Chamada para o Dossiê da Revista História Hoje


Nós do Chão de Escola do Lehmt/UFRJ convidamos a comunidade acadêmica para colaborar com o dossiê A História Social do Trabalho e o ensino de História: temas, debates e perspectivas que propõe construir pontes entre a renovação da História Social do Trabalho e a sua relação com as diferentes práticas de ensino em História na educação básica.

Mais informações: rhhj.anpuh.org

Livros de Classe #35: O ABC dos Operários, de John French, por Helio da Costa

Neste episódio de Livros de Classe, Hélio da Costa, coordenador do Departamento de Formação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, apresenta o livro “O ABC dos Operários: conflitos e alianças de classe em São Paulo (1900-1950)”, do historiador estadunidense John French. O livro, publicado em 1995, trata da organização dos trabalhadores no ABC paulista e os aponta como peças fundamentais no sistema político populista, expressando os ganhos dessa lógica para a classe trabalhadora.

Livros de Classe

Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.

A seção Livros de Classe é coordenada por Ana Clara Tavares.

PROCESSO SELETIVO PARA BOLSAS DE EXTENSÃO


Prezados estudantes, é com grande satisfação que o Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT-UFRJ) está oferecendo duas bolsas de extensão para alunos de graduação da UFRJ. As bolsas são destinadas a estudantes que estejam regularmente matriculados nos cursos de Artes Visuais, Comunicação Social, Comunicação Visual Design, Ciências da Computação ou Ciências Matemáticas e da Terra que tenham interesse em desenvolver atividades de extensão universitária relacionadas às mídias sociais e site do LEHMT-UFRJ.

Requisitos:

  • Estar regularmente matriculado em um curso de graduação em um dos seguintes cursos: Artes Visuais, Comunicação Social, Comunicação Visual Design, Ciências da Computação ou Ciências Matemáticas e da Terra;
  • Ter pelo menos três semestres acadêmicos completos no momento da inscrição;
  • Ter disponibilidade de horário para participar das atividades estabelecidas no projeto;
  • Ter bom desempenho acadêmico;
  • Não acumular bolsas de outras instituições;
  • Demonstrar interesse e motivação para participar ativamente de projetos relacionados à História e divulgação científica.
  • Amplo domínio das redes sociais 
  • Se inteirar e familiarizar com o site: https://lehmt.org/

Atividades:

Edição de vídeos e áudios; produção de materiais e artes de divulgação; elaboração de conteúdo visual para as redes sociais e site (WordPress); movimentação das redes sociais.

Inscrições:

As inscrições serão realizadas de 17 de agosto de 2023 a 28 de agosto de 2023 por meio do envio dos documentos anexos para o e-mail: lehmtufrj.ic@gmail.com

Documentos anexos necessários:

  • Cópia do histórico escolar;
  • Cópia da carteira de identidade;
  • Cópia do CPF;
  • Carta de motivação explicando por que deseja participar do projeto de extensão do LEHMT-UFRJ e como pretende contribuir para os objetivos e atividades em questão;
  •  Portfólio; 
  • Currículo Lattes (se houver). 

Avaliação:

A seleção será realizada por uma comissão composta por representantes do LEHMT-UFRJ. A comissão avaliará os candidatos com base nos seguintes critérios:

  • Desempenho acadêmico;
  • Interesse em desenvolver atividades de extensão universitária propostas;
  • Disponibilidade de horário;
  • Habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal;
  • Competências técnicas relacionadas ao projeto.

A seleção será dividida em duas fases: (i) análise de documentos e currículo e (ii) realização de entrevistas com os/as estudantes selecionados/as.

Bolsa:

O valor da bolsa é de R$700,00 mensais, cada.

Resultado:

O resultado do processo seletivo será divulgado no dia 4º de setembro de 2023 via e-mail dos candidatos/as inscritos/as. 


Para mais informações, entre em contato com o e-mail: lehmtufrj.ic@gmail.com

Chão de Escola #33: Constituição de 1988 e o direito à terra


Flavia Veras (Doutora em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC)


Apresentação da atividade

Segmento: Ensino Médio

Unidade temática: Povos indígenas e suas lutas no Brasil

Objetivos gerais:

– Refletir sobre a questão da terra no Brasil a partir do conflito entre o agronegócio (PL 490) e as populações originárias;

– Problematizar as noções de “progresso” e “atraso” que marcaram a “modernização brasileira”;

– Analisar a Constituição de 1988 e as ações dos povos indígenas em sua elaboração e execução.

Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC):

(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais da emergência de matrizes conceituais hegemônicas (etnocentrismo, evolução, modernidade etc.), comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.

Duração da atividade: 3 aulas de 50 minutos

Aulas Planejamento
1Etapa 1
2Etapa 2
3Etapa 3

Conhecimentos prévios:

Redemocratização e a Nova República

Ditadura Civil Militar Brasileira (1964 – 1985)


Atividade

Professores/as, a atividade propõe a reflexão sobre a questão da terra no Brasil, notadamente a terra indígena no pós 1988. Os direitos dos povos originários conquistados na Constituição Cidadã de 1988 e os conflitos resultantes do descumprimento ou má interpretação desses direitos são articulados nessa atividade como de uma análise thompsoniana sobre o processo de mercadorização da terra e destruição dos modos de vida não capitalistas.

Essa sequência didática faz parte das ações em vista de comemorar os 60 anos do livro A formação da Classe Operária Inglesa, de E. P. Thompson. Apesar de muito distante das questões agrárias brasileiras, como também dos povos indígenas, Thompson nos deixou poderosas ferramentas de análise mostrando que ele estava bastante certo sobre:

“Podemos descobrir, em algumas causas perdidas da Revolução Industrial, percepções de males sociais que ainda estão por curar. Além disso, a maior parte do mundo ainda passa por problemas de industrialização e formação de instituições democráticas, sob muitos aspectos semelhantes à nossa própria experiência durante a Revolução Industrial. Causas que foram perdidas na Inglaterra poderiam ser ganhas na Ásia ou na África.” (THOMPSON: 2004, 13)

Essa atividade está dividida em 3 (três etapas) prevendo debates e exercícios. Para iniciarmos, o professor/a deve dividir a sala em grupos de no máximo 4 (quatro) alunos e os grupos devem permanecer os mesmos nessas 3 aulas. No final das 3 aulas as atividades deverão ser entregues ao professor – uma por cada grupo. Dessa forma eles terão tempo para debater, pesquisar e sistematizar seus conhecimentos.

Recursos: datashow, caixa de som, exposição oral, impressões, fontes históricas, internet disponível para alunos, celulares ou tablets de uso pessoal disponível para alunos.

Etapa 1: O povo Xokleng e a luta contra o marco temporal

Professor/a, comece a aula mostrando o Vídeo 1 e explicando o contexto político de sua produção, tal como falando um pouco da história dos Xokleng:

Assista o mini documentário Conheça a luta do povo Xokleng com a Retomada em São Francisco de Paula (RS) #MarcoTemporalNÃO.

