Os trabalhadores e o golpe – Ep. 01: Rodrigo Patto Motta (UFMG): Os trabalhadores e o governo Jango

Nesses 60 anos do golpe de 1964, o portal do LEHMT/UFRJ convida à reflexão sobre o lugar dos mundos do trabalho neste evento decisivo para a história brasileira. A partir de 1º de abril, e nas quatro segundas-feiras seguintes do mês, publicaremos cinco episódios de vídeos com entrevistas curtas com historiadores/as abordando diferentes aspectos da relação entre os trabalhadores e o golpe.

Nesse primeiro episódio, Rodrigo Patto Motta (UFMG) comenta sobre o lugar dos trabalhadores e suas organizações no conturbado jogo político do governo Jango. Fala ainda sobre como as diferentes forças políticas se posicionavam em relação às crescentes demandas por reformas e direitos sociais naquela conjuntura e sobre o importante papel do anticomunismo na visão de mundo de grande parte das elites brasileiras.

Livros de Classe #39: Que fazer?, de Lenin, por Valter Pomar

Neste episódio, que abre a temporada 2024 de Livros de Classe, Valter Pomar (UFABC), no centenário da morte de Vladimir Ilich Ulianov, o Lenin, apresenta “Que fazer?”. Publicado originalmente em 1902, o livro tornou-se um clássico do pensamento marxista e uma referência para diversos movimentos revolucionários e setores do movimento operário ao longo do século XX.

Livros de Classe

Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curta duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.

A seção Livros de Classe é coordenada por Ana Clara Tavares e Paulo Fontes.

Vale Mais #08: 60 anos do golpe de 1964



Nesses 60 anos do golpe de 1964, a oitava edição da série “Vale a Dica” do portal do LEHMT/UFRJ, indica alguns eventos acadêmicos e uma exposição que pretendem pôr no centro do debate público novas abordagens acerca do golpe. Em particular, destacamos como a classe trabalhadora, suas  organizações e  os movimentos sociais em geral têm sido analisados nas pesquisas recentes sobre o golpe e o regime militar.

O “Seminário 60 anos do golpe: História, Memória e novas abordagens da ditadura militar no Brasil”, “Seminário Internacional 1964+60”, “Seminário 1964 e a ditadura militar no quadro transnacional: novas perspectivas historiográficas” e a exposição  “Rio 64 – a capital do golpe” , são as dicas presentes no episódio a fim de rememorar e refletir sobre os acontecimentos que levaram ao golpe de 1º de abril .

Com certeza não conseguimos incluir todos os eventos de reflexão sobre os 60 anos do golpe de 1964, contudo, estamos aqui para construir esse campo de divulgação juntos. Então, caso você saiba de algum evento acerca do golpe e a classe trabalhadora, nos envie em nossas redes sociais para que possamos cada vez mais preencher o debate público com as disputas e resistências das trabalhadoras e trabalhadores no cenário político.

O episódio é apresentado por Larissa Farias, mestranda do PPGHIS/UFRJ e pesquisadora do LEHMT.

Projeto e execução: Alexandra Veras, Isabelle Pires, Larissa Farias, Victória Cunha e Yasmin Getirana

Edição: Brenda Dias e Eduarda Olimpio

Vale Mais #32: Breve dicionário analítico sobre a obra de Edward Palmer Thompson, por César Queirós e Marcos Braga Vale Mais

Está no ar o quinto episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ! Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. Neste quinto episódio, conversamos com César Queiroz, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e Marcos Braga, professor da rede pública estadual de educação do Amazonas e doutorando do programa de pós-graduação em História da UFAM. Os convidados são organizadores do livro Breve dicionário analítico sobre a obra de Edward Palmer Thompson. A obra é produto da disciplina “Trabalho e movimentos sociais na Amazônia”, oferecida no PPGH/UFAM, em 2024, em homenagem ao centenário de Edward Thompson, sendo o foco do curso debater as contribuições thompsonianas e as polêmicas que o envolveram ao longo de sua vida. Os/as alunos/as da disciplina elaboraram verbetes que fazem parte da composição desta breve dicionário. Não deixe também de compartilhar e acompanhar os próximos episódios! Entrevistadores: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Josemberg Araújo, Larissa Farias e Thompson Clímaco Roteiro: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Larissa Farias e Thompson Clímaco Produção: Ana Clara Tavares e Larissa Farias Edição: Josemberg Araújo e Thompson Clímaco Diretor da série: Thompson Clímaco Coordenadora geral do Vale Mais: Larissa Farias
  1. Vale Mais #32: Breve dicionário analítico sobre a obra de Edward Palmer Thompson, por César Queirós e Marcos Braga
  2. Vale Mais #31: Saraiva, Dantas e Cotegipe: baianismo, escravidão e os planos para o pós-abolição no Brasil, por Itan Cruz
  3. Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima
  4. Vale Mais #29: The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil, por Alexandre Fortes
  5. Vale Mais #28: O poder e a escravidão, por Bruna Portella e Felipe Azevedo

Livro: Na casa e na causa: a organização sindical das trabalhadoras domésticas (Rio de Janeiro, 1961-1973), de Yasmin Getirana



Na casa e na causa: a organização sindical das trabalhadoras domésticas (Rio de Janeiro, 1961-1973), livro de Yasmin Getirana, acaba de ser lançado pela editora Telha. Yasmin é doutoranda em História Internacional pela London School of Economics (LSE) e pesquisadora do LEHMT/UFRJ. Fruto da dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) da UFRJ, orientada por Paulo Fontes, o trabalho ganhou o prêmio Ana Lugão de melhor dissertação de mestrado do PPGHIS/UFRJ em 2022.
O livro analisa a formação da organização sindical de trabalhadoras domésticas nas décadas de 1960 e 70. Em especial, aborda a trajetória da Associação Profissional de Empregadas Domésticas do Rio de Janeiro, bem como as histórias de vida de várias militantes. Yasmin demonstra como aquelas mulheres, em sua grande maioria negras, articularam um movimento classista e se relacionaram com o mundo político, instituições do Estado, a Igreja Católica e com o sindicalismo de uma forma geral.
A partir de fontes diversas, como entrevistas de História Oral, jornais da grande imprensa, acervos particulares, legislações e documentos sindicais e da polícia política é reconstruído todo o rico e complexo cenário político e social do associativismo daquelas trabalhadoras durante a Ditadura Militar. As organizações surgidas naquele período estão nas raízes do movimento sindical das trabalhadoras domésticas que ganharia força e visibilidade nos anos seguintes.
O livro pode ser adquirido pelo site da editora Telha, na secretaria do PPGHIS/UFRJ (ppghis.ufrj@gmail.com) ou diretamente com a autora (yasmingetirana@gmail.com)

Chão de Escola #39: “Trabalhadoras do mundo, uni-vos”: mulheres trabalhadoras na luta pelo direito ao voto e por mais participação política

Beatriz Loureiro Ferreira (Licenciada em História e mestranda em História Social pelo PPGH-UFF)

Luciana Pucu Wollmann (professora de História da rede municipal de Niterói e da rede estadual do Rio de Janeiro. Doutora em História pela FGV e integrante do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT/ UFRJ), onde coordena a seção “Chão de Escola”)


Apresentação da atividade

Segmento: 9º ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio

Unidade temática: O nascimento da República no Brasil e os processos históricos até a metade do século XX/ História recente

Objetivos gerais:

 Refletir sobre o papel das mulheres na política enquanto sujeitos históricos.

