Trabalhadores atingidos: a colaboração empresarial com a ditadura | EP01 Petrobrás



A Petrobrás apoiou a Ditadura (1964-1985). A empresa agiu em cumplicidade com o regime autoritário e atuou como braço repressor sobre os trabalhadores. Já no primeiro dia da Ditadura, em 1º de abril de 1964, houve a detenção de um grupo expressivo de trabalhadores da empresa. Muitas prisões aconteceram nos locais de trabalho, que tiveram seus alojamentos transformados em centros de detenção e tortura.


Esse caso é tema do primeiro episódio da série Trabalhadores atingidos: a colaboração empresarial com a ditadura, do Vale Mais, podcast do LEHMT/UFRJ, realizada em parceria com o Centro de Memória do Sul Fluminense da UFF e com a rede de pesquisadores envolvidos no projeto “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura” (projeto do CAAF/ UNIFESP com o MPF). São 4 episódios que exploram as colaborações da Petrobrás, CSN, Aracruz e Josapar, com a Ditadura.


O episódio está disponível no link abaixo e nas principais plataformas de podcast. Caso queira conhecer mais sobre as empresas que foram cúmplices da Ditadura, acesse pelo link abaixo o Informe Público da pesquisa, que além dos quatro casos acima, apresenta dados sobre a colaboração de outras empresas, a saber: Cobrasma, Docas, Fiat, Folha de São Paulo, Itaipu e Paranapanema. 

Ficha técnica:

Projeto e execução: Alejandra Estevez, Bruno Cecílio, Deivison Amaral, Larissa Farias, Thompson Climaco | Roteiro: Deivison Amaral | Revisão de Roteiro: Alejandra Esteves | Edição: Deivison Amaral e Thompson Climaco | Apresentação: Larissa Farias | Entrevista com Luci Praun: Alejandra Esteves, Deivison Amaral e Larissa Farias | Entrevista com trabalhadores atingidos: Luci Praun.

Equipe responsável pela pesquisa sobre a Petrobras:

Luci Praun (Ufac, pesquisadora responsável) | Alex de Souza Ivo (Ifba) | Carlos E. S. de Freitas (Ufba – Uneb) | Claudia Lima da Costa (Jornalista) | Júlio Cesar P. de Carvalho (UFF) | Márcia Costa Misi (UEFS) | Ana Letícia de Fiori (Ufac) | Marcos de Almeida Matos (Ufac) | Vitor Góis (Pesquisador Unir)

Vale Mais #31: Saraiva, Dantas e Cotegipe: baianismo, escravidão e os planos para o pós-abolição no Brasil, por Itan Cruz Vale Mais

Está no ar o quarto episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ! Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. Neste quarto episódio, conversamos com Itan Cruz, doutor em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), sobre sua tese Saraiva, Dantas e Cotegipe: baianismo, escravidão e os planos para o pós-abolição no Brasil (1880-1889). Ao longo da conversa, Itan mostra como investigou de que maneira políticos baianos, como Saraiva, Dantas e Cotegipe, influenciaram os últimos anos do cativeiro no Brasil. Entre jogos de poder, alianças improváveis e disputas internas, revelamos como o baianismo atravessou gabinetes, salões, senzalas e até as relações íntimas do Império. Para saber mais, ouça o episódio. E não deixe de acompanhar a nova temporada do Vale Mais! Entrevistadores: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Josemberg Araújo, Larissa Farias e Thompson Clímaco Roteiro: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Larissa Farias e Thompson Clímaco Produção: Ana Clara Tavares e Larissa Farias Edição: Josemberg Araújo e Thompson Clímaco Diretor da série: Thompson Clímaco Coordenadora geral do Vale Mais: Larissa Farias
  1. Vale Mais #31: Saraiva, Dantas e Cotegipe: baianismo, escravidão e os planos para o pós-abolição no Brasil, por Itan Cruz
  2. Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima
  3. Vale Mais #29: The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil, por Alexandre Fortes
  4. Vale Mais #28: O poder e a escravidão, por Bruna Portella e Felipe Azevedo
  5. Vale a Dica #14: Orgulho e Esperança, de Matthew Warchus

Chão de Escola #40: O estranho caso da morte do operário Luiz

Maria Luiza Coelho (estudante de licenciatura em História pela UFF, residente pedagógica do PIRP/CAPES desde outubro de 2022)

Matheus Lira da Silva (graduando de licenciatura em História pela UFF, residente pedagógico do PIRP/CAPES desde maio de 2023).

Luciana Pucu Wollmann (professora de História da rede municipal de Niterói e da rede estadual do Rio de Janeiro. Doutora em História pela FGV e integrante do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT/ UFRJ), onde coordena a seção “Chão de Escola”)


Apresentação da atividade

Segmento: 6º ano do Ensino Fundamental

Unidade temática: Lógicas de organização política e História: tempo, espaço e formas de registro.

Objetos de conhecimento:
– As noções de cidadania política

– Formas de registro da História e da produção do conhecimento

Objetivos gerais:
– Contextualizar o período anterior ao golpe de 1964, procurando apresentar os principais aspectos que identificam esse período como uma “democracia de massas”;

– Apresentar como se deu a instalação da ditadura empresarial-militar no Brasil em 1964;

– Identificar os atores políticos que resistiram e lutaram contra a ditadura, bem como o aparato repressivo montado pela ditadura para reprimi-los;

– Correlacionar o contexto que levou ao golpe de 1964 com os capítulos da história recente do Brasil;

– Sensibilizar os/as estudantes para o uso de fontes históricas, bem como para o de cruzamento das fontes;

– Refletir sobre o trabalho do/a historiador/a, que se baseia em evidências e também na interpretação das fontes.

Aulas Planejamento
02Apresentação do tema e contextualização
03Realização da atividade
04Apresentação dos grupos

Conhecimentos prévios:
– Reflexões sobre o que é História e sobre o ofício do/a historiador/a;

– As fontes históricas, a suas tipologias e variedades;


Atividade

Recursos: datashow, som e cópias impressas.

Etapa 1: Apresentação do tema e contextualização

Sugerimos ao/ à colega que contextualize o período histórico anterior ao golpe de 1964, bem como as principais características da ditadura que se instalou no Brasil e perdurou por 21 anos (1964-1985). A ideia aqui é procurar debater com os/as alunos/as que, apesar de ser um capítulo recente da História do Brasil, este é um tema pouco estudado e conhecido entre a população brasileira.

Achamos pertinente ainda, correlacionar o golpe de 1964 com acontecimentos recentes, tais como o golpe de 2016, que levou ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a tentativa de golpe em Brasília em 8 de janeiro de 2023.

