Neste vídeo da série Livros de Classe, Benito Schmidt, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apresenta a obra O retorno de Martin Guerre, de Natalie Davis. Publicado originalmente em 1982 e traduzido para o português em 1987, o livro traz importantes reflexões acerca da imaginação histórica, da metodologia e do uso de fontes para a história social do trabalho.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
O artigo foi escrito por Samuel Oliveira, pesquisador do Laboratório de Estudos do Mundo do Trabalho (LEHMT-UFRJ), e Marina Camisasca, doutoranda em História na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A partir do diálogo com a série Lugares de Memória dos Trabalhadores (coordenada por Paulo Fontes), e de pesquisa no acervo da polícia política e em jornais da Hemeroteca do Estado de Minas Gerais, os pesquisadores analisaram o auditório da Secretaria de Saúde e Assistência (atual, Minascentro), como espaço de construção da luta dos trabalhadores, enfocando a realização do Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas e do Congresso de Trabalhadores Favelados de Belo Horizonte. O artigo enfatiza a intersecção entre a luta social no campo e nas favelas na construção da agenda das reformas de base, durante governo Goulart (1961-1964), e apresenta a capital mineira como uma das centralidades políticas do ciclo de protestos dos trabalhadores nos anos 1960.
Vale Mais é o podcast do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho da UFRJ, que tem como objetivo discutir história, trabalho e sociedade, refletindo sobre temas contemporâneos a partir da história social do trabalho.
O episódio #17 do Vale Mais é sobre “Novo trabalhismo”.
Neste nono episódio da segunda temporada do Vale Mais, conversamos com Heliene Nagasava. Heliene é servidora do Arquivo Nacional, pesquisadora do LEHMT/UFRJ e doutora em História, Política e Bens Culturais (2021), pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sob a orientação de Paulo Fontes. Ela defendeu recentemente a tese “O Ministério do Trabalho e as políticas públicas na ditadura militar: sindicatos, assistencialismo e repressão (1964-1974)” e, seguindo a série de conversas do Vale Mais com jovens doutores/as no campo da História Social do Trabalho, abordou sobre as implicações do Golpe de 1964 no Ministério do Trabalho, bem com as políticas públicas desenvolvidas pela pasta durante os primeiros dez anos da ditadura militar. Heliene Nagasava discute sobre a noção de “novo trabalhismo”, originalmente concebida pelo então Ministro do Planejamento Roberto Campos, revelando tensões interministeriais no governo, combinadas à repressão aos trabalhadores, aos processos de intervenção sindical e ao reforço de projetos assistencialistas, que buscavam esvaziar debates políticos nos sindicatos.
Produção: Felipe Ribeiro, Flávia Veras, João Christovão e Larissa Farias Roteiro: Felipe Ribeiro, Flávia Veras, João Christovão e Larissa Farias Apresentação: Larissa Farias
Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima –
Vale Mais
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. No terceiro episódio, conversamos com Thayara de Lima, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro A cultura de luta antirracista e o movimento negro do […]
Neste vídeo da série Livros de Classe, João Christovão, professor da Rede Municipal de Cabo Frio, apresenta a obra Dialética da Colonização, de Alfredo Bosi. Publicado em 1992, o livro é uma coletânea de textos do autor, nos quais analisa-se a formação política, social e cultural do Brasil e traz importantes contribuições à história social do trabalho.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
Magno Michell Marçal Braga Professor do Instituto Federal de Alagoas
“O povo brasileiro responde ao desafio da história ocupando o coração da Amazônia”. Com estas palavras, o então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici inaugurou em 12 de fevereiro de 1974 a Rurópolis batizada com seu próprio nome, localizada no Pará. A Rurópolis Presidente Médici foi fundada no entroncamento da BR 163, Cuiabá – Santarém e BR 230, Transamazônica, as duas grandes rodovias previstas no Programa de Integração Nacional (PIN), uma das principais políticas do governo militar. O modelo de desenvolvimento pretendido pela ditadura para a região da Transamazônica previa a criação de Agrovilas, Agrópolis e Rurópolis. Essas últimas, seriam o ponto alto do modelo de urbanismo pretendido, com serviços bancários, escolas e hospitais. Apenas a Rurópolis Presidente Médici, no entanto, foi inaugurada em um evento que contou com a presença de várias autoridades e teve ampla cobertura da imprensa.