– Analisar a problemática de gênero no contexto das relações histórico-culturais.

– Identificar o papel das mulheres trabalhadoras na luta pelo voto e pelos direitos sociais e trabalhistas das mulheres.

– Capacitar os(as) alunos(as) a reconhecerem transformações e continuidades entre o passado e o presente.

Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC):

(EM13CHS101) Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.

(EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de diversas naturezas (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos e geográficos, gráficos, mapas, tabelas, tradições orais, entre outros).

(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.

(EM13CHS503) Identificar diversas formas de violência (física, simbólica, psicológica etc.), suas principais vítimas, suas causas sociais, psicológicas e afetivas, seus significados e usos políticos, sociais e culturais, discutindo e avaliando mecanismos para combatê-las, com base em argumentos éticos.

Duração da atividade: 11 aulas de 50 minutos

Aulas Planejamento
01Etapa 1
02 e 03Etapa 2
04, 05, 06 e 07Etapa 3
08 e 09Etapa 4
10 e 11Etapa 5

Conhecimentos prévios:

– Primeira República (1889-1930);

– Era Vargas (1930-1945);

– Período “Democrático” (1945-1964).


Atividade

Recursos: datashow, som e cópias impressas.

Etapa 1: Sensibilização e contextualização

Em uma roda de conversas, o/a professor/a pode propor um papo a fim de coletar as possíveis informações que os/as estudantes já dispõem sobre o assunto. Sugerimos as seguintes perguntas para nortear o debate: Como as mulheres conquistaram o direito ao voto? Quando esse direito foi conquistado? Por quanto tempo às mulheres brasileiras (e do mundo) lutaram pelo direito de votar? Qual seria a classe social das mulheres sufragistas? Qual seria a sua cor? Negras? Brancas? Elas seriam moradoras de bairros abastados e/ou periféricos?

Conforme os/as estudantes forem trazendo as informações e questões para o debate, o/a professor/a, pode ir trazendo informações a fim de contextualizar e aprofundar as reflexões sobre a temática. Como sugestão para fundamentar ainda mais os nossos conhecimentos, sugerimos os seguintes materiais para a consulta:

Para o próximo encontro, o/a professor/a, pode sugerir alguns nomes de mulheres que no passado, tiveram uma grande projeção na luta pelo voto feminino e por mais participação das mulheres na política e na vida pública, tais como:
• Almerinda Farias Gama
• Adalgisa Cavalcanti
• Alice Tibiriçá
• Antonieta de Barros
• Arcelina Mochel
• Bertha Lutz
• Bianca Fialho
• Carmen Portinho
• Dalva Barcelos
• Elisa Branco
• Elisa Kauffmann Abramovich
• Julia de Medeiros
• Júlia Santiago da Conceição
• Julietta Battistioli
• Laura Brandão
• Lia Corrêa Dutra
• Luiza Alzira Soriano Teixeira
• Maria Felisberta Baptista Trindade
• Maria Olimpia Carneiro
• Nísia Floresta
• Odila Schmidt
• Patricia Galvão
• Rosa Bittencourt
• Zélia Magalhães
• Zuleika Alambert
• Entre outras…

Etapa 2: Reflexão

Sugerimos ao ou à colega que projete em um data-show as seguintes imagens:

O Paiz, 4 de novembro de 1928, Edição 16086, p. 12. Disponível em: Biblioteca Nacional. Acesso em 26/02/2024.

Júlia Medeiros (1896-1972): Natural do Rio Grande do Norte, Julia teve uma atuação fundamental na reivindicação dos direitos às mulheres, principalmente no que tange à educação. Destaque na área do jornalismo e do magistério, Julia foi gerente e redatora do Jornal das Moças em 1926. Em 1928, foi a primeira mulher de Caicó-RN a se alistar como eleitora. O Rio Grande do Norte foi o primeiro estado a reconhecer o direito das mulheres votarem e serem votadas, de acordo com a Lei estadual nº 660 em 25 de outubro de 1927.

Arquivo Nacional. I Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro: evento contou com presença da sufragista americana Carrie Chapman Catt (ao centro, de preto) ao lado de Bertha Lutz (ao centro, de branco). Disponível em: Época Negócios. Acesso em 28/2/2024.

Bertha Lutz (1894-1976): Nome mais conhecido na luta pelo direito ao voto no Brasil. Graduada em Biologia pela Sorbonne (Paris), Bertha foi a segunda mulher a assumir uma vaga em um concurso publico, como bióloga do Museu Nacional. Em 1919, fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher e em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, entidade que liderou a luta pelo voto feminino no Brasil. Em 1934, assumiu o mandato de deputada federal, após a morte do titular da cadeira, Cândido Mendes, de quem era suplente.  

CPDOC/Fundação Getúlio Vargas. Almerinda Farias Gama vota na eleição de deputados classistas em 20 de julho de 1933. In: TENÓRIO, 2020.

Almerinda Farias Gama (1899-1999): Apontada como pioneira entre as mulheres negras na política, a alagoana Almerinda Gama foi delegada-eleitora na escolha de deputados classistas para a Assembleia Nacional Constituinte de 1933.  Fundadora do Sindicato das Datilógrafas e Secretarias do Distrito Federal, Almerinda também atuou na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que liderou a luta pelo voto feminino no Brasil. 

De branco, em evidência, a deputada eleita em 1934 Carlota Pereira de Queirós. Disponível em: Câmara dos Deputados. Acesso em 28/2/2024.

Carlota Pereira de Queirós (1892-1982): Em destaque na foto meio a dezenas de homens, Carlota foi a única mulher eleita para a Câmara Federal em 1934. Médica por formação, Carlota pertencia à uma família tradicional de proprietários de terras do interior paulista. Chegando a atuar em plenário ao lado de Bertha Lutz, a deputada discordava da feminista em vários aspectos, tais como sobre o direito ao voto feminine. Enquanto Bertha defendia o direito sem restrições, Carlota considerava que este deveria ser acompanhado de deveres cívicos, tais como a assistência aos pobres.

APERJ. Jovens moças comunistas e antifascistas, em reunião no RJ, 1934. Foto: APERJ. Acesso em 28/2/2024.

Comitê das Mulheres Trabalhadoras: Criado em 1928, este órgão estava vinculado ao PCB (Partido Comunista do Brasil). Logo em seguida, foi criado o Comitê Eleitoral de Mulheres, também vinculado ao partido, que buscava demarcar posição dos comunistas na luta pelo voto e elegibilidade feminina. Nos anos 1930, a organização das mulheres comunistas levantava a bandeira contra o fascismo, de acordo com as determinações da linha política do PC em voga naquele momento, além de lutar por bandeiras que erigiam do chão das fábricas, tais como equidade salarial entre homens e mulheres e proteção à mãe trabalhadora. 

Polícia reprime Federação de Mulheres do Brasil (FMB), em São Paulo. Disponível em: Issuu. Acesso em 28/2/2024.

Federação das Mulheres do Brasil (FBM): Fundada em 1949,sob forte influência do PCB, a FBM teve uma atuação destacada articulando pautas que buscavam lutar pelos direitos das mulheres em bairros e sindicatos. Ao longo dos anos 1950, enviou delegações para congressos internacionais de mulheres, muitos deles articulados pelo PC.