Como material de apoio, sugerimos os materiais abaixo:

Etapa 2: Realização da atividade

O estranho caso da morte do operário Luiz

Sugerimos ao ou à colega que projete em um data-show as seguintes imagens:

No dia 30 de abril de 1968, o trabalhador Luiz Fernando foi encontrado morto longe de sua casa, no município de Osasco, em São Paulo. A vítima trabalhava em uma empresa metalúrgica há alguns anos e, dentro dessa empresa, era conhecido por sua determinação em lutar pelos direitos dos trabalhadores, o que o tornou uma figura conhecida pelas autoridades e por grandes empresários locais. Sua morte deixou a comunidade em estado de choque e apreensiva em relação ao que realmente ocorreu naquela noite. 

Segundo a polícia militar, havia duas hipóteses sobre a morte de Luiz Fernando. A primeira hipótese é de que Luiz Fernando teve a sua casa invadida por assaltantes e que, ao tentar reagir, foi sequestrado e morto a tiros. A segunda hipótese da polícia é de que Luiz Fernando participava de muitos conflitos dentro da empresa e que por isso, algum colega da empresa poderia ter cometido o assassinato. 

Luiz era conhecido por ser uma pessoa bastante querida entre os seus colegas de trabalho e também por ajudar os seus vizinhos em suas tarefas domiciliares. A polícia averiguou que a maçaneta da casa de Luiz Fernando estava quebrada, porém, não conseguiu identificar nenhum pertence roubado da casa, apenas um caixa com alguns folhetos que estavam bagunçados no chão. Além disso, segundo testemunhas da região, não foi possível ouvir nenhum disparo naquela noite.

Algumas evidências ajudam a elucidar o caso. Dentre os documentos encontrados no chão da casa de Luiz Fernando, havia diversos folhetins referentes a uma greve que iria ocorrer nas semanas seguintes:


Com a vítima, além de seus pertences, foi encontrada também uma carteirinha de filiação:

Uma notícia de jornal que coletou relatos de outros trabalhadores da fábrica também traz algumas pistas sobre o caso:

1 de maio de 1968, Osasco, São Paulo
DIA DO TRABALHADOR COM GRANDE PERDA OPERÁRIA

Trabalhadores da Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários (Cobrasma) relataram a nossa equipe jornalística que a morte do operário Luiz Fernando Moreira da Silva, registrada no dia 30 de abril, véspera do Dia do Trabalhador, teria sido negligenciada pela polícia. 

Um dos operários entrevistados, que preferiu não se identificar, nos contou: 

Luizinho era gente fina. . . não tem porque alguém ter feito isso com ele. Sabe um cara que não tem inimigos? Quer dizer, até tinha, mas aí já não me cabe, senão também eu me prejudico. Mas que essa história tá estranha, tá sim!

Um morador da vizinhança onde Luiz Fernando morava com sua família também relatou: 

Olha, eu ouvi sim um som de porta arrombada, mas som de tiro não teve não. Não faz sentido também terem roubado só a casa de Luiz! Todo mundo acha que tá estranho isso, mas ninguém quer falar. . . é melhor ficar quieto pra não ser o próximo. 

Procuramos também a esposa de Luiz Fernando, mas os vizinhos informaram que no dia seguinte à tragédia a viúva já havia se mudado para a casa de uma tia em outro estado.

A polícia militar chegou à conclusão de que as evidências encontradas não tinham relevância para a conclusão do caso e encerrou o inquérito afirmando que a morte de Luiz Fernando foi ocasionada por uma tentativa de assalto. Após a notícia do caso chegar aos jornais, houve indignação dos familiares de Luiz e dos trabalhadores da empresa metalúrgica. Segundo eles, a polícia ignorou qualquer evidência encontrada no caso e decidiu encerrar o inquérito rapidamente. Além disso, segundo os mesmos, alguns militares que trabalhavam no caso demonstraram repulsa em relação às práticas organizadas pelos sindicalistas.

Agora que você já tem as evidências, reúna-se com seus colegas para responder às seguintes perguntas:

1) A versão do crime emitida pela polícia parece ser verdadeira? 
2) Se a resposta for negativa, quem você acha que assassinou Luiz Fernando? 
3) Escreva aqui a reconstituição do crime, explicando as pistas apresentadas.

 

Etapa 3: Apresentação dos grupos

Nesta etapa, cada grupo deve apresentar a sua versão do crime. O/a professor/a deve registrar no quadro o resultado de cada equipe. É possível identificar que, por mais próximas que as versões se apresentem, elas apresentam algumas diferenças. A ideia aqui é aproveitar a atividade e explicar que é possível verificarmos algo parecido na disciplina histórica, que ainda que se baseie em evidências, pode apresentar diferentes versões. 

Ao final da atividade, o docente deve explicar que não existe propriamente uma resposta correta para as perguntas. O objetivo do trabalho era fazer os/as estudantes atentarem para as informações das fontes, inserindo-as dentro do contexto. Sendo assim, desempenhou bem a atividade os grupos que conseguiram correlacionar às fontes para construir a sua versão.

Bibliografia e Material de apoio:

Brasil de Fato Minas Gerais. Primeira grande greve após o golpe de 64 completa meio século. Disponível em: https://www.brasildefatomg.com.br/2018/05/29/primeira-grande-greve-apos-o-golpe-de-64-completa-meio-seculo. Acesso em: 28 mar. 2024.

Centro de Documentação e Memória (CEDEM). O grupo de Osasco e a greve de julho de 1968. Disponível em: https://www.cedem.unesp.br/#!/noticia/626/o-grupo-de-osasco-e-a-greve-de-julho-de-1968. Acesso em: 27 mar. 2024.

CUT (Central Única dos Trabalhadores). Perseguição da ditadura chegou a 10 mil dirigentes sindicais. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/memoria-perseguicao-da-ditadura-chegou-a-10-mil-dirigentes-sindicais-2fe3. Acesso em: 27 mar. 2024.

Memorial da Democracia. Exército reprime a greve de Osasco. Disponível em: https://memorialdademocracia.com.br/card/exercito-reprime-a-greve-de-osasco. Acesso em: 27 mar. 2024.


Créditos da imagem de capa: VANNUCHI, Camilo. Neste Finados, relembre os 434 mortos e desaparecidos da ditadura. Universo Online (UOL), 02 de novembro de 2019. Disponível em: https://camilovannuchi.blogosfera.uol.com.br/2019/11/02/neste-finados-relembre-os-434-mortos-e-desaparecidos-da-ditadura/


Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral e Samuel Oliveira.

