O golpe contra os trabalhadores – Paulo Fontes

O inédito espaço político conquistado por lideranças sindicais incomodava e amedrontava. O golpe de 1964 foi, sobretudo, um golpe contra os trabalhadores.

Em recente editorial no qual reconhece que o apoio ao golpe de 1964 foi um erro, o jornal O GLOBO justifica de forma reveladora que seu entusiasmo com a queda do governo de João Goulart era devido ao temor da instalação de uma suposta “República Sindical” no país. A retórica anticomunista e a histeria conservadora que contagiavam vastos setores das classes médias e altas tinham um alvo claro: o crescimento da organização de operários e de vastos setores populares nas cidades, bem como a impressionante mobilização de camponeses nas zonas rurais. O inédito espaço político conquistado por lideranças sindicais incomodava e amedrontava. O golpe de 1964 foi, antes de tudo e sobretudo, um golpe contra os trabalhadores e suas organizações.

A presença pública e as lutas por direitos dos trabalhadores brasileiros, intensas desde o final da II Guerra Mundial, atingiriam seu ápice no início da década de 1960. Os sindicatos foram os principais vetores da organização popular naqueles anos. Mas tal mobilização também ocorria através de associações de moradores e espaços informais, como clubes de bairros e instituições culturais. Estudos recentes mostram que, ao contrário do que se supunha, a presença sindical nos locais de trabalho se fortalecia. No campo, a emergência das Ligas Camponesas, e suas demandas por uma Reforma Agrária transformadora, surpreendeu o país e colocou os trabalhadores rurais no centro do cenário político.

Trabalhistas, católicos, comunistas, janistas, entre diversas outras forças políticas, disputavam e formavam alianças no interior deste movimento. Greves, protestos e uma linguagem marcadamente nacionalista e reformista embalavam reivindicações por transformações estruturais e pela conquista de direitos desde sempre negados, como a lei do 13º salário e a sindicalização no campo.

Em um contexto marcado pela Guerra Fria e pelos impactos da Revolução Cubana, esta presença pública dos trabalhadores significava, para muitos, a antesala do comunismo. A desenvoltura com que lideranças camponesas e dirigentes do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) se aproximavam do governo e do presidente Jango (nunca perdoado por cultivar essas “relações perigosas”) era particularmente execrada. A visibilidade desta aliança no famoso comício da Central do Brasil no dia 13 de março foi a gota d’água para os grupos conservadores e golpistas. Apesar da intensa campanha contra o governo, pesquisas de opinião então realizadas, e durante muito tempo ocultadas, mostram que a maioria da população apoiava Jango e suas reformas.

O golpe acabou com tudo aquilo. E surpreendeu muitos dirigentes sindicais, radicalizados e demasiadamente confiantes na sua influência política e poder de mobilização. Para os vitoriosos, era primordial destruir a “hidra comunista e trabalhista”. Sindicatos em todo o país foram invadidos, sofreram intervenções governamentais e tiveram seu patrimônio dilapidado. Suas lideranças foram presas, caçadas e, algumas, assassinadas. A ditadura foi dura desde seu primeiro dia.

Entidades empresarias, como a FIESP, celebraram a nova era. A queda do governo foi a senha para a revanche patronal. Milhares de trabalhadores foram demitidos e, devido à proliferação das infames “listas negras”, tiveram enormes dificuldades para encontrar novos empregos. A aliança entre empresários e o DOPS que, como historiadores já demonstraram, vinha de longe, tornou-se ainda mais sólida e disseminada. Um clima de medo e perseguições passaria a dominar o interior das empresas. No campo, um número ainda não calculado de trabalhadores rurais foi expulso de suas comunidades e muitos foram mortos por milícias privadas e capangas a serviço de latifundiários.

Uma política econômica antitrabalhista proibiu greves, comprimiu salários, acabou com a estabilidade no emprego, facilitando demissões e a rotatividade da mão de obra. Seu impacto foi tão grande que o ditador Castello Branco viu-se obrigado a reiteradamente repetir, em vão, que “a Revolução não era contra os trabalhadores”. O deliberado enfraquecimento dos sindicatos facilitou em muito a superexploração do trabalho, uma das marcas do regime, que faria do país o campeão mundial em acidentes e mortes no trabalho no início dos anos 1970.

A mesma ditadura que tanto reprimiu e controlou os sindicatos e organizações populares chegaria ao fim, em grande medida, pela força e mobilização dos trabalhadores. Fruto de uma persistente resistência cotidiana e de transformações de vulto na sociedade brasileira, as grandes greves que, a partir do ABC paulista, tomaram conta do país, clamaram novamente por justiça e democracia. Ao mesmo tempo revitalizaram o sindicalismo e deixaram marcas presentes até hoje em nossa vida política e social.

No entanto, ainda sabemos pouco sobre a história dos trabalhadores durante a Ditadura Civil-Militar. Boa parte do interesse dos estudiosos sobre o período concentrou-se em outros grupos sociais e temas, o que se reflete na literatura e na programação dos numerosos eventos que analisam os 50 anos do golpe.

Felizmente, este quadro começa a mudar. Neste sentido, a abertura dos arquivos governamentais, incluindo o do Ministério do Trabalho, cuja documentação apodrece, sem cuidado algum, em um prédio da periferia de Brasília, é um passo fundamental. E sem dúvida, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade poderá ter um papel decisivo neste encontro do Brasil com sua história.

Passeata celebra criação do Comando Geral dos Trabalhadores no Rio de Janeiro em agosto de 1962.
Fonte: Memorial da Democracia.

Artigo publicado originalmente em Carta Maior em 14/04/2014:

Crédito da imagem de capa: Passeata durante a “Greve dos 700 mil” em São Paulo em outubro de 1963. Fonte: Memorial da Democracia

Paulo Fontes é professor do Instituto de História da UFRJ e pesquisador produtividade do CNPq. É o coordenador do LEHMT-UFRJ e o atual diretor da Universidade da Cidadania da UFRJ.

#Live Labuta: Os trabalhadores e os 80 anos da CSN – com Maria Conceição do Santos e Marcos Aurélio Gandra

No dia em que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) completa 80 anos, 9 de abril de 2021, o Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT-UFRJ) convida Maria Conceição do Santos e Marcos Aurélio Gandra para debater a história dos trabalhadores e trabalhadoras na trajetória da empresa símbolo do nacional-desenvolvimentismo no país.

Maria Conceição do Santos é ativista dos direitos humanos e do movimento feminista nos, ex-funcionária da CSN, é pós-graduada em direitos humanos pela PUC-Rio.

Marcos Aurélio Gandra é professor do curso de Serviço Social do Centro Universitário de Volta Redonda (UNIFOA) e da Rede Pública Municipal de Ensino de Piraí-RJ. É doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e foi pesquisador-colaborador da Comissão Municipal da Verdade “Dom Waldyr Calheiros” (CMV-VR).

O debate será mediado por Leonardo Ângelo da Silva, doutor em História pela UFRRJ e pesquisador do LEHMT- UFRJ.

Anotem: dia 09/04/2021 no Labuta, canal do LEHMT no Youtube.

O público poderá participar pelo Chat!

Contribuição Especial #19: Beatriz Loner: uma historiadora dos mundos do trabalho, das emancipações e do pós-abolição

Contribuição especial de Fernanda Oliveira¹

Beatriz Ana Loner nos deixou há 3 anos, mais precisamente em 29 de março de 2018, depois de um longo período de luta em que manteve o olhar crítico e acolhedor para as novas pesquisas e para as que pretendia dar sequência tão logo saísse do hospital. Esse momento não chegou, mas o ponto de partida dessa escrita não faz jus a fundamental contribuição para a historiografia brasileira e mesmo da região do Prata dessa historiadora social, dos mundos do trabalho, das emancipações e do pós-abolição. Utilizando uma expressão corporal da própria Beatriz, é tempo de baixarmos os óculos e erguermos a cabeça com o objetivo de olhar para partes de uma importante experiência marcada por engajamento político, ora nas associações de classe, representação acadêmica e salas de aula, quanto por uma extensa produção que aliou história e sociologia pela lente atenta de uma história da sociedade, para parafrasear uma de suas referências, Eric Hobsbawm, a saber, por meio do aporte da História Social. 

Beatriz nasceu em 1952, na cidade de Bento Gonçalves (RS). Era filha de imigrantes italianos recém chegados ao Brasil. Graduou-se em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul no início dos anos 70 e,  no final daquela década, iniciou o  mestrado em história na Unicamp.  Em 1985 defendeu a dissertação intitulada “O partido Comunista do Brasil e a linha do Manifesto de Agosto: um estudo”.