Da esquerda para direita Elisa Kauffmann Abramovich, Júlia Santiago da Conceição e Julieta Battistioli. Militantes comunistas, todas elas foram eleitas vereadoras em 1947. Diponível em: CEDEM. Acesso em: 28/2/2024.

Elisa Kauffmann (1919-1963): Paulista, professora, filha de imigrantes judeus, Elisa foi eleita a primeira vereadora da cidade de São Paulo em 1947. Um ano depois, Elisa e todos os vereadores eleitos pela legenda do PST (Partido Social Trabalhista), foram cassados a partir da denúncia de que a legenda teria abrigado candidaturas comunistas. Ao longo da sua vida, Elisa se notabilizou por sua atuação junto à comunidade judaica, na luta pela educação e proteção da infância. 

Julia Santiago da Conceição (1917-1989): Pernambucana, negra, operária, têxtil, sindicalista, comunista, Julia foi eleita a primeira vereadora do Recife, em 1947 pela legenda do PCB. Fundadora do Sindicato de Fiação e Tecelagem de Pernambuco e colaboradora de vários jornais da imprensa comunista, Julia não foi alfabetizada formalmente. Eleita pela legenda do PSP (Partido Social Progressista), visto que o PCB já estava na ilegalidade, Julia se destacou em plenário pela luta por melhorias urbanas e direitos sociais dos/as trabalhadores/as. Julia também se destacou pela sua  atuação em associações femininas e na Federação de Mulheres de Pernambuco.

Julieta Battistioli (1907-: Nascida na cidade de Palmares, No Rio Grande do Sul, Julieta foi a primeira vereadora eleita na cidade de Porto Alegre, em 1948, pela legenda do PSP. Operária têxtil, Julieta desempenhou um papel de destaque junto às associações femininas e a Federação das Mulheres do Rio Grande do Sul, entidade vinculada ao PCB, bem como se notabilizou pela sua militância nas fábricas e nos bairros fabris da cidade.

Mulher militante do PCB, cuja identidade não foi identificada, discursando ao lado de Prestes. Data provável: 1946. Fundo Polícia Políticas/APERJ In: CORREIA &VISCO, 2022: 6.

Mulher não identificada: Na legenda da foto, lê-se: “Depois de eleito senador, Prestes, do mesmo modo que os demais representantes do Partido Comunista mantém-se em contato permanente com o seu povo, prestando contas do mandato que lhe foi conferido e ao mesmo tempo, mobilizando o povo com a sua palavra, para enfrentar as novas tarefas exigidas pela luta para assegurar as liberdades democráticas e liquidar os remanescentes do fascismo em nossa terra”.

Em um primeiro momento, sugerimos ao docente que apresente as imagens os/as estudantes e peça para eles/as observarem-nas e as descreverem. Estimule que a turma observe o que as mulheres estão fazendo nas imagens, a sua cor, a sua possível condição social, etc. Caso os/as estudantes tenham feito pesquisas, este será também um momento de trocas de informações sobre as mulheres apresentadas.

Em um segundo momento, o professor/a deve trazer informações sobre as mulheres apresentadas. Feito isso, sugerimos que a turma seja dividida em grupos, e em uma folha registre as suas impressões sobre as seguintes questões:

1. O movimento que luta pelos direitos das mulheres é unívoco ou existem diferenças no interior deste? Se sim, quais diferenças vocês identificaram? E quais são as semelhanças que os une?
2. Podemos ver similaridades entre os movimentos feministas/ femininos do passado e os de hoje? Quais?
3. Vocês já tinham ouvido falar em alguma dessas mulheres, antes desta aula? Provavelmente, assim como grande parte da população brasileira, vocês nunca tinham ouvido falar. Por que vocês acham que isso ocorre?
4. Escolha uma das imagens que mais chamou a atenção de vocês e justifique a sua escolha.

Etapa 3: Aprofundamento

Exibição do filme As Sufragistas

Após a exibição de As Sufragistas, o/a professor/a deve fazer um debate tendo como ponto de partida a história vivida por Maud Watts. O filme, que se passa por volta de 1912, apresenta as longas jornadas que as mulheres trabalhadoras enfrentavam desde a infância. Além do cansaço causado pelo trabalho, essas mulheres eram reféns de políticas machistas da época, que as mantinham em uma posição inferior e dependente de um homem. Esse pensamento, enraizado na sociedade, persiste ao longo dos anos. Reunidos em grupos, os/as estudantes receberão uma folha impressa e responderão às seguintes questões:

1. Por que a personagem Maud Watts se juntou às Sufragistas?
2. Discorra sobre as condições de trabalho retratadas no filme e compare-as com o tempo presente: há semelhanças ou diferenças?
3. Como a sociedade reagiu após Maud ir contra o pensamento dominante da época e questionar seu espaço sociopolítico?
4. Mr. Taylor, chefe da lavanderia, comete assédio moral e sexual contra as trabalhadoras. Pesquise se hoje há alguma lei contra tais crimes.
5. As mulheres possuíam direitos sobre seus filhos? E nos dias de hoje, como a Justiça orienta que deve ser a convivência dos filhos com pais separados?
6. Maud Watts fazia dupla jornada de trabalho: na lavanderia de Mr. Taylor e em casa, onde era responsável por cozinhar, lavar as roupas e cuidar do seu filho George. Hoje em dia as mulheres ainda cumprem essa dupla jornada? Explique.

Etapa 4: Para além do direito ao voto: as reivindicações da mulher trabalhadora brasileira na esfera pública/ política.

Divididos em grupos, os/as estudantes receberão uma folha com as s fontes abaixo e com as questões reproduzidas em seguida.

APERJ. Folheto da campanha da sindicalista Odila Schmidt, eleita vereadora na cidade do Rio de Janeiro (então Distrito Federal). Disponível em: Open Edition Books. Acesso em: 02/03/2024.
APERJ. Panfleto da Associação Feminina do Distrito Federal. Data provável: década de 1950. Disponível em: Open Edition Books. Acesso em: 02/03/2024.

1. Quais reivindicações estão presentes nas fontes nº 1 e nº 2 no que diz respeito às questões voltadas para os direitos das trabalhadoras e trabalhadores?
2. A fonte nº 1 apresenta pautas voltadas exclusivamente às mulheres? Quais são elas? Nos dias de hoje, esses direitos foram conquistados?
3. A partir das fontes apresentadas, reflita sobre a importância da representatividade das mulheres na esfera política/ pública.

Etapa 5: A luta pelos direitos assegurados e os que ainda estão por vir

Em um data-show, projete as imagens abaixo e peça para os/as estudantes, observem e teçam comentários a respeito das mesmas. 

Movimento Mulheres Negras Decidem. Fonte: ANDRADE, Wendy. Revista Cult, 2020. Acesso em 27/02/2024.
Vereadora Marielle Franco. Disponível em: CRESS-PR. Acesso em: 02/03/2024.