Vídeo 1 – Conheça a luta do povo Xokleng com a Retomada em São Francisco de Paula (RS) #MarcoTemporalNÃO

A Colonização do Vale do Itajaí (SC) começou no século XIX e marcou perdas progressivas de terras indígenas. Historicamente a etnia Xokleng ocupava uma extensão de terra que ia de Porto Alegre até Curitiba. Após a colonização, no início dos anos 1900, já com a população diminuída, foi feito um acordo que dizia que indígenas poderiam ficar com um território de 37 mil hectares. Contudo, o estado de Santa Catarina e o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) retiraram mais de 20 mil hectares dessa área. Os indígenas Xokleng ficaram em uma área de 14 mil hectares, que é de Mata Atlântica, toda ela preservada. Essa área foi deixada para eles porque não tinha interesse para agricultura. A construção de uma barragem para contenção de cheias dentro do território indígena prejudicou a qualidade de vida dessa população, causando inundações em aldeias e em regiões que eram utilizadas para fazer agricultura. A luta dos índios Xokleng pela demarcação do território em que vivem chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O processo terá força de repercussão geral. Isso significa que vai afetar todas as decisões sobre demarcações de terras indígenas no país. Os Xokleng defendem a tese do indigenato, que é o direito mais antigo e tem sua base na Carta Régia de 1680, que definiu que os povos indígenas são primeiros habitantes dessas terras, e esse direito sobre a terra dos índios deve ser respeitado. As lutas indígenas na contemporaneidade levaram a que grupos indígenas se unissem em torno de conceitos como cosmopolítica da paz provisória e solidariedade diplomática. O que os leva a entender que seria necessária uma articulação dos povos indígenas para atuar em conjunto e em diálogo às leis criadas pelos brancos e assim garantir seus modos de vida e suas terras.

Após o vídeo e a exposição oral abra um breve debate entre eles e resolvam a atividade proposta. Em seguida, resolvida a atividade 1 faça uma breve apresentação sobre o PL 490:

A tese do “marco temporal” prevê que os indígenas só poderiam reivindicar terras já ocupadas no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição de 1988. Ela surgiu em 2009 e desde então, chegou a ser rejeitada algumas vezes como em 2018, em julgamento do STF sobre quilombolas. O PL 490 defende a tese do marco temporal, que flexibiliza a possibilidade de contato com indígenas isolados e impede terras indígenas já demarcadas de serem aumentadas. Com discussões paradas desde 2022, em maio de 2023 ela volta a ser discutida tendo como protagonistas do debate setores ligados ao agronegócio e defensores das causas indígenas. Após isso vejam o vídeo 2 e debatam a tarefa 2.

Assista o o debate sobre o marco temporal em demarcações na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural:

Vídeo 2 – Terras indígenas: comissão debate marco temporal em demarcações – 08/05/23

As noções de direito presentes em Senhores e Caçadores de E. P. Thompson nos mostram que através de leis o Estado pode se tornar protetor da propriedade e dos proprietários, que refugiados na legislação violam as garantias de vida da população não inseridas ou não adaptadas a formas capitalistas de produção e propriedade.

Tarefa 1: Pesquise e debata em grupo:

1 – Quem eram os “bugreiros” e por que eles recebiam esse nome?
2 – Qual era o interesse dos bugreiros ao atacar os Xokleng com tamanha violência?

Tarefa 2: Leia o texto a seguir e responda o que se pede:

O Estado britânico, concordavam todos os legisladores do século 18, existia para preservar a propriedade e, incidentalmente, as vidas e liberdades dos proprietários. Mas existem várias maneiras de se defender a propriedade, e em 1700 ela ainda não estava cercada de leis capitais por todos os lados. Ainda não era corriqueiro que, a cada sessão, o legislativo atribuísse a pena de morte a novos delitos.Podem-se notar presságios desse desenvolvimento já a partir do final do século XVII. Mas talvez nenhum acontecimento tenha contribuído tanto para acostumar a mentalidade das pessoas a esse método de Estado do que (…) veio a ser conhecida como “A Lei Negra de Waltham” ou simplesmente “A Lei Negra”. (…) Em nenhuma etapa de sua aprovação parece ter ocorrido qualquer debate ou divergência séria; uma câmara capaz de discutir durante horas sobre uma eleição contestada conseguia unanimidade para criar, de uma vez só, cinquenta novos delitos capitais.

A primeira categoria de infratores dentro da Lei correspondente a pessoas “armadas com espadas, armas de fogo ou outras armas de ataque, e com seu ou seus rostos pintados de preto” que aparecem em qualquer floresta, reserva de caça, parque ou cercamento “onde qualquer cervo seja ou venha a ser geralmente mantido”, ou em qualquer coelheira, estrada, charneca, terra comunal, colina ou pastagem…

THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1997. p. 21 -22.

1 – Como podemos comparar o vídeo e o texto apresentado?

Etapa 2: O progresso e as visões do atraso

Professor/a, apresente aos alunos um pouco do entendimento histórico sobre as comunidades indígenas no Brasil:

Historicamente o discurso nacional sobre as populações indígenas não levou em consideração a cosmologia desses variados povos para criação das políticas de desenvolvimento e integração. Pelo contrário, os povos indígenas, tal como quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades foram entendidas como sintomas do atraso. Para traçar um breve histórico do período republicano podemos começar na primeira década século XX, quando a política indigenista foi conduzida por uma agência estatal especifica: o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), num primeiro momento chamado de Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN). O Código Civil de 1916 instituiu a posição da incapacidade relativa dos indígenas – juntamente aos maiores de 16 anos e menores de 21, as mulheres casadas e aos pródigos. O Decreto no 5.484 de 1928, texto deu entrada na Câmara em 1912, formalizou essa incapacidade relativa, transferindo a tutela do indígena direto para o Estado e regularizando esse estado de tutela. Em 1967, após denúncias as diretrizes e a gestão do SPI foram substituídos pela Fundação Nacional do Índio (Funai). É possível traçar uma linha de continuidade do seu projeto não apenas até́ a ditadura civil-militar, mas até́ pelo menos a promulgação da Constituição de 1988. Esse projeto é marcado pelas premissas da incapacidade relativa dos indígenas e da tutela.​ As teses do Desenvolvimento/segurança nacional foram o eixo programático do governo militar, dentro da perspectiva da Doutrina de Segurança Nacional. Nesse contexto histórico de pensar os povos originários como incapazes e suas formas de vida como um atraso a ser superado temos as pautas lançadas por empresas e fundações estatais: a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o Grupo Executivo da Bacia Amazônica (Gebam) e o Grupo Executivo das Terras do Araguaia e Tocantins (Getat).

Professor/a, feito esse mapeamento e uma breve revisão reflita com seus alunos sobre as imagens a seguir e deixe-os que em grupo debatendo, pesquisando e realizando a tarefa 3.

Tarefa 3: Observe e analise as imagens publicadas durante o regime militar brasileiro (1964 -1985):

Imagens disponíveis em: https://www.quatrocincoum.com.br/br/galerias/a-ofensiva-da-ditadura-militar-contra-a-amazonia último acesso em 21/05/2023 às 14h.