A historiadora compôs o grupo que criou a primeira seção do grupo de trabalho Mundos do Trabalho, em 1999 no Rio Grande do Sul, e que na sequência, junto do grupo criado posteriormente em São Paulo, fundou a seção nacional do referido GT junto à então Associação Nacional de Professores Universitários de História (ANPUH). Momentos que coincidem com a defesa de sua tese de doutorado em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A pesquisa empírica de fôlego aliada à sofisticada análise teórica ancorada na história social britânica uniu a um só tempo as linhas mestras das duas ciências irmãs – história e sociologia – as quais compunham a base de formação da licenciada e mestre em história que então doutorava-se em sociologia. O fez enfrentando problemas caros a ambas as ciências, a saber uma investigação concentrada nas experiências e relações sociais de operários de Pelotas e Rio Grande entre 1888 e 1930, explicitando a construção de classe.

Foi por meio dessa pesquisa, transformada em livro em 2001, que Loner nos evidenciou um sul do país com expressiva presença negra entre os operários, cuja experiência permitia refletir sobre as memórias da escravidão e as experiências de um mundo de trabalho livre naquelas duas cidades cujas economias haviam se fortalecido em virtude da exploração da mão de obra escravizada. Simultaneamente evidenciava a composição plural do operariado, ainda que não fosse composto pelos clássicos operários, principalmente no que tange aqueles envolvidos nas organizações sindicais, os imigrantes europeus e seus descendentes também estavam ali. A observação dessa pluralidade que lhe fez atentar para as divisões internas à classe, como evidencia-se sobretudo no capítulo 5, intitulado Associações negras. Ao observar o processo de formação da classe operária a partir de lideranças sindicais e outros operários evidenciava o papel do preconceito e da discriminação enfrentada por negros. Tais enfrentamentos estavam na base do desenvolvimento de uma rede associativa, entendida enquanto estratégia de luta por direitos, tanto como trabalhadores como de resistência aos processos tão caros a sociedade branca sulina em um momento de grandes transformações políticas e sociais. 

Beatriz Lorner foi a primeira  Coordenadora Nacional do GT Mundos do Trabalho. Em 2002, organizou a I Jornada Nacional de História do Trabalho, realizada em Pelotas no ano de 2002, considerada um momento decisivo na definição e articulação desse campo de estudos como o conhecemos hoje. Neste momento Beatriz já completava mais de uma década como professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no curso de História. No entanto, sua trajetória docente vinha de muito antes, como professora do ensino básico público do estado do Rio Grande do Sul. Tais experiências moldaram a professora de História do Brasil e Teoria e Metodologia da História, responsável por dinâmicas de sala de aula que envolviam formação de senso crítico por meio de compartilhamento de saberes assentados em textos teóricos e de conteúdo histórico que mobilizavam discussões acaloradas. Não são raros alunos e alunas que recordam das discussões em torno dos pilares da escrita da história, da importância da metodologia e dos embates entre intelectuais, tanto por meio dos textos acadêmicos quanto por meio de artigos na imprensa brasileira, como os embates entre Silvia Lara, Sidney Chalhoub e Jacob Gorender no início dos anos 1990. Tais discussões apontavam também para as grandes questões que se colocaram no campo historiográfico da história da escravidão e da formação dos mundos de trabalho livre no Brasil.

Por entre tantos meandros de pura efervescência do conhecimento historiográfico no Brasil Beatriz dava início a outra forma de problematizar a experiência negra em tempos de liberdade, inclusive ao propor uma análise do associativismo negro para observar esses processos de hierarquização, mas também de resistência e de existência. Estes resultados desdobraram-se em muitas outras pesquisas, cada vez mais relacionadas com a experiência negra. Não raras vezes envolviam sua principal parceira acadêmica a também historiadora e amiga de longa data, Lorena Almeida Gill, e seus tantos alunos e alunas, dentre as quais felizmente me incluo. A Bia, como a chamávamos depois de vencida a barreira da mulher forte e temida por nós enquanto jovens estudantes, nos possibilitava percorrer os meandros dessa história com classe, raça e gênero. Ora percorrendo trajetórias de alguns daqueles sindicalistas negros, aos moldes dos irmãos Antonio Baobad e Rodolfo Xavier e de membros da família Silva Santos e das trajetórias coletivas como as da sociabilidade negra no extremo sul, ora extrapolando os limites das fronteiras nacionais e de gênero, para investigar as experiências de mulheres negras na fronteira entre o Brasil e o Uruguai. Com isso teceu redes intelectuais com pesquisadores uruguaios e argentinos de forma a também contribuir para as discussões acadêmicas dos países hermanos, não sem também se permitir repensar e agregar conhecimentos novos. 

Fora assim, entre projetos coletivos, sala de aula, pesquisas e apostas em projetos políticos partidários que reposicionassem o lugar dos trabalhadores e das trabalhadoras que Beatriz, que havia participado da fundação do Partido dos Trabalhadores, articulou as pontes de pesquisa historiográfica daquilo que viria a se delinear como campo do pós-abolição. Suas pesquisas já haviam apontado para a importância da experiência de liberdade geracional entre trabalhadores negros, salientando que as emancipações eram valorizadas pelos sujeitos negros. Por sua vez, os descendentes de escravizados, que carregavam em si a memória da escravidão, por vezes não vivida por si, mas combatida, apareciam como os operários por excelência. E tudo isso só fora possível por uma imersão constante nas fontes empíricas. Era assim que Beatriz equilibrava rigor teórico e metodológico no fazer historiográfico, e repassava isso às novas gerações. Principalmente por meio da experiência do Núcleo de Documentação Histórica (NDH-UFPEL), fundado em 1990. Projeto de uma vida dedicado à salvaguarda de acervos institucionais, como o da própria UFPEL e mais recentemente da Delegacia Regional do Trabalho e não menos importante também junto à Biblioteca Pública Pelotense, na qual desenvolveu projetos junto ao arquivo histórico e a hemeroteca. A professora Beatriz Loner está homenageada junto ao nome do NDH-UFPEL.  

Sua produção foi constante, e eu não me arriscaria a fazer um mapeamento nesse espaço, mas destaco para além dos textos, muitos dos quais de fácil acesso nos periódicos nacionais ou mesmo nos livros de referência, a sua atuação coletiva em defesa da pesquisa histórica e da formação de jovens cientistas sociais, historiadoras e historiadores. Isto pode ser acompanhado ao lançarmos um breve olhar para a aposentadoria de Beatriz, que aconteceu em 2011. Naquele momento ela passa a atuar como professora visitante da Universidade Federal de Santa Maria, onde permanece por dois anos. No entanto, sua passagem foi profícua o suficiente e serviu de estímulo para que um grupo de jovens estudantes de história criasse o Grupo de Estudos do Pós-Abolição, formalmente institucionalizado em 2016.

Em 2013 Beatriz participou da fundação do Grupo de Trabalho Emancipações e Pós-Abolição também junto a ANPUH, sem que isso significasse um afastamento dos Mundos do Trabalho. Aliás, bem pelo contrário. Beatriz era dessas intelectuais que constroem pontes, que estimulam trajetórias, que carrega consigo o ideal de que um dia a sociedade brasileira seja mais justa e de fato democrática. Não à toa a família de Beatriz, especialmente seu companheiro de uma vida José Bernardo e as três filhas Mariana, Lúcia e Eleonora, optaram por esperar para informá-la sobre o golpe sofrido pela presidenta Dilma Roussef em 2016. Aqueles já eram tempos sombrios demais para aquela intelectual que mesmo no hospital seguia lendo e se preparando para seguir na ativa tão logo saísse do hospital, como muitas e muitos de nós puderam presenciar quando do lançamento da 2º edição de Construção de Classe, que aconteceu em novembro de 2017 já nas dependências do hospital em que ela estava internada, mas que contou com sua presença e suas considerações.

Lançamento da 2ª edição de Construção de Classe (Porto Alegre. 2017). 
Da esquerda para a direita na frente: Micaele Scheer (UFRGS/GT Mundos do Trabalho-RS); Lorena Almeida Gill (NDH-UFPEL), Beatriz Ana Loner e Silvia Petersen (UFRGS)
Da esquerda para a direita atrás: Melina Perussatto (UFRGS/GT Mundos do Trabalho-RS/GT Emancipações e Pós-Abolição-RS), Fernanda Oliveira (UFRGS/ GT Emancipações e Pós-Abolição-RS)
Fonte: Acervo pessoal de Fernanda Oliveira.

Beatriz nos deixou no ano seguinte, mas seus textos bem como seu exemplo de intelectual rigorosa no trato com as fontes e com o aporte teórico, está na base da formação de um grupo de cientistas sociais, historiadoras e historiadores que hoje ocupa as salas de aula de todos os níveis de ensino no Brasil. Está também no cerne das discussões que hoje nos permitem observar a atualidade dos problemas históricos presentes nas pesquisas tanto dos mundos do trabalho quanto das emancipações e pós-abolição. Que sejamos capazes de seguir a mensagem que se fortaleceu nos últimos projetosproduções coletivas em que Beatriz se engajou e assim possamos construir pontes ao invés de muros.

*Agradecimento especial à Eleonora Loner e Vilma Norma Loner pelas informações orais gentilmente fornecidas.