Marielle Franco (1979-2018): Ativista política e defensora das comunidades marginalizadas, foi Vereadora da Câmara do Rio de Janeiro e Presidente da Comissão da Mulher da Câmara. Criada na Favela da Maré, se tornou porta-voz na luta contra a violência policial e pelos direitos das mulheres, negros e LGBTQIA+. Em 14 de março de 2018, Marielle foi brutalmente assassinada a tiros no Rio de Janeiro, ao lado do seu motorista Anderson Gomes. Sua morte despertou não só a comoção mundial, como também a revolta e vontade do povo de dar continuidade a sua luta (ROCHA, 2018). Espera-se que os/as estudantes reflitam sobre o racismo estrutural e como a desigualdade racial também está presente na representatividade das mulheres na esfera política e na vida pública.

Após o debate, reunidos em grupos, os/as estudantes deverão produzir um Projeto de Lei visando as questões de igualdade de gênero (e racial também, se acharem pertinente). Após a realização da tarefa, os/as estudantes devem pesquisar se o Projeto de Lei criado pelo grupo já existe no Brasil e como se dá o processo de encaminhamento até a sua aprovação na Câmara dos Deputados.

Bibliografia e Material de apoio:

CORRÊA, Larissa e Nina Teruz Visco. “Falam as eleitas do povo”: vereadoras e comunistas, a atuação das mulheres comunistas no Rio de Janeiro (1946-1948). Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 14, 2022.

FRACCARO, Glaucia Cristina Candian. Os direitos das mulheres: organização social e legislação trabalhista no entreguerras brasileiro (1917-1937). Campinas: UNICAMP, 2016. Tese de Doutorado.

NUNES, Guilherme Machado. A primeira vereadora do Recife era negra? História oral, memória e disputas em torno de Julia Santiago da Conceição (1933-tempo presente). História Oral, v. 25, nº 1, jan/jul. 2022.

_________________________. Elisa Kauffman Abramovich: classe, gênero e identidade na vida de uma professora judia e comunista. Cadernos de História. Belo Horizont, v. 20, nº 32, 2019.

___________________________. Julietta Battistiolli: a trajetória militante de uma operária comunista. Aedos, Porto Alegre, v. 12, nº 16, agosto de 2020.

ROCHA, Lia de Mattos. A vida e as lutas de Marielle Franco. EM PAUTA, Rio de Janeiro, 2º Semestre de 2018 – n. 42, v. 16, p. 274 – 280. Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

TENÓRIO, Patricia Cibele da Silva. A vida na ponta dos dedos: a trajetória de vida de Almerinda Farias |Gama (1899-1999) – feminismo, sindicalismo e identidade política. Brasília: UnB, 2020. Dissertação de mestrado.


Créditos da imagem de capa: Mulher militante do PCB, cuja identidade não foi identificada, discursando ao lado de Prestes. Data provável: 1946. Fundo Polícia Políticas/APERJ In: CORRÊA, Larissa e Nina Teruz Visco. “Falam as eleitas do povo”: vereadoras e comunistas, a atuação das mulheres comunistas no Rio de Janeiro (1946-1948). Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 14, 2022.


Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral e Samuel Oliveira.

Contribuição Especial #32: O 8 de março das trabalhadoras e a longa luta por direitos


Fabiane Popinigis
Professora Associada do Departamento de História da UFRuralRJ


A jovem Laura Maria foi trabalhar na casa de um português viúvo que vivia numa chácara. no Rio de Janeiro, distante do centro da cidade. Ele tinha dois filhos e juntos moravam numa casa relativamente grande. Após a morte da esposa o velho Silva precisava que cuidassem dos filhos e fizessem todo o serviço da casa. Era o que Laura fazia todos os dias: tratava das crianças, cozinhava, lavava, limpava e dava de comer a todo mundo, inclusive outros trabalhadores que ali frequentavam. Quando Silva morreu, Laura ficou sem receber a compensação que considerava justa pelos seus serviços, e entrou na justiça para demandar salários naqueles idos de 1890. Mas o genro do português, casado com a filha dele, justamente aquela da qual Laura havia cuidado, ficou responsável pela herança e se recusava a remunerá-la, afirmando que não era criada, e sim amásia de Silva. Jogando com a moralidade e com a falta de legislação (e considerando que não eram casados), o genro contestava o do trabalho da moça.  Para o advogado de Laura, custava a crer que ela se sujeitasse a lavar e engomar para Silva e seus filhos e ainda mais cozinhar para eles e outros empregados sem outro interesse além do amor, assim formulando e expressando, quase um século antes, aquilo que Silvia Frederici assim descreveu: “o que eles chamam de amor nós chamamos de trabalho não remunerado”.

Antes de Laura, a portuguesa Anna e a ex-escravizada Francisca, entre outras também foram à Justiça demandar salários a homens que exploraram seus serviços em casas comerciais do Rio de Janeiro. Elas carregavam lenha e água, cozinhavam e serviam os outros trabalhadores da casa, limpavam e lavavam para a casa e a tavernas, cujo lucro ia para eles. Não eram casadas, não tinham contrato de trabalho e não conseguiam provar que era uma trabalhadora porque o estigma de amásia e concubina foi mobilizado contra elas. Hermínia da Conceição era um caso diferente: quando menina havia sido vítima da escravização ilegal e criminosa corrente no período. Reunindo forças e aliados conseguiu sua liberdade na Justiça, e depois voltou a ela para reivindicar também seu direito aos salários pelo tempo de serviço que lhe havia sido roubado, em plena década da Abolição da escravidão e da proclamação da República.

Jean Baptiste Debret – Lavadeiras do Rio das Laranjeiras, 1826. Disponível em: Wikipédia. Acesso: 08 de março de 2024. As lavadeiras – escravizadas, livres e libertas – eram presença constante trabalhando juntas em fontes e Rios, conhecidas pelo trabalho fundamental e pela sua presença marcantes nos espaços públicos da cidade.

Essas mulheres e tantas outras, trabalhadoras pobres que viveram há mais de um século, mobilizaram a Justiça para tentar obter o que era seu. Lutaram no mundo masculino do direito no qual juízes, promotores, advogados e desembargadores lhes lançavam olhares de desconfiança e suspeita. E mesmo assim conseguiram aliados e testemunhas e insistiram em suas demandas, muito antes da existência de qualquer direito trabalhista como conhecemos hoje.

Apesar de que, por essa mesma época, entre o fim do século XIX e o início do XX mulheres e crianças lotavam as fábricas de tecidos, sendo por vezes a maioria da “mão de obra” ali existente, trabalhando tanto ou mais por muito menos em jornadas exaustivas do que os homens, volta e meia nos dias de hoje circula o argumento de que as mulheres querem direitos iguais apenas para boas condições e salários, mas que “elas não querem ser pedreiras e carregar saco de cimento”. Esse falso argumento apelativo desconsidera o quanto as mulheres sempre lutaram por ocupar mais posições no mercado de trabalho, e serem reconhecidas como trabalhadoras, por mais oportunidades de sobrevivência e autonomia para si e para os seus. De fato as mulheres sempre trabalharam, mas poucos sabem que apenas em 1967 ganharam autonomia legal para trabalhar ou empreender sem a permissão dos maridos.

