Neste episódio de Livros de Classe, José Marcelo Ferreira, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), apresenta Os clandestinos e os direitos: estudo sobre trabalhadores da cana-de-açúcar de Pernambuco, de Lygia Sigaud. Fruto da sua tese de doutorado, defendida em 1977, o livro foi publicado em 1979 e é parte de conjunto de obras de antropólogos ligados ao Museu Nacional – como Moacir Palmeira, Afrânio Garcia, Beatriz Heredia, entre outros – que se debruçaram sobre o trabalho na zona canavieira de Pernambuco, sobretudo a partir da década de 1960. Referência fundamental para os estudos rurais, o livro de Sigaud aborda, com notável rigor acadêmico, as complexas relações sociais de trabalho nos engenhos pernambucanos, em um contexto de transformação do secular sistema de morada, a partir de noções de direito dos trabalhadores.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
Nesta segunda edição do “Vale a Dica”, Larissa Farias, graduanda em história pela UFRJ e pesquisadora do LEHMT/UFRJ, sugere a leitura do livro “Jubiabá” do escritor Jorge Amado. Tendo sua primeira publicação em 1935, o romance narra a trajetória de Antônio Balduíno, homem negro, pobre, crescido no morro do Capa-Negro, em Salvador (BA). Considerado de conteúdo subversivo à época, o cenário literário de Jubiabá nos leva a pensar sobre a questão racial no contexto da década de 1930, a articulação entre as identidades raciais e de classe, dentre outras que tornam o romance importante referência para pensar os mundos do trabalho.
Projeto e execução: Alexandra Veras, Isabelle Pires, Larissa Farias, Victória Cunha e Yasmin Getirana
Vale Mais #29: The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil, por Alexandre Fortes –
Vale Mais
ERRATA:
O professor se refere, em certo momento, a "janeiro de 1941", mas o correto é janeiro de 1942, quando começam as transmissões de rádio do Marcondes Filho, coincidindo com a ruptura do Brasil com o Eixo.
Está no ar o segundo episódio da nova temporada do podcast Vale Mais, do LEHMT-UFRJ!
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho.
No segundo episódio, conversamos com Alexandre Fortes, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor do livro The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil (2024). A obra propõe um reexame da história do Brasil nas décadas de 1930 e 1940 a partir de diálogos com as novas perspectivas historiográficas internacionais sobre a Segunda Guerra Mundial. Fortes ressalta a efervescência econômica para suprir as necessidades do conflito global. Nesse contexto, a classe trabalhadora esteve no centro das lutas pela redemocratização, justamente por conta de sua experiência no processo de esforço de guerra e das ambiguidades decorrentes da intensificação da superexploração do trabalho, da derrota do nazifascismo e da perspectiva de “descontar o cheque patriótico”. Nesse sentido, a guerra e a ação dos trabalhadores foram fundamentais para redefinir noções de classe, raça e nação. Para saber mais sobre esse assunto, ouça o episódio!
Não esqueça também de compartilhar nas redes sociais e acompanhar os próximos!
“Na luta por direitos. Estudos recentes em história social do trabalho” de Alexandre Fortes, Antonio Luigi Negro, Fernando Teixeira da Silva, Hélio da Costa e Paulo Fontes acaba de ganhar nova edição, eletrônica, integrando a coleção “Sebo Eletrônico” editada pelo CECULT/Unicamp. Originalmente publicado em 1999 e há muitos anos esgotado, “Na Luta por direitos” é uma obra representativa da retomada e renovação dos estudos sobre história social do trabalho no Brasil. O livro é uma contribuição fundamental para repensar o lugar dos trabalhadores na era do nacional-desenvolvimentismo. Os autores enfatizam como, mesmo diante das limitações impostas pela estrutura sindical e pela repressão policial e empresarial, a agência e a capacidade de atuação política dos trabalhadores em suas lutas por reconhecimento, dignidade e direitos constituem uma parte fundamental da história brasileira naquele período. Este e outros livros da Coleção Sebo Eletrônico podem ser adquiridos gratuitamente pelo site: https://www.cecult.ifch.unicamp.br/publicacoes/colecao-sebo-eletronico
Professor Álvaro Nascimento, é um prazer ter você na seção Chão de Escola do LEHMT-UFRJ, em nossa série de discussões sobre educação e os 20 anos da Lei 10.639/03. Você tem atuado em projetos relacionados à extensão universitária em escolas de educação básica da Baixada Fluminense. Poderia nos contar sobre essas experiências?
