Desde o final do século XIX, Bilbao consolidou-se como a grande cidade industrial da Espanha. A palestra abordará o vertiginoso processo de desindustrialização que a metrópole basca viveu nas últimas décadas, com ênfase em suas consequências sociais e ambientais.
David Beorlegui é professor da UDIMA em Madrid, Espanha, e pesquisador do grupo Experiência Moderna (Universidade do País Basco). Atualmente é o presidente da International Oral History Association.
Essa atividade integra o Projeto PROBRAL “Desindustrialização e História Social”, apoiado pela CAPES e DAAD e é promovida conjuntamente pelos grupos de pesquisa e laboratórios IMAN, LabHeN, LEHMT e DTA.
Dia 28 de setembro (quinta-feira) às 14h30 Auditório Evaristo de Morais Filho – IFCS
Ángela Vergara Professora do Departamento de História da California State University Los Angeles
O golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 foi um golpe contra os trabalhadores e seus sonhos de construir uma sociedade mais justa e democrática. Uma contrarrevolução, liderada pelas Forças Armadas e apoiada por amplos setores da sociedade civil e pelo governo dos EUA, que buscava, entre outras coisas, eliminar as conquistas sociais e desmobilizar o movimento sindical e camponês que, nos últimos três anos, havia tomado as fábricas e fazendas e “marchado pelas grandes Alamedas” para apoiar o governo do “companheiro Presidente.”
As trajetórias políticas dos líderes sindicais refletem como o golpe pôs fim ao processo de mobilização social e radicalização da década de 1960. Em setembro de 1973, Héctor Olivares Solís era membro do parlamento e militante do Partido Socialista. Olivares havia iniciado sua carreira política como líder sindical na mina de cobre El Teniente na década de 1940, na época da Kennecott Corporation. Junto com outros líderes sindicais, ele participou da fundação da Confederação dos Trabalhadores do Cobre e lutou incansavelmente pela nacionalização do cobre e pela expansão dos direitos trabalhistas. Olivares estava familiarizado com a repressão estatal e havia sido preso e mantido incomunicável por convocar uma greve geral em meados da década de 1960. Do sindicato, ele foi para a Câmara dos Deputados em 1965, representando seu distrito de mineração, Machalí, onde lutou por melhores condições de trabalho para todos os chilenos e apoiou Salvador Allende.
Quando os militares tomaram o poder, os políticos e líderes sociais foram instados a se apresentar “voluntariamente” às novas autoridades. Aqueles que o fizeram não tinham ideia da violência que os aguardava. Olivares se apresentou e seguiu o caminho de muitos prisioneiros políticos: escola militar, campo de concentração da Ilha Dawson, no sul da Patagônia, e exílio. Em junho de 1992, de volta ao Chile e mais uma vez eleito deputado, o ex-líder sindical lembrou-se de Allende como “um homem que, apesar de não ser filho de um trabalhador, apesar da classe a que pertencia, durante sua carreira como militante do Partido Socialista, foi coerente não apenas com um ideal político, mas com os trabalhadores, com os despossuídos deste país e também com o povo do Chile, para quem sempre quis o melhor”.
Assim como Olivares, a grande maioria dos líderes sindicais tinha uma forte lealdade a Allende e sofreram na própria carne o golpe de Estado. Trabalhadores, líderes camponeses e funcionários públicos foram presos, executados ou desapareceram de seus locais de trabalho, bairros ou casas. Em muitos casos, houve cumplicidade por parte dos empregadores, que não apenas denunciaram seus funcionários, mas também colaboraram com a detenção, transferência e até mesmo com o assassinato de líderes sindicais, camponeses e trabalhadores.
O impacto do golpe no mundo sindical e nas condições de trabalho pode ser lido nas ordens militares e nos decretos-lei emitidos pela junta militar nos dias e meses que se seguiram ao golpe. Para o historiador Danny Monsálvez, esses instrumentos legais foram usados pela ditadura para institucionalizar e legitimar a repressão, bem como para controlar a população e impor um clima de medo e terror. Embora em seu primeiro comunicado a junta tenha prometido aos trabalhadores “que as conquistas econômicas e sociais obtidas até o momento permaneceriam fundamentalmente inalteradas”, na prática isso não aconteceu. Com o passar dos dias, ficou claro que as fábricas se tornariam um laboratório para a imposição do modelo neoconservador dos militares e de seus aliados civis e empresariais.
Uma das primeiras ações contra os trabalhadores foi a suspensão da negociação coletiva e dos reajustes salariais e previdenciários. Por um lado, essa foi uma medida econômica destinada a controlar a inflação; por outro lado, teve um caráter político e antissindical que corroeu o poder dos trabalhadores e as formas tradicionais de luta. As Forças Armadas também acreditavam que o marxismo havia se “infiltrado” no movimento sindical, por isso decidiram suspender as eleições sindicais e vigiar de perto suas reuniões, estabelecendo também que os sindicatos, “suas direções e seus líderes devem se abster de qualquer atividade de natureza política no exercício de suas funções”. Na prática, o decreto foi ainda mais abrangente, destruindo os espaços de participação e os vínculos que existiam entre os trabalhadores e seus líderes e os partidos políticos.
O caso da repressão contra a Central Única dos Trabalhadores, a principal confederação de trabalhadores do país, foi particularmente severo. Durante o governo da Unidade Popular, a CUT não só havia obtido reconhecimento legal, como também desempenhava um papel importante no governo e no processo de participação popular. Para os golpistas, a CUT era sinônimo de radicalização e politização do movimento dos trabalhadores e foi duramente reprimida. Em 24 de setembro de 1973, a CUT perdeu seu status legal e todos os seus bens foram confiscados.