O movimento pelo salário igual por trabalho igual foi vitorioso ao vigorar na CLT. Mas a luta pela igualdade salarial entre homens e mulheres permanece, pois elas ainda recebem muito menos trabalhando nas mesmas posições. Em 2023 o presidente Lula sancionou a lei de igualdade salarial determinando multas às empresas que a descumprirem, e muitas delas já afirmaram que vão judicializar a questão. Surpreendente, empresários recorrendo para não pagar salário igual para as mulheres?  Estarão de acordo com o ex-presidente, que afirmava que as mulheres, por ficarem grávidas, gerarem e cuidarem de seus filhos, merecem ganhar menos que homens na mesma posição e que, portanto, pagar menos é um direito do empresário? Seria um retrocesso de ao menos um século no debate, lembrando que direitos duramente conquistados podem muito bem ser perdidos pois a história não é linear.

E por isso hoje é dia de lembrar que cada vitória merece ser reconhecida, rememorada e comemorada pois por trás delas estão gerações de mulheres que com solidariedade, esforço individual e luta coletiva abriram os caminhos que hoje trilhamos. A luta continua, pois sem luta não há direitos e hoje luta é pela vida, nos queremos VIVAS, e queremos poder decidir. Como escreveu Bel Hooks: “o amor tem o poder de nos transformar e nos dar força para que possamos nos opor à dominação. Escolher políticas feministas é, portanto, escolher amar”.



PARA SABER MAIS:

FEDERICI, Silvia. O patriarcado do salário: notas sobre Marx, gênero e feminismo (v.1). Tradução: Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021. p. 24.

LIMA, Henrique Espada; POPINIGIS, Fabiane. Maids, Clerks, and the Shifting Landscape of Labor Relations in Rio de Janeiro, 1830s-1880s. INTERNATIONAL REVIEW OF SOCIAL HISTORY, v. 1, p. 1-29, 2018.

PAULO, Paula Paiva. Mesmo mais escolarizadas, mulheres ganham 21% menos que homens; desigualdade maior é na ciência, aponta IBGE. G1, 08 de março de 2024. Disponível em: G1. Acesso em 08 de março de 2024.

POPINIGIS, Fabiane. “A emancipação da quase exclusiva classe trabalhadora do país, a classe escrava”: Disputas por indenização e salários na década da abolição. Mundos do Trabalho, v.15, 2023.


Crédito da imagem de capa: Publicação do Sintrajufe em comemoração à aprovação, pela Câmara dos Deputados do projeto de lei 1085/23, do governo Lula, que “institui medidas para buscar garantir a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens na realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função”. Equiparação Salarial entre homens e mulheres. Disponível em: SINTRAJUFE. Acesso: 08 de março de 2024.

LMT #128: Fábrica de Cimento Perus, São Paulo (SP) – Maria Helena Bertolini Bezerra e Pedro Augusto Bertolini Bezerra





Quem já participou de mobilizações e manifestações promovidas pelos movimentos sociais de Perus, provavelmente já se deparou com o lema “Firmeza Permanente”. A expressão utilizada pelos trabalhadores da Fábrica de Cimento, não se refere apenas às lutas dos operários da região, mas também se firmou como identidade de grupos organizados que lutam por justiça social e pela preservação da memória e divulgação da história do bairro.

Inaugurada em 1926, a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus (CBCPP), a maior e mais moderna fábrica de cimento do país à época, estava ligada ao processo de industrialização nacional apoiado por capital estrangeiro, nesse caso, canadense.

Afastada da região central da cidade de São Paulo, no distrito de Perus, a localização da fábrica foi favorecida pela proximidade da área de extração de calcário e pela presença das linhas férreas Perus-Pirapora (1914), que transportava a matéria-prima da cidade vizinha, Cajamar, até a fábrica; e a São Paulo Railway (1867), possibilitando o escoamento do cimento produzido. A instalação da fábrica de cimento foi de grande importância para a urbanização paulistana, fornecendo grande parte do material necessário para a construção de parte importante da cidade, em pleno processo de expansão.

A presença da fábrica atraiu trabalhadores de todas as regiões do país, em particular do Nordeste, mas também alguns estrangeiros. Em sua maioria homens, a CBCPP chegou a ter cerca de 1.400 operários em seu auge, no início da década de 1960. Nos terrenos de propriedade da empresa foram criadas vilas operárias, que dispunham de boa infraestrutura. A mais conhecida delas era a Vila Triângulo. No bairro como um todo, formaram-se vários loteamentos para acomodar a massa de trabalhadores considerados de menor qualificação.

Em 1951, a fábrica de cimento e todo complexo produtivo, incluindo a ferrovia, pedreiras de calcário, o Sítio Santa Fé (fazenda de reflorestamento situada em Perus) e terras que abrangem aproximadamente 60% do território do atual município de Cajamar, foram compradas por José João Abdalla, médico, deputado federal e Secretário do Trabalho no governo Adhemar de Barros (1950 – 1951).

À frente da administração da fábrica, Abdalla resolveu incrementar a produção de cimento sem alterar a capacidade produtiva da indústria, sobrecarregando os trabalhadores e a maquinaria, o que logo lhe rendeu a fama de “mau patrão”. Naquele contexto, o Sindicato dos Trabalhadores de Cimento, Cal e Gesso, ganhou reconhecimento entre os operários, ao organizar uma forte resistência à superexploração do trabalho. Com a assessoria do advogado Mário Carvalho de Jesus, um dos fundadores da Frente Nacional do Trabalho (FNT), organização inspirada nos princípios do solidarismo cristão, emergiu um poderoso movimento operário que envolvia os ideais da não-violência ativa, uma das principais estratégias da esquerda católica.

Em 1958, ocorreu uma primeira grande paralisação na empresa conhecida como a greve dos 46 dias, em que os trabalhadores reivindicavam aumento salarial e melhores condições de trabalho. A unidade, firmeza e apoio da comunidade, tornaram-se características marcantes das diversas greves dos trabalhadores da fábrica de cimento que ocorreram naquele período. Os operários de Perus passaram a ser conhecidos como “queixadas” (um porco do mato, que quando ameaçado se une em manada, bate o queixo e enfrenta o caçador), apelido surgido numa assembleia sindical.


Foi, no entanto, a greve iniciada em 14 de maio de 1962, que tornou os “queixadas” protagonistas de um dos movimentos mais importantes da história dos trabalhadores brasileiros.


Entre idas e vindas, liderados por João Breno, o movimento durou 7 anos. Diante da férrea intransigência patronal em atender as reivindicações e da repressão estatal, ainda mais acirrada com o golpe de 1964 e a intervenção ministerial no sindicato, muitos operários voltaram ao trabalho. Uma grande parte, no entanto, permaneceu paralisada, contando com o apoio de uma extensa rede comunitária e sindical.

Em janeiro de 1969, em pleno auge da ditadura militar, os trabalhadores da CBCPP ganharam na justiça o direito à indenização salarial pelos dias parados e a reintegração ao trabalho dos operários estáveis. Essa mobilização mostrou a força da luta baseada na não-violência, a “firmeza permanente”.

Após o fim da greve, a fábrica de cimento passou por períodos de instabilidade. Foram diversas as denúncias de fraudes e investigações conduzidas contra a gestão de Abdalla, cujos bens chegaram a ser confiscados pela União em 1973. Com a retomada da fábrica pelo Grupo Abdalla, o ritmo de produção de cimento diminuiu consideravelmente, assim como o faturamento da empresa. Em 1987, a Fábrica de Cimento Portland Perus fechou definitivamente.