A ideia surgiu após aceitar o convite para conversar com estudantes do horário noturno da Escola Estadual Ministro Edgar Romero, que fica em Madureira. Eu a conhecia desde a infância por ter passado parte importante da minha vida no bairro de Turiaçu, vizinho ao maior centro comercial suburbano do Rio de Janeiro. Dividi a fala com a jornalista Isabela Oliveira. Não havia ensaiado nada, mas sabia que eu deveria ter uma linguagem distante daquela que uso na academia. Pela minha vida na região, não me foi difícil implementá-la.
Ao pegar o microfone, comecei a falar sobre minha vida na região, as dificuldades para pessoas negras e/ou pobres conhecerem outros bairros, principalmente os das áreas privilegiadas. Por falta de dinheiro ou tempo dos pais para levar seus filhos e filhas a esses lugares, as crianças crescem afastadas desses espaços repletos de prédios com diferentes arquiteturas, muito altos, habitados por famílias ou empresas compostas geralmente por pessoas brancas. Gozam de conforto, segurança, e localizam-se nas proximidades das praias, dos eventos culturais e de áreas de lazer, expondo de forma nua e crua desigualdades revoltantes aos olhos da suburbana e do suburbano. É muita coisa para uns e muito pouco para quem mora nas zonas periféricas do Rio de Janeiro.
Explicava ainda como paulatinamente havia estendido minha caminhada para cidades longínquas através do meu trabalho e estudos: Niterói, Campinas, Lisboa, Chicago, Nova York, São Francisco, Calgary, Buenos Aires, San Juan, Manaus, Salvador, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Nova Iguaçu etc. Finalmente, quando começaram a imaginar que o trajeto havia sido simples questão de trabalho e estudo, mostrei que a cor da minha pele, minha origem e meus valores e costumes não se encaixavam automaticamente naquele mundo branco. Eu nunca os iludiria por um enganoso discurso meritocrático, ou de que eu era um vencedor, o self made man. Mostrei como o machismo (especialmente sobre as mulheres negras, gays e lésbicas), os preconceitos à raça, ao local de moradia, aos gostos musicais estão armados contra quem vem da periferia. Eles estão ali para não deixarem pessoas negras e/ou periféricas gozarem do mesmo que pessoas brancas gozam. O racismo dificultou minha ascensão e por isso tive de enfrentar situações desagradáveis, trabalhar dobrado desde os 15 anos – enquanto a playboyzada branca tirava onda – além de ver-me obrigado a procurar conhecimentos e informações desconhecidas pelos membros da minha família e comunidade. Tive ainda de complementar a reduzida formação apreendida nas escolas periféricas pelas quais passei.
Finalmente, apresentei possibilidades de mudança, como são as universidades, cursos pré-Enem, carreiras militares, leituras possíveis etc. A experiência foi ótima, com excelente retorno dos e das estudantes. Eles não se imaginam em universidades, já estão trabalhando, alguns são pais e mães, tornam-se pessoas adultas abruptamente, muitas vezes de forma violenta. Acho que é impactante um homem preto chegar lá e dizer: “Não desistam tão cedo!” Explico as condições positivas construídas nesses últimos vinte anos resultantes de ações afirmativas, do antirracismo, dos freios ao machismo e à homofobia. Há maiores possibilidades para eles e elas.
Daquela experiência em Madureira aos dias atuais, fui interrompido somente pela pandemia. A ideia é fazer sempre uma vez ao mês, totalizando oito palestras anuais. Em 2022 houve uma diminuição por eu estar entrando mesmo nas escolas da Baixada Fluminense. Mas isso será por um curto período. Volto às palestras esse ano.