Os trabalhadores e o golpe – Ep. 02: Murilo Leal (UNIFESP): A “República sindicalista”: greves, política e o golpe


LEHMT/UFRJ apresenta “Os trabalhadores e o golpe” Episódio 2: Murilo Leal (UNIFESP): A “República sindicalista”: greves, política e o golpe

Nesses 60 anos do golpe de 1964, o portal do LEHMT/UFRJ convida à reflexão sobre o lugar dos mundos do trabalho neste evento decisivo para a história brasileira. Toda segunda-feira de abril, publicamos um episódio com entrevistas de historiadores/as abordando diferentes aspectos da relação entre os trabalhadores e o golpe.No segundo episódio, Murilo Leal (UNIFESP) fala sobre o lugar central do movimento sindical na efervescente conjuntura que antecedeu o golpe de 1964. Leal analisa a crescente presença pública de lideranças sindicais e seu papel na construção de uma agenda de reformas sociais no país. Comenta ainda sobre as greves e as mobilizações em geral daquele período.Não percam! Todas as segundas-feiras de abril um novo episódio no Labuta, canal do LEHMT/UFRJ no Youtube.

LMT #129: Praça Serzedelo Correia, Copacabana, Rio de Janeiro (RJ) – Yasmin Getirana



Uma das maiores categorias profissionais femininas no Brasil, trabalhadoras domésticas frequentemente desempenham seu serviço sozinhas. Não conseguindo sociabilizar com outras colegas nas casas onde trabalham, elas encontraram em espaços como praças públicas um local não apenas de trânsito, mas também de lazer, convivência e por vezes, de manifestação coletiva.

Antes da criação da Associação Profissional de Empregadas Domésticas do Rio de Janeiro (APED-RJ), em 1961, era comum que reuniões entre trabalhadoras domésticas fossem realizadas em praças. Mesmo após a conquista da sede própria, em 1985 no bairro do Rio Comprido, a prática continuou como uma forma de levar a APED-RJ a locais distantes. A sindicalista Nair Jane de Castro Lima lembra que, entre as décadas de 1960 e 80, praças, mercados, escolas e igrejas, eram locais em que as participantes podiam divulgar a associação, principalmente para babás. A Praça Serzedelo Correia logo se destacou como um desses lugares.

A praça, localizada na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, foi criada em 1893, e inicialmente chamada Malvino Reis. Seu nome atual faz alusão ao militar e político paraense Inocêncio Serzedelo Correia que foi por dois mandatos prefeito da cidade. O local foi remodelado diversas vezes até chegar ao desenho de hoje. A partir da década de 1940, Copabacana passou por um intenso processo de verticalização e urbanização e o bairro tornou-se um dos principais locais de moradia das camadas mais abastadas da sociedade carioca. Como consequência, Copacabana também atraiu muitos trabalhadores prestadores de serviços.

Durante a década de 1970, a Serzedelo Correia passou a ser conhecida como “Praça dos Paraíbas”. O termo era usado na cidade como uma maneira pejorativa de se referir às pessoas oriundas das regiões norte e nordeste do país, maioria dos frequentadores da praça. Operários, porteiros e babás com crianças eram tão presentes que a praça servia não só como ponto de encontro informal, mas também de realização de eventos culturais ligados à cultura nordestina.

O fluxo constante de trabalhadoras domésticas no local pode ter sido influenciado também pela Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, ao lado da praça. Lá, funcionou a partir de 1971 um dos núcleos da Pastoral da Doméstica, iniciativa da Igreja Católica que, similar a movimentos como a Juventude Operária Católica, tinha uma relação próxima à APED-RJ.


A praça também é emblemática para a história sindical e política das domésticas, pois foi ali que aconteceu o primeiro ato público realizado pela categoria no Rio de Janeiro.


Anazir Maria de Oliveira, a Dona Zica, relembra que todo dia 27 de Abril, Dia da Empregada Doméstica, era comum que, após a realização da missa na Igreja Nossa Senhora de Copacabana, patroas distribuíssem rosas para suas funcionárias. Por entender essa tradição como superficial, em 1984 ela propôs um evento que, até onde se sabe, foi inédito dentro da mobilização coletiva da categoria a nível nacional. Foram confeccionados bottons e camisetas e decidiu-se em Assembleia realizar um ato público naquele local. A princípio, a proposta foi recebida com receio por aquelas que acreditavam que trabalhadoras domésticas não iriam querer se identificar como tal por vergonha. No entanto, o movimento foi surpreendente. Nair Jane lembra que: “colocamos 500 domésticas na Praça Serzedelo Correia, você não via nada, só via as meninas”. A imprensa logo chegou ao local. Além disso, outros sindicatos e movimentos sociais se uniram ao ato em solidariedade. Certamente, as domésticas eram impactadas pelo clima generalizado de mobilização social e política que o país vivia naquele primeiro semestre de 1984, com protestos, comícios e manifestações demandando democracia e o fim da ditadura, na campanha que ficou conhecida como Diretas Já.

Na imprensa, o Jornal do Brasil noticiava que: “Muitas foram à praça como fazem há anos: com o uniforme de babá, a criança da patroa no carrinho […] Mas ontem foi diferente: afinal, era o Dia da Doméstica”. Por conta disso, “elas esqueceram o horário de voltar, dançaram na Praça Serzedelo Correia, em Copacabana, e reivindicaram melhores condições de trabalho”. Segundo o jornal “eram tão animadas e gritavam tanto, que [era] impossível passar por ali sem parar para ver”. A então vereadora pelo PT, Benedita da Silva, aliada de longa data da categoria e presente no evento, lembrou-se de quando trabalhava como doméstica e das más condições de trabalho dispensada às trabalhadoras, incluindo a questão dos espaços de habitação precários das mensalistas, os “quartinhos de empregada”.

De lá para cá, o movimento sindical das trabalhadoras domésticas continuou a crescer e negociou direitos para categoria em diversos momentos, como na Constituinte, na PEC das domésticas, na Lei Complementar nº 150, e em fóruns multilaterais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a Convenção 189, pela dignidade do trabalho doméstico.

São várias as praças do Rio de Janeiro lembradas pelo movimento das trabalhadoras domésticas, a exemplo da Praça General Osório, em Ipanema, a Sanz Peña, na Tijuca, e o Largo do Machado, no Catete. Neste último, inclusive, um ato similar foi realizado três anos depois, também no dia 27 de abril. No entanto, a Praça Serzedelo Correia se destaca por ser, com frequência, um espaço de referência para a sociabilidade de trabalhadores migrantes e onde trabalhadoras domésticas, muitas delas também de fora do Estado, organizaram uma manifestação pública inédita e importante na história da luta por direitos dessa categoria tão fundamental nos mundos do trabalho no Brasil.

