obra era um “objeto-testemunho” que expressava a solidariedade entre os trabalhadores. Infelizmente, no entanto, a recuperação do Monumento nunca foi colocada em prática.

A Praça dos Trabalhadores foi reformada em 2019, mas sem o símbolo da presença dos trabalhadores na cidade, embora ainda seja um espaço de manifestações populares. Para quem admira o passado enquanto é empurrado para o futuro, o Monumento ao Trabalhador em Goiânia pode refletir a “destruição” da memória representativa da vida do trabalhador moderno. Para seres miméticos, como nós, que aprendemos a imitar modelos dominantes de representação, esquecer o trabalho, a corporeidade e a psique pode representar a morte. Contínua e contraditória, a história do Monumento ao Trabalhador passa pelo processo de esquecimento entre os jovens que cresceram e crescem sem referências culturais alternativas ao que é dado como memória dos vencedores, proclamados heróis.

Legenda: Reprodução de detalhes dos mosaicos do Monumento ao Trabalhador, de autoria do artista plástico Clóvis Graciano.



Para saber mais:

  • ARRAIS, Cristiano Alencar. “As imagens da cidade e a memória do conflito”. In. SANDES, Noé Freire. Memória e Região. Brasília: Ministério da Integração Nacional, Goiânia: UFG, 2002.
  • BERNARDES, Genilda d’Arc. O cotidiano dos trabalhadores da construção de Goiânia: o mundo do trabalho e extratrabalho. Revista UFG, vol. 11, n. 6, 2009.
  • BORGES, Pedro Célio. Mudanças urbanas e fragilidades da política de memória (a destruição do Monumento ao Trabalhador). Sociedade e Estado, vol. 32, n. 2, Brasília, 2017.
  • CHAUL, Nars Fayad. Caminhos de Goiás: da construção de Goiânia aos limites da modernidade. Goiânia: UFG, 1997.
  • MACHADO, Roniery Rodrigues. “Monumento ao Trabalhador” em Goiânia: uma história de luta. A Nova Democracia. Ano XVI, n. 193, 2017. Disponível em https://anovademocracia.com.br/no-193/7234-monumento-ao-trabalhador-de-goiania-uma-historia-de-luta.

Crédito da imagem de capa: Manifestação de Primeiro de Maio diante do Monumento ao Trabalhador, 1961. Relatório: Monumento ao Trabalhador – estudos para reconstrução. Prefeitura de Goiânia: Grupo de Trabalho, 2003.


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

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