Na sua percepção, a história dos trabalhadores e a região da Baixada Fluminense têm sido contemplada em livros didáticos e abordagens difundidas nas redes de ensino da região? Qual sua visão dessa situação?
Infelizmente, não. A exemplo de muitas prefeituras e governos estaduais, a história regional e local são pouco exploradas por boa parte de quem as governa. Os livros didáticos comprados pelo Governo Federal são enviados gratuitamente às escolas públicas a partir do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), seguindo os editais lançados pelo Ministério da Educação e as linhas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC); no caso das escolas privadas, suas editoras próprias ou as comerciais vendem os livros que chegam às crianças. Esses livros seguem um currículo nacional que expõem histórias ocorridas em algumas áreas do Brasil, sendo a cidade do Rio de Janeiro uma das mais citadas, por ter sido capital para o país durante séculos. Eles, enfim, não cobrem as especificidades históricas e regionais dos mais de cinco mil e quinhentos municípios, Distrito Federal e vinte seis estados brasileiros.
As cidades da Baixada Fluminense não são exceção. Estudantes dessas regiões conhecem mais a história da cidade do Rio de Janeiro do que as de onde nasceram e habitam. Algo terrível para a autoestima dessas crianças que tantas vezes sofrem com discursos preconceituosos sobre a região, comumente associada à violência, fome, falta de urbanização, de história e de cultura. Mesmo passando por quantidade volumosa de administrações municipais limitadas, a Baixada Fluminense tem parques incríveis, áreas verdes, vasto comércio, indústria, eventos culturais, equipamentos esportivos, riquezas e histórias ofuscadas pelo preconceito. Enfim, todos os lugares têm história, valores e costumes que devem ser ensinados nas escolas. A Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro oferece material específico sobre a cidade, complementando o livro didático do PNLD. Não vejo a mesma preocupação nas SMEs das cidades da Baixada Fluminense.
O artigo “Trabalhadores Negros e paradigma do silêncio”, publicado na revista Estudos Históricos (nº 59, set.-dez. 2016), é uma importante referência para refletir sobre o lugar dos negros na história social dos trabalhadores no pós-abolição. Como o ensino de História é afetado por esse “paradigma do silêncio”?
Antes do Ensino de História, são as crianças e jovens as pessoas mais afetadas com essa ausência provocada pelo racismo naturalizado na sociedade brasileira. No meu entender, chega a ser criminoso, covarde e desumano não se falar em diferenças históricas e atuais entre as raças, socialmente constituídas, num país que explorou a mão de obra escravizada de negros e indígenas durante mais de trezentos anos. História da escravidão que se mantém em áreas rurais e urbanas. Boa parte dessas crianças nas escolas da Baixada Fluminense é negra, e mesmo quando aparentemente brancas possuem parentes negros. Elas não encontram a história dos seus antepassados negros e negras enquanto trabalhadores e trabalhadoras no século XX.
Elas aprendem pelo senso comum que os negros foram largados à própria sorte após a abolição, e por isso os homens tornaram-se vagabundos, as mulheres ofereceram seus corpos à prostituição e as crianças – sem pai nem mãe – foram abandonadas e povoaram as ruas. Quando vão para as escolas e observam a cor de pessoas em situação de rua, ou percebem as diferenças nas ocupações (porteiro, segurança, empregada doméstica contrastando com a cor do gerente, supervisor, proprietário) aqueles ensinamentos começam a fazer sentido para eles e elas.
A história das famílias negras é muito mais vasta, rica e repleta de amor que essa construção monstruosa que condena todas as pessoas negras existentes e seus antepassados. Quando uma parte ainda resistente da historiografia perceberá que calar-se frente às diferenças raciais – por desculpas de falta de fontes, ou quando agrupa a todos e todas sob a categoria de “trabalhadores”, ou não vão além das diferenças entre nacionais e estrangeiros – ela estará contribuindo para a manutenção do racismo? Se as crianças não tiverem acesso a uma história que explique o racismo enquanto principal instrumento de construção das desigualdades sociais entre brancos e negros no Brasil do século XX – o racismo não é uma herança da escravidão – estaremos contribuindo diretamente para a ilusória meritocracia. A “culpa”, enfim, será a dos próprios negros e negras. Libertam-se pessoas brancas da sua responsabilidade enquanto ser privilegiado que se beneficia do racismo. Afinal, são eles e elas as preferidas no mercado de trabalho que melhor paga salários na economia brasileira.