Edição especial da revista Manchete lançada em outubro de 1970 com 12 páginas coloridas dedicadas à “conquista” da floresta viabilizada pela abertura da rodovia Transamazônica.
Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
Anúncio da Netumar avisando que a Amazônia da “selva impenetrável” já era: “E como isto nos orgulha”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
A ditadura militar se propunha a acabar com o “Inferno Verde”, imagem que dava título ao livro de contos do engenheiro Alberto Rangel, com prefácio de Euclides da Cunha. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
Em novembro de 1972 a Sudam publicou a revista “Isto É Amazônia”, que apresentava a região como um “pote de ouro” à espera dos felizardos: “Há um tesouro à sua espera. Aproveite. Fature. Enriqueça junto com o Brasil”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
Em janeiro de 1982, a revista Veja estampou a capa “Rondônia, uma nova estrela no Oeste”: “Há mais de dez anos Rondônia é o destino de um dos maiores fluxos migratórios da história do Brasil ou atualmente em curso no mundo”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
Propaganda oficial da ditadura avisava: “A Amazônia é uma mina de ouro. Transfira boa parte desse ouro para o seu bolso”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim

Responda as questões abaixo:

a) Quais atividades econômicas podem ser identificadas nas imagens?
b) O que significa “inferno verde”?
c) Problematize a frase “chega de lendas, vamos faturar”
d) Qual o significado da floresta nos anúncios?

Etapa 3: O tema da terra indígena na Constituição de 1988

Professor/a, leia com os alunos os textos a seguir. Após a leitura contextualize os debates que antecederam a Constituição de 1988, mostrando o caráter amplo e diversificado que marcou a Assembleia Constituinte no ano anterior. É importante ressaltar que a Constituição de 1988 é conhecida como a “constituição cidadã”. Após essa breve explanação assista o vídeo com os alunos e proponha um debate sobre a tarefa 4.

Texto 1:

ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição.
(…)

CAPÍTULO VIII
DOS ÍNDIOS

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Trecho da Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm último acesso 21/05/2023 às 14:10.

Texto 2:

Quando o Brasil descobriu que podia se destruir do ponto de vista ambiental, porque o Brasil vira um canteiro de Transamazônica, de Perimetral Norte […]. Aquela imensa tragédia que estava anunciada para a cabeça dos índios em todos os cantos da bacia Amazônica provocou um despertar de índios que ainda estavam acendendo fogo com palito, girando vareta na mão, e índios que estavam fazendo curso universitário em Brasília, bolsa de estudos da Funai, ou que estavam com algum contato privilegiado com informação sobre os brancos, sobre os instrumentos dos brancos, governança e tudo. E eu me juntei com essa geração, a primeira geração de índios que estavam sendo expulsos das suas origens para uma espécie de convergência não programada de ideias. Foi isso que permitiu que um menino Xavante, outro Bororo, Guarani ou Kaingang, uns com alguma diferença de seis anos, dez anos um do outro, mas todos com experiências próximas, começassem a cerrar fileiras numa frente que a gente chamava de movimento indígena.

CONH, Sergio. Eu e minhas circunstâncias (entrevista com Ailton Krenak, 2013). In: KRENAK, Ailton. Ailton Krenak (Encontros). COHN, Sergio (Org.). Rio de Janeiro: Azougue, 2015, p. 242- 243.

Assista um trecho do documentário “Índio Cidadão”:

Vídeo 3 – Ailton Krenak – Discurso na Assembleia Constituinte

Tarefa 4: Responda o que se pede a seguir:

1 – Relacione o texto 2 com o vídeo 3.
2 – Discuta o PL 490 à luz da Constituição de 1988.
3 – Porque Ailton Krenak pintou o rosto na Assembleia Constituinte de 1987?
4 – A partir do texto 3 e do vídeo 3, explique como foi a atuação dos indígenas na Assembleia Constituinte de 1988 e o que eles reivindicavam.
5 – Relacione a atuação dos povos indígenas durante a Assembleia Constituinte de 1987 e a sua luta contra o PL 490, também conhecido como marco temporal.

Bibliografia e Material de apoio:

ASCENSO, João Gabriel da Silva. “Como uma revoada de pássaros”: uma história do movimento indígena na ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro, PUC, Departamento de História, 2021. Tese de doutorado.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Ultimo acesso 21/05/2023 às 14:10.

CONH, Sergio. Eu e minhas circunstâncias (entrevista com Ailton Krenak, 2013). In: KRENAK, Ailton. Ailton Krenak (Encontros). COHN, Sergio (Org.). Rio de Janeiro: Azougue, 2015

“ÍNDIO CIDADÃO?”. Direção: Rodrigo Siqueira Arajeju; Produção: Isadora Stepanski. Distrito Federal: 7G DOCUMENTA, 2014. 1 DVD (52 min).

THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1997.

__________________. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.


Créditos da imagem de capa: Índios comemoram em Brasília a inclusão de seus direitos territoriais na Constituição de 1988. Beto Ricardo-ISA. Disponível em: https://site-antigo.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/constituintes-de-1988-reafirmam-carater-permanente-dos-direitos-indigenas


Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral e Samuel Oliveira.

Contribuição Especial #28: A Greve Geral de 1903 no Rio de Janeiro


Marcela Goldmacher
Doutora em História Social pela UFF, Professora da Rede Municipal do Rio de Janeiro


Em agosto de 1903, o Rio de Janeiro viveu a primeira greve geral da história do Brasil. O Rio era, naquele período, o terceiro maior porto das Américas, atrás apenas de Nova York e Buenos Aires. A cidade passava por enormes transformações: uma significativa reforma urbana mudava o perfil de sua área central, ocorria uma expansão das áreas agrícolas nas imediações da cidade, a rede ferroviária se ampliava e um sistema financeiro se estruturava desde finais do século XIX. Nesse contexto, as operações comerciais da cidade e o setor industrial tiveram um importante impulso.

Em 11 de agosto de 1903, os trabalhadores em fábricas de tecidos deram início à parede e foram seguidos por várias outras categorias que se declararam em greve por solidariedade aos tecelões. Estimou-se que 40.000 trabalhadores, entre eles tecelões, chapeleiros, sapateiros, alfaiates, charuteiros, vidreiros, estivadores, carregadores de café, operários de pedreiras, canteiros, sapateiros, marceneiros e carpinteiros tenham aderido à greve que teve 26 dias de duração e se espalhou pela cidade ocupando os bairros do Andaraí, Laranjeiras, São Cristóvão, Centro, Jardim Botânico, Humaitá, Botafogo, Rocha, Mangueira, Sapopemba e Vila Isabel.

A greve teve início na Fábrica de Tecidos Cruzeiro, no Andaraí, motivada pelo descontentamento com um antigo costume nas fábricas de cobrar dos operários por aventais, espanadores e pelas bolsas para apanhar o algodão. Eram cerca de 200 trabalhadores, a maioria menores de idade e muitas mulheres. Os operários e operárias da Fábrica de Tecidos Aliança, localizada em Laranjeiras, aderiram ao movimento depois do mestre dos teares ter abusado sexualmente de uma operária. Logo, a paralisação se alastrou para várias fábricas de tecidos da cidade.

Nos primeiros dias do movimento, comissões de trabalhadores das tecelagens em greve se reuniram na sede da Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos e decidiram fazer uma assembleia conjunta no Largo do Capim, no centro da cidade, onde se localizavam as sedes de várias associações. No dia 15 de agosto já estavam fechadas as fábricas de tecidos Cruzeiro, Aliança, Carioca, Bonfim e Santa Heloísa. Uma comissão de operários das fábricas Aliança e Cruzeiro visitava outras fábricas em busca de adesão de mais trabalhadores à greve. Nos dias seguintes, a Confiança Industrial, a fábrica de tecidos Rink e a de cigarros Pipinhas aderiram ao movimento.