Em 1992, o conjunto formado pela fábrica, as vilas operárias e a ferrovia foi tombado como patrimônio histórico da cidade de São Paulo, durante a administração da prefeita Luiza Erundina. Desde então, os movimentos sociais da região, inspirados pela firmeza dos trabalhadores locais, lutam pela reapropriação das dependências da antiga fábrica. Seus escombros marcam a paisagem da região, constituindo um grande monumento à luta e resiliência dos operários queixadas, um capítulo fundamental da história do trabalho no Brasil.

Visitação guiada às ruínas da Fábrica de Cimento Perus. Fonte: Facebook da Comunidade Cultural Quilombaque


Para saber mais:

  • BEZERRA, Maria Helena Bertolini. História e memória: A companhia de cimento Portland Perus e os movimentos sociais do bairro na prática pedagógica da escola municipal Cândido Portinari. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002.
  • CHAVES, Marcelo. Da periferia ao centro da capital: Perfil dos trabalhadores do primeiro complexo cimenteiro do Brasil. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.
  • JESUS, Mário Carvalho de (Org). Cimento Perus: quarenta anos de ação sindical transformando velha fábrica em centro de cultura municipal. São Paulo: JMJ, 1992.
  • FRAGOSO, A.; BARBÉ, D.; CÂMARA, H.; JESUS, M.; BRENO, J.; LEPARGNEUR, H.; KUNZ, A. A força da Não-Violência: a firmeza permanente. São Paulo: Loyola-Veja, 1977.
  • Filme Documentário: Os Queixadas. Direção: Rogério Correa. São Paulo, 1978. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=c5cNvw0UdrY

Crédito da imagem de capa: Manifestação dos trabalhadores da Cimento Perus no centro de São Paulo em 1962. Fonte: Acervo do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Cimento.


MAPA INTERATIVO

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Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Thompson at 100  Dossier



Introduction: Thompson at 100



On February 3, 2024, Edward Palmer Thompson would turn 100 years old. One of the twentieth century’s greatest historians, his work has had an enormous impact on the construction of social history and on historiographical and political debates since the 1960s. The reach of the books, articles, reflections, and political activities of the British Marxist historian has gone far beyond social labor history, the field that distinguished him, and has fostered discussions within a myriad of areas of historical knowledge and social theories.

In Brazil, the work of E. P. Thompson fundamentally influenced contemporary historiography. Without understanding the Thompsonian impact on our country, it is not possible to understand the advances we have made in labor history (of “free” and the enslaved, urban and rural, “formal” and “informal” work), in reflections on historical diversities of gender, race, and generations, and in historiographical debates at large.

To celebrate Thompson’s centenary, the portal of the Laboratory for Studies in History of the Worlds of Labor at Federal University of Rio de Janeiro (LEHMT/UFRJ) has launched the Thompson at 100  Dossier. We invited historians and social scientists from around the world, who, in short articles, wrote about the influence of Thompson’s work (or in some cases, of Thompson himself) on their personal production and/ or on the historiography of their countries, and themes reflecting on relevance of the British historian today. The dossier is published in Portuguese and English and will continue to receive new articles throughout this year.

Edited by Paulo Fontes, the dossier reveals a “global Thompson” by initially bringing together 20 unpublished and exclusive articles by 21 authors of 13 nationalities (Argentina, Belgium, Brazil, Canada, Chile, Germany, India, Italy, New Zealand, Turkey, South Africa, United Kingdom and United States), from the 5 continents. In addition to different origins, the authors come from different generations, thematic interests, and theoretical approaches.

The articles show us the strength, originality, and profound relevance of his work, while also pointing out various debates and criticisms that have been addressed over time. It is particularly interesting to understand the differences and similarities in the receptions of Thompson’s works, and reflections on class formation, culture, religion, agency, Marxism, and market economy, among others, in contexts as different as those of several countries in the North Global, from the Latin American and Turkish dictatorships, from the State of Emergency in India, or from South African apartheid. Furthermore, the various dimensions of Thompson’s life – as an anti-fascist communist activist, a popular educator, a central figure in the construction of the New Left, a pacifist leader, a university professor, a theatrical and charismatic speaker – are remembered by many and yielded juicy stories that will certainly capture the attention of our readers.

Finally, I would like to thank immensely the authors who kindly and, as a rule, enthusiastically, agreed to write for this dossier. The LEHMT/UFRJ team and translator Eneida Sela also deserve special thanks. The idea for the dossier was conceived at the beginning of 2024 and carried out, in a true tour de force, in around a month! This dossier is a clear demonstration that it is not only E. P. Thompson’s ideas and works that serve as an inspiration, but also his enthusiasm, energy, and struggle to transform the world.


Team

Editor: Paulo Fontes
Design and layout: Deivison Amaral and Larissa Farias
Graphic design: Brenda Dias and Eduarda Gabrielle Olimpio
Image Research: Thompson Clímaco
General publicity: Ana Clara Tavares
Translations: Eneida Sela

Dossiê Thompson 100 anos



Apresentação: Thompson 100 anos



No dia 3 de fevereiro de 2024, Edward Palmer Thompson faria 100 anos. Um dos maiores historiadores do século XX, sua obra tem tido um enorme impacto na construção da história social e nos debates historiográficos e políticos desde os anos 1960. O alcance dos livros, artigos, reflexões e atividades políticas do historiador marxista britânico tem ido muito além da história social do trabalho, campo que o consagrou, e tem fomentado discussões em uma miríade de áreas do conhecimento histórico e das teorias sociais.

No Brasil, a obra de E.P. Thompson influenciou fundamentalmente a historiografia contemporânea. Não é possível compreender os avanços que temos tido na história do trabalho (“livre” e escravizado, urbano e rural, “formal” e “informal”), nas reflexões sobre as diversidades históricas de gênero, raciais, geracionais, e nos debates historiográficos em geral sem entender o impacto thompsoniano em nosso país.

Para celebrar o centenário de Thompson, o portal do Laboratório de Estudos da História do Mundo do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LEHMT/UFRJ) está lançado o “Dossiê Thompson 100 anos”. Convidamos historiadores/as e cientistas sociais do mundo todo, que em artigos curtos escrevem sobre o impacto da obra de Thompson (ou em alguns casos do próprio Thompson) em sua produção pessoal e/ou na historiografia de seus países e temáticas e debatem a relevância do historiador britânico nos dias de hoje. O dossiê está publicado em português e inglês e continuará a receber novos artigos ao longo desse ano.

Organizado por Paulo Fontes, o dossiê nos revela um “Thompson global” ao reunir inicialmente 20 artigos inéditos e exclusivos em que 21 autores/as de 13 nacionalidades dos 5 continentes (África do Sul, Alemanha, Argentina, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, Estados Unidos, Índia, Itália, Nova Zelândia, Reino Unido e Turquia) . Além de diferentes origens, os/as autores/as são de diferentes gerações, interesses temáticos e abordagens teóricas.