A repressão assumiu muitas formas, sendo uma delas a demissão, que afetou não apenas aqueles que haviam desempenhado um papel de liderança durante os anos da Unidade Popular, mas também aqueles que simpatizavam com Salvador Allende. O simples fato de ter participado de uma assembleia ou de uma manifestação popular poderia ser usado como motivo para demissão. Um decreto permitiu que os empregadores demitissem por motivos que supostamente prejudicassem a ordem pública, ao mesmo tempo em que o governo militar declarou quase todo o pessoal da administração pública como “interino”. Ao eliminar as regras de proteção ao emprego, os empregadores e os interventores militares usaram a demissão como uma forma de represália que também lhes permitiu eliminar qualquer resistência aos processos de reestruturação produtiva. Na prática, a repressão política e sindical estava sempre ligada às reformas econômicas, e as demissões eram uma arma eficaz de controle em um contexto econômico precário de alto desemprego e incerteza quanto ao futuro.
As medidas econômicas, primeiro de estabilização e depois de refundação e implementação de um modelo neoliberal, tiveram um forte impacto sobre a classe trabalhadora. Por exemplo, a decisão de abrir a economia nacional para o mercado internacional afetou o setor industrial e deu início a um processo acelerado de desindustrialização. O setor têxtil, um ícone das lutas dos trabalhadores durante o governo da Unidade Popular, foi um dos mais afetados pelas políticas de liberalização econômica, e muitas das fábricas reduziram o quadro de funcionários e acabaram fechando as portas.
No final da década de 1970, a ditadura começou a realizar uma série de reformas neoliberais que afetaram o código trabalhista, o sistema de pensões, a assistência médica e a educação pública. Quando a economia chilena entrou em colapso em 1982, os trabalhadores tiveram que sobreviver à crise com direitos trabalhistas mínimos e sem proteção social.
Nesse contexto de repressão política e econômica, a reconstrução do movimento sindical e a busca de alianças políticas foram extremamente difíceis. As primeiras reuniões de líderes no país foram organizadas sob os auspícios da Igreja Católica, enquanto os exilados procuraram restabelecer contato com líderes políticos. Dez anos após o golpe de Estado e em meio a uma profunda crise econômica, foi criado o Comando Nacional dos Trabalhadores, reunindo diferentes grupos sindicais e desempenhando um papel fundamental na luta pelo retorno à democracia.
No entanto, o movimento social dos trabalhadores não foi reconstruído apenas a partir de formas tradicionais de organização, mas também a partir de e em conjunto com uma ampla gama de organizações sociais e comunitárias que surgiram em bairros da classe trabalhadora. Organizações de direitos humanos, grupos de mulheres, refeitórios e oficinas comunitárias são alguns exemplos. Esses lugares desempenharam um papel fundamental na reconstrução de um tecido social atingido pela ditadura e pela crise econômica, contribuíram para a criação de espaços de resistência e incorporaram setores que haviam sido historicamente marginalizados do mundo sindical.
Em suma, para os trabalhadores, o golpe significou a perda de direitos trabalhistas e sociais, desemprego e repressão. Foram anos de profunda incerteza econômica e medo, silêncio e abandono. As formas de trabalho também mudaram à medida que a economia se recuperava e o modelo neoliberal se consolidava: os contratos eram menos estáveis e seguros, as jornadas de trabalho foram alongadas sob o pretexto de flexibilidade e os novos empregos não eram mais gerados pela indústria, mas pelo setor de serviços e pelas atividades agroexportadoras. Com o fim da ditadura, um dos grandes desafios era como rearticular a atividade sindical nesse cenário político, econômico, trabalhista e jurídico. Cinquenta anos após o golpe, muitas dessas questões ainda estão pendentes.
Visita de Salvador Allende a uma fábrica na periferia de Santiago em janeiro de 1972. Fonte: Arquivo Nacional, Fundo Correio da Manhã. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_07847_006
PARA SABER MAIS:
Araya Gómez, Rodrigo. Organizaciones Sindicales En Chile: De La Resistencia a La Política de Los Consensos: 1983-1994. Ediciones Universidad Finis Terrae, 2015.
Bravo Vargas, Viviana. Piedras, barricadas y cacerolas: las jornadas nacionales de protesta: Chile 1983-1986. Ediciones Universidad Alberto Hurtado, 2017.
Garcés, Mario e Leiva, Sebastián. El golpe en la Legua: Los caminos del golpe y la memoria. LOM, 2014
Winn, Peter (org.). Victims of the Chilean Miracle: Workers and Neoliberalism in the Pinochet Era, 1973-2002. Duke University Press, 2004.
Crédito da imagem de capa: Presidente Salvador Allende nas celebrações de Primeiro de Maio de 1971 promovida pela CUT em Santiago. Crédito: Associated Press / Alamy Stock Photo
Há 40 anos nascia a maior e mais duradoura central sindical da história do Brasil. A fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 28 de agosto de 1983, na cidade de São Bernardo era fruto direto de uma efervescente conjuntura iniciada com uma onda de greves e mobilizações sociais que tomou conta do país a partir de 1978. A luta dos trabalhadores impactou os rumos da redemocratização e colocou o movimento sindical no centro da arena política.
Para refletir sobre aquela conjuntura tão especial, o “Vale Mais”, podcast do LEHMT/UFRJ, lança “O nascimento da CUT” uma série de cinco programas em que contamos as histórias de cinco sindicalistas que estavam em São Bernardo naquele 28 de agosto de 1983. Zé Ferreira, metalúrgico de São Bernardo, Almerico Lima, petroquímico da Bahia, Zica Oliveira, trabalhadora doméstica do Rio, Ranulfo Peloso, trabalhador rural do Pará e Nilza Port, química de São Paulo, vão nos falar de suas trajetórias e contar suas esperanças e detalhes do congresso sindical que mudou a história do país.
Não percam! Toda segunda-feira às 17h, a partir de 18 de setembro. Acesse o portal lehmt.org ou o Vale Mais no tocador de podcast de sua preferência.
