LMT#101: Santa Bárbara (antiga Vila Operária da CBCA), Criciúma(SC)



Bruno Mandelli
Doutorando em História na UFRGS



Quem percorre hoje as ruas do bairro Santa Bárbara, Criciúma, cobertas de asfalto, não imagina que há meio século era uma vila operária de estrada de chão e repleta de casas de madeira. Foi neste bairro que uma das primeiras mineradoras de carvão foi fundada: a Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá (CBCA), no ano de 1913, pelo empresário carioca Henrique Lage. Entretanto, somente após o final da Primeira Guerra Mundial, no final da década de 1910, que a mineração de carvão se expandiu consideravelmente devido à escassez da importação do carvão inglês.

A fundação dessa empresa atraiu grande quantidade de operários. Eram imigrantes italianos, espanhóis, alemães, russos, tchecoslovacos, entre outros, mas também migrantes nacionais oriundos de regiões próximas, como pescadores ou agricultores do litoral sul de Santa Catarina, ou até mesmo de regiões mais longínquas, como o norte e nordeste do país. 

Logo, Criciúma tonou-se conhecida como a “capital brasileira do carvão”. Em 1946, a produção local do minério ultrapassou a do Rio Grande do Sul. O carvão extraído era, principalmente, destinado à recém-inaugurada usina da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ). A partir dos anos 1920, a cidade se expandiu em torno da indústria carvoeira. No final da década de 1940, a mão de obra estimada em toda região carbonífera era de cerca de 10 mil pessoas sendo que a população total do município de Criciúma era de cerca de 50 mil habitantes.

Desde os anos 1920, disseminaram-se vilas operárias por toda a cidade. Vila Próspera, Vila Operária Nova e Vila Mina do Mato são alguns exemplos desses bairros de trabalhadores mineiros que passaram a moldar a paisagem urbana de Criciúma. As vilas eram utilizadas como propaganda para atrair operários de outras regiões, em particular no contexto da Segunda Guerra Mundial, um período de grande crescimento da mineração. 

Uma das vilas mais importantes criada na primeira metade do século XX foi a Vila Operária da CBCA. As casas de madeira dessa vila eram disponibilizadas como parte do contrato de trabalho com a empresa, descontado o aluguel dos salários. Em geral, as casas eram muito precárias, de apenas 3 cômodos, pequenas e insalubres para comportar famílias numerosas. Nessa vila também foram construídos armazéns, escola, e farmácia. Da igreja de Santa Bárbara, construída no bairro em 1935, avistava-se a boca da mina de carvão onde os mineiros passavam boa parte de suas vidas.

O controle social dos trabalhadores era intenso na vila. Até hoje, antigos moradores se recordam da atuação de fiscais da empresa que rondavam as ruas para vigiar os trabalhadores. Em momentos de conflitos, como greves, por exemplo, eram comuns as ameaças de despejo e expulsão.


No entanto, as experiências comuns de exploração e precariedade (além da insalubridade das casas, eram frequentes a falta de água potável, bem como as enchentes) forjaram laços de solidariedade e uma cultura militante entre as famílias mineiras. Frequentemente, os espaços da vila possibilitaram a organização e reivindicação de melhores condições de moradia e aumentos salariais.


Várias foram as greves organizadas pelos operários da CBCA. Uma das mais emblemáticas aconteceu em outubro de 1952, quando os trabalhadores paralisaram suas atividades por um período de 15 dias. Iniciada na Vila Operária dessa empresa, essa greve se espalhou pelas demais mineradoras da região, resultando na interrupção geral de todas as minas do município. Apesar da oposição inicial do Sindicato, que preferia uma saída negociada e conciliatória com os patrões, a greve teve imenso apoio da comunidade. Com a tensão aumentando nas ruas de Criciúma, uma assembleia com cerca de dois mil trabalhadores acabou aprovou uma contraproposta patronal de aumento salarial que foi vista como uma vitória dos mineiros.

A partir de 1957, o Sindicato passou a ser dirigido por lideranças comunistas e trabalhistas, que construíram uma militância combativa tanto nos locais de trabalho quanto nas vilas operárias. No início de 1960 organizaram uma greve histórica de quase 30 dias, com a paralisação total das minas de carvão, reivindicando o pagamento da taxa de insalubridade. Nos anos seguintes as greves se intensificaram na capital do carvão, tornando-se mais frequentes e radicalizadas.

A repressão das forças conservadoras não tardou. Logo após o golpe de 1964, o Sindicato dos mineiros de Criciúma sofreu intervenção militar e teve cerca de cinquenta lideranças presas. Além disso, cerca de 1.500 pessoas da região carbonífera foram convocadas pela polícia política a prestar depoimento sobre  supostos envolvimentos com atividades consideradas subversivas. Foco de repressão e de resistência, a capital do carvão ficou marcada pelo golpe que transformou a cidade, suas relações de trabalho e sua vida política.

A partir da década de 1990, a maioria das minas de carvão foi sendo paulatinamente desativada. Atualmente a atividade continua sendo desenvolvida somente nos municípios vizinhos de Siderópolis, Treviso, Lauro Müller e Urussanga. Mesmo assim, a Vila Operária, que teve seu nome alterado para Santa Bárbara nos anos 1960, continua sendo um local de memória dos trabalhadores, relacionado tanto às lutas travadas no século passado quanto à religiosidade popular na crença da santa protetora dos mineiros.

 Extração de carvão mineral da Companhia Brasileira Carbonífera Araranguá (CBCA), 1917.
Acervo Arquivo Histórico Municipal Pedro Milanez


Para saber mais:

  • MANDELLI, Bruno. Das minas de carvão para a Justiça: as lutas dos mineiros acidentados de Criciúma/SC. Amazon.com.br eBooks Kindle: Das minas de carvão para a justiça: As lutas dos mineiros acidentados de Criciúma/SC, Mandelli, Bruno
  • BERNARDO, Roseli Terezinha; COSTA, Marli de Oliveira; OSTETTO, Lucy Cristina. A casa e a vila: a família operária e a moradia na região carbonífera (1913-1930). In: GOULART FILHO, Alcides (org.). Memória e cultura do carvão em Santa Catarina. Florianópolis: Cidade Futura, 2004.
  • CAROLA, Carlos R. Assistência médica, saúde pública e o processo modernizador da região carbonífera de Santa Catarina (1930-1964). São Paulo: FLCH/USP, Tese de Doutorado, 2004.
  • COSTA, Marli de Oliveira. Artes de viver: recriando e reinventando espaços – memórias das famílias da Vila Operária mineira Próspera Criciúma (1945/1961). Florianópolis, 1999. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Santa Catarina.


Crédito da imagem de capa: Vila Operária da CBCA , atual Santa Bárbara, início da década de 1950. Acervo CEDOC-UNESC


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As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

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