Como a Lei 10639/03 colaborou para a romper com esse paradigma do silêncio na educação básica?
Ela obriga docentes a trabalharem o que não era obrigatório. Ou seja, é uma intervenção do Estado no combate ao racismo, tornando visível o que era invisível. Se observarmos os editais do PNLD (Programa Nacional de Livro Didático) isso fica mais empretecido. Não há mais imagens de negros sendo chibatados, crianças famélicas e tristes em suas páginas. Para além do Estatuto da Criança e do Adolescente prever o não constrangimento de quem ela protege, a lei 10639 já estava lá trazendo outras histórias de cultura, valores e alegrias que eram apagadas ou silenciadas por uma visão negativa em relação às pessoas negras. Somos mais luz, risos, festa, trabalho, religiosidade e amor que desgraças. E nossas crianças pretas não têm de sofrer por uma inação de historiadores(as), sociólogos(as), pedagogos(as), antropólogos(as) ou autoras(es) de livros didáticos. Em muito breve serão cobrados e cobradas pelas gerações que já estão aí dando seus primeiros passos nas escolas. O silêncio grita nessas horas. Não adiantou esperarmos pela conscientização antirracista das pessoas racistas ou que naturalizam o racismo. Foi necessária uma intervenção estatal, e que enfrenta a resistência de responsáveis, docentes, administradores escolares e religiosos na sua implementação. Essas pessoas resistem à própria letra da lei.
Enfim, a lei 10 639, ao completar 20 anos, já conquistou muitas mudanças. Importantes mesmo. Foram vários os projetos de mudanças, criando livros, e outros materiais didáticos impressos, sonoros e visuais, que chegaram a milhões de pessoas através das redes sociais, escolas, TVs, rádio, cinema. Mas ela e a lei 11645 ainda estão longe de estarem consolidadas. Podemos dizer que a implementação dessa lei gerou milhares de empregos diretos e indiretos para torna-la visível em todo o país. Negros e negras estão cada vez mais presentes nos lugares de decisão e poder. Há esperanças múltiplas após democraticamente derrubarmos o governo fascista. E aí historiadores e historiadoras, deram uma olhada nas páginas que vocês escreveram até hoje? Vamos começar ou continuar a enegrecer seus artigos e livros?
Álvaro Pereira Nascimento é professor titular da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), bolsista de produtividade do CNPq e coordenador adjunto dos Programas de Pós-Graduação Profissionais da Área de História. É autor dos livros “A ressaca da marujada: recrutamento e disciplina na Armada Imperial” (2001), “Cidadania, cor e disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910” (2008), e “João Candido: o mestre sala dos mares” (2020), e professor que se engaja em projetos de extensão em escolas de educação básica e na formação de docentes.
Crédito da imagem de capa: Primeira Marcha Zumbi – Foto: Geledés Instituto da Mulher Negra /Rede de Historiadores Negros /Acervo Cultne.
Chão de Escola
Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil. Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.
O artigo “Possibilidades teórico-metodológicas entre raça (cor) e sindicalismo: pautas do Centro Operário de Barra Mansa-RJ como amostragens (1930)” foi publicado por Thompson Clímaco, doutorando em história social (UFRRJ) e integrante do LEHMT-UFRJ na revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas (edição julho – dezembro de 2022 | vol. 7, n° 13).