¹ Professora do Departamento de História da UFRGS

Referências:
CHALHOUB, Sidney. “Gorender põe etiquetas nos historiadores”. Folha de São Paulo, 24/11/1990, Caderno Letras.
GORENDER, Jacob. “Como era bom ser escravo no Brasil”. Folha de São Paulo, 15/12/1990, Caderno Letras.
LARA, Sílvia H. “Gorender escraviza história”. Folha de São Paulo, 12/01/1991, Caderno Letras.
LONER, Beatriz. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande. Pelotas: Editora da UFPel, 2001. [2ª edição em 2016]
LONER, Beatriz Ana. A rede associativa negra em Pelotas e Rio Grande. In: SILVA, Gilberto Ferreira da; SANTOS, José Antônio dos; CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS negro: cartografias sobre a produção do conhecimento. Edipucrs, 2008.
LONER, Beatriz Ana. Antônio: de Oliveira a Baobad. In: GOMES, Flávio; DOMINGUES, Petrônio. Experiências da Emancipação: biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição (1890-1980). Selo Negro Edições, 2011.
LONER, Beatriz Ana; GILL, Lorena Almeida; MAGALHÃES, Mario Osório. Dicionário de história de Pelotas. Universidade Federal de Pelotas, 2017.
KOSCHIER, Paulo Luiz Crizel; GILL, Lorena Almeida. A família Silva Santos e outros escritos: escravidão e pós-abolição ao sul do Brasil. São Leopoldo: Casa Leiria, 2019.
MENDONÇA, Joseli; MAMIGONIAN, Beatriz; TEIXEIRA, Luana. Pós-abolição no Sul do Brasil: associativismo e trajetórias negras. Salvador: Sagga, 2020.


Crédito da imagem de capa: Beatriz Ana Loner (2015). Fonte: Redes sociais.

LMT #72: Manganês Esporte Clube, Serra do Navio (AP) – Adalberto Paz



Adalberto Paz
Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amapá



No interior da floresta, a cerca de 200 quilômetros da foz do rio Amazonas, um campeonato de futebol era anualmente organizado, entre as décadas de 1960 e 90, por operários do primeiro empreendimento de mineração industrial da região Norte do país, em atividade desde os anos 1950. Chamado “o Serrano”, o torneio reunia equipes formadas por trabalhadores da Indústria e Comércio de Minérios S.A (ICOMI), empresa privada responsável pela exploração das jazidas de manganês no Amapá. O nome do campeonato fazia alusão à região denominada Serra do Navio, local que havia se tornado internacionalmente famoso pelo anúncio da existência de minério de manganês de alto teor, num momento em que a URSS havia suspendido o fornecimento desse material aos Estados Unidos em pleno contexto da Guerra Fria.

Criada em 1942, a ICOMI possuía sede em Minas Gerais e tinha como proprietário Augusto Trajano de Azevedo Antunes. Em 1947, a mineradora venceu a concorrência pública pelos depósitos manganíferos amapaenses. Em contrapartida, a ICOMI pagaria royalties a serem investidos no Amapá, além de se comprometer a repassar ao Estado toda a infraestrutura construída para o empreendimento, após o esgotamento das jazidas. Para viabilizar a extração do manganês, a ICOMI associou-se à Bethlehem Steel, maior empresa siderúrgica do mundo, e obteve um empréstimo do EXIMBANK. Em troca, a ICOMI assumiu o compromisso de vender no mínimo 5,5 milhões de toneladas de manganês aos Estados Unidos.

A infraestrutura montada pela ICOMI no Amapá foi inédita em termos de planejamento e magnitude. Incluía um porto, uma ferrovia, duas company towns (cidades construídas e mantidas pela empresa), além de sofisticada logística de abastecimento, contratação de trabalhadores, programas de saúde, educação e lazer. A maior parte dos trabalhadores denominados “braçais”, isto é, sem especialização profissional, tinha origem nas populações extrativistas moradoras nas margens dos rios, igarapés e matas, comumente designadas como “caboclas”. Os solteiros eram hospedados em alojamentos específicos nas company towns, enquanto os casados e suas famílias recebiam casas planejadas exclusivamente para as diferentes categorias de operários.

Desde que a extração do minério teve início, em 1957, toda a atividade produtiva foi caracterizada pela utilização de alta tecnologia e rígidos procedimentos de gestão administrativa. Isso era um diferencial em relação a atividades frequentemente mais insalubres como a extração de carvão mineral. Nesse sentido, muitos dos frequentes acidentes de trabalho estavam relacionados com o uso de maquinário pesado ou o manuseio de produtos químicos no processo industrial.

O Manganês Esporte Clube (MEC) era sediado na company town de Serra do Navio, próximo à escola e ao centro comercial, espaço situado entre as residências de operários casados e solteiros. Essa “agremiação”, conforme definição da própria ICOMI, tinha à sua disposição quadra poliesportiva, campo de futebol e piscina para prática de esportes, competições e entretenimento. Embora se tratasse de um clube vinculado à empresa, os operários de Serra do Navio souberam se apropriar do MEC, criando para si um espaço próprio de sociabilidade. A mensalidade arrecadada entre os sócios gerava um montante que permitia certa autonomia econômica, o que, do ponto de vista dos trabalhadores instituía uma clara noção de direitos e autogestão em relação à mineradora.


Não por acaso, o Campeonato Serrano de Futebol era um dos principais momentos de interatividade e lazer operário organizado pelo MEC. A maioria das equipes envolvidas na competição era formada por membros de um mesmo setor ou ofício, como o time da Divisão da Mina (Senta a pua), Setor de Transporte (Desvio e Ferroviário), Divisão de Saúde (Esparadrapo), Divisão de obras (Sarrafo), entre outros.


A diversão e sociabilidade motivados pelo futebol reforçavam os laços de amizade e companheirismo da comunidade operária de Serra do Navio. Quando, nas décadas de 1970 e 80 emergiram protestos e greves na cidade, o espaço físico e as redes sociais articuladas em torno do MEC foram, provavelmente, de vital importância para a organização do movimento.

Além do futebol, havia outros momentos de entretenimento promovidos pelo clube. Os bailes temáticos e comemorativos, em especial, obedeciam a um calendário de datas representativas para a comunidade e para a companhia. No mês de maio ocorria o Baile das Flores, uma espécie de confraternização geral da mineradora, ocasião em que era escolhida a “Rainha das Flores”. No mesmo mês, no dia 8, acontecia o baile comemorativo de fundação da ICOMI, evento carregado de valor e gestos simbólicos, como a outorga de honras e benefícios aos funcionários em Serra do Navio.

Após quase meio século de ininterrupta exploração das reservas de manganês do Amapá, a ICOMI encerrou suas atividades em Serra do Navio em 1997. Em 2011, a company town foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (IPHAN). O reconhecimento oficial, contudo, não evitou a deterioração e destruição do Manganês Esporte Clube. Em 10 de março de 2016, depois de anos de abandono e ausência de reparos em sua estrutura, parte do teto do clube desabou, expondo suas ruínas interiores cobertas de mato, entulhos e alagamento. Dessa forma, o renomado clube operário simboliza não apenas um acelerado processo de desindustrialização amazônico, mas também tornou-se um monumento do desprezo pelos lugares de memória e sociabilidade dos trabalhadores.

Time do Manganês Esporte Clube. Junho de 1965.
Revista ICOMI Notícias, Rio de Janeiro, n.18, junho de 1965.


Para saber mais:

  • BRITO, Daniel Chaves de. Extração mineral na Amazônia: a experiência da exploração de manganês em Serra do Navio no Amapá. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Pará. Belém, 1994.
  • DRUMMOND, José Augusto; PEREIRA, Mariângela de Araújo Povoas. O Amapá nos tempos do Manganês: um estudo sobre o desenvolvimento de um estado amazônico 1943-2000. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
  • MONTEIRO. Maurílio de Abreu. A ICOMI no Amapá: meio século de exploração mineral. Novos Cadernos NAEA, n. 2, v. 6, 2003.
  • PAZ, Adalberto. Os mineiros da floresta: modernização, sociabilidade e a formação do caboclo-operário no início da mineração industrial amazônica. Belém: Paka-Tatu, 2014.
  • RIBEIRO, Benjamin Adiron. Vila Serra do Navio: comunidade urbana na serra amazônica: um projeto do arq. Oswaldo Bratke. São Paulo: Pini, 1992.

Crédito da imagem de capa: Vista aérea de Serra do Navio. Revista ICOMI Notícias, Rio de Janeiro, n.9, setembro de 1964.



Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Artigo “Ferreiros, ‘escravos operários’ e metalúrgicos: trabalhadores negros e a metalurgia na cidade do Rio de Janeiro e na microrregião Sul Fluminense (Século XIX e XX)” – Thompson Clímaco e Antonio Bispo

As discussões historiográficas acerca do pós-abolição e a constituição dos mundos do trabalho fabril não são recentes no Brasil, bem como a compreensão da mão de obra escravizada, anteriormente, como trabalhadora. No entanto, novas pesquisas e abordagens visam reexaminar essas aproximações entre a classe trabalhadora oitocentista e classe trabalhadora fabril no século XX como o artigo “Ferreiros, ‘escravos operários’ e metalúrgicos: trabalhadores negros e a metalurgia na cidade do Rio de Janeiro e na microrregião Sul Fluminense (Século XIX e XX)” de Thompson Clímaco, graduando em história pela UFRJ e pesquisador do LEHMT-UFRJ e Antonio Bispo, mestre em História Comparada pela UFRJ. 