A Transamazônica representava muito mais do que um projeto de estrada. Sua construção buscava materializar um grande programa de colonização na Amazônia e transformação de um território. A rodovia era apresentada nas propagandas oficiais como símbolo do “progresso e da segurança nacional” e como um grande projeto nacionalista que resolveria os problemas sociais da região.
Neste projeto, a colonização daquela vasta região seria feita por trabalhadores/as migrantes nordestinos e sulistas, incentivados a trabalhar na expansão da fronteira agrícola. Estava implícita a concepção de que a presença do elemento branco e “evoluído” nortearia o progresso da região. Ainda hoje é comum ouvir histórias de favorecimento de sulistas em detrimento dos nordestinos no que diz respeito ao acesso de bons lotes e crédito para produção. Além disso, há um apagamento da presença indígena nos relatos oficiais, apesar da larga utilização do trabalho dos povos originários locais nas construções naquela região.
Os primeiros colonos, que foram trazidos oficialmente pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), obtiveram os lotes de terra mais próximos da rodovia. Já as famílias candidatas à colonos que chegaram atraídas pela propaganda, mas fora do programa oficial, acabavam se instalando nos lotes mais distantes ou se aglomeravam nas imediações de Rurópolis, à espera do tão sonhado pedaço de terra. O PIN também previa que parte dos trabalhadores migrantes mobilizados para a construção das rodovias pudessem fixar-se na região, transformando-os em colonos.
A cidade planejada Rurópolis Presidente Médici era destinada apenas aos prédios de instituições públicas e dos prestadores de serviços, além das moradias dos funcionários dessas instituições Era proibida a construção de novas casas sem autorização das autoridades governamentais. As numerosas famílias do Nordeste e do Sul que chegavam eram obrigadas a improvisar habitações nas margens da rodovia e da cidade planejada.
O principal local dessas moradias precárias ficou conhecido como Vila da Palha. As moradias da vila eram construídas com madeira das sobras da cidade planejada, sacos de cimento utilizado na obra e palha da floresta.
As mulheres e as crianças costumavam ficar na Vila da Palha, onde, além de se sentirem mais seguras, eventualmente era possível ganhar algum dinheiro prestando serviços para os moradores da cidade planejada. Os homens adentravam a mata para abrir as picadas que permitissem chegar aos lotes. Muitas vezes este trabalho ocorria de maneira coletiva, com as diferentes famílias ajudando-se mutuamente para abrir picadas, construir pontes, derrubar a mata e construir casas nos lotes.
Às vésperas da inauguração oficial da Rurópolis Presidente Médici as autoridades locais decidiram que aquela ocupação não planejada poderia manchar a imagem do projeto e decidiram que todas as famílias deveriam ser retiradas. Dias antes da solenidade de inauguração um funcionário do INCRA conhecido como Carlão comandou a desocupação violenta da área. Segundo seu Eucídio, antigo morador da região, “tocaram fogo nas casas e o pessoal tudo correndo de dentro de casa. Esse Carlão mandou tocar fogo e trator empurrando com gente, aquela coisa assim… deu dó.” As pessoas e objetos foram colocados em caminhões. Algumas foram levadas para os lotes distantes, outras foram deixados na margem da Transamazônica a alguns quilômetros de distância da cidade planejada em uma área conhecida hoje como Petezinho. Na antiga área de Vila Palha foi semeado arroz e na ocasião do evento de inauguração já havia um exuberante gramado verde que nada lembrava a existência de uma “favela” nos limites da cidade planejada.
Embora nada tenha sido oficialmente registrado, ainda é forte na região a memória sobre o “Massacre da Vila da Palha”. O projeto que prometia a redenção e a integração nacional deixou de ser prioridade do Estado brasileiro nos anos subsequentes à inauguração e os discursos oficiais se esforçaram em produzir um apagamento dos conflitos, desencontros e resistências durante sua implementação. Em 1988, a Rurópolis Presidente Médici se emancipou politicamente e tornou-se município preservando apenas o nome de Rurópolis. A antiga área ocupada pela Vila da Palha é hoje conhecida como os bairros periféricos da Serraria e do Leitoso, residência dos trabalhadores e trabalhadoras da cidade.
