Chão de Escola #08: Cristina Meneguello (UNICAMP) fala da sua experiência como coordenadora da Olimpíada Nacional de História do Brasil (ONHB) e da organização do Dicionário Biográfico Excluídos da História

Claudiane Torres, Luciana Pucu e Samuel Oliveira entrevistam Cristina Meneguello

Desde a sua primeira edição, no ano 2009, a ONHB reúne milhares de estudantes e professores da Educação Básica de todo o país, interessados em debater e aprofundar os seus conhecimentos em História do Brasil. Nessa entrevista, a professora Cristina Meneguello nos conta um pouco da sua experiência como uma das coordenadoras dessa Olimpíada e explica como surgiu a ideia coletiva de criar Dicionário Biográfico Excluídos da História, lançado na ONHB de 2019. Reunindo um total de 2.251 verbetes de personagens que raramente são estudados pela historiografia tradicional – incluindo trabalhadores, trabalhadoras, líderes sindicais, lideranças de movimentos sociais, entre outros, esse dicionário é uma produção feita por estudantes e professores de História da Educação Básica de todo o país. Junto à entrevista, propomos um jogo didático usando como ferramenta principal o próprio dicionário. Confira!
E atenção! As inscrições para a 13ª ONHB estão abertas. Inscreva-se!


Em 2021, Olimpíada Nacional de História do Brasil chegou à sua 13º edição. Você poderia nos contar um pouco da trajetória da ONHB, particularmente edição a realizada no ano passado que deu origem ao Dicionário Biográfico Excluídos da História? 

O projeto foi concebido no ano de 2008 e a primeira prova ocorreu, já no modo online, em 2009. Foi a primeira olimpíada científica da área de ciências humanas e atendeu a uma demanda represada dos colégios e professores, sendo que cresceu rapidamente no número de participantes. Professores que, numa primeira participação, orientaram uma ou duas equipes de alunos, progressivamente passaram a orientar 10, 20 ou mais equipes. Os estados no nordeste, em especial o Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia, mas também estados do sudeste como São Paulo e Minas Gerais sempre tiveram uma expressiva participação. Aos poucos, a comunidade escolar viu-se envolvida e a ONHB acabou por entrar no calendário de atividades escolares. Hoje, há professores orientadores que iniciaram a caminhada como alunos, formaram-se em História, e voltaram como orientadores; ou seja, a ONHB, em mais de uma década, já é um programa estabelecido junto às escolas. Muitos trabalhos de pesquisa (monografias, mestrados e doutorados) têm sido defendidos analisando os impactos da ONHB, e todo esse conhecimento adquirido está presente quando criamos uma nova prova. Em todas as edições, as equipes realizam provas de múltipla escolha, tarefas e uma grande tarefa, de maior fôlego, tal como um jornal, uma entrevistas, um panfletos, entre outras. Na edição de 2019 não foi diferente: os alunos realizaram uma reflexão sobre como seria “acrescentar” páginas ausentes de um livro didático mais inclusivo e heterogêneo da História do Brasil. Essa foi a origem do Dicionário Biográfico.

A Unicamp destaca-se como um dos centros de ensino e pesquisa em História Social. Como o debate e as discussões sobre o mundo do trabalho se refletem na experiência da Olimpíada de História?

Em parte, a relevância da história social da Unicamp está refletida na formação de muitas pessoas que atuam na Olimpíada, como elaboradores de questões, revisores de prova, e até mesmo na minha própria formação. Um olhar atento perceberá que, em todas as edições da prova, há perguntas que lidam com temas da história social do trabalho. Mas, do mesmo modo, há em todas as edições perguntas sobre racismo, história das mulheres, história indígena, patrimônio cultural, literatura, cultura visual e até mesmo história do tempo presente. Isso deriva da composição heterogênea da equipe elaboradora de questões e da contínua renovação de nomes dentre os que fazem esse trabalho, para que a prova se mostre sempre arejada e inovadora.

Navegando pelos verbetes do Dicionário Biográfico Excluídos da História, identificamos grande parte (talvez a maioria) das biografias investigadas são de mulheres e negros. Por que essa predominância na escolha que as equipes fizeram? O que a iniciativa coletiva de tirar essas personagens da invisibilidade histórica pode nos revelar sobre o momento atual?