Nesta quarta edição da série “Vale a Dica” do LEHMT/UFRJ, Ana Luiza Fernandes (IPPUR/UFRJ) e Thompson Clímaco (PPHR/UFRRJ) comentam a exposição “Heitor dos Prazeres é meu nome”. Com curadoria de Pablo Léon de la Barra, Raquel Barreto e Haroldo Costa, a exposição pode ser vista no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, de 28 de junho a 18 de setembro de 2023. Pintor, sambista, compositor e artista negro, Heitor dos Prazeres nasceu no Rio de Janeiro em 1898, vindo a falecer em 1966. Sua trajetória está diretamente ligada aos mundos do trabalho. Filho de trabalhadores migrantes, sendo seu pai marceneiro e músico, e sua mãe costureira e trabalhadora doméstica, essa experiência está fortemente presente em suas expressões artísticas, compondo particularidades que articulam debates caros à história social do trabalho. Em suas pinturas, evidente é o destaque dado ao cotidiano e variadas experiências da população negra trabalhadora carioca.
Projeto e execução: Alexandra Veras, Isabelle Pires, Larissa Farias, Victória Cunha e Yasmin Getirana
Nós do Chão de Escola do Lehmt/UFRJ convidamos a comunidade acadêmica para colaborar com o dossiê A História Social do Trabalho e o ensino de História: temas, debates e perspectivas que propõe construir pontes entre a renovação da História Social do Trabalho e a sua relação com as diferentes práticas de ensino em História na educação básica.
Neste episódio de Livros de Classe, Hélio da Costa, coordenador do Departamento de Formação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, apresenta o livro “O ABC dos Operários: conflitos e alianças de classe em São Paulo (1900-1950)”, do historiador estadunidense John French. O livro, publicado em 1995, trata da organização dos trabalhadores no ABC paulista e os aponta como peças fundamentais no sistema político populista, expressando os ganhos dessa lógica para a classe trabalhadora.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
Prezados estudantes, é com grande satisfação que o Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT-UFRJ) está oferecendo duas bolsas de extensão para alunos de graduação da UFRJ. As bolsas são destinadas a estudantes que estejam regularmente matriculados nos cursos de Artes Visuais, Comunicação Social, Comunicação Visual Design, Ciências da Computação ou Ciências Matemáticas e da Terra que tenham interesse em desenvolver atividades de extensão universitária relacionadas às mídias sociais e site do LEHMT-UFRJ.
Requisitos:
Estar regularmente matriculado em um curso de graduação em um dos seguintes cursos: Artes Visuais, Comunicação Social, Comunicação Visual Design, Ciências da Computação ou Ciências Matemáticas e da Terra;
Ter pelo menos três semestres acadêmicos completos no momento da inscrição;
Ter disponibilidade de horário para participar das atividades estabelecidas no projeto;
Ter bom desempenho acadêmico;
Não acumular bolsas de outras instituições;
Demonstrar interesse e motivação para participar ativamente de projetos relacionados à História e divulgação científica.
Edição de vídeos e áudios; produção de materiais e artes de divulgação; elaboração de conteúdo visual para as redes sociais e site (WordPress); movimentação das redes sociais.
Inscrições:
As inscrições serão realizadas de 17 de agosto de 2023 a 28 de agosto de 2023 por meio do envio dos documentos anexos para o e-mail: lehmtufrj.ic@gmail.com
Documentos anexos necessários:
Cópia do histórico escolar;
Cópia da carteira de identidade;
Cópia do CPF;
Carta de motivação explicando por que deseja participar do projeto de extensão do LEHMT-UFRJ e como pretende contribuir para os objetivos e atividades em questão;
Portfólio;
Currículo Lattes (se houver).
Avaliação:
A seleção será realizada por uma comissão composta por representantes do LEHMT-UFRJ. A comissão avaliará os candidatos com base nos seguintes critérios:
Desempenho acadêmico;
Interesse em desenvolver atividades de extensão universitária propostas;
Disponibilidade de horário;
Habilidades de comunicação e relacionamento interpessoal;
Competências técnicas relacionadas ao projeto.
A seleção será dividida em duas fases: (i) análise de documentos e currículo e (ii) realização de entrevistas com os/as estudantes selecionados/as.
Bolsa:
O valor da bolsa é de R$700,00 mensais, cada.
Resultado:
O resultado do processo seletivo será divulgado no dia 4º de setembro de 2023 via e-mail dos candidatos/as inscritos/as.
Para mais informações, entre em contato com o e-mail: lehmtufrj.ic@gmail.com
Flavia Veras (Doutora em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC)
Apresentação da atividade
Segmento: Ensino Médio
Unidade temática: Povos indígenas e suas lutas no Brasil
Objetivos gerais:
– Refletir sobre a questão da terra no Brasil a partir do conflito entre o agronegócio (PL 490) e as populações originárias;
– Problematizar as noções de “progresso” e “atraso” que marcaram a “modernização brasileira”;
– Analisar a Constituição de 1988 e as ações dos povos indígenas em sua elaboração e execução.
Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC):
(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais da emergência de matrizes conceituais hegemônicas (etnocentrismo, evolução, modernidade etc.), comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos.
Duração da atividade: 3 aulas de 50 minutos
Aulas
Planejamento
1
Etapa 1
2
Etapa 2
3
Etapa 3
Conhecimentos prévios:
Redemocratização e a Nova República
Ditadura Civil Militar Brasileira (1964 – 1985)
Atividade
Professores/as, a atividade propõe a reflexão sobre a questão da terra no Brasil, notadamente a terra indígena no pós 1988. Os direitos dos povos originários conquistados na Constituição Cidadã de 1988 e os conflitos resultantes do descumprimento ou má interpretação desses direitos são articulados nessa atividade como de uma análise thompsoniana sobre o processo de mercadorização da terra e destruição dos modos de vida não capitalistas.