Manchete do Jornal do Brasil sobre manifestações da trabalhadoras domésticas cariocas, 28 de abril de 1984


Para saber mais:

  • Barbosa, Fernando Cordeiro. A ritualização do pertencimento: O “paraíba” e seus espaços. Travessia – revista do migrante, n. 38, p. 23-26, 2000.
  • Chalhoub, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001.
  • Esteves, Martha de Abreu.  Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
  • Fontes, Paulo et al. ‘Eu tinha minha liberdade’: Entrevista de Nair Jane de Castro Lima, liderança histórica das trabalhadoras domésticas do Rio de Janeiro. Revista Mundos do Trabalho, Santa Catarina, v. 10, n. 20, p. 167-189, 2018.
  • Getirana, Yasmin. Na casa e na causa: A organização sindical das trabalhadoras domésticas (Rio de Janeiro, 1961-1973). Rio de Janeiro: Editora Telha, 2023.

Crédito da imagem de capa: Praça Serzedelo Correa nos anos 1950. É possível notar a presença de várias babás e trabalhadoras domésticas uniformizadas. Fonte: https://copacabana.com/praca-serzedelo-correia


MAPA INTERATIVO

Navegue pela geolocalização dos Lugares de Memória dos Trabalhadores e leia os outros artigos:


Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Os trabalhadores e o golpe – Ep. 01: Rodrigo Patto Motta (UFMG): Os trabalhadores e o governo Jango

Nesses 60 anos do golpe de 1964, o portal do LEHMT/UFRJ convida à reflexão sobre o lugar dos mundos do trabalho neste evento decisivo para a história brasileira. A partir de 1º de abril, e nas quatro segundas-feiras seguintes do mês, publicaremos cinco episódios de vídeos com entrevistas curtas com historiadores/as abordando diferentes aspectos da relação entre os trabalhadores e o golpe.

Nesse primeiro episódio, Rodrigo Patto Motta (UFMG) comenta sobre o lugar dos trabalhadores e suas organizações no conturbado jogo político do governo Jango. Fala ainda sobre como as diferentes forças políticas se posicionavam em relação às crescentes demandas por reformas e direitos sociais naquela conjuntura e sobre o importante papel do anticomunismo na visão de mundo de grande parte das elites brasileiras.

Livros de Classe #39: Que fazer?, de Lenin, por Valter Pomar

Neste episódio, que abre a temporada 2024 de Livros de Classe, Valter Pomar (UFABC), no centenário da morte de Vladimir Ilich Ulianov, o Lenin, apresenta “Que fazer?”. Publicado originalmente em 1902, o livro tornou-se um clássico do pensamento marxista e uma referência para diversos movimentos revolucionários e setores do movimento operário ao longo do século XX.

Livros de Classe

Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curta duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.

A seção Livros de Classe é coordenada por Ana Clara Tavares e Paulo Fontes.

Vale Mais #08: 60 anos do golpe de 1964



Nesses 60 anos do golpe de 1964, a oitava edição da série “Vale a Dica” do portal do LEHMT/UFRJ, indica alguns eventos acadêmicos e uma exposição que pretendem pôr no centro do debate público novas abordagens acerca do golpe. Em particular, destacamos como a classe trabalhadora, suas  organizações e  os movimentos sociais em geral têm sido analisados nas pesquisas recentes sobre o golpe e o regime militar.

O “Seminário 60 anos do golpe: História, Memória e novas abordagens da ditadura militar no Brasil”, “Seminário Internacional 1964+60”, “Seminário 1964 e a ditadura militar no quadro transnacional: novas perspectivas historiográficas” e a exposição  “Rio 64 – a capital do golpe” , são as dicas presentes no episódio a fim de rememorar e refletir sobre os acontecimentos que levaram ao golpe de 1º de abril .

Com certeza não conseguimos incluir todos os eventos de reflexão sobre os 60 anos do golpe de 1964, contudo, estamos aqui para construir esse campo de divulgação juntos. Então, caso você saiba de algum evento acerca do golpe e a classe trabalhadora, nos envie em nossas redes sociais para que possamos cada vez mais preencher o debate público com as disputas e resistências das trabalhadoras e trabalhadores no cenário político.

O episódio é apresentado por Larissa Farias, mestranda do PPGHIS/UFRJ e pesquisadora do LEHMT.

Projeto e execução: Alexandra Veras, Isabelle Pires, Larissa Farias, Victória Cunha e Yasmin Getirana

Edição: Brenda Dias e Eduarda Olimpio

Vale Mais #31: Saraiva, Dantas e Cotegipe: baianismo, escravidão e os planos para o pós-abolição no Brasil, por Itan Cruz Vale Mais

Está no ar o quarto episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ! Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. Neste quarto episódio, conversamos com Itan Cruz, doutor em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), sobre sua tese Saraiva, Dantas e Cotegipe: baianismo, escravidão e os planos para o pós-abolição no Brasil (1880-1889). Ao longo da conversa, Itan mostra como investigou de que maneira políticos baianos, como Saraiva, Dantas e Cotegipe, influenciaram os últimos anos do cativeiro no Brasil. Entre jogos de poder, alianças improváveis e disputas internas, revelamos como o baianismo atravessou gabinetes, salões, senzalas e até as relações íntimas do Império. Para saber mais, ouça o episódio. E não deixe de acompanhar a nova temporada do Vale Mais! Entrevistadores: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Josemberg Araújo, Larissa Farias e Thompson Clímaco Roteiro: Ana Clara Tavares, Isabelle Pires, Larissa Farias e Thompson Clímaco Produção: Ana Clara Tavares e Larissa Farias Edição: Josemberg Araújo e Thompson Clímaco Diretor da série: Thompson Clímaco Coordenadora geral do Vale Mais: Larissa Farias
  1. Vale Mais #31: Saraiva, Dantas e Cotegipe: baianismo, escravidão e os planos para o pós-abolição no Brasil, por Itan Cruz
  2. Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima
  3. Vale Mais #29: The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil, por Alexandre Fortes
  4. Vale Mais #28: O poder e a escravidão, por Bruna Portella e Felipe Azevedo
  5. Vale a Dica #14: Orgulho e Esperança, de Matthew Warchus

Livro: Na casa e na causa: a organização sindical das trabalhadoras domésticas (Rio de Janeiro, 1961-1973), de Yasmin Getirana