Neste texto, a cidade do Rio de Janeiro e a microrregião Sul Fluminense são mobilizadas visando uma nova perspectiva em torno da construção dos espaços de trabalho e classe operária entre os séculos XIX e XX. Por meio da análise dos locais de trabalho, da construção dos lugares de memória, territórios e processos históricos. Clímaco e Bispo Neto analisam experiências de trabalhadores negros que deram sentidos diversos, àqueles espaços, criando e recriando memórias, costumes e práticas. 

Ademais, os historiadores também buscam destacar possíveis permanências na divisão de trabalho interna das fábricas, dentre elas: insalubridade, remuneração e autonomia – num contexto de negociação e conflito – dos proletários negros. Assim como suas experiências migratórias em busca de trabalho nas fábricas e a construção de sociabilidade fora delas, nas primeiras décadas do século XX.

O artigo compõe o dossiê “Mundos do Trabalho”, organizado pelas doutorandas Clarisse Pereira (UFF) e Heliene Nagasava (CPDOC/FGV) na revista Cantareira da Universidade Federal Fluminense (UFF). 

Para conferir o texto, acesse: https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/44525

Créditos da imagem de capa: Centro de Memória do Sul Fluminense (CEMEFS).  Metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) na oficina. Volta Redonda, 1947.

LMT #71: Igreja do Glorioso Patriarca São José, Rio de Janeiro (RJ) – Beatriz Catão Cruz Santos



Beatriz Catão Cruz Santos
Professora do Instituto de História da UFRJ



Quem hoje passa na Rua 1º de março em direção à Avenida Presidente Antônio Carlos pode observar à direita a Igreja de São José, um dos mais antigos templos da cidade do Rio de Janeiro. A antiga capela é de 1608, reconstruída em 1633 e o edifício atual foi concluído em 1842. A história do templo é também a da Irmandade de São José, que reunia carpinteiros, marceneiros, pedreiros e canteiros no século XVIII e inícios do século XIX. Esses ofícios, mais acessíveis a homens livres, eram também praticados por escravos e libertos.

É possível dizer que a instituição católica e leiga era uma irmandade de ofícios e não somente de devoção ao santo. A irmandade regulava a aprendizagem, a produção e o comércio de seus produtos. Com isso, garantia uma certa honra e privilégios dos irmãos, mas só dos ofícios vinculados a ela. Ela tinha apoio das autoridades, um reconhecimento que se expressava nas festas religiosas.

Em 1752, D. Antônio do Desterro, bispo do Rio de Janeiro, num relatório enviado à Santa Sé descrevia em detalhes o estado da diocese. Nele, mencionava a Freguesia de São José, onde se situava a igreja e a irmandade. A freguesia fora criada pelo mesmo em 1749, quando então a cidade passou a ter quatro paróquias: Sé, Nossa Senhora da Candelária, Santa Rita e São José.

A história dessa irmandade se confunde com a de sua congênere homônima de Lisboa. Em 1744, os artífices que administravam a irmandade do Rio de Janeiro enviaram ao reino um requerimento para fazer uso de mesmo compromisso dos carpinteiros e pedreiros de Lisboa. Solicitavam o direito de eleger seus próprios juízes.


Os juízes eram um dos principais cargos da irmandade, com poder de auto-regulação do ofício e na sociedade, de avalizar as obras e peticionar a Câmara, por exemplo.


A demanda foi parcialmente atendida e o compromisso lisboeta de 1709 foi adotado no Rio. Algumas normas sobre o trabalho dos carpinteiros, pedreiros e ofícios anexos foram questionadas pelas autoridades judiciais como, a proibição de tomar ofício alheio, a obrigatoriedade de exame do ofício e um número máximo de 2 aprendizes por mestre. Alguns pontos ainda seriam alvo de disputa entre a Irmandade de São José e a Câmara Municipal, responsável por controlar o trabalho e o comércio dos ofícios na cidade. Além disso, a irmandade não conquistou o direito de eleger seus juízes, prerrogativa pela qual continuariam a lutar nos anos seguintes.

O culto de São José se difundiu na Europa a partir de fins do século XV. Durante esse período, sua imagem foi reabilitada: de santo secundário, por vezes, o cornudo ou aquele dedicado a tarefas domésticas, tornou-se central, modelo de pai protetor e membro da Sagrada Família. Nos países ibéricos, seu culto foi difundido pela Igreja e pela monarquia, passando a nomear pessoas e instituições de caridade. Isso ocorreu com a confraria de carpinteiros e pedreiros que o adotou como patrono. A partir do século XVIII, a ideia de trabalho honesto e honroso também passaria a ser associada ao santo.

A irmandade de São José gozava de grande prestígio no Rio de Janeiro, assim como em Portugal. Em Lisboa, por sua antiguidade, tinha precedência na ordenação de Corpus Christi. Na procissão ocorrida no Rio de Janeiro em 1772 participavam 28 irmandades, organizadas em “alas” de cada freguesia, com seus estandartes e símbolos. Entre elas, com destaque, a irmandade de São José, a dos pedreiros, carpinteiros, marceneiros e canteiros, o que não excluía a presença da elite colonial na associação. A procissão de Corpus Christi era um rito político religioso obrigatório, sancionado pela própria irmandade. O rito previa a participação das autoridades leigas e religiosas, das comunidades religiosas e das irmandades, ordenando-se do menos ao mais importante socialmente.

As disputas em torno do controle do ofício eram recorrentes. Em 1758, por exemplo, a Câmara Municipal, criou uma série de normas que esvaziava o poder da irmandade e de seus juízes. A certidão do mestre para o aprendiz deixou de ser exigida; os juízes deixaram de realizar vistorias e desmanchar as obras, prerrogativas que garantiriam a qualidade das obras e excluíam os não membros da irmandade de concorrerem com produtos similares. Além disso, foi criada a possibilidade de que os aprendizes pudessem trocar de mestres, sob o argumento de ampliar a “liberdade” dos artífices.

Conflitos ocorriam entre os próprios artífices e por várias razões. No início do XIX, há petições de marceneiros e pedreiros para ingressarem na irmandade, que recupera norma de 1730 proibindo o ingresso de mulatos, mouros e judeus na irmandade e abertura de lojas. O acesso é facultado a pardos, mediante o exame de ofício, ficando impedidos de ocupar cargos administrativos. Os irmãos também reclamam dos produtos de má qualidade vendidos por ambulantes, indicando a concorrência com artífices, auxiliados por seus escravos na produção e venda pela cidade.

Os artífices da cidade do Rio de Janeiro tinham origens, status e até religiões diversas. Algumas pesquisas em curso informam que eles lutavam e circulavam na Monarquia portuguesa, em busca de melhores condições de trabalho e saúde. Mas, ainda há muito a saber sobre sua história. Atualmente, a Igreja de São José, localizada ao lado da Assembleia Legislativa, está próxima a um dos palcos das disputas políticas contemporâneas. Mas nem todos sabem que a Igreja e sua irmandade, ainda ativa, é também um lugar de memória dos pedreiros e marceneiros da cidade.

Igreja do Glorioso Patriarca São José em 2020.
Acervo de Beatriz Catão Cruz Santos.


Para saber mais:

  • MARTINS, João Furtado. Os carpinteiros na Inquisição de Lisboa no século XVIII: trabalho, sociabilidades e cultura material. Librosdelacorte.Es, n. 6, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.15366/ldc2017.9.m6.013
  • MARTINS, Monica de Souza Nunes. Entre a cruz e o capital: as corporações de ofícios no Rio de Janeiro após a chegada da família real (1808-1824). Rio de Janeiro: Garamond, 2008.
  • SANTOS, Beatriz Catão Cruz. Catolicismo, cor e governança da terra no Rio de Janeiro no século XVIII. In: João Fragoso; Antonio Carlos Jucá de Sampaio. (Org.). Monarquia Pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso: séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012
  • SANTOS, Beatriz Catão Cruz. As irmandades de ofícios e os ritos político-religiosos (Rio de Janeiro, século XVIII). In: OLIVEIRA, Anderson José Machado de; MARTINS, William de Souza. (Org.). Dimensões do catolicismo no império português (séculos XVI-XIX). Rio de Janeiro: Garamond, 2014.
  • BARROS, Miguel Sérgio da Costa Ferreira Monteiro de. São José, Bairro Tridentino. Universidade Nova, (Tese de Doutoramento, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas), Lisboa, 2017.