Essa sequência didática faz parte das ações em vista de comemorar os 60 anos do livro A formação da Classe Operária Inglesa, de E. P. Thompson. Apesar de muito distante das questões agrárias brasileiras, como também dos povos indígenas, Thompson nos deixou poderosas ferramentas de análise mostrando que ele estava bastante certo sobre:
“Podemos descobrir, em algumas causas perdidas da Revolução Industrial, percepções de males sociais que ainda estão por curar. Além disso, a maior parte do mundo ainda passa por problemas de industrialização e formação de instituições democráticas, sob muitos aspectos semelhantes à nossa própria experiência durante a Revolução Industrial. Causas que foram perdidas na Inglaterra poderiam ser ganhas na Ásia ou na África.” (THOMPSON: 2004, 13)
Essa atividade está dividida em 3 (três etapas) prevendo debates e exercícios. Para iniciarmos, o professor/a deve dividir a sala em grupos de no máximo 4 (quatro) alunos e os grupos devem permanecer os mesmos nessas 3 aulas. No final das 3 aulas as atividades deverão ser entregues ao professor – uma por cada grupo. Dessa forma eles terão tempo para debater, pesquisar e sistematizar seus conhecimentos.
Recursos: datashow, caixa de som, exposição oral, impressões, fontes históricas, internet disponível para alunos, celulares ou tablets de uso pessoal disponível para alunos.
Etapa 1: O povo Xokleng e a luta contra o marco temporal
Professor/a, comece a aula mostrando o Vídeo 1 e explicando o contexto político de sua produção, tal como falando um pouco da história dos Xokleng:
Assista o mini documentário Conheça a luta do povo Xokleng com a Retomada em São Francisco de Paula (RS) #MarcoTemporalNÃO.
Vídeo 1 – Conheça a luta do povo Xokleng com a Retomada em São Francisco de Paula (RS) #MarcoTemporalNÃO
A Colonização do Vale do Itajaí (SC) começou no século XIX e marcou perdas progressivas de terras indígenas. Historicamente a etnia Xokleng ocupava uma extensão de terra que ia de Porto Alegre até Curitiba. Após a colonização, no início dos anos 1900, já com a população diminuída, foi feito um acordo que dizia que indígenas poderiam ficar com um território de 37 mil hectares. Contudo, o estado de Santa Catarina e o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) retiraram mais de 20 mil hectares dessa área. Os indígenas Xokleng ficaram em uma área de 14 mil hectares, que é de Mata Atlântica, toda ela preservada. Essa área foi deixada para eles porque não tinha interesse para agricultura. A construção de uma barragem para contenção de cheias dentro do território indígena prejudicou a qualidade de vida dessa população, causando inundações em aldeias e em regiões que eram utilizadas para fazer agricultura. A luta dos índios Xokleng pela demarcação do território em que vivem chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O processo terá força de repercussão geral. Isso significa que vai afetar todas as decisões sobre demarcações de terras indígenas no país. Os Xokleng defendem a tese do indigenato, que é o direito mais antigo e tem sua base na Carta Régia de 1680, que definiu que os povos indígenas são primeiros habitantes dessas terras, e esse direito sobre a terra dos índios deve ser respeitado. As lutas indígenas na contemporaneidade levaram a que grupos indígenas se unissem em torno de conceitos como cosmopolítica da paz provisória e solidariedade diplomática. O que os leva a entender que seria necessária uma articulação dos povos indígenas para atuar em conjunto e em diálogo às leis criadas pelos brancos e assim garantir seus modos de vida e suas terras.
Após o vídeo e a exposição oral abra um breve debate entre eles e resolvam a atividade proposta. Em seguida, resolvida a atividade 1 faça uma breve apresentação sobre o PL 490:
A tese do “marco temporal” prevê que os indígenas só poderiam reivindicar terras já ocupadas no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição de 1988. Ela surgiu em 2009 e desde então, chegou a ser rejeitada algumas vezes como em 2018, em julgamento do STF sobre quilombolas. O PL 490 defende a tese do marco temporal, que flexibiliza a possibilidade de contato com indígenas isolados e impede terras indígenas já demarcadas de serem aumentadas. Com discussões paradas desde 2022, em maio de 2023 ela volta a ser discutida tendo como protagonistas do debate setores ligados ao agronegócio e defensores das causas indígenas. Após isso vejam o vídeo 2 e debatam a tarefa 2.
Assista o o debate sobre o marco temporal em demarcações na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural:
Vídeo 2 – Terras indígenas: comissão debate marco temporal em demarcações – 08/05/23
As noções de direito presentes em Senhores e Caçadores de E. P. Thompson nos mostram que através de leis o Estado pode se tornar protetor da propriedade e dos proprietários, que refugiados na legislação violam as garantias de vida da população não inseridas ou não adaptadas a formas capitalistas de produção e propriedade.
Tarefa 1: Pesquise e debata em grupo:
1 – Quem eram os “bugreiros” e por que eles recebiam esse nome? 2 – Qual era o interesse dos bugreiros ao atacar os Xokleng com tamanha violência?
Tarefa 2: Leia o texto a seguir e responda o que se pede:
O Estado britânico, concordavam todos os legisladores do século 18, existia para preservar a propriedade e, incidentalmente, as vidas e liberdades dos proprietários. Mas existem várias maneiras de se defender a propriedade, e em 1700 ela ainda não estava cercada de leis capitais por todos os lados. Ainda não era corriqueiro que, a cada sessão, o legislativo atribuísse a pena de morte a novos delitos.Podem-se notar presságios desse desenvolvimento já a partir do final do século XVII. Mas talvez nenhum acontecimento tenha contribuído tanto para acostumar a mentalidade das pessoas a esse método de Estado do que (…) veio a ser conhecida como “A Lei Negra de Waltham” ou simplesmente “A Lei Negra”. (…) Em nenhuma etapa de sua aprovação parece ter ocorrido qualquer debate ou divergência séria; uma câmara capaz de discutir durante horas sobre uma eleição contestada conseguia unanimidade para criar, de uma vez só, cinquenta novos delitos capitais.
A primeira categoria de infratores dentro da Lei correspondente a pessoas “armadas com espadas, armas de fogo ou outras armas de ataque, e com seu ou seus rostos pintados de preto” que aparecem em qualquer floresta, reserva de caça, parque ou cercamento “onde qualquer cervo seja ou venha a ser geralmente mantido”, ou em qualquer coelheira, estrada, charneca, terra comunal, colina ou pastagem…
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1997. p. 21 -22.