Rurópolis Presidente Médici. Fonte: Revista Manchete, 17/08/1974.
Para saber mais:
BRAGA, Magno Michell Marçal. Construtores do Brasil grande: trabalho e trabalhadores na rodovia Transamazônica (1970-1974). Tese de doutoramento apresentada ao programa de pós-graduação em História contemporânea da Universidade de Coimbra, 2021.
MULLER, Fabiano Hector. O Processo de Construção da Rodovia Transamazônica e a formação de Rurópolis (1965 – 1978). Monografia de Graduação apresentada para a obtenção do título de Licenciatura Plena em História da Faculdade de Itaituba, 2008.
ARAUJO, Gilvan Santo; SAMPAIO, Maria de Fátima. Construção socioespacial de Rurópolis-PA. Secretaria Municipal de educação de Rurópolis. 2007.
Crédito da imagem de capa: Família de migrantes e sua habitação de palha. Arquivo pessoal Fátima Sampaio
MAPA INTERATIVO
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Lugares de Memória dos Trabalhadores
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.
O artigo publicado na Revista de Estudos Íbero-americanos por Samuel Oliveira, pesquisador do LEHMT-UFRJ, e Diogo Melo, professor e pesquisador da UFPA, é resultado de uma parceria realizada através do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais do CEFET-RJ. O texto aborda, a partir da metodologia de História Oral e dos debates sobre biografia e análise histórica, a trajetória e os projetos de negritude articulados por Lygia Santos, “filha de Donga”. Ela foi uma das fundadoras do Clube Renascença nos anos 1950, e de projetos que articulavam a negritude à cultura popular do samba nos anos 1960 e 1970. Lygia Santos foi professora formada pelo Instituto de Educação, advogada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e museóloga pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, identificando-se como uma intelectual negra. E a “Casa de Lygia Santos” cruzava as referências da cultura erudita e popular no Rio de Janeiro, constituindo experiências que se contrapunham aos sistemas de dominação de classe e raça na cidade.
Professor Maciel Henrique Silva (IFPE) e Professor Márcio Romerito da Silva Arcoverde (CODAI-UFRPE)
Apresentação da atividade
Segmento: 2º e 3º ano do Ensino Médio
Unidade temática: Espaços de trabalhadores(as) na sociedade brasileira
Objetivos gerais:
– Compreender a dinâmica, os espaços dos(as) trabalhadores(as) escravizados(as) e do pós-abolição no Brasil; – Discutir os lugares de memórias e seus significados na luta pelo direito da população negra e indígena à terra e à vida; – Estimular a discussão sobre memórias, migrações e identidades quilombolas no pós-abolição; – Desenvolver uma leitura das cidades brasileiras que problematize memórias e patrimônios alusivos à população trabalhadora negra;
Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC)
(EM13CHS104) Analisar objetos e vestígios da cultura material e imaterial de modo a identificar conhecimentos, valores, crenças e práticas que caracterizam a identidade e a diversidade cultural de diferentes sociedades inseridas no tempo e no espaço. (EM13CHS201) Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em função de eventos naturais, políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a esses processos e às possíveis relações entre eles. (EM13CHS204) Comparar e avaliar os processos de ocupação do espaço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico-cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas. (EM13CHS401) Identificar e analisar as relações entre sujeitos, grupos, classes sociais e sociedades com culturas distintas diante das transformações técnicas, tecnológicas e informacionais e das novas formas de trabalho ao longo do tempo, em diferentes espaços (urbanos e rurais) e contextos.
Duração da atividade:
Aulas
Planejamento
01
Etapa 1
02
Etapa 1
03
Etapa 2
04
Etapa 2
Conhecimentos prévios:]
-Comércio transatlântico de escravos; -Trabalho escravo no Brasil; -Abolição da escravidão; Lei de Terras; -Lei áurea; -Industrialização e migração rural-urbano na Primeira República; -Migrações nacionais na República anos 1940-1970.