Crédito da imagem de capa: Planta topográfica da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro tirada e executada pelo Capitão André Vaz Figueira, Acadêmico da Aula Militar, Anno d’ 1750”. A antiga Igreja de São José está assinalada em vermelho. “Seção de Mapoteca e Iconografia do Ministério das Relações Exteriores no Rio de Janeiro, sob a notação: “BR_BSBMRERJ_CAR_Map116.



Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Contribuição especial #18: A Comuna de Paris de 1871 e os trabalhadores

Contribuição especial de Claudio Batalha¹

Este ano comemoram-se 150 anos da Comuna de Paris, descrita como a primeira experiência do poder operário. Porém, afinal o que foi a Comuna de Paris?

A França vinha de sofrer contínuas derrotas na Guerra Franco-Prussiana, iniciada em julho de 1870, com a captura em setembro do Imperador Napoleão III, pela coligação de estados alemães sob liderança da Prússia, levando ao fim do Segundo Império e ao reestabelecimento da República com um governo provisório de defesa nacional. O novo governo tenta a qualquer preço obter um acordo de paz com os alemães, mas encontra resistência de alguns setores, particularmente em Paris do Comitê Central dos 20 arrondissements (circunscrições administrativas da cidade), que reúne forças paramilitares como a Guarda Nacional. Em janeiro de 1871, Paris, sitiada pelos alemães, começa a ser bombardeada. No mês seguinte o recém-nomeado chefe do novo governo Auguste Thiers obtém um armistício provisório com os alemães, que permanecem estacionados nos arredores da capital francesa.

No dia 18 de março de 1871, tropas do governo tentam tomar os canhões que a Guarda Nacional havia posicionado em pontos estratégicos da cidade. A tentativa fracassa e eclode um motim popular, que logo se transforma em revolta. O governo foge da cidade para instalar-se na próxima Versalhes, levando consigo a administração pública. Diante da ausência de governo, o Comitê Central da Guarda Nacional (formado algumas semanas antes) assume o controle e convoca a eleição da Comuna de Paris (retomada da denominação adotada durante a Revolução Francesa para o poder municipal informal resultante da insurreição de agosto de 1792). A Comuna eleita de 1871, que funcionaria como poder legislativo e executivo, reunia forças distintas composta por neojacobinos, republicanos, membros do CCGN, membros da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), blanquistas (seguidores do revolucionário Auguste Blanqui) e uma minoria que buscava um entendimento entre a Paris revoltada e o governo refugiado em Versalhes (que não chegou a tomar posse).

Ilustração da barricada da Praça Blanche defendida por trabalhadoras em maio de 1871. Fonte: Wikimedia Commons 

A Comuna não foi planejada, é fruto de acontecimentos imprevistos e da necessidade diante do vazio de poder de garantir a defesa e a sobrevivência da população parisiense. As nove comissões colegiadas estabelecidas por ela para lidar com diferentes ramos da administração funcionaram quase como ministérios. Suas medidas em diversos campos buscaram colocar em prática propostas já defendidas por setores de esquerda, mas também projetos inovadores e inevitáveis improvisações. Entre as primeiras medidas tomadas a suspenção de pagamento dos aluguéis atrasados, o fim da conscrição (serviço militar obrigatório) e a proclamação da Guarda Nacional como única força militar na cidade, que deveria ser composta por todos os cidadãos. No campo da educação estabelece a separação entre Estado e religião, inaugura o ensino laico (em um quadro até então dominado pelo ensino confessional), público e gratuito. No trabalho, retoma medidas de 1848 como o controle dos trabalhadores sobre oficinas abandonadas por seus proprietários por meio de cooperativas de produção, a proibição do trabalho noturno de padeiros, a restituição de objetos penhorados de baixo valor. No campo militar – a despeito dos feitos de alguns comandantes e do valor de seus comandados – nunca logrou estabelecer uma organização e uma disciplina entre as tropas irregulares que reunia capazes de dar enfrentamento a um exército regular treinado, bem equipado e disciplinado como logo se formou sob as ordens do governo de Versalhes.

Cartaz com decretos da Comuna de Paris, 3 de abril de 1971. Fonte: Wikimedia Commons

O exemplo de Paris foi seguido por algumas outras cidades, particularmente no sul da França, mas essas outras comunas acabaram em pouco tempo suprimidas pelas forças governamentais. Assim Paris permaneceu isolada, cercada ao norte e ao leste pelos alemães e ao oeste e ao sul pelos versalheses. Padecendo de sérios problemas de abastecimento e sem condições para romper o cerco, surgiram crescentes dissensões internas sobre a condução da Comuna. Em 1º de maio por maioria de votos a Comuna decidiu estabelecer um Comitê de Salvação Pública (também retomando a denominação da Revolução Francesa), iniciativa apontada pela minoria como uma usurpação do poder popular e o caminho aberto para a ditadura. Duas semanas depois, a maioria decidiu que a minoria, composta sobretudo pelos membros da AIT, já não tinha direito de assento na Comuna.

No dia 21 de maio as tropas versalhesas rompem as defesas ao oeste de Paris, dando início à semana sangrenta, promovendo execuções sumárias dos defensores da cidade até o fuzilamento, no dia 28, de 147 dos últimos combatentes contra um muro no interior do Cemitério Père Lachaise no leste da capital francesa . Local que passou à posteridade como o Muro dos Federados. As vítimas entre mortos, presos e deportados chegam a 50 mil e a França permaneceu sob estado de sítio até 1876. Apenas em 1880 aqueles que conseguiram escapar da repressão e partir para o exílio puderam retornar por meio de uma anistia.

A Comuna, pelo ensaio de poder dos trabalhadores e pelo martirológio promovido pela sua supressão, tornou-se assim um evento celebrado pelo movimento operário internacional. A partir de 1880 o Muro dos Federados tornou-se um local para a rememoração anual dos mortos da Comuna. Seu exemplo, no entanto, serviu para alimentar a luta interna dentro da AIT. As duas principais facções, de um lado, o conselho geral de Londres, em que estavam Marx e Engels, e de outro lado Mikhail Bakunin, produziram belos textos de propaganda política sobre o acontecimento, buscando uma apropriação de sua memória. Em privado, ambos os lados tinham diversas reservas sobre os membros da seção parisiense da AIT, que em sua maioria não eram nem marxistas, nem bakuninistas. Os membros da seção parisiense eram majoritariamente jovens trabalhadores vindos do proudhonismo (de Pierre Joseph Proudhon), que retinham de seu inspirador o federalismo e a defesa da auto-organização dos trabalhadores (sustentada na obra póstuma do pensador), mas afastavam-se de suas posições contrárias às greves, aos direitos das mulheres e à participação política. A historiografia posterior sobre a Comuna de inspiração marxista ou anarquista, sustentou as posições públicas de seus mestres e ocultou o caráter plural e diversificado dos participantes da Comuna e o caráter original do socialismo da AIT parisiense.

A historiografia mais acadêmica, particularmente francesa, envolveu-se em uma longa controvérsia se a Comuna era a última das revoluções do século XIX ou a primeira do século XX, a Comuna como crepúsculo ou como aurora, quando talvez fosse mais apropriado buscar as duas dimensões no episódio. Uma parte da historiografia de língua inglesa buscou colocar em dúvida a dimensão operária da Comuna, enfatizando seu caráter comunitário e ligado a uma identidade de bairro, em detrimento de uma solidariedade classista, posição sustentada pelo sociólogo estadunidense Roger V. Gould. Contestado principalmente pelo geógrafo britânico David Harvey que argumenta não haver incompatibilidade entre uma identidade comunitária e uma identidade de classe e que a população parisiense era composta majoritariamente por trabalhadores. Neste ponto cabe uma explicação, que frequentemente contribui para confusões nesse debate (opondo a insurreição popular à insurreição operária), a classe operária parisiense não era composta majoritariamente por trabalhadores fabris, mas por artífices atuando em oficinas e manufaturas. A fábrica moderna ainda era um fenômeno reduzido ao leste da França no início da década de 1870. Ou seja, compreender a composição da classe operária parisiense nesse período é essencial para um entendimento da natureza da Comuna.