Os artigos nos mostram a força, originalidade e atualidade de sua obra, sem deixar de apontar vários debates e críticas que foram feitas a ela ao longo do tempo. Particularmente interessante é perceber as diferenças e semelhanças nas recepções aos trabalhos e reflexões de Thompson sobre formação de classe, cultura, religião, agência, marxismo e economia de mercado, entre outros, em contextos tão distintos como os de vários países do Norte Global, das ditaduras latino-americanas e turca, do Estado de Emergência na Índia, ou do apartheid sul-africano. Além disso, as várias dimensões da vida de Thompson como militante comunista antifascista, educador popular, figura central na construção da Nova Esquerda, líder pacifista, professor universitário, orador teatral e carismático são recordados por muitos e rendem saborosas histórias que certamente prenderão a atenção de nossos/as leitores.

Por fim, gostaria de agradecer imensamente aos autores e autoras que gentilmente e, via de regra, entusiasticamente, aceitaram escrever para esse dossiê. A equipe do LEHMT/UFRJ e a tradutora Eneida Sela também merecem um agradecimento especial. A ideia do dossiê foi concebida no início de 2024 e realizada, num autêntico tour de force, em cerca de um mês! Esse dossiê é uma clara demonstração de que não apenas as ideias e obras de E.P. Thompson nos servem de inspiração, mas também seu entusiasmo, energia e luta por transformar o mundo.



Equipe

Organização: Paulo Fontes
Concepção do design e diagramação: Deivison Amaral e Larissa Farias
Projeto Gráfico: Brenda Dias e Eduarda Gabrielle Olimpio
Pesquisa de Imagem: Thompson Clímaco
Divulgação geral: Ana Clara Tavares
Traduções: Eneida Sela

Contribuição Especial #31: 1983 – saques contra a fome


Daniel Horta Alvim
                                                   Doutor em História pela UFF


Durante o ano de 1983, a economia brasileira apresentava uma persistente alta inflacionária e um alarmante nível de desemprego, fatores advindos da crise pela qual minguava o chamado “milagre econômico” Brasileiro. Os drásticos efeitos sociais promovidos por esta crise econômica podem ser medidos pelos dados divulgados pelo DIEESE, em setembro daquele ano. De acordo com aquele órgão sindical, o salário mínimo era, naquele momento, incapaz de garantir a alimentação adequada para uma única pessoa. E como consequência deste irrisório poder de compra, a maior parte das famílias conviviam com o drama da fome e subnutrição, em um cotidiano cada vez mais marcado pela carestia e crescimento da pobreza extrema. Cerca de 67% da população brasileira estava subnutrida e 48% estavam abaixo da linha da pobreza.

Foi diante deste cenário que os grandes jornais de circulação nacional passaram a divulgar notícias a respeito de uma série de mobilizações populares, realizadas em diversas regiões do território nacional. Homens, mulheres e crianças adentravam os supermercados e armazéns públicos para obter (à força) a comida necessária para a sua alimentação, no fenômeno que ficaria conhecido como “saques de 1983”. Somente no mês de setembro, mais de 50 saques ocorreram na região metropolitana do Rio de Janeiro e São Paulo. No Nordeste, as grandes capitais e as cidades do interior sofreram diversos saques sucessivos, ao longo de todo ano.

De fato, a prática de saquear supermercados e armazéns públicos para sanar a própria fome disseminou-se por todo o país. No interior do Nordeste, em algumas cidades, até cinco mil pessoas aglomeraram-se e buscaram alimentos. No Sudeste, os saques se concentraram nas periferias e regiões metropolitanas das grandes cidades. Ali chamavam a atenção o grau de violência e politização dos confrontos sociais, despertando bastante atenção da imprensa, pois frequentemente envolviam participantes mais organizados politicamente. Por este motivo, foram mais duramente reprimidos pelas forças policiais e por seguranças privados. De fato, é no noticiário dos grandes jornais de circulação do Rio de Janeiro e de São Paulo que encontramos o maior número de informações sobre intensos conflitos abertos (agressões, tiros, mortes) gerados pelos saques a supermercados destas capitais. Já no Nordeste, houve uma tendência para maior tolerância por parte das autoridades públicas e setores privados, havendo muitos exemplos de negociações e entregas de alimentos às populações famintas no próprio momento dos saques.

Uma explicação para essas diferenças de tratamento estaria no fato do maior temor que a organização política dos trabalhadores nas grandes capitais do Sudeste gerava nas autoridades públicas e nos grupos empresariais, bloqueando a abertura de qualquer tipo de concessão às lutas populares. No caso dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que haviam acabado de eleger governadores da oposição (Franco Montoro e Leonel Brizola, respectivamente), a politização da questão dos saques tornou-se ainda mais aguda. Muitos acusavam as esquerdas de inflamarem as massas para apenas desestabilizar a ordem social da ditadura. Outros argumentavam tratar-se de turbas imersas numa histeria coletiva ou impulsos descontrolados de uma multidão faminta.

Na verdade, os saques de 1983 foram resultados de um contexto histórico bastante específico, embora contando com os elementos das contradições já estruturais e históricas da desigualdade social brasileira. É preciso ressaltar, no entanto, que a prática dos saques remonta a antigas tradições culturais populares, sobretudo no interior do país e na região Nordeste. Nesses lugares, historicamente marcados pela desigualdade social e por severas conjunturas de fome, a população mais pobre criou a prática social de exigir comida dos governos locais ou dos grupos de comerciantes privados, quando a carestia atingia níveis críticos de miséria generalizada.

Um exemplo foi a mobilização popular ocorrida em Tabira, Pernambuco, em setembro de 1983. Mil e quinhentas pessoas chegaram ao centro da cidade carregando sacolas vazias e exigindo comida. Após investirem contra as barracas das feiras locais, foram dispersados pela polícia. Diante da pressão popular, a prefeitura resolveu distribuir comida à população pedinte.

Para além do reconhecimento desta tradição, algumas questões importantes ainda ficam: afinal, qual era a legitimidade subjetiva que impulsionava a população em direção aos centros detentores de comida? Por que os grupos de trabalhadores, chefes de família e donas de casa acreditavam poder adentrar os supermercados e armazéns públicos para pegar comida à força, superando, não apenas a crítica moral da sociedade, mas também ressignificando seus próprios princípios éticos de justiça? Dito de outra forma, uma vez que estes grupos não se enxergavam como quadrilhas organizadas para o crime, mas sim, em geral, como trabalhadores, quais foram os elementos subjetivos que impulsionaram e legitimaram os atos famélicos, para além das tradições populares já existentes até então?

Certamente, o contexto histórico do ano de 1983 é uma importante chave para se chegar a estas respostas. Uma série de mobilizações populares pela redemocratização do país ocorridas naquele período criavam um ambiente extremamente favorável para que os grupos populares entendessem como legítimas as suas exigências pelo direito à garantia da alimentação, ainda que sob a forma de saques a supermercados e armazéns públicos.

As lutas nacionais pelo fim da ditadura, a reorganização do pluripartidarismo, a retomada do sindicalismo autônomo e de movimentos sociais em larga escala, o surgimento da CUT, as greves generalizadas, a eleição de governos estaduais oposicionistas na região Sudeste, e o prenúncio do movimento das Diretas Já, entre outros, forjaram um contexto histórico no qual se constituíram legítimas as lutas pela retomada e busca de novos direitos. E inegavelmente, como consequência deste ambiente histórico, os saques de 1983 estavam inseridos em um movimento político que os tornavam amplamente legítimos dentro do imaginário popular.

