LMT #92: Colônia de Férias do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de São Paulo, Praia Grande (SP) – Paulo Fontes



Paulo Fontes
Professor do Instituto de História da UFRJ e Coordenador do LEHMT/UFRJ 



Desde os anos 1950, o balneário de Praia Grande, no litoral paulista, foi se consolidando como um dos principais destinos turísticos e de veraneio dos trabalhadores de São Paulo. Praia Grande tornou-se sinônimo de praia popular e, não por acaso, diversas entidades sindicais construiriam ali suas colônias de férias entre as décadas de 60 e 80. Atualmente com cerca de 160 colônias, muitas delas na famosa Avenida dos Sindicatos, a cidade é considerada o maior centro de lazer sindical da América Latina.

A colônia de férias do tradicional Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de São Paulo em Praia Grande entraria para a história não apenas como um espaço de recreação, mas por sediar um dos mais importantes encontros da história do movimento sindical brasileiro. Projetada pelo renomado arquiteto Vilanova Artigas, cujas conexões com o movimento operário vinham de sua militância no Partido Comunista Brasileiro, a sede da colônia começou a ser construída em 1969, mas levaria vários anos para ser concluída. De toda forma, já era utilizada ao longo da década de 1970.

O ciclo de greves iniciado pelos metalúrgicos do ABC em 1978 colocou o sindicalismo no centro da arena política do processo de redemocratização do país. Naquele contexto, iniciativas para coordenar e unificar as várias lutas e demandas dos mundos do trabalho ganhavam espaço e voltava à baila uma antiga proposta de criação de uma central sindical única.

Unificar o movimento sindical, no entanto, não era tarefa simples. Além das diversas diferenças regionais e entre categorias, as divisões políticas tornavam-se acentuadas. Dois grandes blocos chamavam a atenção. De um lado, os chamados sindicalistas “autênticos”, que reuniam dirigentes de sindicatos e de oposições sindicais que se auto intitulavam parte de um “novo sindicalismo”. Muitos deles eram fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), criado em 1980. De outro, o grupo “Unidade Sindical”, que reunia sindicalistas vinculados a partidos de esquerda como o PCB e o PCdoB, além de dirigentes sindicais considerados moderados, alguns deles antigos interventores. Dois metalúrgicos, Lula, de São Bernardo do Campo e Joaquinzão, de São Paulo, eram as figuras de maior destaque de cada um desses setores.

Apesar dessas diferenças, o protagonismo dos trabalhadores na luta contra a ditadura militar e os fortes efeitos recessivos da crise econômica que tomava conta do país levaram as variadas correntes do sindicalismo brasileiro a organizar um grande evento unificado que superasse as divisões e avançasse a organização dos trabalhadores. Esse evento foi a  1ª Conferência da Classe Trabalhadora (Conclat), realizada entre 21 e 23 de agosto de 1981 na Colônia de Férias do Sindicato dos Têxteis em Praia Grande.

 Ainda em construção, a colônia já tinha um amplo salão de reuniões e dez apartamentos. Hugo Perez, líder sindical dos eletricitários e um dos idealizadores do evento, lembraria anos depois que “muitos sindicatos não quiseram ceder a colônia para fazer a Conclat por receio da ditadura”. Não era para menos. Três meses antes, agentes do governo tentaram explodir o Riocentro em uma ação desastrada. 

A Conclat foi um dos maiores encontros sindicais da história do país. Compareceram 5.036 delegados e delegadas, representando 1.091 entidades sindicais de todo o país e das mais variadas categorias profissionais urbanas e rurais. A efervescência sindical brasileira também chamava a atenção do sindicalismo internacional e centrais sindicais de países como Estados Unidos, Alemanha, Portugal e França, entre outros, enviaram representantes. Em um contexto de luta contra a ditadura e prestígio do movimento sindical, diversas lideranças políticas de oposição como Luís Carlos Prestes, Teotônio Vilela, Ulysses Guimarães, Mário Covas compareceram ao evento.


O grande afluxo de sindicalistas provocou dificuldades para a logística. Hugo Perez lembra que “aqueles que não tinham acomodações, dormiram na praia. De manhã cedo, estava aquela turma parada, olhando o mar. Aí, de repente um pega a água do mar, põe na boca: ‘Salgado’. Não conheciam o mar!”. 


Apesar dos debates acalorados, o ambiente geral era festivo. No dia 22 de agosto, quando foi anunciada a morte do cineasta Glauber Rocha, um emocionante minuto de silêncio tomou conta do plenário, seguido de aplausos aos “artistas trabalhadores”, como lembraria Clara Ant, uma das delegadas da Conclat.  As imediações da colônia de férias lembravam uma quermesse popular, onde se vendia comida, livros e jornais de variadas correntes políticas, além de camisas de times de futebol.

A agenda de debates era extensa. A estrutura sindical corporativa brasileira foi um dos temas mais polêmicos, colocando “autênticos” e a “Unidade Sindical” em polos opostos. Táticas de como enfrentar a ditadura militar e os desafios da redemocratização também eram divergentes, embora tenha sido possível construir uma agenda comum de luta contra a carestia e o desemprego e a defesa da redução da jornada de trabalho e de uma Assembleia Nacional Constituinte Livre e Soberana. Foi formada uma Comissão Pró-CUT, mas a desejada unidade organizativa não se concretizou e nos anos seguintes seriam formadas duas centrais sindicais, a CUT e a CGT.

A Conclat foi um momento central de afirmação da identidade dos trabalhadores e de demonstração de força do movimento sindical na construção da democracia brasileira. A agenda política ali construída marcaria fundamentalmente a ação do sindicalismo nas décadas seguintes. E a Colônia de Férias do Sindicato dos Têxteis de São Paulo foi o cenário desse encontro memorável da história dos trabalhadores e trabalhadoras em nosso país.

Delegados e delegas durante a Primeira Conclat. Fotografia de Jesus Carlos
 Lula discursa na I Conclat em Praia Grande. Acervo CEDOC/CUT

Para saber mais:

  • ALMEIDA, Maria H. Tavares de. Crise econômica e organização de interesses: as estratégias do sindicalismo brasileiro nos anos 80. Tese de Livre-Docência. São Paulo, USP, 1992.
  • GIANNOTTI, Vito & LOPES NETO, Sebastião. CUT ontem e hoje — o que mudou das origens ao IV Concut. Petrópolis, Vozes, 1991.
  • MERCADANTE, Aloísio; RAINHO, Luis Flavio. CUT e Conclat: a divisão política do movimento sindical. Aconteceu Especial – Trabalhadores urbanos no Brasil 82/84. São Paulo/Rio de Janeiro: CEDI, 16, 1986.
  • OLIVEIRA, Roberto Véras. Sindicalismo e Democracia no Brasil: Do Novo Sindicalismo ao Sindicato Cidadão. São Paulo: AnnaBlume/Fapesp, 2011.
  • Filme documentário: 1a CONCLAT: Conferência Nacional da Classe Trabalhadora. Diretor Adrian Cooper, 2011. https://www.youtube.com/watch?v=xpFx4GjHOII

Crédito da imagem de capa: Reprodução do cartaz da I Conclat


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