Em assembleia na Associação da Classe dos Artistas Sapateiros, os operários da fábrica de calçados Globo se declararam em greve. Para oficializar a decisão, enviaram uma comissão à sede da Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos. Minutos depois, uma comissão da Associação de Classe União dos Chapeleiros fez o mesmo. Nos dias que se seguiram, mais operários de outras fábricas aderiram à greve, como os da São Félix, Corcovado e Bangu, além da categoria dos charuteiros, o Centro Internacional dos Pintores, e a Liga dos Artistas Alfaiates.

Durante os dias de duração do movimento, comissões operárias ligadas às suas associações, visitavam fábricas e oficinas na tentativa de conseguir maior adesão à greve. Novos apoios ao movimento continuaram acontecendo graças à atuação das comissões.

A greve impactou fortemente a vida da cidade, sendo amplamente noticiada pela imprensa. A repressão policial foi intensa e violenta. No momento em que os trabalhadores e trabalhadoras de uma fábrica se declaravam em greve, os prédios passavam a ser guardados pela polícia. Em pouco tempo o contingente policial já não era suficiente e a Marinha e o Exército foram convocados a ajudar. O objetivo da polícia era impedir o contato dos grevistas com os operários que ainda trabalhavam, para que o movimento não se ampliasse. A greve, no entanto, tomou proporções nunca vistas.

Por ordem do presidente Rodrigues Alves, a polícia deveria impedir reuniões operárias em praça pública. Mas a repressão ocorria em todos os espaços, incluindo as sedes das associações e mesmo as casas dos operários. A Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, a Liga dos Alfaiates e dos Chapeleiros, por exemplo, tiveram suas sedes invadidas e ocupadas pela polícia. Não foi incomum trabalhadores e trabalhadoras serem levados à força para os locais de trabalho pelos policiais.

Trabalhadores reunidos na sessão de encerramento do Primeiro Congresso Operário Brasileiro em 1906. Fonte: jornal O Malho.

Em 26 de agosto grande parte dos trabalhadores em fábricas de tecidos voltou ao trabalho. Cada fábrica ofereceu um tipo de acordo, como redução de horas de trabalho e promessa de aumento salarial. Mas a greve continuou com a adesão de novas categorias, como os estivadores, carregadores de café, carvoeiros e catraieiros.

Tratamos essa greve como “greve geral” porque ela foi assim qualificada pelos trabalhadores envolvidos. No entanto, não houve uma pauta de greve unificada, embora a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e a demanda por 40% de aumento fossem reivindicações comuns, para além das questões particulares a cada setor.

Essa greve é fundamental para a compreensão dos processos de construção da identidade e consciência de classe dos trabalhadores e trabalhadoras no início do século XX, além do entendimento das suas formas de organização. Os trabalhadores envolvidos no movimento foram representados por suas associações. Muitas delas eram mutuais ou sociedades beneficentes, como podemos ver pelos seus nomes: Sociedade dos Artistas Chapeleiros, Associação de Classe dos Artistas Sapateiros, Associação de Classe União dos Chapeleiros, Liga dos Artistas Alfaiates, Congresso União dos Operários em Pedreiras, Centro dos Sapateiros, União de Classe dos Marceneiros, Sociedade Operária do Jardim Botânico e União das Classes operárias. Analisando os estatutos dessas associações vemos que algumas delas ofereciam cursos profissionalizantes, cooperativas de produção e de consumo e mutualismo para auxílio na velhice ou incapacidade de trabalhar. Durante a “greve geral” de 1903 essas associações abrigaram reuniões de trabalhadores em suas sedes para discutir assuntos relacionados ao movimento e organizar a formação de comissões para representar os grevistas.

A “greve geral”, ao mesmo tempo em que só tomou as proporções evidenciadas graças à solidariedade e o papel das organizações já existentes, também reforçou e criou novas identidades entre diferentes ofícios. Um exemplo disso são os estivadores, que ainda não estavam organizados antes da greve de 1903, mas participaram do movimento e fundaram a União dos Operários Estivadores no mês seguinte à paralisação.

Foi no Primeiro Congresso Operário, em 1906, que se definiu que as associações operárias usariam o termo sindicato nas suas designações. No entanto, durante a “greve geral de 1903”, as associações, mesmo não se denominando ainda como sindicatos, já assumiram a tarefa de representação e defesa dos seus associados na greve. Assim, vemos que as organizações que haviam sido fundadas com objetivo cooperativo ou de ajuda mútua foram chamadas a assumir mais diretamente a função sindical. No Segundo Congresso Operário de 1913 não houve mais nenhuma associação operária que tenha o termo “artista” em seu nome. Apesar de alguns sindicatos terem sido criados a partir de associações de auxílio, as associações não “evoluíram” da beneficência para a resistência. Associações beneficentes continuaram a existir concomitantemente com os sindicatos.

Também no Primeiro Congresso Operário de 1906, quando os trabalhadores participantes fizeram uma avaliação da greve de 1903, ficou decidido que as associações, além de passarem a se chamar sindicatos, deveriam também abandonar todo e qualquer tipo de auxílio. Argumentou-se no Congresso que as funções de ajuda dentro das associações atraíam operários sem objetivo combativo, o que atrapalharia a função principal dos sindicatos, que deveria ser a resistência.

A mudança de nomenclatura e função das associações deu-se de forma articulada com transformações na identidade coletiva dos trabalhadores. Nos jornais, estatutos de associações e resoluções de congressos operários entre as décadas de 1890 e 1910 podemos verificar essas mudanças e o ano de 1903 foi um marco fundamental. Em 1890, quando os trabalhadores debatiam sobre a forma como se posicionariam na nova República e a necessidade de formação de um partido operário, era comum a denominação de “artistas” para alguns trabalhadores, normalmente quando era necessária alguma formação para exercer o ofício, como era o caso de alfaiates e sapateiros, por exemplo. Assim, o termo “artista” era usado para diferenciar trabalhadores com maior formação e remuneração, de trabalhadores com menor “qualificação”, como os têxteis, tratados como operários ou proletários, que recebiam salários menores. Neste mesmo período, as diferentes profissões eram chamadas de “classes operárias”, no sentido de que ainda não havia uma denominação única para se referir aos trabalhadores de todos os ofícios.

De 1890 a 1903, quando da “greve geral”, há uma mudança na forma como os trabalhadores se identificam publicamente, que acompanha as alterações nas suas formas de organização e atuação. Nos artigos, panfletos e boletins produzidos durante a “greve geral”, já não há mais o uso do termo “artista” na fala dos trabalhadores. As várias categorias que aderiram à greve em solidariedade aos têxteis, reivindicam uma identidade comum, independente de maior formação ou remuneração. Ao longo dos anos os trabalhadores vão deixando de usar o termo “classes operárias”, no plural, que vai sendo substituído por classe, no singular, como pode ser visto nas resoluções do Primeiro Congresso Operário de 1906.