A Comuna hoje continua a nos desafiar por seu esforço de reorganizar o mundo mesmo sob as condições mais adversas, pelo legado de esperança e de utopia que perdura em sua história. Este ano a prefeitura de Paris prevê realizar celebrações bem mais amplas do que as habitualmente mantidas no aniversário da Comuna, ao mesmo tempo em que diversos movimentos sociais vêm buscando inspiração retórica e simbólica no acontecimento. Quem sabe a Comuna ainda tem lições a legar para as lutas sociais e para as bandeiras da esquerda do século XXI…

¹ Professor do Departamento de História da Unicamp

Referências:
ARCHER, Julian P. W. The First International in France 1864-1872. Its Origins, Theories, and Impact. Lanham, MD/Oxford: University Press of America, 1997.
BAKOUNINE, Michel. De la guerre à la Commune: textes de 1870-1871 établis sur les manuscrits originaux et présentés par Fernand Rude. Paris: Anthropos, 1972.
BOITO, Armando (org.). A Comuna de Paris na história. São Paulo: Xamã/CEMARX, IFCH-UNICAMP, 2001.
GOULD, Roger V. Insurgent Identities: Class, Community, and Protest. From 1848 to the Commune. Chicago: University of Chicago Press, 1995.
HARVEY, David. Paris, capital da modernidade. São Paulo: Boitempo, 2015.
LISSAGARAY, Prosper-Olivier. História da Comuna de 1871. São Paulo: Ensaio, 1991.
MARX, Karl. A guerra civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011. [há várias edições]
MUSTO, Marcello (org.), Trabalhadores, uni-vos!: Antologia política da I Internacional. São Paulo: Boitempo/Fundação Perseu Abramo, 2014.
ROUGERIE, Jacques. La Commune de 1871, 4ª ed,, Paris: Presses Universitaires de France, 2009.
SAMIS, Alexandre. Negras tormentas: o federalismo e o internacionalismo na Comuna de Paris. São Paulo: Hedra, 2011.
SCHAFER, David A. The Paris Commune: French Politics, Culture and Society at the Crossroads of the Revolutionary Tradition and Revolutionary Socialism. Basingstoke, Hampshire/Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2005.


Crédito da imagem de capa: A Comuna de Paris, 1871. Federados ao pé da coluna Vendôme, 1º arrondissement, Paris. (Museu Carnavalet, História de Paris)

Contribuição especial #17: Beth Lobo: Feminismo e História do Trabalho

Contribuição especial de Glaucia Fraccaro¹

Existe luta feminista fora do feminismo? Os últimos textos escritos pela socióloga Elisabeth Souza Lobo tiveram o propósito de reunir numa análise única o movimento de mulheres e o movimento feminista que, nos anos 1980, pareciam estar apartados. Movimento de mulheres era uma designação que caracterizava movimentos populares, com reivindicações “socioeconômicas” e a palavra “feminista” era usada para os movimentos com ações de caráter “socioculturais”, tidas como clássicas: sexualidade, aborto e violência. A experiência relatada por uma trabalhadora rural, de Bico do Papagaio, em Tocantins, que fez parte de uma das numerosas pesquisas de Elisabeth Souza Lobo, parecia sugerir uma síntese: “Se reivindicar terra e direito à saúde for feminista, então eu sou”. Para Lobo, o sentido da igualdade entre mulheres e homens poderia assumir um conteúdo capaz de questionar as relações de dominação na família ou a divisão sexual do trabalho.

No entanto, ela não teria chegado a essa síntese sem uma valiosa trajetória política e intelectual. Elisabeth Souza Lobo nasceu em 1943, em Porto Alegre. Assim como muitos outros militantes políticos na cidade, iniciou sua atuação no movimento estudantil no Colégio de Aplicação local. Com o golpe de 1964, aderiu à Dissidência do Partido Comunista no Rio Grande do Sul e na sequência participou da fundação do POC (Partido Operário Comunista). Em 1967, ela e Marco Aurélio Garcia, com quem era casada, partiram para a França. Chegaram a voltar para o Brasil e depois foram para o Chile durante o governo da Unidade Popular liderado por Salvador Allende. No começo da ditadura de Pinochet, exilaram-se definitivamente na França. Em diferentes momentos de exílio e estudos, contribuiu com centros de pesquisas feministas em países da América Latina e Europa. Em 1979, concluiu uma tese de doutorado em sociologia na Universidade Paris VIII, sobre a ditadura militar no Brasil.

Com a Anistia, voltou ao Brasil, e envolveu-se nos movimentos sociais e políticos que discutiam amplamente o futuro democrático do Brasil. Beth Lobo, como era carinhosamente chamada por suas companheiras, fez parte do grande movimento político que marcou o final da ditadura militar e resultou na fundação do Partido dos Trabalhadores (1980) e da Central Única dos Trabalhadores (1983). Ela atuava diretamente como militante do PT e como assessora das mulheres que integravam a central sindical. Em 1986, o grupo de mulheres da CUT, que reunia sindicalistas e estudiosas, criou a Comissão Nacional sobre a Questão da Mulher Trabalhadora. Para Didice Godinho Delgado, que foi a primeira coordenadora dessa comissão, Lobo conseguiu fazer da sociologia uma ferramenta para a prática militante, conjugando pesquisas sobre mulheres e sindicalismo com sua “vinculação cidadã”.

Grupo de mulheres reunidas durante o I Congresso da Trabalhadora Metalúrgica de São Bernardo do Campo e Diadema
em 1978. Fonte: Diário do Grande ABC.

Formação política, assessoria sindical, produção de textos, campanhas políticas, pesquisas universitárias e aulas na USP e na Unicamp. Esse conjunto de tarefas fazia parte das atividades de Beth Lobo junto ao grupo de mulheres do PT e da CUT. Sua produção científica, que conjugava ciência e política foi publicada em revistas especializadas sobre estudos do trabalho e apresentada em congressos da área. Beth Lobo se debruçou, então, sobre os números e indicadores que forneciam o cenário da classe operária urbana no ABC paulista. Foi aí que ficou atenta à organização das trabalhadoras, recolheu relatos e produziu análises. Sobre as greves no ABC, no final dos anos 1970, afirmou: “As reivindicações gerais dos metalúrgicos não retomam as das operárias, a discriminação sexista permanece oculta num discurso unificador; todavia, o sindicato é seu ponto de apoio”. A partir desse texto, escrito em 1982, em parceria com Leda Gitahy, John Humphrey e Rosa Lúcia Moysés, Lobo decidiu por considerar essa contradição colocada em seus próprios termos e, ao invés de entender o mundo das mulheres como apartado do trabalho, passou a tratar do tema a partir do conceito de divisão sexual do trabalho.

A existência de uma opressão específica, na forma de uma grande massa de trabalho realizado quase que exclusivamente pelas mulheres, um trabalho invisível, feito para outros e sempre em nome da natureza, do amor e do dever maternal, se tornou evidente nos anos 1970, tanto para a sociologia quanto para os movimentos sociais. Elisabeth Souza Lobo estava na França e fazia parte do Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris (CMB) quando esse debate tomou os grupos feministas. Diferente de outros grupos políticos formados no exílio, as feministas procuravam manter uma perspectiva mais internacional sobre a experiência das mulheres, deixando de lado as percepções confinadas nas fronteiras do Estado-nação. Por esse motivo, algumas brasileiras do CMB tomaram contato com diversas correntes de esquerda, incluindo, a Liga Comunista Revolucionária (LCR). Tratava-se de uma organização política que atuou com esse nome entre os anos 1969 e 1973, ligada a Quarta Internacional. Nessa articulação transnacional, elas procuravam compreender a experiência das trabalhadoras e duvidavam que as mulheres compunham o “exército de reserva”, diminuindo o valor da força de trabalho. O resultado desses debates apareceu em artigos de várias autoras brasileiras e francesas, em 1984, no livro francês Le Sexe du Travail. Ele foi traduzido e publicado no Brasil como O Sexo do Trabalho, em 1986, e contava com a contribuição de autoras como Danièle Kergoat e Helena Hirata.

Todas essas discussões do feminismo somadas aos fortes debates do período sobre autonomia dos movimentos sociais influenciaram profundamente as reflexões de Beth Lobo. Na conjuntura dos anos 1980, a divisão sexual do trabalho entrava de vez nas pesquisas sociológicas e no debate feminista no Brasil, tendo as mulheres da CUT como algumas de suas protagonistas. Esse campo político, integrado por Elisabeth Lobo, alterou em definitivo as leituras sobre as relações de trabalho. Ao trazer a divisão sexual para o centro da análise das relações sociais, inseriram as mulheres nos debates sobre economia e luta por direitos. Ainda assim, a história desse grupo de mulheres e de sua contribuição andam em separado quando o assunto é a história do feminismo no Brasil.

Elas demonstraram e enfatizaram a existência da luta pela emancipação das mulheres em organizações que envolvem, de forma geral, a luta por direitos. Desta forma, tornaram possível perceber a participação de mulheres comuns, trabalhadoras do campo ou da cidade, na conformação de direitos e nos sentidos de justiça social. Para Elisabeth Souza Lobo, a dominação não implicava passividade, mas também violência, ação, conflito e relações antagônicas. Ao tentar entender a resposta que as trabalhadoras forneciam, ela conseguiu compor uma trajetória que conjugou o feminismo com a classe trabalhadora. Não raro, Lobo retomava E. P. Thompson nas suas análises conduzindo a experiência das trabalhadoras como parte da história do trabalho. Reunir o que parecia estar em lugares distintos resultou numa abordagem “vista de baixo”: a consciência da ação não estava fora dela, e assim, encontrou a luta feminista mesmo quando o feminismo parecia não ser reivindicado.

Elizabeth Lobo no 1° Seminário de Formação sobre a Questão da Mulher Trabalhadora, organizado pela Comissão Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT em conjunto com a Comissão Regional da CUT ABC, Mogi e Baixada Santista.
O Seminário foi realizado na cidade de Santo André, em maio de 1989. Fotografia de Cibele Aragão.