Na casa e na causa: a organização sindical das trabalhadoras domésticas (Rio de Janeiro, 1961-1973), livro de Yasmin Getirana, acaba de ser lançado pela editora Telha. Yasmin é doutoranda em História Internacional pela London School of Economics (LSE) e pesquisadora do LEHMT/UFRJ. Fruto da dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) da UFRJ, orientada por Paulo Fontes, o trabalho ganhou o prêmio Ana Lugão de melhor dissertação de mestrado do PPGHIS/UFRJ em 2022.
O livro analisa a formação da organização sindical de trabalhadoras domésticas nas décadas de 1960 e 70. Em especial, aborda a trajetória da Associação Profissional de Empregadas Domésticas do Rio de Janeiro, bem como as histórias de vida de várias militantes. Yasmin demonstra como aquelas mulheres, em sua grande maioria negras, articularam um movimento classista e se relacionaram com o mundo político, instituições do Estado, a Igreja Católica e com o sindicalismo de uma forma geral.
A partir de fontes diversas, como entrevistas de História Oral, jornais da grande imprensa, acervos particulares, legislações e documentos sindicais e da polícia política é reconstruído todo o rico e complexo cenário político e social do associativismo daquelas trabalhadoras durante a Ditadura Militar. As organizações surgidas naquele período estão nas raízes do movimento sindical das trabalhadoras domésticas que ganharia força e visibilidade nos anos seguintes.
O livro pode ser adquirido pelo site da editora Telha, na secretaria do PPGHIS/UFRJ (ppghis.ufrj@gmail.com) ou diretamente com a autora (yasmingetirana@gmail.com)

Chão de Escola #39: “Trabalhadoras do mundo, uni-vos”: mulheres trabalhadoras na luta pelo direito ao voto e por mais participação política

Beatriz Loureiro Ferreira (Licenciada em História e mestranda em História Social pelo PPGH-UFF)

Luciana Pucu Wollmann (professora de História da rede municipal de Niterói e da rede estadual do Rio de Janeiro. Doutora em História pela FGV e integrante do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT/ UFRJ), onde coordena a seção “Chão de Escola”)


Apresentação da atividade

Segmento: 9º ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio

Unidade temática: O nascimento da República no Brasil e os processos históricos até a metade do século XX/ História recente

Objetivos gerais:

 Refletir sobre o papel das mulheres na política enquanto sujeitos históricos.

– Analisar a problemática de gênero no contexto das relações histórico-culturais.

– Identificar o papel das mulheres trabalhadoras na luta pelo voto e pelos direitos sociais e trabalhistas das mulheres.

– Capacitar os(as) alunos(as) a reconhecerem transformações e continuidades entre o passado e o presente.

Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC):

(EM13CHS101) Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.

(EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de diversas naturezas (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos e geográficos, gráficos, mapas, tabelas, tradições orais, entre outros).

(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais.

(EM13CHS503) Identificar diversas formas de violência (física, simbólica, psicológica etc.), suas principais vítimas, suas causas sociais, psicológicas e afetivas, seus significados e usos políticos, sociais e culturais, discutindo e avaliando mecanismos para combatê-las, com base em argumentos éticos.

Duração da atividade: 11 aulas de 50 minutos

Aulas Planejamento
01Etapa 1
02 e 03Etapa 2
04, 05, 06 e 07Etapa 3
08 e 09Etapa 4
10 e 11Etapa 5

Conhecimentos prévios:

– Primeira República (1889-1930);

– Era Vargas (1930-1945);

– Período “Democrático” (1945-1964).


Atividade

Recursos: datashow, som e cópias impressas.

Etapa 1: Sensibilização e contextualização

Em uma roda de conversas, o/a professor/a pode propor um papo a fim de coletar as possíveis informações que os/as estudantes já dispõem sobre o assunto. Sugerimos as seguintes perguntas para nortear o debate: Como as mulheres conquistaram o direito ao voto? Quando esse direito foi conquistado? Por quanto tempo às mulheres brasileiras (e do mundo) lutaram pelo direito de votar? Qual seria a classe social das mulheres sufragistas? Qual seria a sua cor? Negras? Brancas? Elas seriam moradoras de bairros abastados e/ou periféricos?

Conforme os/as estudantes forem trazendo as informações e questões para o debate, o/a professor/a, pode ir trazendo informações a fim de contextualizar e aprofundar as reflexões sobre a temática. Como sugestão para fundamentar ainda mais os nossos conhecimentos, sugerimos os seguintes materiais para a consulta:

Para o próximo encontro, o/a professor/a, pode sugerir alguns nomes de mulheres que no passado, tiveram uma grande projeção na luta pelo voto feminino e por mais participação das mulheres na política e na vida pública, tais como:
• Almerinda Farias Gama
• Adalgisa Cavalcanti
• Alice Tibiriçá
• Antonieta de Barros
• Arcelina Mochel
• Bertha Lutz
• Bianca Fialho
• Carmen Portinho
• Dalva Barcelos
• Elisa Branco
• Elisa Kauffmann Abramovich
• Julia de Medeiros
• Júlia Santiago da Conceição
• Julietta Battistioli
• Laura Brandão
• Lia Corrêa Dutra
• Luiza Alzira Soriano Teixeira
• Maria Felisberta Baptista Trindade
• Maria Olimpia Carneiro
• Nísia Floresta
• Odila Schmidt
• Patricia Galvão
• Rosa Bittencourt
• Zélia Magalhães
• Zuleika Alambert
• Entre outras…

Etapa 2: Reflexão

Sugerimos ao ou à colega que projete em um data-show as seguintes imagens:

O Paiz, 4 de novembro de 1928, Edição 16086, p. 12. Disponível em: Biblioteca Nacional. Acesso em 26/02/2024.

Júlia Medeiros (1896-1972): Natural do Rio Grande do Norte, Julia teve uma atuação fundamental na reivindicação dos direitos às mulheres, principalmente no que tange à educação. Destaque na área do jornalismo e do magistério, Julia foi gerente e redatora do Jornal das Moças em 1926. Em 1928, foi a primeira mulher de Caicó-RN a se alistar como eleitora. O Rio Grande do Norte foi o primeiro estado a reconhecer o direito das mulheres votarem e serem votadas, de acordo com a Lei estadual nº 660 em 25 de outubro de 1927.

Arquivo Nacional. I Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro: evento contou com presença da sufragista americana Carrie Chapman Catt (ao centro, de preto) ao lado de Bertha Lutz (ao centro, de branco). Disponível em: Época Negócios. Acesso em 28/2/2024.