1 – Como podemos comparar o vídeo e o texto apresentado?
Etapa 2: O progresso e as visões do atraso
Professor/a, apresente aos alunos um pouco do entendimento histórico sobre as comunidades indígenas no Brasil:
Historicamente o discurso nacional sobre as populações indígenas não levou em consideração a cosmologia desses variados povos para criação das políticas de desenvolvimento e integração. Pelo contrário, os povos indígenas, tal como quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades foram entendidas como sintomas do atraso. Para traçar um breve histórico do período republicano podemos começar na primeira década século XX, quando a política indigenista foi conduzida por uma agência estatal especifica: o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), num primeiro momento chamado de Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN). O Código Civil de 1916 instituiu a posição da incapacidade relativa dos indígenas – juntamente aos maiores de 16 anos e menores de 21, as mulheres casadas e aos pródigos. O Decreto no 5.484 de 1928, texto deu entrada na Câmara em 1912, formalizou essa incapacidade relativa, transferindo a tutela do indígena direto para o Estado e regularizando esse estado de tutela. Em 1967, após denúncias as diretrizes e a gestão do SPI foram substituídos pela Fundação Nacional do Índio (Funai). É possível traçar uma linha de continuidade do seu projeto não apenas até́ a ditadura civil-militar, mas até́ pelo menos a promulgação da Constituição de 1988. Esse projeto é marcado pelas premissas da incapacidade relativa dos indígenas e da tutela. As teses do Desenvolvimento/segurança nacional foram o eixo programático do governo militar, dentro da perspectiva da Doutrina de Segurança Nacional. Nesse contexto histórico de pensar os povos originários como incapazes e suas formas de vida como um atraso a ser superado temos as pautas lançadas por empresas e fundações estatais: a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o Grupo Executivo da Bacia Amazônica (Gebam) e o Grupo Executivo das Terras do Araguaia e Tocantins (Getat).
Professor/a, feito esse mapeamento e uma breve revisão reflita com seus alunos sobre as imagens a seguir e deixe-os que em grupo debatendo, pesquisando e realizando a tarefa 3.
Tarefa 3: Observe e analise as imagens publicadas durante o regime militar brasileiro (1964 -1985):
Edição especial da revista Manchete lançada em outubro de 1970 com 12 páginas coloridas dedicadas à “conquista” da floresta viabilizada pela abertura da rodovia Transamazônica. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
Anúncio da Netumar avisando que a Amazônia da “selva impenetrável” já era: “E como isto nos orgulha”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
A ditadura militar se propunha a acabar com o “Inferno Verde”, imagem que dava título ao livro de contos do engenheiro Alberto Rangel, com prefácio de Euclides da Cunha. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
Em novembro de 1972 a Sudam publicou a revista “Isto É Amazônia”, que apresentava a região como um “pote de ouro” à espera dos felizardos: “Há um tesouro à sua espera. Aproveite. Fature. Enriqueça junto com o Brasil”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
Em janeiro de 1982, a revista Veja estampou a capa “Rondônia, uma nova estrela no Oeste”: “Há mais de dez anos Rondônia é o destino de um dos maiores fluxos migratórios da história do Brasil ou atualmente em curso no mundo”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
Propaganda oficial da ditadura avisava: “A Amazônia é uma mina de ouro. Transfira boa parte desse ouro para o seu bolso”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim
Responda as questões abaixo:
a) Quais atividades econômicas podem ser identificadas nas imagens? b) O que significa “inferno verde”? c) Problematize a frase “chega de lendas, vamos faturar” d) Qual o significado da floresta nos anúncios?
Etapa 3: O tema da terra indígena na Constituição de 1988
Professor/a, leia com os alunos os textos a seguir. Após a leitura contextualize os debates que antecederam a Constituição de 1988, mostrando o caráter amplo e diversificado que marcou a Assembleia Constituinte no ano anterior. É importante ressaltar que a Constituição de 1988 é conhecida como a “constituição cidadã”. Após essa breve explanação assista o vídeo com os alunos e proponha um debate sobre a tarefa 4.
Texto 1:
ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS
Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição. (…)
CAPÍTULO VIII DOS ÍNDIOS
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
Quando o Brasil descobriu que podia se destruir do ponto de vista ambiental, porque o Brasil vira um canteiro de Transamazônica, de Perimetral Norte […]. Aquela imensa tragédia que estava anunciada para a cabeça dos índios em todos os cantos da bacia Amazônica provocou um despertar de índios que ainda estavam acendendo fogo com palito, girando vareta na mão, e índios que estavam fazendo curso universitário em Brasília, bolsa de estudos da Funai, ou que estavam com algum contato privilegiado com informação sobre os brancos, sobre os instrumentos dos brancos, governança e tudo. E eu me juntei com essa geração, a primeira geração de índios que estavam sendo expulsos das suas origens para uma espécie de convergência não programada de ideias. Foi isso que permitiu que um menino Xavante, outro Bororo, Guarani ou Kaingang, uns com alguma diferença de seis anos, dez anos um do outro, mas todos com experiências próximas, começassem a cerrar fileiras numa frente que a gente chamava de movimento indígena.
CONH, Sergio. Eu e minhas circunstâncias (entrevista com Ailton Krenak, 2013). In: KRENAK, Ailton. Ailton Krenak (Encontros). COHN, Sergio (Org.). Rio de Janeiro: Azougue, 2015, p. 242- 243.
Assista um trecho do documentário “Índio Cidadão”:
Vídeo 3 – Ailton Krenak – Discurso na Assembleia Constituinte
Tarefa 4: Responda o que se pede a seguir:
1 – Relacione o texto 2 com o vídeo 3. 2 – Discuta o PL 490 à luz da Constituição de 1988. 3 – Porque Ailton Krenak pintou o rosto na Assembleia Constituinte de 1987? 4 – A partir do texto 3 e do vídeo 3, explique como foi a atuação dos indígenas na Assembleia Constituinte de 1988 e o que eles reivindicavam. 5 – Relacione a atuação dos povos indígenas durante a Assembleia Constituinte de 1987 e a sua luta contra o PL 490, também conhecido como marco temporal.