O artigo tem como intuito discutir, de forma propositiva, as relações entre raça e sindicalismo a partir de algumas pautas do Centro Operário de Barra Mansa durante a década de 1930. Para isso, são mobilizados debates inscritos na história social do trabalho (dos mais tradicionais aos mais recentes) sobre sindicalismo nos anos 1930, bem como às críticas à ausência da raça nos debates da área. Além disso, são apresentadas possibilidades teórico-metodológicas com o intuito de aproximar questões presentes nos sindicatos, que aparentemente não estão vinculados à raça diretamente, como: sindicalização dos trabalhadores rurais, instrução primária e assistência médica.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi promulgada em maio de 1943, articulando um conjunto de direitos sociais com uma legislação trabalhista e sindical. Controversa, combatida, mas também festejada e desejada, a CLT, mesmo com várias alterações, vem regulando as relações de trabalho em nosso país ao longo das últimas oito décadas. Para refletir sobre o papel da CLT em nossa história, o portal LEHMT/UFRJ lançou a série de vídeos “A classe trabalhadora e a CLT: 80 anos”.
No último episódio da série, Adalberto Cardoso (IESP/UERJ) explica as razões da longevidade da CLT. Comenta como a CLT foi “ferida” pela reforma trabalhista do governo Temer e como isso tem impactado o movimento sindical, o mercado de trabalho e os direitos dos trabalhadores. Apesar de “ferida”, no entanto, a CLT ainda está em disputa.
Direção e roteiro: Paulo Fontes Produção: Ana Clara Tavares, Felipe Maia e Thompson Clímaco Edição: Thompson Clímaco Crédito das imagens: Retratos de Assis Horta, “Assis Horta: a democratização do retrato fotográfico”, Instituto Moreira Salles. l Central Única dos Trabalhadores l Portal Brasil de Fato Música: The World’s Fair – Godmode (2020) Crédito da capa: Natália Gomes
Karlene Araújo Doutora em História pela UFPE e Professora do CAp- UFPE
A primeira fábrica de automóveis do Nordeste brasileiro foi inaugurada em 14 de julho de 1966 em Pernambuco. A planta industrial da Willys Overland Nordeste, filial de uma empresa estadunidense, foi construída em Jaboatão (atualmente Jaboatão dos Guararapes), nas margens da BR 101, no distrito de Prazeres. Os arranjos para a instalação de uma filial da Willys em Pernambuco datam do final da década de 1950. Olinda, Recife também disputaram o direito de receber o empreendimento, mas a escolha recaiu sobre Jaboatão.
Jaboatão, no início da década de 1960, havia sido palco de intensas mobilizações de trabalhadores rurais, muitos deles ligados ao Partido Comunista. Não por acaso, a cidade tornou-se conhecida como “Moscouzinho”. Em um aparente paradoxo, essa tradição de lutas sociais acabou sendo uma razão fundamental para a instalação da fábrica em Jaboatão. Após o golpe militar de 1964, ganhou força o argumento de que a presença da Willys seria fundamental para o combate às agitações sociais e políticas dos trabalhadores da região.
A Willys prometia alavancar a economia do estado, promover melhores condições de moradia, de atendimento à saúde, de salário e de trabalho aos seus operários. Em sintonia com o discurso do governo ditatorial militar, promoveria no Nordeste o que nomearam de “revolução” da paz. A fábrica construiria um novo Nordeste, um novo homem e um novo trabalhador. O objetivo político era retirar o trabalhador rural do campo (e das lutas sociais) e inseri-lo no trabalho urbano e na disciplina fabril.
A inauguração da nova fábrica contou com a presença de quase 3 mil pessoas. Políticos, jornalistas, militares e empresários receberam a benção de Dom Hélder Câmara. O primeiro carro fabricado em terras pernambucanas foi um Jipe doado ao Arcebispo de Olinda e Recife. Um ritual marcou aquele momento. A benção do religioso, o corte da faixa e o toque da sirene. Começava uma nova era. A fábrica produziu carros por cerca de 10 anos. Foi pensada para produzir o utilitário Rural Willys e Jipes, batizados de “chapéu de couro” tanto para que fossem diferenciados daqueles produzidos na fábrica da São Bernardo do Campo, quanto para criar uma identidade com o Nordeste. Inicialmente, cerca de 250 operários trabalhavam na fábrica de Jaboatão. Esse número chegou a mil no auge da unidade.