Bertha Lutz (1894-1976): Nome mais conhecido na luta pelo direito ao voto no Brasil. Graduada em Biologia pela Sorbonne (Paris), Bertha foi a segunda mulher a assumir uma vaga em um concurso publico, como bióloga do Museu Nacional. Em 1919, fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher e em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, entidade que liderou a luta pelo voto feminino no Brasil. Em 1934, assumiu o mandato de deputada federal, após a morte do titular da cadeira, Cândido Mendes, de quem era suplente.  

CPDOC/Fundação Getúlio Vargas. Almerinda Farias Gama vota na eleição de deputados classistas em 20 de julho de 1933. In: TENÓRIO, 2020.

Almerinda Farias Gama (1899-1999): Apontada como pioneira entre as mulheres negras na política, a alagoana Almerinda Gama foi delegada-eleitora na escolha de deputados classistas para a Assembleia Nacional Constituinte de 1933.  Fundadora do Sindicato das Datilógrafas e Secretarias do Distrito Federal, Almerinda também atuou na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que liderou a luta pelo voto feminino no Brasil. 

De branco, em evidência, a deputada eleita em 1934 Carlota Pereira de Queirós. Disponível em: Câmara dos Deputados. Acesso em 28/2/2024.

Carlota Pereira de Queirós (1892-1982): Em destaque na foto meio a dezenas de homens, Carlota foi a única mulher eleita para a Câmara Federal em 1934. Médica por formação, Carlota pertencia à uma família tradicional de proprietários de terras do interior paulista. Chegando a atuar em plenário ao lado de Bertha Lutz, a deputada discordava da feminista em vários aspectos, tais como sobre o direito ao voto feminine. Enquanto Bertha defendia o direito sem restrições, Carlota considerava que este deveria ser acompanhado de deveres cívicos, tais como a assistência aos pobres.

APERJ. Jovens moças comunistas e antifascistas, em reunião no RJ, 1934. Foto: APERJ. Acesso em 28/2/2024.

Comitê das Mulheres Trabalhadoras: Criado em 1928, este órgão estava vinculado ao PCB (Partido Comunista do Brasil). Logo em seguida, foi criado o Comitê Eleitoral de Mulheres, também vinculado ao partido, que buscava demarcar posição dos comunistas na luta pelo voto e elegibilidade feminina. Nos anos 1930, a organização das mulheres comunistas levantava a bandeira contra o fascismo, de acordo com as determinações da linha política do PC em voga naquele momento, além de lutar por bandeiras que erigiam do chão das fábricas, tais como equidade salarial entre homens e mulheres e proteção à mãe trabalhadora. 

Polícia reprime Federação de Mulheres do Brasil (FMB), em São Paulo. Disponível em: Issuu. Acesso em 28/2/2024.

Federação das Mulheres do Brasil (FBM): Fundada em 1949,sob forte influência do PCB, a FBM teve uma atuação destacada articulando pautas que buscavam lutar pelos direitos das mulheres em bairros e sindicatos. Ao longo dos anos 1950, enviou delegações para congressos internacionais de mulheres, muitos deles articulados pelo PC.

Da esquerda para direita Elisa Kauffmann Abramovich, Júlia Santiago da Conceição e Julieta Battistioli. Militantes comunistas, todas elas foram eleitas vereadoras em 1947. Diponível em: CEDEM. Acesso em: 28/2/2024.

Elisa Kauffmann (1919-1963): Paulista, professora, filha de imigrantes judeus, Elisa foi eleita a primeira vereadora da cidade de São Paulo em 1947. Um ano depois, Elisa e todos os vereadores eleitos pela legenda do PST (Partido Social Trabalhista), foram cassados a partir da denúncia de que a legenda teria abrigado candidaturas comunistas. Ao longo da sua vida, Elisa se notabilizou por sua atuação junto à comunidade judaica, na luta pela educação e proteção da infância. 

Julia Santiago da Conceição (1917-1989): Pernambucana, negra, operária, têxtil, sindicalista, comunista, Julia foi eleita a primeira vereadora do Recife, em 1947 pela legenda do PCB. Fundadora do Sindicato de Fiação e Tecelagem de Pernambuco e colaboradora de vários jornais da imprensa comunista, Julia não foi alfabetizada formalmente. Eleita pela legenda do PSP (Partido Social Progressista), visto que o PCB já estava na ilegalidade, Julia se destacou em plenário pela luta por melhorias urbanas e direitos sociais dos/as trabalhadores/as. Julia também se destacou pela sua  atuação em associações femininas e na Federação de Mulheres de Pernambuco.

Julieta Battistioli (1907-: Nascida na cidade de Palmares, No Rio Grande do Sul, Julieta foi a primeira vereadora eleita na cidade de Porto Alegre, em 1948, pela legenda do PSP. Operária têxtil, Julieta desempenhou um papel de destaque junto às associações femininas e a Federação das Mulheres do Rio Grande do Sul, entidade vinculada ao PCB, bem como se notabilizou pela sua militância nas fábricas e nos bairros fabris da cidade.

Mulher militante do PCB, cuja identidade não foi identificada, discursando ao lado de Prestes. Data provável: 1946. Fundo Polícia Políticas/APERJ In: CORREIA &VISCO, 2022: 6.

Mulher não identificada: Na legenda da foto, lê-se: “Depois de eleito senador, Prestes, do mesmo modo que os demais representantes do Partido Comunista mantém-se em contato permanente com o seu povo, prestando contas do mandato que lhe foi conferido e ao mesmo tempo, mobilizando o povo com a sua palavra, para enfrentar as novas tarefas exigidas pela luta para assegurar as liberdades democráticas e liquidar os remanescentes do fascismo em nossa terra”.

Em um primeiro momento, sugerimos ao docente que apresente as imagens os/as estudantes e peça para eles/as observarem-nas e as descreverem. Estimule que a turma observe o que as mulheres estão fazendo nas imagens, a sua cor, a sua possível condição social, etc. Caso os/as estudantes tenham feito pesquisas, este será também um momento de trocas de informações sobre as mulheres apresentadas.

Em um segundo momento, o professor/a deve trazer informações sobre as mulheres apresentadas. Feito isso, sugerimos que a turma seja dividida em grupos, e em uma folha registre as suas impressões sobre as seguintes questões:

1. O movimento que luta pelos direitos das mulheres é unívoco ou existem diferenças no interior deste? Se sim, quais diferenças vocês identificaram? E quais são as semelhanças que os une?
2. Podemos ver similaridades entre os movimentos feministas/ femininos do passado e os de hoje? Quais?
3. Vocês já tinham ouvido falar em alguma dessas mulheres, antes desta aula? Provavelmente, assim como grande parte da população brasileira, vocês nunca tinham ouvido falar. Por que vocês acham que isso ocorre?
4. Escolha uma das imagens que mais chamou a atenção de vocês e justifique a sua escolha.