Bibliografia e Material de apoio:
ASCENSO, João Gabriel da Silva. “Como uma revoada de pássaros”: uma história do movimento indígena na ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro, PUC, Departamento de História, 2021. Tese de doutorado.
CONH, Sergio. Eu e minhas circunstâncias (entrevista com Ailton Krenak, 2013). In: KRENAK, Ailton. Ailton Krenak (Encontros). COHN, Sergio (Org.). Rio de Janeiro: Azougue, 2015
“ÍNDIO CIDADÃO?”. Direção: Rodrigo Siqueira Arajeju; Produção: Isadora Stepanski. Distrito Federal: 7G DOCUMENTA, 2014. 1 DVD (52 min).
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1997.
__________________. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil. Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.
Marcela Goldmacher Doutora em História Social pela UFF, Professora da Rede Municipal do Rio de Janeiro
Em agosto de 1903, o Rio de Janeiro viveu a primeira greve geral da história do Brasil. O Rio era, naquele período, o terceiro maior porto das Américas, atrás apenas de Nova York e Buenos Aires. A cidade passava por enormes transformações: uma significativa reforma urbana mudava o perfil de sua área central, ocorria uma expansão das áreas agrícolas nas imediações da cidade, a rede ferroviária se ampliava e um sistema financeiro se estruturava desde finais do século XIX. Nesse contexto, as operações comerciais da cidade e o setor industrial tiveram um importante impulso.
Em 11 de agosto de 1903, os trabalhadores em fábricas de tecidos deram início à parede e foram seguidos por várias outras categorias que se declararam em greve por solidariedade aos tecelões. Estimou-se que 40.000 trabalhadores, entre eles tecelões, chapeleiros, sapateiros, alfaiates, charuteiros, vidreiros, estivadores, carregadores de café, operários de pedreiras, canteiros, sapateiros, marceneiros e carpinteiros tenham aderido à greve que teve 26 dias de duração e se espalhou pela cidade ocupando os bairros do Andaraí, Laranjeiras, São Cristóvão, Centro, Jardim Botânico, Humaitá, Botafogo, Rocha, Mangueira, Sapopemba e Vila Isabel.
A greve teve início na Fábrica de Tecidos Cruzeiro, no Andaraí, motivada pelo descontentamento com um antigo costume nas fábricas de cobrar dos operários por aventais, espanadores e pelas bolsas para apanhar o algodão. Eram cerca de 200 trabalhadores, a maioria menores de idade e muitas mulheres. Os operários e operárias da Fábrica de Tecidos Aliança, localizada em Laranjeiras, aderiram ao movimento depois do mestre dos teares ter abusado sexualmente de uma operária. Logo, a paralisação se alastrou para várias fábricas de tecidos da cidade.
Nos primeiros dias do movimento, comissões de trabalhadores das tecelagens em greve se reuniram na sede da Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos e decidiram fazer uma assembleia conjunta no Largo do Capim, no centro da cidade, onde se localizavam as sedes de várias associações. No dia 15 de agosto já estavam fechadas as fábricas de tecidos Cruzeiro, Aliança, Carioca, Bonfim e Santa Heloísa. Uma comissão de operários das fábricas Aliança e Cruzeiro visitava outras fábricas em busca de adesão de mais trabalhadores à greve. Nos dias seguintes, a Confiança Industrial, a fábrica de tecidos Rink e a de cigarros Pipinhas aderiram ao movimento.
Em assembleia na Associação da Classe dos Artistas Sapateiros, os operários da fábrica de calçados Globo se declararam em greve. Para oficializar a decisão, enviaram uma comissão à sede da Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos. Minutos depois, uma comissão da Associação de Classe União dos Chapeleiros fez o mesmo. Nos dias que se seguiram, mais operários de outras fábricas aderiram à greve, como os da São Félix, Corcovado e Bangu, além da categoria dos charuteiros, o Centro Internacional dos Pintores, e a Liga dos Artistas Alfaiates.
Durante os dias de duração do movimento, comissões operárias ligadas às suas associações, visitavam fábricas e oficinas na tentativa de conseguir maior adesão à greve. Novos apoios ao movimento continuaram acontecendo graças à atuação das comissões.
A greve impactou fortemente a vida da cidade, sendo amplamente noticiada pela imprensa. A repressão policial foi intensa e violenta. No momento em que os trabalhadores e trabalhadoras de uma fábrica se declaravam em greve, os prédios passavam a ser guardados pela polícia. Em pouco tempo o contingente policial já não era suficiente e a Marinha e o Exército foram convocados a ajudar. O objetivo da polícia era impedir o contato dos grevistas com os operários que ainda trabalhavam, para que o movimento não se ampliasse. A greve, no entanto, tomou proporções nunca vistas.
Por ordem do presidente Rodrigues Alves, a polícia deveria impedir reuniões operárias em praça pública. Mas a repressão ocorria em todos os espaços, incluindo as sedes das associações e mesmo as casas dos operários. A Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, a Liga dos Alfaiates e dos Chapeleiros, por exemplo, tiveram suas sedes invadidas e ocupadas pela polícia. Não foi incomum trabalhadores e trabalhadoras serem levados à força para os locais de trabalho pelos policiais.
Trabalhadores reunidos na sessão de encerramento do Primeiro Congresso Operário Brasileiro em 1906. Fonte: jornal O Malho.
Em 26 de agosto grande parte dos trabalhadores em fábricas de tecidos voltou ao trabalho. Cada fábrica ofereceu um tipo de acordo, como redução de horas de trabalho e promessa de aumento salarial. Mas a greve continuou com a adesão de novas categorias, como os estivadores, carregadores de café, carvoeiros e catraieiros.
Tratamos essa greve como “greve geral” porque ela foi assim qualificada pelos trabalhadores envolvidos. No entanto, não houve uma pauta de greve unificada, embora a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e a demanda por 40% de aumento fossem reivindicações comuns, para além das questões particulares a cada setor.