No mês seguinte ao fim da greve foi fundada a Federação das Associações de Classe, que em 1905 deu origem à Federação Operária Regional Brasileira. Esta federação, em 1906, organizou o 1° Congresso Operário Brasileiro e, posteriormente, passou a se chamar Federação Operária do Rio de Janeiro. Assim, a “greve geral” de 1903 foi fundamental para o desenvolvimento da identidade da classe trabalhadora brasileira e para as mudanças organizativas do movimento operário no início do século XX.

Fábrica de Tecidos Cruzeiro e vilas operárias adjacentes, onde a greve geral teve início em 1903. Arquivo CAF – A Tijuca de Antigamente. 


PARA SABER MAIS:

GOLDMACHER, Marcela. A “Greve Geral” de 1903 – O Rio de Janeiro nas décadas de 1890 a 1910. Niterói, 2009. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense/IFCH – Dep. de História.

AZEVEDO, Francisca Lúcia Nogueira de. Malandros desconsolados: o diário da primeira greve geral no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará / Prefeitura, 2005.


Crédito da imagem de capa: Charge publicada no jornal O Malho, em 29/08/1903.

LMT #125: Fábrica Brasital, São Roque, SP – Yasmin Darviche


Yasmin Darviche
Mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo


“A Brasital é Nossa!” foi o slogan utilizado em 1987 quando as instalações da mais importante tecelagem de São Roque, no interior de São Paulo, passaram à propriedade da prefeitura após quase duas décadas de abandono. A desapropriação, restauração e instalação de um centro cultural na antiga fábrica demonstram sua importância enquanto referência para a memória dos trabalhadores da cidade.

A Brasital foi instalada em 1890 por iniciativa de Enrico Dell’Acqua, um industrial italiano considerado pioneiro na exportação da indústria de tecidos de algodão da Itália. Inicialmente denominada “Tecelagem Enrico Dell’Acqua”, teve seu nome modificado para “Brasital S.A.” em 1919, um nome formado pela junção das palavras “Brasil” e “Itália”.

O primeiro grupo de trabalhadores era de origem italiana. Por já possuírem conhecimento na operação de máquinas, recebiam cargos de mestres e contra-mestres e ensinavam a operação das máquinas aos demais. No início do século XX a fábrica empregava 510 trabalhadores e em 1957 já eram cerca de 3000 operários. Sua instalação impulsionou o desenvolvimento urbano de São Roque. Durante o auge da tecelagem na década de 1950, em torno de 70% da população da cidade era funcionária da Brasital.

Entre 1920 e 1950 foram construídas duas vilas operárias. Uma delas, localizada próxima ao acesso principal da fábrica, foi reservada aos funcionários dos mais altos cargos, como os diretores. A outra, implantada em terrenos baixos, alagáveis, e próximo à entrada de serviços, foi destinada aos chefes de setores e encarregados de confiança. A iniciativa de construir as residências operárias fez parte de um ideal sobre os modos de morar, de controle da vida e do tempo livre dos operários, buscando garantir a lealdade dos funcionários.

Em 1904 formou-se a Sociedade Operária de Mútuo Socorro com objetivo de auxiliar os operários em pensões, casos de doenças e alimentação. Dentro da fábrica existia ainda a Cooperativa de Consumo de Empregados da Brasital, fundada em 1925, oferecendo alimentos a baixo custo. E ao longo dos anos foram fundadas algumas organizações, como um grupo musical denominado “Conti di Torino”, posteriormente chamado Corporação Musical Carlos Gomes, formado por imigrantes italianos trabalhadores da Brasital. E também um time de futebol, o Ítalo Futebol Clube.


No início do século estruturou-se um forte e organizado movimento operário na Brasital, sendo famosas as greves de 1904 e 1909 quando a empresa foi paralisada.


Entre 1904 e 1905 os trabalhadores posicionaram-se contrariamente às multas empreendidas pelos examinadores de peças, somadas à preocupação decorrente da possibilidade de transferência da produção de tecidos para o município de Salto, o que acarretaria na redução da produção em São Roque. Em 1909 a mobilização teve importante protagonismo feminino. Os problemas enfrentados eram as longas jornadas de trabalho, baixos salários (inferiores aos pagos aos homens), e a baixa qualidade dos fios, que dificultava e reduzia a qualidade do serviço. A desconsideração e mau tratamento recebido pelas operárias em suas reivindicações foi o estopim para esta greve, cujas reuniões ocorriam na sede da Sociedade Operária de Mútuo Socorro. Nesta ocasião, os diretores da fábrica se mostraram irredutíveis, demitindo muitos funcionários e lideranças operárias.

Através das memórias de antigas tecelãs também podemos conhecer aspectos da existência da fábrica e de sua atividade laboral. Para estas mulheres, a fábrica representou uma oportunidade de trabalho imprescindível, mas também de muito esforço e exploração. “A gente tocava quatro teares ao mesmo tempo”, lembra uma delas. Por outro lado, muitas enfatizam que “nunca faltava nada a quem trabalhava na Brasital”. Além disso, o espaço da fábrica foi onde encontraram seus maridos e criaram vínculos de amizade. Foi nas casas da vila operária que constituíram suas famílias e viram os filhos crescerem. Para estas pessoas a Brasital foi “a mãe da cidade”.

Nos anos 1960 o aumento da procura por tecidos sintéticos como náilon e rayon impactou a venda de tecidos de algodão, e em 1970 a Brasital encerrou as atividades em São Roque, transferindo a produção para a vizinha cidade de Salto. As instalações fabris permaneceram sob propriedade da empresa, porém foram abandonadas, e as residências operárias foram vendidas aos trabalhadores. Para moradores antigos da cidade “o fechamento da fábrica acabou com todos os serviços que nós tínhamos. Praticamente a cidade vivia com os filhos, maridos, todos trabalhando na Brasital”.

Em 1987 a prefeitura, em parceria com o estado, desapropriou o imóvel, declarando-o de utilidade pública e transformando-o em centro cultural. Esta ação é, até os dias de hoje, bastante celebrada pelos moradores de São Roque. Desde a desapropriação, a fábrica foi valorizada como patrimônio histórico da cidade e rememorada enquanto lugar de identidade e memória dos trabalhadores. Os antigos edifícios fabris foram transformados em espaços para exposições, recebendo cursos profissionalizantes e atividades culturais diversas. A estrutura metálica da cobertura, a caixilharia, os hidrantes, a antiga tubulação de água, turbinas e rodas que moviam os teares foram preservados como forma de representação da antiga função do espaço. O tombamento das edificações da fábrica, em conjunto com as antigas residências operárias, foi aprovado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) de São Paulo em 2020.

Centro Educacional e Cultural Brasital atualmente, áreas externas. Foto de Yasmin Darviche, 2019.

Para saber mais:

  • CORREIA, Telma de Barros. Ornato e despojamento no mundo fabril. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 19, n.1, Jun 2011.
  • DARVICHE, Yasmin. O trabalho em memória: ausências e resistências nas políticas do patrimônio cultural em São Paulo. Dissertação de mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, 2022.
  • NEVES, Deborah Regina Leal. Parecer Técnico UPPH nºGEI-138-2011. Condephaat. São Paulo, 2014.
  • ROSSI, Anicleide Zequini. O quintal da fábrica. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1991.
  • SANTOS, Joaquim Silveira.São Roque de outrora. São Roque: Merlot Comunicação, 2010.