Etapa 1: Os portos do Rio de Janeiro e Salvador como espaços de memória dos trabalhadores escravizados.
Professor(a), nessa etapa é importante esclarecer para os estudantes que espaços ou lugares de memória é um termo utilizado também no campo dos direitos humanos que se refere às diferentes referências das memórias de vítimas submetidas a graves violações e/ou supressões de direitos. A partir dessa problematização, distribua os textos para os discentes, divididos em duplas, que farão a leitura atenta com tempo determinado. Aqui é importante sinalizar que os estudantes precisam articular imagens, textos e mapas para construírem uma visão totalizante do tema. Os textos serão entregues aos discentes, em dupla, deverão ler.
Após a leitura dos textos pelos estudantes o(a) professor(a) irá propor a problematização sobre o seguinte ponto: Escravidão transatlântica e os fluxos das migrações forçadas de escravizados para as Américas; o professor(a) deverá projetar os mapas a seguir que devem ser contextualizados com as informações contidas na fonte.
Mapa 9: Volume e direção do tráfico de escravos transatlântico, de todas as regiões africanas a todas as regiões americanas. Disponível em https://www.slavevoyages.org/voyage/maps#introductory-. Acesso em: 19 de out. 2021.
Depois de leitura dos textos e mapas, o(a) professor(a) deverá propor que os estudantes respondam em dupla:
1. Qual a importância de se criar políticas públicas para a sociedade compreender esses portos como espaços de memória dos trabalhadores? 2. Por que é importante a patrimonialização do Cais do Valongo para a memória dos trabalhadores? 3. Seria o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, e o Cais do Porto, em Salvador, lugares de memória para todos os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros? Justifique sua resposta.
Etapa 2: Trabalhadores livres pobres no pós- Abolição e a questão da terra
“A reordenação das formas de trabalho, em seguida à Abolição, afetou a situação dos negros, já nascidos livres ou recém-libertos”. (GORENDER,1990, p.190)
“O trabalhador nacional era depreciado pelos fazendeiros. Estes não esperavam extrair do negro livre o mesmo rendimento que extraíam do negro escravo. Predominava a expectativa de que os escravos abandonariam as fazendas ou fariam exigências exorbitantes para continuar nelas”. (GORENDER, 1990, p. 192).
Professor(a), os textos a seguir são trechos do livro “Torto arado” (2018). A leitura, que deve ser transdisciplinar, abrange pelo menos conteúdos de História, de Literatura e de Geografia.
Os textos deverão ser entregues aos discentes, em dupla, para a leitura atenta.
Documento 1
Em troca, poderia se construir uma tapera de barro e taboa, que se desfizesse com o tempo, com a chuva e com o sol forte. Que essa morada nunca fosse um bem durável que atraísse a cobiça dos herdeiros. Que essa casa fosse desfeita de forma fácil se necessário. Podem trabalhar – contavam nas suas romarias pelo chão de Caxangá –, podem trabalhar, mas a terra é dessa família por direito. Os donos da terra eram conhecidos desde a lei de terras do Império, não havia o que contestar. Quem chegasse era forasteiro, poderia ocupar, plantar e fazer da terra sua morada. Poderia cercar seu quintal e fazer roça na várzea nas horas vagas. Poderia comer e viver da terra, mas deveria obediência e gratidão aos senhores.