Essa greve é fundamental para a compreensão dos processos de construção da identidade e consciência de classe dos trabalhadores e trabalhadoras no início do século XX, além do entendimento das suas formas de organização. Os trabalhadores envolvidos no movimento foram representados por suas associações. Muitas delas eram mutuais ou sociedades beneficentes, como podemos ver pelos seus nomes: Sociedade dos Artistas Chapeleiros, Associação de Classe dos Artistas Sapateiros, Associação de Classe União dos Chapeleiros, Liga dos Artistas Alfaiates, Congresso União dos Operários em Pedreiras, Centro dos Sapateiros, União de Classe dos Marceneiros, Sociedade Operária do Jardim Botânico e União das Classes operárias. Analisando os estatutos dessas associações vemos que algumas delas ofereciam cursos profissionalizantes, cooperativas de produção e de consumo e mutualismo para auxílio na velhice ou incapacidade de trabalhar. Durante a “greve geral” de 1903 essas associações abrigaram reuniões de trabalhadores em suas sedes para discutir assuntos relacionados ao movimento e organizar a formação de comissões para representar os grevistas.
A “greve geral”, ao mesmo tempo em que só tomou as proporções evidenciadas graças à solidariedade e o papel das organizações já existentes, também reforçou e criou novas identidades entre diferentes ofícios. Um exemplo disso são os estivadores, que ainda não estavam organizados antes da greve de 1903, mas participaram do movimento e fundaram a União dos Operários Estivadores no mês seguinte à paralisação.
Foi no Primeiro Congresso Operário, em 1906, que se definiu que as associações operárias usariam o termo sindicato nas suas designações. No entanto, durante a “greve geral de 1903”, as associações, mesmo não se denominando ainda como sindicatos, já assumiram a tarefa de representação e defesa dos seus associados na greve. Assim, vemos que as organizações que haviam sido fundadas com objetivo cooperativo ou de ajuda mútua foram chamadas a assumir mais diretamente a função sindical. No Segundo Congresso Operário de 1913 não houve mais nenhuma associação operária que tenha o termo “artista” em seu nome. Apesar de alguns sindicatos terem sido criados a partir de associações de auxílio, as associações não “evoluíram” da beneficência para a resistência. Associações beneficentes continuaram a existir concomitantemente com os sindicatos.
Também no Primeiro Congresso Operário de 1906, quando os trabalhadores participantes fizeram uma avaliação da greve de 1903, ficou decidido que as associações, além de passarem a se chamar sindicatos, deveriam também abandonar todo e qualquer tipo de auxílio. Argumentou-se no Congresso que as funções de ajuda dentro das associações atraíam operários sem objetivo combativo, o que atrapalharia a função principal dos sindicatos, que deveria ser a resistência.
A mudança de nomenclatura e função das associações deu-se de forma articulada com transformações na identidade coletiva dos trabalhadores. Nos jornais, estatutos de associações e resoluções de congressos operários entre as décadas de 1890 e 1910 podemos verificar essas mudanças e o ano de 1903 foi um marco fundamental. Em 1890, quando os trabalhadores debatiam sobre a forma como se posicionariam na nova República e a necessidade de formação de um partido operário, era comum a denominação de “artistas” para alguns trabalhadores, normalmente quando era necessária alguma formação para exercer o ofício, como era o caso de alfaiates e sapateiros, por exemplo. Assim, o termo “artista” era usado para diferenciar trabalhadores com maior formação e remuneração, de trabalhadores com menor “qualificação”, como os têxteis, tratados como operários ou proletários, que recebiam salários menores. Neste mesmo período, as diferentes profissões eram chamadas de “classes operárias”, no sentido de que ainda não havia uma denominação única para se referir aos trabalhadores de todos os ofícios.
De 1890 a 1903, quando da “greve geral”, há uma mudança na forma como os trabalhadores se identificam publicamente, que acompanha as alterações nas suas formas de organização e atuação. Nos artigos, panfletos e boletins produzidos durante a “greve geral”, já não há mais o uso do termo “artista” na fala dos trabalhadores. As várias categorias que aderiram à greve em solidariedade aos têxteis, reivindicam uma identidade comum, independente de maior formação ou remuneração. Ao longo dos anos os trabalhadores vão deixando de usar o termo “classes operárias”, no plural, que vai sendo substituído por classe, no singular, como pode ser visto nas resoluções do Primeiro Congresso Operário de 1906.
No mês seguinte ao fim da greve foi fundada a Federação das Associações de Classe, que em 1905 deu origem à Federação Operária Regional Brasileira. Esta federação, em 1906, organizou o 1° Congresso Operário Brasileiro e, posteriormente, passou a se chamar Federação Operária do Rio de Janeiro. Assim, a “greve geral” de 1903 foi fundamental para o desenvolvimento da identidade da classe trabalhadora brasileira e para as mudanças organizativas do movimento operário no início do século XX.
Fábrica de Tecidos Cruzeiro e vilas operárias adjacentes, onde a greve geral teve início em 1903. Arquivo CAF – A Tijuca de Antigamente.
PARA SABER MAIS:
GOLDMACHER, Marcela. A “Greve Geral” de 1903 – O Rio de Janeiro nas décadas de 1890 a 1910. Niterói, 2009. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense/IFCH – Dep. de História.
AZEVEDO, Francisca Lúcia Nogueira de. Malandros desconsolados: o diário da primeira greve geral no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará / Prefeitura, 2005.
Crédito da imagem de capa: Charge publicada no jornal O Malho, em 29/08/1903.
Yasmin Darviche Mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
“A Brasital é Nossa!” foi o slogan utilizado em 1987 quando as instalações da mais importante tecelagem de São Roque, no interior de São Paulo, passaram à propriedade da prefeitura após quase duas décadas de abandono. A desapropriação, restauração e instalação de um centro cultural na antiga fábrica demonstram sua importância enquanto referência para a memória dos trabalhadores da cidade.