Crédito da imagem de capa: Tecelagem Enrico Dell’Acqua, posteriormente denominada Brasital.
Fonte: Arquivo Histórico Digital de São Roque.


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Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Contribuição Especial #27: 21 de julho de 1983: a greve geral contra a ditadura


Breno Altman
Jornalista e fundador do site Opera Mundi


Era uma quinta-feira. O país vivia os estertores da ditadura militar, governado pelo general João Batista Figueiredo. A classe trabalhadora de São Paulo cruzava os braços, em uma paralisação de 24 horas que seria acompanhada também em outros estados, exigindo anulação de decretos que arrochavam praticamente todas as categorias assalariadas. Mas não só: na pauta de reivindicações também constava congelamento dos preços básicos, devolução dos sindicatos sob intervenção a suas legítimas diretorias, reforma agrária e repúdio ao acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), entre outras bandeiras.

De janeiro a julho de 1983, o Palácio do Planalto impôs medidas que eliminavam benefícios e direitos dos empregados das estatais e do funcionalismo público, colocavam os reajustes salariais abaixo da inflação, majoravam aluguéis e restringiam políticas sociais. Para implementar essa política econômica, a ditadura recorrera a decretos-leis, cuja vigência somente poderia ser anulada por decisão do próprio governo ou quando o parlamento, em até sessenta dias, os revogasse.

O primeiro desses decretos foi publicado em 25 de janeiro daquele ano, com o número 2012, determinando que teriam direito à reposição integral da inflação apenas quem ganhasse até três salários mínimos. No dia 30 de maio seria assinado o decreto 2025, eliminando conquistas dos empregados públicos, que seria complementado pelo 2036, lançado treze dias depois, retirando da categoria direitos como abono de férias, promoções, auxílios alimentação e transporte, salário adicional anual e participação nos lucros. Finalmente, em 14 de julho, viria o decreto-lei 2045, que limitava o reajuste salarial de todos os trabalhadores a 80% da inflação.

A resposta foi a ampliação da luta sindical e o crescimento das greves operárias, que desaguariam no dia 21 de julho, com uma notável mudança de característica: as paralisações deixavam de ter os patrões como seu alvo principal, voltando-se contra o governo e assumindo uma natureza abertamente política.

Não era, no entanto, um cenário tranquilo para o movimento sindical. A Comissão Nacional Pró-CUT (Central Única dos Trabalhadores), criada em agosto de 1981, durante a I CONCLAT (Confederação Nacional das Classes Trabalhadoras), realizada na Praia Grande, no litoral paulista, sofrera uma divisão intransponível no ano seguinte. Estava marcado o congresso de fundação da central sindical para 1982, mas acabou inviabilizado pela polêmica sobre quem poderia eleger delegados, se apenas os sindicatos legalmente constituídos ou também as oposições sindicais.

Insistiam na primeira opção os grupos mais moderados do sindicalismo e as organizações comunistas tradicionais – especialmente o PCB, ainda uma poderosa corrente do movimento operário. Já os sindicalistas chamados de “autênticos”, majoritariamente vinculados ao Partido dos Trabalhadores, defendiam a segunda alternativa, entre outras razões por sua inserção nos grupos criados fora da estrutura oficial durante o regime militar.

Não se tratava, porém, apenas de um debate sobre linha sindical. O primeiro bloco era bastante influenciado por uma orientação que dava centralidade, na tática contra a ditadura, à aliança com a oposição liberal-burguesa e à disputa institucional, calculando uma transição lenta e pactuada. O segundo bloco, dava prioridade à construção da hegemonia das classes trabalhadoras no processo político em curso, apostava suas fichas na radicalização da mobilização social e confiava na vitória de um movimento de ruptura com a tirania fardada. Não era tarefa simples, nessas circunstâncias, construir campanhas comuns contra os decretos-leis. Sequer havia uma estrutura comum de coordenação, que passava a depender de algum consenso gradual que pudesse unificar reivindicações e formas de luta.

Uma peça começara a se mover, contudo, de forma diferente. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, então o maior do país, vivia mudanças internas relevantes. Presidida desde 1965 por Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, a entidade vinha abrindo suas portas para os comunistas desde 1979, quando o velho pelego se deu conta que seus dias na liderança poderiam estar contados, ao perder o controle de uma longa greve para o crescente movimento de oposição.

Na diretoria eleita em 1981, contra uma chapa oposicionista, encabeçada pelo líder católico Valdemar Rossi, e outra do PCdoB, chefiada por Aurélio Perez, vários de seus integrantes eram militantes do PCB, vinculados à direção paulista da organização, comandada por David Capistrano Filho, que ocupara regionalmente o vácuo de poder deixado por um comitê central desidratado pelo assassinato de parte dos seus membros, o exílio e a crise com Luiz Carlos Prestes, seu lendário secretário-geral.

A ideia dos comunistas paulistas era aproveitar a fragilidade da antiga liderança do sindicato para estabelecer uma outra condução, de incentivo à organização dentro das fábricas e enérgica mobilização, inspirada nos métodos vigentes no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, e concorrendo com a oposição sindical, que havia conseguido formar comissões de base em algumas das maiores fábricas. Essa reviravolta baseava-se, além da crítica ao sindicalismo acomodado do passado, na própria contraposição à linha geral predominante no PCB, confluindo para um pensamento bastante próximo aos paradigmas adotados pelo jovem PT, pelos quais a independência da classe trabalhadora, sua força mobilizadora e seu protagonismo na luta contra a ditadura deveriam ser a essência da política de esquerda.

Panfleto de convocação da Greve Geral de 21 de julho de 1983. Fonte: Memorial da Democracia

Dessa maneira, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, mesmo formalmente integrado ao bloco moderado, e ainda presidido por uma figura controversa, acabaria se tornando um dos pilares das jornadas contra os decretos-leis do arrocho salarial. A unidade de ação entre São Paulo e São Bernardo jogaria papel decisivo, tanto na expansão territorial da resistência quanto na atração de outros grupos sindicais. Os metalúrgicos paulistas seriam o carro-chefe da greve geral que se avizinhava.

O primeiro setor a se colocar em movimento foram os petroleiros. No dia 5 de julho, os trabalhadores da Refinaria Paulínia, no interior de São Paulo, iniciaram uma greve que duraria sete dias, à qual aderiram também os empregados da Refinaria Landulpho Alves, na Bahia, exigindo principalmente a revogação dos decretos 2025 e 2036. Seu exemplo se propagaria como rastilho de pólvora.

Com o decreto 2045, do dia 14, a ditadura mantém-se intransigente. A resposta das categorias mais organizadas foi convocar uma greve geral de 24 horas, surpreendendo o regime militar e contrariando a maioria da oposição liberal, incluindo próceres do PCB.

O contexto era de enorme insatisfação social desde o princípio do ano. Manifestações, protestos e paralisações tomavam corpo contra o desemprego e a corrosão dos salários. O epicentro era a região metropolitana de São Paulo: um motim popular, em abril, ocupou as ruas e chegou a derrubar as grades do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual.