O artigo em que Beth Lobo analisa o feminismo no Brasil se chama “Questões a partir de estudos sobre o movimento de mulheres no Brasil” e foi apresentado num seminário da Faculdade de Educação da USP, em 1989. Quase todos os seus textos foram reunidos no livro A Classe Operária tem Dois Sexos, publicado pela primeira vez em 1991, pela Editora Brasiliense. Embora fossem ainda reflexões iniciais, o artigo trazia uma análise fundamental sobre a atuação das “vistas de baixo” na história do trabalho e do feminismo no Brasil. O livro foi uma iniciativa de companheiras e de Marco Aurélio Garcia. Ele traduziu os textos de Lobo publicados fora do país. A edição contou com a participação de Ana Maria Goldani, Helena Hirata, Leila Blass, Maria Berenice Godinho Delgado, Maria Célia Paoli e Vera Soares. Elas selecionaram os ensaios e agruparam os textos de Lobo segundo unidades temáticas.

Elizabeth Souza Lobo morreu em um acidente automobilístico na Paraíba no dia 15 de março de 1991, aos 47 anos, junto com Maria da Penha Nascimento Silva, então com 42 anos, fundadora do Movimento de Mulheres do Brejo (MMB) e da Comissão Nacional sobre a Questão da Mulher Trabalhadora da CUT. O livro já ganhou novas edições em 2011 pela Fundação Perseu Abramo e outra em 2021, fruto da parceria da mesma fundação com a Editora Expressão Popular, e pode ser adquirido gratuitamente no site da editora. O título da publicação exprime a síntese entre mundos que parecem estar separados e foi usada por Lobo quando ela escreveu a orelha da edição brasileira de O Sexo do Trabalho. A classe operária tem dois sexos, soa até hoje como uma palavra de ordem.

¹ Professora do Departamento de História da UFSC

Referências:
ABREU, Maíra. Feminismo no Exílio: o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris e o Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris. São Paulo: Alameda, 2014.
DELGADO, Didice G. “O legado de Beth Lobo”. Teoria e Debate, n. 92, 2011.
HIRATA, Helena (e outras). Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: Editora da Unesp, 2009.
HIRATA. Helena. “Elisabeth Souza-Lobo, 1943-1991”. Revista BIB, n. 31, 1991.
KARTCHEVSKY, Andrée (e outras). O Sexo do Trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
SOUZA-LOBO, Elisabeth. Crise de domination et dictature militaire au Bresil. Tese de Doutorado apresentada à Universidade de Paris VIII, 1979.
SOUZA-LOBO, Elisabeth. Domination et résistance: travail et quotidienneté. Paris: IRESCO, 1995.
SOUZA-LOBO, Elisabeth. Emma Goldman. São Paulo: Brasiliense, 1983.
SOUZA-LOBO. Elisabeth. A Classe Operária tem Dois Sexos. São Paulo: Brasiliense, 1991. Para baixar o livro na íntegra e gratuitamente: https://fpabramo.org.br/publicacoes/estante/a-classe-operaria-tem-dois-sexos-trabalho-dominacao-e-resistencia/


Crédito da imagem de capa: Capa do livro A Classe Operária tem Dois Sexos. São Paulo: Brasiliense, 1991.

LMT #70: Cervejaria Catharinense, Joinville (SC) – Tiago Castaño Moraes



Tiago Castaño Moraes
Mestre em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina



Em 1938 com o título ‘Bons patrões, vendendo boa cerveja, fabricada por operários bem tratados‘, o jornal carioca O Radical publicou uma matéria sobre a situação dos funcionários na Cervejaria Catharinense, localizada na rua XV de novembro, uma das principais vias de acesso ao centro de Joinville. O jornal, conhecido por realizar coberturas sobre o sindicalismo e as reivindicações operárias, destacou algumas qualidades dos industriais da Cervejaria, referidos na matéria como “estudiosos das questões sociais”.

A ascendência germânica e os ideais de ascensão econômica professados pela religião luterana, construíram na cidade um discurso voltado para o trabalho e o progresso que envolvia industriais e operários. Os aproximadamente 80 funcionários da Cervejaria recebiam aumento salarial e gratificações de acordo com os lucros da empresa, seguro coletivo contra acidentes e auxílio na “aquisição da casa própria, sem juros e a longo prazo”. Segundo o jornal, havia empregados menores de idade, “mas perfeitamente enquadrados na legislação em vigor”. A produção na época alcançava 18 mil hectolitros de cerveja com o maquinário avaliado em 1,300 conto de réis.

A fabricação de cerveja teve início ali em fins do século XIX, com o imigrante alemão Alfred Tiede. O cervejeiro chegou na Colônia Dona Francisca (atual Joinville) em 1881, e começou sua produção nos fundos de sua residência em 1884. Sua fabriqueta foi ampliada ao longo do século XX e tornou-se uma das maiores produtoras de cerveja da região sul brasileira. Após a morte de Tiede em 1904, seu filho adotivo de mesmo nome e a esposa assumiram a produção, e por um período os rótulos das cervejas traziam a inscrição Viúva de A. Tiede. A cerveja chegou a ser premiada em exposições estaduais e nacionais, sendo considerada uma das melhores do país.

Inserida em um movimento de industrialização e urbanização da cidade, a cervejaria assumiu durante a década de 1920 uma posição de destaque entre as indústrias catarinenses, particularmente após a fusão com o cervejeiro Karl Seybolth em 1925. Nessa época a cervejaria empregava 30 operários, em uma produção de 20 mil garrafas semanais. O trabalho manual, no processo de pasteurização, já havia sido substituído por máquinas para lavagem e enchimento das garrafas. A produção na cervejaria seguia os padrões de grandes fábricas europeias, com técnicos treinados e alguns até formados em Munique como o próprio Karl Seyboth.

O movimento trabalhista na cidade caracterizava-se por uma forte divisão étnica entre os imigrantes germânicos (teuto-brasileiros, que utilizavam o idioma alemão) e os brasileiros, incluindo descendentes de portugueses e afro-brasileiros. Refletindo-se na organização sindical, as divisões étnicas e linguísticas dificultaram a ação coletiva nas primeiras décadas do século XX.


O sentimento de superioridade entre os trabalhadores de ascendência alemã em relação aos brasileiros foi um elemento fundamental de divisão da classe operária em Joinville e que pode explicar a predominância na Cervejaria Catharinense de trabalhadores homens e de famílias germânicas.


Transformada em Sociedade Anônima em 1931, a Cervejaria alcançou mercados importantes no Rio de Janeiro e em São Paulo. Aumentou o investimento em campanhas publicitárias e estratégias para se aproximar do público, como a realização de concursos para a escolha popular de um nome para sua nova marca de cerveja e o patrocínio de uma marchinha de carnaval em 1935.

Em 1948, a Companhia Antarctica Paulista comprou a Cervejaria Catharinense, mas conservou o nome original da cervejaria até 1973, quando foi criada a Companhia Sulina de Bebidas Antarctica. Assim como acontecia em outras filiais da Cervejaria Antarctica, a empresa fortalecia laços com seus empregados e familiares, principalmente através da ARCA (Associação Recreativa da Cervejaria Antarctica). Os funcionários demonstravam um certo orgulho em trabalhar na cervejaria, e aqueles com mais anos de casa eram homenageados. A Antarctica manteve sua produção no local até 1998, mas ainda hoje é comum ouvir histórias de ex-funcionários e consumidores sobre a qualidade da cerveja produzida ali.

A Cervejaria Catharinense criou laços simbólicos profundos no imaginário social de Joinville. Da participação no álbum do centenário do município em 1951, às festas de quermesse na cidade, a cervejaria tinha presença garantida em festas populares com stands para distribuição de cervejas e refrigerantes e sua lembrança ainda é presente na memória popular local.

Após o fechamento definitivo da fábrica em 2001, a prefeitura de Joinville adquiriu o complexo e foram idealizados museus e usos culturais para o espaço. Ao longo de quase 20 anos, alguns galpões e prédios administrativos da cervejaria foram utilizados por entidades culturais da cidade, mas a ala principal com suas máquinas, ferramentas, mobílias e até documentos, permaneceu abandonada, sofrendo furtos e degradações constantes. Sem os devidos cuidados com a conservação dos espaços, o belo exemplar de patrimônio industrial da cidade, mesmo sendo tombado como patrimônio histórico, arquitetônico e paisagístico, vem se deteriorando. Por isso, em 2020 as áreas, até então, utilizadas do complexo foram desocupadas e a chamada Cidadela Cultural Antarctica se encontra atualmente em desuso. Sua chaminé, vista de longe, é agora um marco do passado, uma recordação daqueles que tomaram ou ouviram falar da famosa “faixa azul” da Antarctica de Joinville.

Prédio da Cervejaria em 1940.
Fonte: Fotografia de Fritz Hofmann. Coleção Particular.