(JUNIOR, Itamar Vieira. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2021, p. 183)
Documento 2
Além da dívida de trabalho para com os senhores da fazenda, não havia nada para deixar para os filhos e netos. O que era transmitido de um para outro era a casa, quase sempre em estado ruim e que logo teria que ser refeita. Os pioneiros não pensavam assim, ou seus pensamentos eram abafados pela urgência de se manter a paz entre os trabalhadores e seus senhores. Ou porque havia uma gratidão pela acolhida que as gerações seguintes já não tinham, talvez por terem nascido e crescido neste lugar. Os mais jovens começavam a se considerar mais donos da terra do que qualquer um daqueles que tinham seus nomes transcritos no documento, que tinha sua cópia disputada e negociada pelos gerentes de forma desvantajosa para eles. Meu irmão insistiu no assunto, apesar de evitar falar na frente de nosso pai. Vivia com Severo para cima e para baixo, entre um trabalho e outro, para ganhar a atenção dos moradores. “Não podemos mais viver assim. Temos direito à terra. Somos quilombolas.” Era um desejo de liberdade que crescia e ocupava quase tudo o que fazíamos. Com o passar dos anos esse desejo começou a colocar em oposição pais e filhos numa mesma casa. Alguns jovens já não queriam permanecer na fazenda. Desejavam a vida na cidade. Os deslocamentos se tornaram mais intensos que no passado, quando nos transportávamos em animais para outros lugares, cidades e os povoados vizinhos. A vida na cidade, entre viajantes e comerciantes, era atraente. Pesava na decisão justamente o trabalho para os fazendeiros, que foi mantido entre nós e atravessou gerações. Zezé queria dizer ao nosso pai que não nos interessava apenas a morada. Que não havia ingratidão. “Eles que não nos foram gratos, correm boato que querem vender a fazenda sem se preocupar com a gente”, dizia para mim e Domingas. “Queremos ser donos de nosso próprio trabalho, queremos decidir sobre o que plantar e colher além de nossos quintais. Queremos cuidar da terra onde nascemos, da terra que cresceu com o trabalho de nossas famílias”, completou Severo, numa roda de prosa debaixo da jaqueira na beira da estrada.
(JUNIOR, Itamar Vieira. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2021, p. 186-187).
Depois de leitura dos textos o(a) professor(a) deverá propor que os estudantes respondam em dupla:
1.Quais as possibilidades de sobrevivências que os textos 1 e 2 apontam para as situações na pós-abolição? 2. A permanência da estrutura de posse de terra nas mãos da elite senhorial afetou a autonomia de trabalhadores e trabalhadoras negras no meio agrário? Aponte exemplos ou situações relativas ao tema. 3. Discuta com sua dupla, a partir das imagens e textos propostos, quais os sentidos de liberdade e de trabalho para trabalhadores e trabalhadoras no Brasil após o 13 de Maio de 1888. 4. Propor aos estudantes uma pesquisa sobre a chamada escravidão contemporânea ou trabalho análogo à escravidão.
Bibliografia e Material de apoio:
ABREU, Martha; PEREIRA, Matheus Serva (orgs.). Caminhos da liberdade: histórias da abolição e do pós-abolição no Brasil. Niterói: PPGHistória – UFF, 2011.
CARVALHO DA ROCHA, Ana Luiza; JUNIOR, Norberto Kuhn; MAGALHÃES, Magna Lima e NUNES, Margarete Fagundes. “Era um hino de fábrica apitando”: a memória do trabalho negro na cidade de Novo Hamburgo (RS), Brasil. Etnográfica. Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, vol. 17 (2), 2013, p. 269-291.
DABAT, Christine Rufino. Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco, segundo a literatura, a academia e os próprios atores sociais. 2ª ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2012.
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Campinas, Sp: Editora da Unicamp, 2006.
GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990.
HERNANDEZ, Julianna do Nascimento; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; OLIVEIRA, Rayhanna Fernandes de Souza (organizadoras). Trabalho escravo contemporâneo: conceituação, desafiose perspectivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil. Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.
Neste vídeo da série Livros de Classe, Álvaro Nascimento, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), apresenta a obra Visões da Liberdade, de Sidney Chalhoub. Publicado pela primeira vez em 1990, o livro reconstrói as ações cotidianas utilizadas por trabalhadores escravizados e livres a partir de processos judiciais da época.
Livros de Classe
Os estudantes de graduação são desafiados constantemente a elaborar uma percepção analítica sobre os diversos campos da história. Nossa série Livros de Classe procura refletir justamente sobre esse processo de formação, trazendo obras que são emblemáticas para professores/as, pesquisadores/as e atores sociais ligados à história do trabalho. Em cada episódio, um/a especialista apresenta um livro de impacto em sua trajetória, assim como a importância da obra para a história social do trabalho. Em um formato dinâmico, com vídeos de curtíssima duração, procuramos conectar estudantes a pessoas que hoje são referências nos mais diversos temas, períodos e locais nos mundos do trabalho, construindo, junto com os convidados, um mosaico de clássicos do campo.