A greve geral alimentava-se dessas rebeliões espontâneas, mas cumpriria um plano organizativo mais rigoroso. Para evitar enfrentamentos com a polícia, orientou-se os grevistas a permanecerem em casa. A adesão dos sindicatos dos motoristas e dos metroviários colaborou de forma destacada para a parede, cujas colunas mestras estavam nas grandes empresas e bancos. Mesmo sem manifestações, os ativistas das principais entidades trataram de percorrer os bairros de concentração fabril, em arrastões e piquetes que esvaziaram o que restava da capacidade produtiva. Calculou-se em três milhões o número de grevistas por todo o país, afetando indiretamente outros 40 milhões de trabalhadores.

Para além do impacto político, foi possível também alguma vitória econômica, com o governo publicando novo decreto, o 2065, garantindo 100% de reajuste salarial ao menos para quem recebia até três mínimos. Sem embargo, as divisões e debilidades sindicais, mesmo nos setores mais combativos, esvaziariam a possibilidade de uma escalada da mobilização, que poderia combinar novas paralisações e até mesmo uma greve geral por tempo indeterminado, encurralando a ditadura a partir do operariado.

 Não obstante, passava uma mensagem de contrariedade ativa da classe trabalhadora em relação ao pacto desenhado por distintas frações do empresariado e seus agentes político-militares, para substituir o regime decadente sem colocar em risco sua direção sobre o Estado e seus interesses econômicos. Razoável concluir que contribuiu para empolgar o ativismo popular e dividir os liberais, empurrando parte do PMDB para uma postura mais aguerrida, o que repercutiria na campanha das diretas-já de 1984, aonde também desembocaria o movimento dos trabalhadores.

Também foi um passo decisivo para a troca de guarda na esquerda brasileira, dentro da trajetória que levaria o PT a substituir o PCB como principal organização política da classe, exatamente por representar uma alternativa a posições de acomodação e subordinação à hegemonia oligárquico-burguesa.

No dia 28 de agosto de 1983, seria criada a Central Única dos Trabalhadores, legitimada pela paralisação do mês anterior, e velozmente constituída na principal representação sindical brasileira, apesar dos setores mais moderados terem fundado, a seguir, suas próprias centrais.

Ao completar quarenta anos, talvez a memória da greve geral de 1983 ajude o resgate da função determinante que pode ter a mobilização popular, sem a qual as forças de esquerda costumam ser abatidas sem maior resistência ou aprisionadas em um labirinto de concessões que as desfiguram.

Greve Geral do dia 21 de julho de 1983 no centro da cidade de São Paulo. Foto de Ariovaldo dos Santos. Acervo: Cpdoc/JB


PARA SABER MAIS:

https://memoriasindical.com.br/formacao-e-debate/um-projeto-um-processo-uma-realidade-sindicato-metalurgicos-de-sao-paulo-1979-1983/

Ivan Targino Moreira e Glaudionor Gomes Barbosa. “Política salarial e repartição funcional da renda no Brasil: uma análise da década de 80 “ in Leituras de Economia Política, Campinas, (11): 141-166, dez. 2003/dez. 2005


Crédito da imagem de capa: Piquete em fábrica de São Bernardo do Campo durante a Greve Geral de 21 de julho de 1983. Foto de Vera Jursys. Acervo do Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo

Livros de Classe #34: Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista, Brasil século XIX, de Hebe Mattos, por Keila Grinberg

Neste episódio de Livros de Classe, Keila Grinberg, professora titular do departamento de História e diretora do Center for Latin American Studies da Universidade de Pittsburgh, apresenta Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista, Brasil século XIX, de Hebe Mattos. Fruto de tese de doutorado, defendida em 1993, o livro foi publicado em 1995. Pioneira, a obra coloca em primeiro plano o papel dos escravizados e libertos no processo de abolição da escravidão no Brasil, utilizando fontes como processos criminais e ações de liberdade.

Livros de Classe

Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.

A seção Livros de Classe é coordenada por Ana Clara Tavares.

Vale a Dica #03: Pureza, de Renato Barbieri


Nesta terceira edição da série “Vale a Dica”, Isabelle Pires, doutoranda em história pela UFRJ e pesquisadora do LEHMT/UFRJ, indica o filme Pureza, de Renato Barbieri, protagonizado por Dira Paz. Lançado em 2022, o filme retrata a história real de Pureza Lopes Loyola, mãe solo, que desafiou fazendeiros e jagunços para resgatar seu filho da escravidão contemporânea na Amazônia. A partir da busca de Pureza pelo seu filho, nos deparamos com a exploração do trabalho sob a coerção de armas, castigos físicos, e péssimas condições de vida e trabalho. O aliciamento para o trabalho braçal, como ressalta Isabelle, era feito através do reforço a uma certa noção de masculinidade, pautada na força, na coragem e na virilidade.
Nos últimos anos, os temas do trabalho forçado e do trabalho análogo à escravidão têm despertado cada vez mais o interesse de historiadores e historiadoras, ganhando espaço entre os temas de pesquisa da História Social do trabalho.

Projeto e execução: Alexandra Veras, Isabelle Pires, Larissa Farias, Victória Cunha e Yasmin Getirana

Vale Mais #29: The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil, por Alexandre Fortes Vale Mais

ERRATA: O professor se refere, em certo momento, a "janeiro de 1941", mas o correto é janeiro de 1942, quando começam as transmissões de rádio do Marcondes Filho, coincidindo com a ruptura do Brasil com o Eixo. Está no ar o segundo episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ! Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. No segundo episódio, conversamos com Alexandre Fortes, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor do livro The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil (2024). A obra propõe um reexame da história do Brasil nas décadas de 1930 e 1940 a partir de diálogos com as novas perspectivas historiográficas internacionais sobre a Segunda Guerra Mundial. Fortes ressalta a efervescência econômica para suprir as necessidades do conflito global. Nesse contexto, a classe trabalhadora esteve no centro das lutas pela redemocratização, justamente por conta de sua experiência no processo de esforço de guerra e das ambiguidades decorrentes da intensificação da superexploração do trabalho, da derrota do nazifascismo e da perspectiva de “descontar o cheque patriótico”. Nesse sentido, a guerra e a ação dos trabalhadores foram fundamentais para redefinir noções de classe, raça e nação. Para saber mais sobre esse assunto, ouça o episódio! Não esqueça também de compartilhar nas redes sociais e acompanhar os próximos!
  1. Vale Mais #29: The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil, por Alexandre Fortes
  2. Vale Mais #28: O poder e a escravidão, por Bruna Portella e Felipe Azevedo
  3. Vale a Dica #14: Orgulho e Esperança, de Matthew Warchus
  4. Vale a Dica #13: 2 de Julho: a Retomada, de Spency Pimentel e Joana Moncau
  5. Vale a Dica #12: SAL, idealizado e dirigido por Adassa Martins

LMT #124: Estádio da Rua Javari, São Paulo (SP) – Bruno Caccavelli


Bruno Caccavelli
Mestre em História pela Unifesp e professor do ensino básico


A Rua Javari no bairro da Mooca da cidade de São Paulo, situa-se entre a Rua dos Trilhos, nome devido à estrada de ferro Santos-Jundiaí, e a Rua da Mooca, por muito tempo principal via do bairro. Foi na rua Javari que, em 1897, foi estabelecida a fábrica têxtil Regoli & Crespi (depois Cotonifício Crespi) que funcionou até 1963. Na mesma rua havia uma cocheira, além de casas de operários. É nessa mesma rua que se encontra o Estádio Conde Rodolfo Crespi, do Clube Atlético Juventus, popularmente conhecido como Estádio da Rua Javari.