É importante lembrar que esse trabalho não nasceu como um Dicionário, mas como uma tarefa de uma das fases da Olimpíada, em que criamos um template a ser preenchido com 4 possíveis páginas de um livro didático. Nessas páginas, os participantes tinham que escolher um personagem “que não estava no livro didático tradicional”; trazer uma imagem desse personagem, uma linha do tempo, narrar aspectos biográficos, por que razão o consideravam relevante e até mesmo porque acreditavam que ele não era estudado. Note que generalizar “livros didáticos” não deixa de ser uma injustiça, pois há materiais de qualidade disponíveis para a Educação Básica; mas nos interessava o exercício historiográfico de estar “além do livro”. Assim, nas instruções para os grupos participantes olímpicos realizarem a tarefa, não lhes foi dito quem deviam escolher. A presença de tantos negros, indígenas, mulheres, mulheres negras e indígenas, e de tantos personagens de relevância local são, para mim, indicativo das lacunas nas narrativas da história que os “olímpicos” trouxeram à baila e, por consequência, um retrato de ausências nas narrativas históricas com as quais devemos lidar. Posteriormente, com o material pronto, nos demos conta de que tínhamos mais de dois mil trabalhos que poderiam ser entendidos como verbetes de um dicionário, que facilitariam assim a consulta e a navegação de outros interessados em conhecer esse trabalho.

Em um mesmo estado, ocorreu de equipes escolherem o mesmo personagem como excluído da História. Por que isso ocorre uma vez que temos tantos personagens que são excluídos e não são lembrados na História do Brasil ensinada nas escolas? A repetição das escolhas sugere que alguns excluídos estão em processo de heroicização por alguns grupos sociais? 

As equipes escolheram seus personagens, sem saberem quais eram os personagens estudados pelas outras equipes. Nessa fase, ainda são milhares de participantes de todos os estados do país, que não estão em contato entre si para além das possíveis interações nas redes sociais. Assim, acredito que as repetições indicam que há figuras (como Abdias do Nascimento para São Paulo, por exemplo) que estão numa “zona turva”, nem de invisibilidade nem de total visibilidade. Isso é interessante e positivo, pois nos revela o que os professores já estão estudando em sala de aula. Optamos por deixar todos os verbetes, pois consideramos que, ao poderem ler como outros grupos narraram um mesmo personagem enfatizando diferentes aspectos, de os participantes poderiam compreender melhor como são feitas as escolhas e como é feita a própria escrita da história, que em algumas vezes coincidem, por outras entram em contradição. Também essa é uma forma de olhar criticamente para uma suposta “verdade pétrea” narrada pelo material didático.

Nair Jane de Castro Lima, Clodesmidt Riani, Francisco Guilherme de Souza, são algumas das lideranças sindicais pesquisadas pelo Dicionário. Apesar de serem líderes sindicais importantíssimos não apenas para a história das suas categorias, mas para a própria história do país, as suas trajetórias seguem invisibilizadas. Você considera que estudar a biografia dessas lideranças na escola, pode ser um caminho interessante para tentarmos superar esse esquecimento?   

 Sem dúvida alguma. Vejo que essas trajetórias podem não estar nos cânones ou nos materiais didáticos amplamente utilizados, mas não são desconhecidas, ou não teriam sido sugeridos como “personagens” pelos estudantes e professores da Educação Básica. Por outro lado, não acredito que a solução está meramente na substituição de biografias por novas biografias, mas na problematização do conceito de herói ou de personagem histórico. O que é importante, em sala de aula, é que eles compreendam esses processos de escolhas (e apagamentos) como um modo de operação da história. O Dicionário Excluídos da História, na minha opinião, é fascinante porque revela a produção de conhecimento na Educação Básica e na sala de aula – da qual muito se fala, inclusive em textos sobre educação, mas em falas que muitas vezes são meras traduções, nas quais o especialista da academia vocaliza o que os professores parecem estar fazendo em sala de aula. O Dicionário fez o que deve ser a extensão a partir da universidade: criou a oportunidade para que esse conhecimento seja visto e conhecido, sem tutelas, sem traduzi-lo ou intermediá-lo.


Cristina Meneguello é doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tendo realizado doutorado-sanduíche na Universidade de Manchester (Reino Unido) e estágios de pós-doutoramento na Universidade de Veneza (IUAV), Itália, e na Universidade de Coimbra, Portugal. É docente em regime de dedicação exclusiva do departamento de História da Universidade Estadual de Campinas desde 1999. Especialista em estudos sobre cultura visual, memória e patrimônio, foi fundadora e é atual vice-presidente do Comitê Brasileiro de Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH-Brasil). Atua na área de Divulgação Científica em Ciências Humanas e coordena desde o início a Olimpíada Nacional em História do Brasil para escolas públicas e particulares, que está em sua 13ª edição (2021).


LEHMT

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