Lugares de Memória dos Trabalhadores #52: Estádio do Pacaembu, São Paulo (SP) – Plínio Labriola Negreiros



Plínio Labriola Negreiros
Doutor em História em História Social pela PUC-SP



Entre fins dos anos 1910 e o início da década seguinte, a cidade de São Paulo desenhou a sua definitiva ligação com as práticas físicas e com os esportes. O aumento vertiginoso da população associado à produção industrial, trazia novos necessidades à capital paulista. Os estádios esportivos não comportavam mais as multidões apaixonadas, em essência, pelo futebol. Não era possível acomodar mais do que 30 mil torcedores. E, em condições, bem precárias.

Nesse contexto, a ideia de construção de um grande estádio em São Paulo ganhava corpo, especialmente com a doação, por parte da Cia. City, uma grande empresa urbanizadora, de um terreno no vale do Pacaembu. Concebido como um grande complexo esportivo, o estádio teve projeto arquitetônico do escritório Ramos de Azevedo, sendo considerado um exemplo do estilo art déco. A simetria e monumentalidade remetiam às edificações fascistas do período. A construção teve início em 1936 e foi concluída em 1940, na conjuntura política do Estado Novo.

O estádio fazia parte de uma estratégia mais ampla, que visava incorporar os trabalhadores urbanos às atividades físicas e artísticas, devidamente “organizadas e dirigidas”. Além disso, deveria abrir espaço para as grandes manifestações políticas, com “sentido cívico”. As atividades físicas seriam parte da construção do “novo brasileiro” que precisaria ser forte para defender a nação, mas também para compreender porque era necessário defender o Brasil. Atividades físicas e práticas cívicas eram assim articuladas na lógica do nacionalismo do Estado Novo.

Já na inauguração do Pacaembu, no dia 27 de abril de 1940, foi organizado um grande espetáculo político, com a presença de todas as esferas de poder, inclusive do Presidente Getúlio Vargas. Não demorou muito tempo, porém, para que o estádio do Pacaembu se tornasse principalmente um templo do futebol. A paixão dos torcedores de São Paulo, em grande parte trabalhadores, subverteu, mas não anulou, os projetos de monumentalidade cívica do novo estádio.

Em maio de 1944, o estádio do Pacaembu recebeu as comemorações do Dia do Trabalhador. Foi a primeira vez que os trabalhadores paulistas receberam a presença de Vargas para esse evento, já frequente no Rio de Janeiro, em particular no Estádio de São Januário. Em plena Segunda Guerra Mundial, o ditador pretendia passar uma imagem de unidade nacional, paz social e apoio popular a seu governo. Submetidos aos decretos do esforço de guerra, trabalhadores e trabalhadoras ouviram o presidente exaltar seu “esforço patriótico” e exaltar uma suposta ausência de greves e perturbações. Vargas também anunciou estarem adiantados os estudos para uma lei definidora dos direitos dos trabalhadores rurais. Desde o início do Estado Novo, Getúlio Vargas usava as celebrações de Primeiro de Maio para fazer anúncios de novos direitos.

No ano seguinte, 1945, com o fim da Guerra e uma entusiasmada conjuntura de redemocratização do país, o Pacaembu voltaria a ser palco de manifestações políticas dos trabalhadores de São Paulo. Em 15 de julho, uma multidão recebia o líder comunista, Luís Carlos Prestes, recém-libertado, após 9 anos de prisão. O Partido Comunista do Brasil (PCB), legalizado há poucos meses, mostrava sua força em São Paulo, com um impressionante comício que contou com a presença de emergentes lideranças operárias, intelectuais e políticas, como Jorge Amado, Caio Prado Jr. e Carlos Marighella. O renomado poeta chileno Pablo Neruda leu um poema em homenagem ao partido, logo antes do aclamado discurso final de Prestes.


Meses depois, os comunistas dariam nova demonstração de apoio político e social. Em 13 de outubro, Corinthians e Palmeiras realizavam, em um Pacaembu lotado, uma partida beneficente com o intuito de arrecadar recursos para o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), articulação de sindicatos ligada ao PCB.


Nas décadas seguintes, a vocação política do Pacaembu ficaria relativamente adormecida. Ainda assim, o estádio foi um dos principais palcos das celebrações do IV Centenário de São Paulo em 1954 e voltaria a ser amplamente utilizado para manifestações cívicas durante a ditadura militar de 1964. De qualquer forma, continuaria a ser um dos principais espaços de lazer dos trabalhadores paulistanos. Durante a redemocratização manifestações políticas voltariam fortes às portas do Pacaembu. Em 27 de novembro de 1983, na praça Charles Miller, em frente ao estádio, um ato público, convocado por partidos de oposição, como PT, PMDB, PDT, além dos, à época clandestinos, PCB e PCdoB, exigia eleições diretas para a escolha do novo presidente do Brasil e reuniu cerca de 15 mil participantes. Era o pontapé inicial para o Movimento Diretas Já, que, no ano seguinte, mobilizaria milhões de brasileiros em todo o país.

Mais recentemente, a histórica relação dos trabalhadores com o Pacaembu voltou a ser lembrada. Em abril de 2010, as centrais sindicais CUT, Força Sindical, CTB, Nova Central e CGTB, reuniram, no estádio, cerca de 22 mil sindicalistas e ativistas e aprovaram o documento “Agenda da Classe Trabalhadora”, uma pauta de propostas que foi entregue aos candidatos à presidência da República naquele ano.            

O estádio municipal do Pacaembu possui um lugar especial na memória afetiva dos paulistanos. Cenário de grandes eventos esportivos, artísticos e políticos, sede, desde de 2008, do popular Museu do Futebol, é também um fundamental lugar de memória dos trabalhadores e trabalhadoras de São Paulo e do país.

Comício São Paulo a Luis Carlos Prestes no Estádio do Pacaembu, 15 de julho de 1945.
Acervo Memorial da Resistência, São Paulo.



Para saber mais:


Crédito da imagem de capa: Ato público em 27 de novembro de 1983, na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu exigindo eleições diretas para presidente. Acervo da Fundação Perseu Abramo.


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

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