A Mooca foi palco de diversas mobilizações sociais no início do século XX. Sua formação em fins do século XIX foi marcada pela grande concentração de fábricas e residências operárias. A maioria dos operários e operárias era composta de imigrantes italianos, mas também havia espanhóis, alemães, russos, poloneses, lituanos e húngaros, além de um significativo contingente de trabalhadores nacionais, em sua maioria negros. Assim era um espaço de grande multiplicidade cultural e identitária.

Os ofícios iam desde os mais especializados como ferreiros e carpinteiros até os trabalhadores em fábricas como Calçados Clark, Laticínios União, Cia. Antártica Paulista e Serraria Matarazzo. Contudo eram predominantes os estabelecimentos têxteis como a Penteado, a Labor e o Cotonifício Crespi.

Os trabalhadores criavam e encontravam muitas possibilidades de sociabilidade, organização e diversão como clubes recreativos, sociedades e uniões mutualistas, beneficentes, sindicais e políticas, bandas musicais, círculos e centros de estudos. Associações esportivas marcaram presença no bairro desde cedo. O Germânia, por exemplo, foi fundado em 1889 por uma elite econômica da comunidade alemã local. Os clubes formados por trabalhadores não demoraram a aparecer: Athlético Mooca, Mocidade da Mooca, Flor da Mooca, União Mooca, Regoli, Crespi & Cia (em 1909 se tornou Crespi FC) entre outros.

Aos domingos as várzeas do rio Tamanduateí e do Carmo eram espaços de recreação das famílias operárias e o futebol era uma das práticas mais populares. Essa diversão foi levada para as ruas e pátios de fábricas e com o tempo foi ganhando maior organização, dividindo-se times por seções ou adotando as regras inglesas. Era comum que trabalhadores recorressem à direção das fábricas para a compra de uniformes e outros custos. Os empresários por sua vez aproveitavam a publicidade dos jogos e passaram a incentivar o esporte como forma de ampliar o controle e as relações paternalistas, participando ou indicando funcionários de altos cargos para funções de destaque na diretoria do clube.

Os clubes de trabalhadores das empresas de propriedade da família Crespi – Extra São Paulo e Cavalheiro Crespi – se uniram em 1924, dando origem ao Cotonifício Rodolfo Crespi Futebol Clube (CRC FC). As cores eram preto, branco e vermelho e a sede social ficava na Rua dos Trilhos. Em 1930 o time passou a se chamar Clube Atlético Juventus em homenagem ao clube italiano de Turim. Inicialmente o uniforme teria as mesmas cores do time homônimo, mas por sugestão do próprio Crespi as cores passaram a ser grená e branco inspiradas no outro clube da cidade italiana, o Torino FC. O nome e o uniforme revelavam as conexões e os laços identitários italianos na fundação do clube.

Em 1930 o Juventus enfrentou o Corinthians no Parque São Jorge e surpreendeu ao vencer por 2 a 1 ganhando a alcunha de Moleque Travesso. Conforme o profissionalismo no futebol se intensificou, o clube se retirou das competições oficiais e passou a disputar o Campeonato Paulista Amador sob o nome de CA Fiorentino conquistando o título de campeão em 1934 batendo a Ponte Preta na rua Javari. Em 1935, o Juventus voltou ao Campeonato Profissional, renovando e profissionalizando a equipe.

O terreno onde funcionava a cocheira na Rua Javari foi doado para o CRC FC por Rodolfo Crespi e transformado em um campo de futebol em 1925. O espaço rapidamente passou a ser utilizado por diversos clubes da região e, principalmente, pelo Juventus. Em 1941, ganhou arquibancadas e foi reinaugurado com o nome de Estádio Conde Rodolfo Crespi, ganhando um aspecto mais parecido com o que é nos dias de hoje. Em agosto de 1959, diante de mais de dez mil espectadores, o jovem Pelé marcou aquele que muitos consideram ser o gol mais bonito de sua carreira e que lhe rendeu uma estátua no estádio juventino.


Durante a famosa Greve dos 300 Mil em 1953 o estádio se tornou um importante marco para as mobilizações dos trabalhadores. Os grevistas concentraram no local o comitê da greve. Também havia ali uma cozinha comunitária auxiliada por comerciantes e moradores.


A família Crespi se afastou nos anos 1950 deixando o clube em má situação financeira. O time contou com uma mobilização popular de moradores da Mooca para sobreviver e chegou a realizar turnês pelo exterior. Em 1967 o Juventus comprou o estádio dos Crespi, mas a posse definitiva veio apenas em 1976. No início dos anos 1980, o Juventus viveu ótima fase desportiva. Em 1983 venceu a então Taça de Prata, equivalente à segunda divisão do campeonato brasileiro.

Atualmente existem discussões sobre a arenização do estádio e sobre a criação do Juventus Sociedade Anônima de Futebol, o que tornaria o clube uma empresa. Em contrapartida parte da torcida busca afirmar uma tradição operária. É comum ver nos jogos da Javari, faixas e alusões à grande greve de 1917, ao mesmo tempo que os torcedores entoam gritos de “ódio eterno ao futebol moderno”, em uma referência não apenas ao fim dos passatempos amadores e aos problemas trazidos pela hipermercantilização, mas também aos ataques ao “espírito” comunitário representado pelo time e à “verdadeira” paixão pelo futebol.

Torcida do Juventus da Mooca no setor 2 do Estádio da Rua Javari. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UQmarBzvh8E


Para saber mais:

  • VAZ, Alexandre Fernandez. Juventus, da Mooca (e um pouco de Corinthians). Ludopédio, São Paulo, v. 152, n. 29, 2022.  https://ludopedio.org.br/arquibancada/juventus-da-mooca-e-um-pouco-de-corinthians/ Acesso em 12/06/2022.
  • HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; FAVERO, Raphael Piva Favalli. Cronologia das torcidas organizadas (X): CAJU – Clube Atlético Juventus. Ludopédio, São Paulo, v. 107, n. 30, 2018. https://ludopedio.org.br/arquibancada/juventus/ Acesso em 12/06/2022.
  • LOPES FTP, HOLLANDA BBB de. “Ódio eterno ao futebol moderno”: poder, dominação e resistência nas arquibancadas dos estádios da cidade de São Paulo. Tempo [Internet]. 2018. Disponível em : https://doi.org/10.1590/TEM-1980-542X2018v240202
  • CACCAVELLI, Bruno. Lazer e sociabilidade de trabalhadores do bairro paulistano da Mooca, 1900-1920. Dissertação de Mestrado em História, EFLCH-Unifesp, 2015.
  • HOLLANDA, Bernardo Buarque de; FONTES, Paulo (orgs.). Futebol & mundos do trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2021.

Crédito da imagem de capa: Estádio da rua Javari,  década de 30. Disponível em: https://www.juventus.com.br/clube/historia/1924-a-1961/


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.