LMT#87: Empresa Industrial Garcia e Amazonas Esporte Clube, Blumenau (SC) – Cristina Ferreira



Cristina Ferreira
Professora do Departamento de História da Universidade Regional de Blumenau



Blumenau tornou-se nacionalmente conhecida como o principal polo têxtil em Santa Catarina. Seu processo de industrialização, um dos mais antigos do país, possui vínculos estreitos com o fluxo imigratório no Vale do Itajaí, iniciado na década de 1840. As primeiras fábricas têxteis da cidade foram iniciativas de artesãos estrangeiros ligados às atividades de fiação e tecelagem.

A Johann Heinrich Grevsmuhl & Cia, por exemplo, era uma pequenina manufatura têxtil, de propriedade de imigrantes alemães, incrustada no vale cortado pelo Ribeirão Garcia, tendo iniciado suas atividades por volta de 1868. Em 1918, passou a ser denominada Empresa Industrial Garcia, contando com acionistas de Curitiba. A maioria de seus trabalhadores tinha ascendência germânica. Na década de 1930, tornou-se uma das principais fábricas têxteis de Santa Catarina, com sua produção em roupas de cama e toalhas de mesa, atraindo trabalhadores de várias regiões, em particular do litoral do estado. Em 1974 foi incorporada pela Fábrica de Artefatos Têxteis Artex S/A,  e o patrimônio de ambas formou um amplo complexo industrial que, ainda hoje, atua como alicerce da economia na cidade.

A presença de fábricas têxteis marcou profundamente a geografia social de  Blumenau. Por volta dos anos de 1960, dois bairros concentravam a maioria dos trabalhadores da cidade. Um deles era o Garcia, na região sul, onde se localizava a Empresa Industrial Garcia com cerca de 2.700 trabalhadores à época. O outro era o Bom Retiro, situado na região oeste, nas proximidades do centro, bairro da  Hering com seus 1.800 operários. Nesses bairros predominaram vilas operárias, formadas por pequenas casas de madeira construídas pelos estabelecimentos fabris e alugadas por preços um pouco mais acessíveis aos operários. A proximidade dos locais de trabalho favorecia tanto a pontualidade e a assiduidade, quanto o controle social do cotidiano dos trabalhadores e suas famílias.


Mas, essa proximidade entre o local de trabalho e a moradia também fortificou os laços de sociabilidade entre os trabalhadores. Associações de moradores e clubes desportivos de bairros foram organizações importantes que expressaram uma forte dinâmica comunitária em Blumenau.


O Amazonas Esporte Clube foi um dos mais expressivos exemplos dessa cultura associativa. Iniciou suas atividades por volta de 1919 e conquistou a posição de um dos clubes de futebol mais queridos entre os trabalhadores têxteis de Blumenau, atraindo muitos torcedores em seus torneios dominicais. Seu estádio era considerado um dos melhores de Santa Catarina e foi construído nas imediações da fábrica, tornando-se o único clube de futebol amador a integrar a liga profissional da cidade. Todos os seus jogadores trabalhavam na Empresa Industrial Garcia ou na Cooperativa de Consumo dos Empregados. Durante a maior parte de sua história, a maioria dos jogadores era de origem étnica alemã, mas nas décadas de 1950 e 60, predominaram os descendentes de portugueses oriundos do litoral catarinense. Apesar de uma prática esportiva eminentemente masculina, os jogos congregavam, num ambiente geralmente festivo, as famílias operárias, com forte presença de mulheres e crianças. O clube demarcava um ideal de que ser trabalhador na Garcia significava, literalmente, vestir a camisa da empresa em todas as ocasiões.

Segundo Norberto Gonçalves, antigo tecelão da Garcia, a participação no time de futebol do Amazonas não estava ligada ao complemento da renda e sim a um sentimento de prazer e identificação social. Afinal, “não recebia nada, a gente treinava porque gostava do esporte. Eles davam o material, davam chuteira, davam tudo, uniforme. Então, a gente ia lá e treinava”. Em 1957 o Amazonas Esporte Clube venceu de forma invicta a segunda divisão da Liga Blumenauense de Futebol e passou a disputar, no ano seguinte, a divisão profissional da cidade, permanecendo nesta condição até 1965. De maneira geral, nas memórias dos trabalhadores, o time do Amazonas Esporte Clube é lembrado de forma saudosa, como um importante espaço de autonomia e identidade operária.. Dário Cunha, também trabalhador do setor de tecelagem afirmava com orgulho que aquele era um time “só de operários e que contava com a presença de mecânicos, contramestres, tecelões e trabalhadores de todas as especialidades técnicas do setor têxtil.”

O Amazonas Esporte Clube foi campeão em diversos torneios municipais e estaduais e seu estádio estava sempre repleto de fiéis torcedores. Seu último título aconteceu em 1974, quando conquistou a Taça Governador Colombo Machado Salles. Após a incorporação da Empresa Industrial Garcia pela Artex, o Amazonas Esporte Clube foi desativado, por ordem dos novos dirigentes da companhia, o que causou imensa revolta e indignação entre os torcedores e pessoas ligadas ao clube. A sede do Amazonas chegou a ser saqueada, com a perda de documentos, imagens, medalhas e troféus.

Ao longo de sua existência, o Amazonas Esporte Clube foi um importante espaço de lazer e agência dos trabalhadores. Suas conexões com outros pequenos clubes de futebol, como o Canto do Rio, com outras associações comunitárias e também com o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fiação e Tecelagem de Blumenau fizeram do clube um polo fundamental da vida organizativa na cidade. Sua história está articulada aos melhores sentidos de uma cultura associativa operária: diversão, vínculos identitários e laços de solidariedade capazes de congregar os interesses de classe, tornando-se um símbolo de pertencimento dos trabalhadores em Blumenau.

Time do Amazonas Esporte Clube, campeão da segunda divisão do futebol catarinense em 1957
Vila Operária nas proximidades da Empresa Industrial Garcia, composta por aproximadamente 200 moradias. 
Acervo do Arquivo Histórico José Ferreira da Silva (AHJFS), Blumenau – SC.


Para saber mais:

  • ANNUSECK, Ellen. Nos bastidores da festa: outras histórias, memórias e sociabilidades em um bairro operário de Blumenau (1940-1950). 2005. 163 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
  • FERREIRA, Cristina. Contrastes e prazeres da sociabilidade dos trabalhadores têxteis de Blumenau (1958-1968). Blumenau: Edifurb, 2018.
  • SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana: análise da evolução econômica de São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.
  • Site http://adalbertoday.blogspot.com/2009/09/amazonas-esporte-clube-90-anos-de.html

Crédito da imagem de capa: Complexo da Empresa Industrial Garcia com o campo do Amazonas Esporte Clube (1971). Acervo do Arquivo Histórico José Ferreira da Silva (AHJFS), Blumenau – SC.


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Paulo Fontes

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