A Brasital foi instalada em 1890 por iniciativa de Enrico Dell’Acqua, um industrial italiano considerado pioneiro na exportação da indústria de tecidos de algodão da Itália. Inicialmente denominada “Tecelagem Enrico Dell’Acqua”, teve seu nome modificado para “Brasital S.A.” em 1919, um nome formado pela junção das palavras “Brasil” e “Itália”.
O primeiro grupo de trabalhadores era de origem italiana. Por já possuírem conhecimento na operação de máquinas, recebiam cargos de mestres e contra-mestres e ensinavam a operação das máquinas aos demais. No início do século XX a fábrica empregava 510 trabalhadores e em 1957 já eram cerca de 3000 operários. Sua instalação impulsionou o desenvolvimento urbano de São Roque. Durante o auge da tecelagem na década de 1950, em torno de 70% da população da cidade era funcionária da Brasital.
Entre 1920 e 1950 foram construídas duas vilas operárias. Uma delas, localizada próxima ao acesso principal da fábrica, foi reservada aos funcionários dos mais altos cargos, como os diretores. A outra, implantada em terrenos baixos, alagáveis, e próximo à entrada de serviços, foi destinada aos chefes de setores e encarregados de confiança. A iniciativa de construir as residências operárias fez parte de um ideal sobre os modos de morar, de controle da vida e do tempo livre dos operários, buscando garantir a lealdade dos funcionários.
Em 1904 formou-se a Sociedade Operária de Mútuo Socorro com objetivo de auxiliar os operários em pensões, casos de doenças e alimentação. Dentro da fábrica existia ainda a Cooperativa de Consumo de Empregados da Brasital, fundada em 1925, oferecendo alimentos a baixo custo. E ao longo dos anos foram fundadas algumas organizações, como um grupo musical denominado “Conti di Torino”, posteriormente chamado Corporação Musical Carlos Gomes, formado por imigrantes italianos trabalhadores da Brasital. E também um time de futebol, o Ítalo Futebol Clube.
No início do século estruturou-se um forte e organizado movimento operário na Brasital, sendo famosas as greves de 1904 e 1909 quando a empresa foi paralisada.
Entre 1904 e 1905 os trabalhadores posicionaram-se contrariamente às multas empreendidas pelos examinadores de peças, somadas à preocupação decorrente da possibilidade de transferência da produção de tecidos para o município de Salto, o que acarretaria na redução da produção em São Roque. Em 1909 a mobilização teve importante protagonismo feminino. Os problemas enfrentados eram as longas jornadas de trabalho, baixos salários (inferiores aos pagos aos homens), e a baixa qualidade dos fios, que dificultava e reduzia a qualidade do serviço. A desconsideração e mau tratamento recebido pelas operárias em suas reivindicações foi o estopim para esta greve, cujas reuniões ocorriam na sede da Sociedade Operária de Mútuo Socorro. Nesta ocasião, os diretores da fábrica se mostraram irredutíveis, demitindo muitos funcionários e lideranças operárias.
Através das memórias de antigas tecelãs também podemos conhecer aspectos da existência da fábrica e de sua atividade laboral. Para estas mulheres, a fábrica representou uma oportunidade de trabalho imprescindível, mas também de muito esforço e exploração. “A gente tocava quatro teares ao mesmo tempo”, lembra uma delas. Por outro lado, muitas enfatizam que “nunca faltava nada a quem trabalhava na Brasital”. Além disso, o espaço da fábrica foi onde encontraram seus maridos e criaram vínculos de amizade. Foi nas casas da vila operária que constituíram suas famílias e viram os filhos crescerem. Para estas pessoas a Brasital foi “a mãe da cidade”.
Nos anos 1960 o aumento da procura por tecidos sintéticos como náilon e rayon impactou a venda de tecidos de algodão, e em 1970 a Brasital encerrou as atividades em São Roque, transferindo a produção para a vizinha cidade de Salto. As instalações fabris permaneceram sob propriedade da empresa, porém foram abandonadas, e as residências operárias foram vendidas aos trabalhadores. Para moradores antigos da cidade “o fechamento da fábrica acabou com todos os serviços que nós tínhamos. Praticamente a cidade vivia com os filhos, maridos, todos trabalhando na Brasital”.
Em 1987 a prefeitura, em parceria com o estado, desapropriou o imóvel, declarando-o de utilidade pública e transformando-o em centro cultural. Esta ação é, até os dias de hoje, bastante celebrada pelos moradores de São Roque. Desde a desapropriação, a fábrica foi valorizada como patrimônio histórico da cidade e rememorada enquanto lugar de identidade e memória dos trabalhadores. Os antigos edifícios fabris foram transformados em espaços para exposições, recebendo cursos profissionalizantes e atividades culturais diversas. A estrutura metálica da cobertura, a caixilharia, os hidrantes, a antiga tubulação de água, turbinas e rodas que moviam os teares foram preservados como forma de representação da antiga função do espaço. O tombamento das edificações da fábrica, em conjunto com as antigas residências operárias, foi aprovado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) de São Paulo em 2020.
Centro Educacional e Cultural Brasital atualmente, áreas externas. Foto de Yasmin Darviche, 2019.
Para saber mais:
CORREIA, Telma de Barros. Ornato e despojamento no mundo fabril. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 19, n.1, Jun 2011.
DARVICHE, Yasmin. O trabalho em memória: ausências e resistências nas políticas do patrimônio cultural em São Paulo. Dissertação de mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, 2022.
NEVES, Deborah Regina Leal. Parecer Técnico UPPH nºGEI-138-2011. Condephaat. São Paulo, 2014.
ROSSI, Anicleide Zequini. O quintal da fábrica. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1991.
SANTOS, Joaquim Silveira.São Roque de outrora. São Roque: Merlot Comunicação, 2010.
Crédito da imagem de capa: Tecelagem Enrico Dell’Acqua, posteriormente denominada Brasital. Fonte: Arquivo Histórico Digital de São Roque.
MAPA INTERATIVO
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Lugares de Memória dos Trabalhadores
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.
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