Mas qual era o perfil dos chamados “saqueadores”? Através dos noticiários de jornais é possível reconhecer que os saques foram promovidos por pessoas das classes mais miseráveis e pobres do país, trabalhadores desempregados e assalariados, contando com grande participação de mulheres e, até mesmo crianças, em diversos atos e lutas em busca de alimentos. Em geral, as multidões entravam nos armazéns e supermercados e pegavam os alimentos para, em seguida, fugir em direção às ruas e comunidades em que viviam.

Os Saques no Rio de Janeiro, setembro de 1983″. Referência: Veja, Edição 784, Setembro de 1983. p. 42.

E ainda que seja plausível questionamentos éticos a respeito da legitimidade daqueles atos, sem nenhuma sombra de dúvida, as populações saqueadoras tiveram um importante papel histórico em pautar a fome como um problema fundamental. A intensidade e a quantidade de saques em 1983 estimularam cada vez mais as autoridades públicas, os partidos políticos, boa parte da imprensa e a população em geral a reconhecer a existência do problema, exigindo as soluções necessárias para resolvê-lo.

Os saques representaram o ponto mais extremo de um conjunto de mobilizações populares, intensificadas durante a década de 1980, que chamavam a atenção para o problema da fome brasileira. E uma de suas principais consequências políticas foi inserir o problema da fome nas pautas de lutas populares no combate à ditadura. Naquele momento, além de lutarem pela autonomia sindical, pela anistia, pela defesa do pluripartidarismo, das Diretas- já, entre outras, as organizações políticas e sindicais ligadas aos trabalhadores passaram a combater a fome no país.

Se antes dos saques de 1983 já existiam mobilizações neste sentido – como por exemplo, a criação, em 1981, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional para averiguar as causas da fome brasileira – logo após os saques, os debates sobre a questão se expandiram rapidamente por diversos meios institucionais. Diretamente ou indiretamente ligados aos efeitos políticos e sociais advindos dos saques, uma série de denúncias sobre a fome brasileira passaram a ser realizadas por diversas instituições, ao longo daquele período. Alguns exemplos foram:

– A Semana Josué de Castro, organizada pela PUC/SP em 1983, divulgando os índices oficiais e os estudos acadêmicos a respeito da fome nacional; 
– O documento “Genocídio do Nordeste”, produzido pela Comissão Pastoral da Terra e pelo Instituto IBASE – sob a organização do sociólogo Hebert de Souza (o Betinho), denunciando o número de mortos por fome no Nordeste e as condições extremas de miséria e fome vivida pela população brasileira, em geral;
– A Campanha da Fraternidade – “Pão para quem tem fome” – Conduzida pela CNBB, entre 1984 e 1985;
– As séries de reportagens nos jornais de grande circulação do país e na televisão, como o programa “Globo Repórter” (1983), chamando a atenção para existência da miséria extrema no Nordeste brasileiro.
– A Carta aberta (1983) enviada pela CUT/CONCLAT ao presidente João Figueiredo, denunciando entre outras mazelas, a existência da fome entre as famílias trabalhadoras brasileiras;
– A introdução consistente dos debates sobre a fome nas Comissões e Subcomissões do Congresso Nacional (1986), durante a elaboração da Constituinte de 1988.

Saque a supermercado no Jardim São Luís, na periferia sul de São Paulo, 1983. Foto de Jorge Araújo/Folhapress

Foi justamente o grande impacto causado pela experiência histórica dos saques famélicos e a proporção social tomada pelos debates em torno da fome que fizeram, a partir dos anos 80, uma diversa gama de instituições – não apenas partidárias, mas também ligadas à sociedade civil – assumirem o combate contra a fome enquanto uma fundamental pauta de luta da política nacional.

Foi exatamente aproveitando as experiências adquiridas na luta contra a fome, no contexto dos saques de 1983, que o sociólogo Betinho (Hebert de Souza) passou a promover a campanha “quem tem fome tem pressa”, realizada durante a década de 1990. Na década anterior, no auge dos conflitos gerados pelos saques, Betinho havia colaborado para organização da obra “Genocídio do Nordeste”, denunciando a expansão da fome naquela região. Na década seguinte, a partir de 1993 com a “Ação da Cidadania”, passou a arrecadar fundos e doações de alimentos para distribuir entre a população faminta brasileira: cerca de 32 milhões de pessoas (aproximadamente 20% da população). Com apoio do próprio Herbert de Souza, foi elaborado o “Mapa da Fome: Subsídios à Formulação de uma Política de Segurança Alimentar”, culminando com a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (1993) e com a realização da I Conferência Nacional de Segurança Alimentar (1994).

Outro líder de destaque nacional a aproveitar as experiências políticas vividas no contexto dos saques de 1983 foi Luis Inácio Lula da Silva. Enquanto líder sindical, na década de 1980, atuou nas greves que criticavam o arrocho salarial imposto pela ditadura, indicando este fator como uma das causas de expansão da fome nacional.  E durante a década de 1990, junto com Hebert de Souza, amadureceu ainda mais sua percepção sobre a importância da luta contra a fome, em particular nas chamadas “Caravanas da Cidadania” que percorreram diversas regiões do país. Já na campanha presidencial das eleições de 2002, apresentou o Programa “Fome Zero” como proposta política e social para garantir a adequada alimentação da população brasileira.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU), os resultados históricos obtidos pelo programa Fome Zero e as políticas sociais de transferência de renda, como o Bolsa Família, foram bastante contundentes. O Brasil conseguiu reduzir a fome severa de 10,6% de sua população total (cerca de 19 milhões de pessoas) no início dos anos 2000 para menos de 2,5% no triênio 2008-2010.

Os saques de 1983 tiveram uma forte contribuição histórica na luta pela conquista do direito à alimentação no Brasil recente. Lideranças políticas e sociais foram amplamente impactadas pela força das lutas populares e perceberam a importância de consolidar a garantia da alimentação entre os mais pobres e necessitados, seja através de campanhas ou de programas de políticas públicas. Porém, 40 anos depois, a fome voltou a crescer no Brasil. De acordo com a FAO, em 2022, cerca de 21 milhões de pessoas conviveram com a fome em nível severo. E considerando esta persistência do problema, torna-se fundamental revisitar e reconhecer as lutas pelos direitos de cidadania, em especial, o direito de alimentar-se adequadamente. Afinal, foi este o objetivo último dos grupos famintos e – forçadamente – saqueadores de 1983.

“Através da imprensa, os saques de 1983 foram incorporados ao imaginário coletivo”. Referência: Charge do Gê. Folha de São Paulo, abril, 1983.



PARA SABER MAIS:

ALVIM, Daniel. Mobilizações contra a fome: 1978-1988. Tese de Doutorado, UFF, 2005.

CASTRO, Josué de. Geografia da fome. Antares, 1976.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org). Raízes da Fome. Petrópolis: Vozes, 1983.

SADER, Eder. Quando os novos personagens entram em cena. Paz e Terra: Rio de Janeiro,1982.

THOMPSON, E. P. A economia moral da multidão inglesa no século XVIII. In: Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras. 1998.


Crédito da imagem de capa: Imagem que se tornaria famosa em 1983 como símbolo da fome que assolava o nordeste retratava um sertanejo com um “calango”, que seria o seu único alimento naquele dia. Foto de Delfim Vieira. Acervo Cpdoc/JB