Quem percorre hoje as ruas do bairro Santa Bárbara, Criciúma, cobertas de asfalto, não imagina que há meio século era uma vila operária de estrada de chão e repleta de casas de madeira. Foi neste bairro que uma das primeiras mineradoras de carvão foi fundada: a Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá (CBCA), no ano de 1913, pelo empresário carioca Henrique Lage. Entretanto, somente após o final da Primeira Guerra Mundial, no final da década de 1910, que a mineração de carvão se expandiu consideravelmente devido à escassez da importação do carvão inglês.
A fundação dessa empresa atraiu grande quantidade de operários. Eram imigrantes italianos, espanhóis, alemães, russos, tchecoslovacos, entre outros, mas também migrantes nacionais oriundos de regiões próximas, como pescadores ou agricultores do litoral sul de Santa Catarina, ou até mesmo de regiões mais longínquas, como o norte e nordeste do país.
Logo, Criciúma tonou-se conhecida como a “capital brasileira do carvão”. Em 1946, a produção local do minério ultrapassou a do Rio Grande do Sul. O carvão extraído era, principalmente, destinado à recém-inaugurada usina da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ). A partir dos anos 1920, a cidade se expandiu em torno da indústria carvoeira. No final da década de 1940, a mão de obra estimada em toda região carbonífera era de cerca de 10 mil pessoas sendo que a população total do município de Criciúma era de cerca de 50 mil habitantes.
Desde os anos 1920, disseminaram-se vilas operárias por toda a cidade. Vila Próspera, Vila Operária Nova e Vila Mina do Mato são alguns exemplos desses bairros de trabalhadores mineiros que passaram a moldar a paisagem urbana de Criciúma. As vilas eram utilizadas como propaganda para atrair operários de outras regiões, em particular no contexto da Segunda Guerra Mundial, um período de grande crescimento da mineração.
Uma das vilas mais importantes criada na primeira metade do século XX foi a Vila Operária da CBCA. As casas de madeira dessa vila eram disponibilizadas como parte do contrato de trabalho com a empresa, descontado o aluguel dos salários. Em geral, as casas eram muito precárias, de apenas 3 cômodos, pequenas e insalubres para comportar famílias numerosas. Nessa vila também foram construídos armazéns, escola, e farmácia. Da igreja de Santa Bárbara, construída no bairro em 1935, avistava-se a boca da mina de carvão onde os mineiros passavam boa parte de suas vidas.
O controle social dos trabalhadores era intenso na vila. Até hoje, antigos moradores se recordam da atuação de fiscais da empresa que rondavam as ruas para vigiar os trabalhadores. Em momentos de conflitos, como greves, por exemplo, eram comuns as ameaças de despejo e expulsão.
No entanto, as experiências comuns de exploração e precariedade (além da insalubridade das casas, eram frequentes a falta de água potável, bem como as enchentes) forjaram laços de solidariedade e uma cultura militante entre as famílias mineiras. Frequentemente, os espaços da vila possibilitaram a organização e reivindicação de melhores condições de moradia e aumentos salariais.
Várias foram as greves organizadas pelos operários da CBCA. Uma das mais emblemáticas aconteceu em outubro de 1952, quando os trabalhadores paralisaram suas atividades por um período de 15 dias. Iniciada na Vila Operária dessa empresa, essa greve se espalhou pelas demais mineradoras da região, resultando na interrupção geral de todas as minas do município. Apesar da oposição inicial do Sindicato, que preferia uma saída negociada e conciliatória com os patrões, a greve teve imenso apoio da comunidade. Com a tensão aumentando nas ruas de Criciúma, uma assembleia com cerca de dois mil trabalhadores acabou aprovou uma contraproposta patronal de aumento salarial que foi vista como uma vitória dos mineiros.