Para saber mais:

  • “Bons patrões, vendendo boa cerveja, fabricada por operários bem tratados”. O Radical. Rio de Janeiro. n. 2017, 10 nov. 1938, p. 19. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/830399/15618>
  • COSTA, Iara Andrade. A cidade da ordem: tensões sociais e controle (Joinville:1917/1943). Curitiba, 1996. Dissertação de mestrado em História apresentada à Universidade Federal do Paraná, UFPR.
  • MORAES, Tiago Castaño. Patrimônio, indústria e cerveja: olhares sobre a antiga Cervejaria Antarctica em Joinville/SC, Brasil. Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa. vol. 2, n.13, 2020. pp. 97-122.
  • “Onde era feita a melhor”. A Notícia. Joinville. 01 mar. 2009.
  • QUEIROZ, Walter. Resenha histórica da companhia sulina de bebidas Antárctica de Joinville. 2008. Acervo Coordenação do Patrimônio Cultural.

Crédito da imagem de capa: Rótulo com a imagem do prédio da cervejaria entre final da década de 1920 e início de 1930. Fonte: Acervo AHJ – Livro de rótulos, Typographia Otto Boehm.



Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Lugares de Memória dos Trabalhadores #69: Fábrica de Fiação e Tecelagem Bernardo Mascarenhas, Juiz de Fora (MG) – Luís Eduardo de Oliveira



Luís Eduardo de Oliveira
Professor do IF Sudeste MG, Campus Juiz de Fora



O prédio original da Tecelagem Mascarenhas, na área central de Juiz de Fora, foi construído ao longo do ano de 1887 e sua inauguração festiva ocorreu justamente no primeiro “dia útil” seguinte à abolição da escravidão: 14 de maio de 1888, uma segunda-feira. Como denunciariam lideranças operárias nos anos seguintes, um “novo cativeiro” se iniciava. Polo mercantil e manufatureiro do complexo cafeeiro da Zona da Mata mineira, Juiz de Fora experimentava uma fase de ascenso e diversificação de suas atividades urbano-industriais que, no limiar do século XX, lhe renderia o epíteto de “Manchester Mineira”.

Inicialmente, a fábrica a vapor de Bernardo Mascarenhas (1847-1899), membro proeminente de uma das famílias mais ricas de Minas Gerais, possuía uma estrutura relativamente modesta: apenas 30 teares, operados não mais do que por 75 trabalhadores, que teciam zefires e brins de algodão e de linho, com fios importados da Inglaterra, para serem comercializados local e regionalmente. A intensa exploração de sua força de trabalho somada à uma demanda crescente por tecidos relativamente baratos propiciou a ampliação contínua da capacidade produtiva desse estabelecimento fabril nas primeiras décadas da República.

Em agosto de 1898, a Tecelagem Mascarenhas já contava com o dobro de teares e com uma força de trabalho de quase 150 pessoas, “a maior parte moças e meninas, umas brasileiras, outras espanholas e italianas”, como relatam O Pharol e o Jornal do Commercio. A área central de Juiz de Fora assumia funções de uma típica cidade-fábrica capitalista e nesse cenário a arquitetura inglesa do prédio original daquela unidade fabril se destacava em meio a outras edificações mais modestas, muitas delas convertidas em cortiços para abrigar famílias proletárias numerosas – cujos membros, para escaparem da miséria absoluta, e da não menos temida pecha de vadios, se submetiam a jornadas diárias de até 16 horas, pagas a preços baixíssimos, quer seja no comércio quer seja em obras, oficinas e fábricas.

É bem provável, nesse sentido, que fosse moradora de um desses cortiços a “moça de nacionalidade italiana” Albina Bartolosso, que de acordo com o Jornal do Commercio de 22 de dezembro de 1907 ficou cega de um dos olhos após ser atingida por uma peça que se desprendeu do tear em que trabalhava diariamente na Tecelagem Mascarenhas. Acidentes graves como esse se tornaram mais frequentes no decurso das décadas de 1900 e 1910, quando a fábrica praticamente dobrou sua área construída e passou a contar com a extraordinária força de 526 trabalhadoras e trabalhadores para produzir anualmente cerca de 1,6 milhões de metros de tecidos em 1914.

Nos cinco anos seguintes, quando a carestia atingiu um nível insuportável em Juiz de Fora e os serões não remunerados se tornaram ainda mais frequentes, o contraste entre a enorme prosperidade desfrutada pelos capitalistas locais e as terríveis condições em que subsistiam os seus empregados levou à deflagração da segunda greve geral da história da cidade. Assim como ocorreu em agosto de 1912, centenas de operárias e operários da Tecelagem Mascarenhas paralisaram completamente a produção e se incorporaram a outros cerca de seis mil assalariados (sobretudo dos setores de fiação e tecelagem, gráfico, mecânico-metalúrgico e da construção civil) num vigoroso movimento paredista.


Entre os dias 02 e 06 de janeiro de 1920, as trabalhadoras e trabalhadores juizforanos emergiram novamente na cena pública para denunciar o tratamento desumano que recebiam de seus patrões e reivindicar 8 horas de trabalho, aumento de 50% sobre os salários dos serões e de 25% do ordenado da jornada normal.


Entre as décadas de 1930 e 1960, reafirmando reivindicações sociais históricas e lutando para que a legislação trabalhista fosse cumprida e ampliada, os operários e operárias da Tecelagem Mascarenhas tiveram ainda um papel destacado nas lutas sociais e políticas daquele período e no processo de formação e consolidação do Sindicato dos Operários Têxteis e Classes Anexas. Em  agosto de 1954, por exemplo, estiveram na linha de frente da greve geral que paralisou a cidade e conquistou um aumento de cerca de 150% no valor do salário-mínimo local.

Por mais três décadas o trabalho operário continuaria intenso nos amplos salões da Tecelagem Mascarenhas, que desligou definitivamente o seu maquinário em janeiro de 1984. Foi uma das últimas grandes fábricas de fiação e tecelagem formadas em Juiz de Fora entre os séculos XIX e XX a parar de produzir.

Durante anos a antiga fábrica esteve sob ameaça de demolição. Em grande medida, sua preservação pode ser atribuída ao movimento “Mascarenhas, meu amor”, que reuniu no início dos anos 1980 diversos setores sociais em torno de uma campanha pelo tombamento do conjunto arquitetônico da centenária fábrica de tecidos, o que acabou ocorrendo em 1987. Desde então, funcionam naquele espaço, sob a gestão da prefeitura, o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, onde são desenvolvidas atividades artísticas e culturais, a Biblioteca Municipal Murilo Mendes e a Secretaria Municipal de Educação, além de um movimentado mercado de produtos naturais e artesanais.

A praça pública que integra o sítio histórico em que se localiza o antigo prédio da Tecelagem Mascarenhas, é hoje um dos principais espaços de concentração política da cidade. É um local de história e memória fundamental, cujo simbolismo maior parece ser a sua capacidade de conectar as reivindicações e movimentos sociais do presente às inúmeras e hercúleas lutas operárias travadas em Juiz de Fora ao longo de todo o século XX.

Fac-símile da notícia publicada pelo periódico A Razão acerca do início de uma greve geral em Juiz de Fora – MG em 1920. A imagem destaca a fachada principal da Tecelagem Mascarenhas.
Fonte / crédito: “As 8 horas de Trabalho. 6.000 operários em greve”. A Razão, Rio de Janeiro, 03 de Janeiro de 1920, p. 05. Hemeroteca Digital Brasileira / Biblioteca Nacional.

Fachada do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas atualmente.
Fonte: Site da Prefeitura de Juiz de Fora.


Para saber mais:

  • ANDRADE, Sílvia Maria B. Vilela de. Classe Operária em Juiz de Fora: uma história de lutas (1912-1924). Juiz de Fora: UFJF, 1987.
  • DUTRA, Eliana de Freitas. Caminhos Operários nas Minas Gerais. Um estudo das práticas operárias em Juiz de Fora e Belo Horizonte na Primeira República. São Paulo / Belo Horizonte, Hucitec / UFMG, 1988.
  • OLIVEIRA, Luís Eduardo de. Os trabalhadores e a cidade: a formação do proletariado de Juiz de Fora e sua lutas por direitos (1877-1920). Juiz de Fora / Rio de Janeiro, Funalfa / Editora da FGV, 2010.
  • PREFEITURA DE JUIZ DE FORA. “Centro Cultural Bernardo Mascarenhas: Histórico”. Disponível em: https://www.pjf.mg.gov.br/administracao_indireta/funalfa/ccbm/historico.php

Crédito da imagem de capa: Vista parcial da área central de Juiz de Fora no final da década de 1890, destacando-se num dos extremos da antiga rua XV de Novembro (atual Avenida Getúlio Vargas) o prédio original da Tecelagem Mascarenhas (canto inferior direito). Fonte / Crédito: OLIVEIRA, Luís Eduardo de. Os trabalhadores e a cidade – a formação do proletariado de Juiz de Fora e suas lutas por direitos (1877-1920). Tese (Doutorado), Niterói, Universidade Federal Fluminense, 2008, p. 113.



Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.