Etapa 3: Aprofundamento

Exibição do filme As Sufragistas

Após a exibição de As Sufragistas, o/a professor/a deve fazer um debate tendo como ponto de partida a história vivida por Maud Watts. O filme, que se passa por volta de 1912, apresenta as longas jornadas que as mulheres trabalhadoras enfrentavam desde a infância. Além do cansaço causado pelo trabalho, essas mulheres eram reféns de políticas machistas da época, que as mantinham em uma posição inferior e dependente de um homem. Esse pensamento, enraizado na sociedade, persiste ao longo dos anos. Reunidos em grupos, os/as estudantes receberão uma folha impressa e responderão às seguintes questões:

1. Por que a personagem Maud Watts se juntou às Sufragistas?
2. Discorra sobre as condições de trabalho retratadas no filme e compare-as com o tempo presente: há semelhanças ou diferenças?
3. Como a sociedade reagiu após Maud ir contra o pensamento dominante da época e questionar seu espaço sociopolítico?
4. Mr. Taylor, chefe da lavanderia, comete assédio moral e sexual contra as trabalhadoras. Pesquise se hoje há alguma lei contra tais crimes.
5. As mulheres possuíam direitos sobre seus filhos? E nos dias de hoje, como a Justiça orienta que deve ser a convivência dos filhos com pais separados?
6. Maud Watts fazia dupla jornada de trabalho: na lavanderia de Mr. Taylor e em casa, onde era responsável por cozinhar, lavar as roupas e cuidar do seu filho George. Hoje em dia as mulheres ainda cumprem essa dupla jornada? Explique.

Etapa 4: Para além do direito ao voto: as reivindicações da mulher trabalhadora brasileira na esfera pública/ política.

Divididos em grupos, os/as estudantes receberão uma folha com as s fontes abaixo e com as questões reproduzidas em seguida.

APERJ. Folheto da campanha da sindicalista Odila Schmidt, eleita vereadora na cidade do Rio de Janeiro (então Distrito Federal). Disponível em: Open Edition Books. Acesso em: 02/03/2024.
APERJ. Panfleto da Associação Feminina do Distrito Federal. Data provável: década de 1950. Disponível em: Open Edition Books. Acesso em: 02/03/2024.

1. Quais reivindicações estão presentes nas fontes nº 1 e nº 2 no que diz respeito às questões voltadas para os direitos das trabalhadoras e trabalhadores?
2. A fonte nº 1 apresenta pautas voltadas exclusivamente às mulheres? Quais são elas? Nos dias de hoje, esses direitos foram conquistados?
3. A partir das fontes apresentadas, reflita sobre a importância da representatividade das mulheres na esfera política/ pública.

Etapa 5: A luta pelos direitos assegurados e os que ainda estão por vir

Em um data-show, projete as imagens abaixo e peça para os/as estudantes, observem e teçam comentários a respeito das mesmas. 

Movimento Mulheres Negras Decidem. Fonte: ANDRADE, Wendy. Revista Cult, 2020. Acesso em 27/02/2024.
Vereadora Marielle Franco. Disponível em: CRESS-PR. Acesso em: 02/03/2024.

Marielle Franco (1979-2018): Ativista política e defensora das comunidades marginalizadas, foi Vereadora da Câmara do Rio de Janeiro e Presidente da Comissão da Mulher da Câmara. Criada na Favela da Maré, se tornou porta-voz na luta contra a violência policial e pelos direitos das mulheres, negros e LGBTQIA+. Em 14 de março de 2018, Marielle foi brutalmente assassinada a tiros no Rio de Janeiro, ao lado do seu motorista Anderson Gomes. Sua morte despertou não só a comoção mundial, como também a revolta e vontade do povo de dar continuidade a sua luta (ROCHA, 2018). Espera-se que os/as estudantes reflitam sobre o racismo estrutural e como a desigualdade racial também está presente na representatividade das mulheres na esfera política e na vida pública.

Após o debate, reunidos em grupos, os/as estudantes deverão produzir um Projeto de Lei visando as questões de igualdade de gênero (e racial também, se acharem pertinente). Após a realização da tarefa, os/as estudantes devem pesquisar se o Projeto de Lei criado pelo grupo já existe no Brasil e como se dá o processo de encaminhamento até a sua aprovação na Câmara dos Deputados.

Bibliografia e Material de apoio:

CORRÊA, Larissa e Nina Teruz Visco. “Falam as eleitas do povo”: vereadoras e comunistas, a atuação das mulheres comunistas no Rio de Janeiro (1946-1948). Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 14, 2022.

FRACCARO, Glaucia Cristina Candian. Os direitos das mulheres: organização social e legislação trabalhista no entreguerras brasileiro (1917-1937). Campinas: UNICAMP, 2016. Tese de Doutorado.

NUNES, Guilherme Machado. A primeira vereadora do Recife era negra? História oral, memória e disputas em torno de Julia Santiago da Conceição (1933-tempo presente). História Oral, v. 25, nº 1, jan/jul. 2022.

_________________________. Elisa Kauffman Abramovich: classe, gênero e identidade na vida de uma professora judia e comunista. Cadernos de História. Belo Horizont, v. 20, nº 32, 2019.

___________________________. Julietta Battistiolli: a trajetória militante de uma operária comunista. Aedos, Porto Alegre, v. 12, nº 16, agosto de 2020.

ROCHA, Lia de Mattos. A vida e as lutas de Marielle Franco. EM PAUTA, Rio de Janeiro, 2º Semestre de 2018 – n. 42, v. 16, p. 274 – 280. Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

TENÓRIO, Patricia Cibele da Silva. A vida na ponta dos dedos: a trajetória de vida de Almerinda Farias |Gama (1899-1999) – feminismo, sindicalismo e identidade política. Brasília: UnB, 2020. Dissertação de mestrado.


Créditos da imagem de capa: Mulher militante do PCB, cuja identidade não foi identificada, discursando ao lado de Prestes. Data provável: 1946. Fundo Polícia Políticas/APERJ In: CORRÊA, Larissa e Nina Teruz Visco. “Falam as eleitas do povo”: vereadoras e comunistas, a atuação das mulheres comunistas no Rio de Janeiro (1946-1948). Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 14, 2022.


Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral e Samuel Oliveira.