Na memória dos operários, a Willys foi uma “mãe”, acolhedora e atenta às demandas dos seus funcionários. Lembrada por ações assistencialistas e pelo feliz cotidiano de trabalho. É comum o discurso de que se formou uma verdadeira família entre os diretores e gerentes, alguns vindos de São Paulo e dos Estados Unidos, e os operários. Os bons salários recebidos, as festas, a vivência no restaurante, os jogos de futebol, a distribuição de material escolar para as crianças, os atendimentos médicos e o acesso a melhores condições de moradia foram práticas que concorreram para a construção de um sentimento de pertencimento por parte dos trabalhadores em relação à fábrica. A Willys de Jaboatão apostou no registro e na projeção da imagem de um operário feliz, grato pelo emprego, empenhado e que pouco (ou nada) reclamava.
No entanto, nem só de flores e festejos vivia a Willys de Jaboatão. Direitos trabalhistas muitas vezes não foram respeitados e os operários precisaram travar batalhas na Justiça do Trabalho.
A Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão foi o palco das reivindicações pelo pagamento de indenização por tempo de serviço, aviso prévio, férias, 13º salário, insalubridade, opção pelo FGTS e, particularmente, horas extras não pagas . Entre 1964 e 1978, a organização sindical dos operários em Pernambuco foi esvaziada pela repressão do governo militar. Nesse período, boa parte das funções dos sindicatos limitavam-se a questões burocráticas, como a homologação de rescisões contratuais. Só no final da década de 1970, registrou-se uma reorganização e novas mobilizações dos operários, com destaque para o sindicato dos metalúrgicos de Pernambuco.
O cotidiano fabril começava logo cedo. Às sete horas da manhã os operários estavam em seus postos para o início de mais um dia de trabalho que terminava às cinco horas da tarde, de segunda a sexta-feira. Os operários moravam nas redondezas da fábrica e dispunham de um ônibus da empresa para seu transporte. A montagem dos automóveis era toda manual. Peça por peça, parafuso por parafuso. A produção diária era de 35 carros. Nos anos 1970, chegou a 860 automóveis mensais. Apenas homens trabalhavam na linha de produção, as mulheres, poucas, eram empregadas no setor administrativo da fábrica.
Pouco tempo depois da inauguração da unidade de Jaboatão, em 1967, a Willys Overland foi vendida para a Ford, outra indústria automobilística norte-americana. Os carros continuaram a ser produzidos em Pernambuco até o final da década de 1970, quando a fábrica de Jaboatão passou a produzir componentes automotivos como chicotes elétricos e luvas. Foi a partir de então que as mulheres começaram a trabalhar como operárias no chão de fábrica.
Atualmente, as antigas instalações da fábrica Willys pertencem a Fiat Chrysler Automobile e continuam produzindo chicotes elétricos que são instalados nos Jeeps fabricados na cidade de Goiana em Pernambuco. Na memória de tantos operários, o trabalho na Willys foi uma época de ouro. Isso, no entanto, não significou a “paz social” ou a ausência de lutas por direitos. Os Jipes e a Rural Willys permanecem no imaginário local, mas a fábrica da Willys nunca se tornou a “salvadora” da região como seus idealizadores desejaram.
Imagem 1:Linha de produção da Willys Overland de Jaboatão, 1966. Fonte: Revista O Cruzeiro (RJ). 9 de agosto de 1966. Imagem 2: D.Helder Câmara na cerimônia de inauguração da Willys Jaboatão, 1966. Fonte: Revista O Cruzeiro (RJ). 9 de agosto de 1966.
Para saber mais:
ARAÚJO, Karlene Sayanne Ferreira. Fábrica Willys Overland em Jaboatão – PE: discursos, embates e cotidiano fabril (1966-1973). 2020. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2020.
ARAÚJO, Karlene. “A fábrica-mãe: cotidiano fabril e a construção da memória dos operários da Willys Overland de Jaboatão”, História Oral , v. 23, 2021.