A partir de 1957, o Sindicato passou a ser dirigido por lideranças comunistas e trabalhistas, que construíram uma militância combativa tanto nos locais de trabalho quanto nas vilas operárias. No início de 1960 organizaram uma greve histórica de quase 30 dias, com a paralisação total das minas de carvão, reivindicando o pagamento da taxa de insalubridade. Nos anos seguintes as greves se intensificaram na capital do carvão, tornando-se mais frequentes e radicalizadas.
A repressão das forças conservadoras não tardou. Logo após o golpe de 1964, o Sindicato dos mineiros de Criciúma sofreu intervenção militar e teve cerca de cinquenta lideranças presas. Além disso, cerca de 1.500 pessoas da região carbonífera foram convocadas pela polícia política a prestar depoimento sobre supostos envolvimentos com atividades consideradas subversivas. Foco de repressão e de resistência, a capital do carvão ficou marcada pelo golpe que transformou a cidade, suas relações de trabalho e sua vida política.
A partir da década de 1990, a maioria das minas de carvão foi sendo paulatinamente desativada. Atualmente a atividade continua sendo desenvolvida somente nos municípios vizinhos de Siderópolis, Treviso, Lauro Müller e Urussanga. Mesmo assim, a Vila Operária, que teve seu nome alterado para Santa Bárbara nos anos 1960, continua sendo um local de memória dos trabalhadores, relacionado tanto às lutas travadas no século passado quanto à religiosidade popular na crença da santa protetora dos mineiros.
Extração de carvão mineral da Companhia Brasileira Carbonífera Araranguá (CBCA), 1917. Acervo Arquivo Histórico Municipal Pedro Milanez
BERNARDO, Roseli Terezinha; COSTA, Marli de Oliveira; OSTETTO, Lucy Cristina. A casa e a vila: a família operária e a moradia na região carbonífera (1913-1930). In: GOULART FILHO, Alcides (org.). Memória e cultura do carvão em Santa Catarina. Florianópolis: Cidade Futura, 2004.
CAROLA, Carlos R. Assistência médica, saúde pública e o processo modernizador da região carbonífera de Santa Catarina (1930-1964). São Paulo: FLCH/USP, Tese de Doutorado, 2004.
COSTA, Marli de Oliveira. Artes de viver: recriando e reinventando espaços – memórias das famílias da Vila Operária mineira Próspera Criciúma (1945/1961). Florianópolis, 1999. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de Santa Catarina.
Crédito da imagem de capa: Vila Operária da CBCA , atual Santa Bárbara, início da década de 1950. Acervo CEDOC-UNESC
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Lugares de Memória dos Trabalhadores
As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.
A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.
Vale Mais é o podcast do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho da UFRJ, que tem como objetivo discutir história, trabalho e sociedade, refletindo sobre temas contemporâneos a partir da história social do trabalho.
O episódio #16 do Vale Mais é sobre Futebol Operário.
Este é oitavo episódio da segunda temporada do podcast Vale Mais. Nesta temporada realizamos uma série de conversas com jovens doutores/as no campo da História Social do Trabalho. Eles/as explicam seus temas de pesquisa e processos de elaboração de suas teses. Neste episódio, conversamos com Raphael Rajão Ribeiro, doutor em História, Política e Bens Culturais (2021), pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Raphael defendeu a tese “A Várzea e a Metrópole: Futebol amador, transformação urbana e política local em Belo Horizonte (1947-1989)”, sob orientação de Bernardo Borges Buarque de Hollanda. Em nossa conversa, Raphael aborda a trajetória do futebol amador investigando a prática social e cultural atrelada aos grupos populares. Enfatiza a intersecção entre o futebol e a cidade pois articula-se com as dinâmicas locais, permitindo o debate sobre as configurações urbanas e relações políticas no cotidiano dos trabalhadores.
Várzea: a bola rolada na beira do coração (documentário)
Produção: Felipe Ribeiro, Flávia Veras, João Christovão e Larissa Farias Roteiro: Felipe Ribeiro, Flávia Veras, João Christovão e Larissa Farias Apresentação: Larissa Farias
Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima –
Vale Mais
Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. No terceiro episódio, conversamos com Thayara de Lima, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro A cultura de luta antirracista e o movimento negro do […]