Contribuição Especial #32: O 8 de março das trabalhadoras e a longa luta por direitos


Fabiane Popinigis
Professora Associada do Departamento de História da UFRuralRJ


A jovem Laura Maria foi trabalhar na casa de um português viúvo que vivia numa chácara. no Rio de Janeiro, distante do centro da cidade. Ele tinha dois filhos e juntos moravam numa casa relativamente grande. Após a morte da esposa o velho Silva precisava que cuidassem dos filhos e fizessem todo o serviço da casa. Era o que Laura fazia todos os dias: tratava das crianças, cozinhava, lavava, limpava e dava de comer a todo mundo, inclusive outros trabalhadores que ali frequentavam. Quando Silva morreu, Laura ficou sem receber a compensação que considerava justa pelos seus serviços, e entrou na justiça para demandar salários naqueles idos de 1890. Mas o genro do português, casado com a filha dele, justamente aquela da qual Laura havia cuidado, ficou responsável pela herança e se recusava a remunerá-la, afirmando que não era criada, e sim amásia de Silva. Jogando com a moralidade e com a falta de legislação (e considerando que não eram casados), o genro contestava o do trabalho da moça.  Para o advogado de Laura, custava a crer que ela se sujeitasse a lavar e engomar para Silva e seus filhos e ainda mais cozinhar para eles e outros empregados sem outro interesse além do amor, assim formulando e expressando, quase um século antes, aquilo que Silvia Frederici assim descreveu: “o que eles chamam de amor nós chamamos de trabalho não remunerado”.

Antes de Laura, a portuguesa Anna e a ex-escravizada Francisca, entre outras também foram à Justiça demandar salários a homens que exploraram seus serviços em casas comerciais do Rio de Janeiro. Elas carregavam lenha e água, cozinhavam e serviam os outros trabalhadores da casa, limpavam e lavavam para a casa e a tavernas, cujo lucro ia para eles. Não eram casadas, não tinham contrato de trabalho e não conseguiam provar que era uma trabalhadora porque o estigma de amásia e concubina foi mobilizado contra elas. Hermínia da Conceição era um caso diferente: quando menina havia sido vítima da escravização ilegal e criminosa corrente no período. Reunindo forças e aliados conseguiu sua liberdade na Justiça, e depois voltou a ela para reivindicar também seu direito aos salários pelo tempo de serviço que lhe havia sido roubado, em plena década da Abolição da escravidão e da proclamação da República.

Jean Baptiste Debret – Lavadeiras do Rio das Laranjeiras, 1826. Disponível em: Wikipédia. Acesso: 08 de março de 2024. As lavadeiras – escravizadas, livres e libertas – eram presença constante trabalhando juntas em fontes e Rios, conhecidas pelo trabalho fundamental e pela sua presença marcantes nos espaços públicos da cidade.

Essas mulheres e tantas outras, trabalhadoras pobres que viveram há mais de um século, mobilizaram a Justiça para tentar obter o que era seu. Lutaram no mundo masculino do direito no qual juízes, promotores, advogados e desembargadores lhes lançavam olhares de desconfiança e suspeita. E mesmo assim conseguiram aliados e testemunhas e insistiram em suas demandas, muito antes da existência de qualquer direito trabalhista como conhecemos hoje.

Apesar de que, por essa mesma época, entre o fim do século XIX e o início do XX mulheres e crianças lotavam as fábricas de tecidos, sendo por vezes a maioria da “mão de obra” ali existente, trabalhando tanto ou mais por muito menos em jornadas exaustivas do que os homens, volta e meia nos dias de hoje circula o argumento de que as mulheres querem direitos iguais apenas para boas condições e salários, mas que “elas não querem ser pedreiras e carregar saco de cimento”. Esse falso argumento apelativo desconsidera o quanto as mulheres sempre lutaram por ocupar mais posições no mercado de trabalho, e serem reconhecidas como trabalhadoras, por mais oportunidades de sobrevivência e autonomia para si e para os seus. De fato as mulheres sempre trabalharam, mas poucos sabem que apenas em 1967 ganharam autonomia legal para trabalhar ou empreender sem a permissão dos maridos.

O movimento pelo salário igual por trabalho igual foi vitorioso ao vigorar na CLT. Mas a luta pela igualdade salarial entre homens e mulheres permanece, pois elas ainda recebem muito menos trabalhando nas mesmas posições. Em 2023 o presidente Lula sancionou a lei de igualdade salarial determinando multas às empresas que a descumprirem, e muitas delas já afirmaram que vão judicializar a questão. Surpreendente, empresários recorrendo para não pagar salário igual para as mulheres?  Estarão de acordo com o ex-presidente, que afirmava que as mulheres, por ficarem grávidas, gerarem e cuidarem de seus filhos, merecem ganhar menos que homens na mesma posição e que, portanto, pagar menos é um direito do empresário? Seria um retrocesso de ao menos um século no debate, lembrando que direitos duramente conquistados podem muito bem ser perdidos pois a história não é linear.

E por isso hoje é dia de lembrar que cada vitória merece ser reconhecida, rememorada e comemorada pois por trás delas estão gerações de mulheres que com solidariedade, esforço individual e luta coletiva abriram os caminhos que hoje trilhamos. A luta continua, pois sem luta não há direitos e hoje luta é pela vida, nos queremos VIVAS, e queremos poder decidir. Como escreveu Bel Hooks: “o amor tem o poder de nos transformar e nos dar força para que possamos nos opor à dominação. Escolher políticas feministas é, portanto, escolher amar”.



PARA SABER MAIS:

FEDERICI, Silvia. O patriarcado do salário: notas sobre Marx, gênero e feminismo (v.1). Tradução: Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021. p. 24.

LIMA, Henrique Espada; POPINIGIS, Fabiane. Maids, Clerks, and the Shifting Landscape of Labor Relations in Rio de Janeiro, 1830s-1880s. INTERNATIONAL REVIEW OF SOCIAL HISTORY, v. 1, p. 1-29, 2018.

PAULO, Paula Paiva. Mesmo mais escolarizadas, mulheres ganham 21% menos que homens; desigualdade maior é na ciência, aponta IBGE. G1, 08 de março de 2024. Disponível em: G1. Acesso em 08 de março de 2024.

POPINIGIS, Fabiane. “A emancipação da quase exclusiva classe trabalhadora do país, a classe escrava”: Disputas por indenização e salários na década da abolição. Mundos do Trabalho, v.15, 2023.


Crédito da imagem de capa: Publicação do Sintrajufe em comemoração à aprovação, pela Câmara dos Deputados do projeto de lei 1085/23, do governo Lula, que “institui medidas para buscar garantir a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens na realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função”. Equiparação Salarial entre homens e mulheres. Disponível em: SINTRAJUFE. Acesso: 08 de março de 2024.