NEGRO, Antonio Luigi. “A fome a vontade de comer. Opções de desenvolvimento e conflitos sociais e políticos” In: MONTENEGRO, Antonio (Org.) História: Cultura e Sentimento. Outras histórias do Brasil. Recife: Editora Universitária; Cuiabá: Editora da UFMT. 2008.
Crédito da imagem de capa: Fachada da Fábrica da Willys Overland de Jaboatão, 1966. Fonte: https://carroarretado.com.br/o-primeiro-jeep-produzido-em-pernambuco-saiu-da-fabrica-em-1966-conheca-a-historia/
MAPA INTERATIVO
Navegue pela geolocalização dos Lugares de Memória dos Trabalhadores e leia os outros artigos:
Lugares de Memória dos Trabalhadores
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi promulgada em maio de 1943, articulando um conjunto de direitos sociais com uma legislação trabalhista e sindical. Controversa, combatida, mas também festejada e desejada, a CLT, mesmo com várias alterações, vem regulando as relações de trabalho em nosso país ao longo das últimas oito décadas. Para refletir sobre o papel da CLT em nossa história, o portal LEHMT/UFRJ lançou a série de vídeos “A classe trabalhadora e a CLT: 80 anos”.
No quinto episódio da série, Fernando Teixeira da Silva (Unicamp) fala sobre os mecanismos de exclusão dos trabalhadores rurais da legislação social nos anos 1930 e 40. Argumenta que a construção de estigmas raciais dos homens e mulheres do campo teve um papel crucial nesse processo.
Direção e roteiro: Paulo Fontes Produção: Ana Clara Tavares, Felipe Maia e Thompson Clímaco Edição: Thompson Clímaco Crédito das imagens: Retratos de Assis Horta, “Assis Horta: a democratização do retrato fotográfico”, Instituto Moreira Salles. l I congresso de lavradores e Trabalhadores Agrícolas, 1961. Fonte : CPDOC – Fundação Getúlio Vargas (FGV) Música: The World’s Fair – Godmode (2020) Crédito da capa: Natália Gomes
Neste episódio de Livros de Classe, Iracélli Alves, pós-doutoranda na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), apresenta Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937), de Glaucia Fraccaro. O livro, originalmente uma tese de doutorado, foi publicado em 2018, é fruto da tese de doutorado da autora e ganhou o prêmio Mundos do trabalho 2017 da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET). Inovadora, a obra destaca o papel fundamental das trabalhadoras e de suas lutas por direitos na constituição do feminismo entre as jornadas grevistas de 1917 e a instituição do Estado Novo em 1937.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi promulgada em maio de 1943, articulando um conjunto de direitos sociais com uma legislação trabalhista e sindical. Controversa, combatida, mas também festejada e desejada, a CLT, mesmo com várias alterações, vem regulando as relações de trabalho em nosso país ao longo das últimas oito décadas. Não é possível estudar a história social do trabalho no Brasil nesse período sem compreender os impactos materiais e simbólicos que a CLT teve e ainda tem entre os/as trabalhadores/as. Para refletir sobre o papel da CLT em nossa história, o portal LEHMT/UFRJ lançou a série de vídeos “A classe trabalhadora e a CLT: 80 anos”.
No quarto episódio da série, Teresa Marques (UnB) fala sobre as relações entre as lutas pelos direitos das mulheres nos anos 1930 e 40 e a CLT. Discorre também sobre como as diferentes perspectivas do feminismo sobre a questão da maternidade e inserção das mulheres no mercado de trabalho impactaram os debates sobre os direitos sociais e trabalhistas das mulheres naquele momento.
Direção e roteiro: Paulo Fontes Produção: Ana Clara Tavares, Felipe Maia e Thompson Clímaco Edição: Thompson Clímaco Crédito das imagens: Retratos de Assis Horta, “Assis Horta: a democratização do retrato fotográfico”, Instituto Moreira Salles. l Bertha Lutz no plenário da Conferência de São Francisco, representando a delegação do Brasil (1944) – Acervo O Globo. Música: The World’s Fair – Godmode (2020) Crédito da capa: Natália Gomes
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