CdE #11: O mês de maio e os trabalhadores do Brasil

Autora: Renata Figueiredo Moraes1

Apresentação da atividade

Segmento: Ensino Médio (3º ano)

Objetivos gerais:

– Caracterizar as comemorações pelo 13 de maio a partir dos trabalhadores no pós-abolição
– Contextualizar a criação da data do 1º de maio e os usos feito pelos trabalhadores
– Identificar formas de luta inseridas nas celebrações pelas datas que celebram o trabalhador
– Discutir como a data do 13 de maio sofreu uma mudança nos seus significados, problematizando a origem dessa mudança 

Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC)

(EM13CHS401) Identificar e analisar as relações entre sujeitos, grupos e classes sociais diante das transformações técnicas, tecnológicas e informacionais e das novas formas de trabalho ao longo do tempo, em diferentes espaços e contextos.

(EM13CHS403) Caracterizar e analisar processos próprios da contemporaneidade, com ênfase nas transformações tecnológicas e das relações sociais e de trabalho, para propor ações que visem à superação de situações de opressão e violação dos Direitos Humanos.

Duração da atividade: 

Aulas (50 minutos)Planejamento
01Etapa 1
02Etapa 2
03Etapa 3
04Etapa 4
05Etapa 5

Conhecimentos prévios:

– A história do processo abolicionista que resultou na assinatura da lei da Abolição da escravidão;
– As lutas dos trabalhadores do final do século XIX no Brasil e das primeiras décadas republicanas;

Atividade

Pensar o contexto da abolição e a luta dos escravizados pela liberdade com a dos trabalhadores livres do final do Império e das primeiras décadas da República. Esses dois momentos passam pelas datas do 13 de maio (data da abolição) e do 1 de maio (Dia do Trabalhador). Através delas vamos pensar a abolição, o trabalho, lutas, direitos e memória.

Etapa 1: A luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e redução da jornada de trabalho

Recursos: Projetor, quadro, caderno e fotocópia; 

Texto 1

Os empregados do comércio eram então chamados de ‘caixeiros’, fosse porque muitas vezes lidavam com o caixa, ou porque parte do trabalho era organizar caixas de produtos que chegavam e partiam. Além disso, limpavam, vendiam, faziam contas e cobranças. Em meados do século XIX, a grande maioria era de portugueses, que vinham muito jovens do além-mar e trabalhavam sem nada receber durante vários anos, vivendo em estreita dependência da família do patrão. Havia a esperança de que, se este fosse ‘justo’, lhe remunerasse um dia pelo seu bom trabalho, o que permitiria ao caixeiro finalmente abrir seu próprio negócio. Deveriam trabalhar duramente para obter pequenos acordos individuais por um domingo de folga, ou alguns merecidos momentos de descanso.

(Fabiane Popinigis, “Portas fechadas – Insatisfeitos com o trabalho aos domingos e a exploração pelos patrões, comerciários sacudiram a capital da República nos primeiros anos do século XIX”. Revista Nossa História, Ano 2, nº 19, maio 2005)

Texto 2

Durante o século XIX, durante a vigência da escravidão, muitos trabalhadores livres se organizaram em prol de melhores condições de trabalho e redução das suas jornadas, como por exemplo uma folga aos domingos, reivindicada pelos trabalhadores do comércio. Desde 1852, os trabalhadores do comércio usavam os jornais para pedir o apoio de políticos para a regulação dessa atividade e pela folga aos domingos. Em maio de 1888, os empregados do prédio da Praça do Mercado, no Rio de Janeiro, acionaram o vereador José do Patrocínio a fim de garantir o fechamento do prédio e a liberação dos empregados para a participação nos festejos pela Abolição. A “ajuda” de Patrocínio foi publicada em seu jornal (Cidade do Rio) e foi considerada “mais um ato de liberdade” promovido por ele, numa referência à sua posição abolicionista. Uma luta histórica dos caixeiros pelo fechamento do estabelecimento comercial era associada a outra, a da liberdade dos ex-escravos. Aqueles que haviam batalhado no parlamento e na imprensa pela liberdade do cativo eram capazes, então, de continuar a lutar por outra liberdade: a de folga para o festejo.

(texto adaptado de Renata Figueiredo Moraes. As festas da abolição. O 13 de maio e seus significados no Rio de Janeiro (1888-1908). Tese (Doutorado), PUC-RIO, Departamento de História, 2012)

Nos trechos dos textos apresentados aos estudantes podemos destacar que, antes da abolição, foi comum que algumas categorias de trabalhadores se organizassem em associações e produzissem jornais direcionados aos seus pares. Agora, vamos apresentar um exemplo desses jornais feito pelos Caixeiros, com um pedido de folga aos domingos.

Imagem 1
Jornal O Caixeiro – 19 de outubro de 1873. Disponível: http://memoria.bn.br/DOCREADER/DOCREADER.ASPX?BIB=779342
Texto 3

O dia de domingo passa entre nós como si fora qualquer outro dia da semana (…) O domingo, que para os católicos, é o dia do senhor, para o caixeiro é o dia do trabalho. (…) Vejamos, pois, si por este meio conseguiremos convencer aqueles que podem, mas não querem dispensar do trabalho do domingo.

(O caixeiro, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1873)

Para iniciar a discussão com os alunos sobre trabalhadores no século XIX, é importante que o professor use esses dois exemplos, o pedido de folga aos domingos e o feito para participar das festas da abolição, a fim de que o aluno entenda que havia uma consciência por parte desses trabalhadores dos seus direitos e a existência de um campo de negociação, principalmente após o fim da escravidão. Estimule o debate sobre as reivindicações dos trabalhadores e os personagens que aparecem nos textos.

Atividade 1: Diante disso, peça para que os alunos analisem os textos e discutam em grupo as seguintes questões:

– Destaquem nos textos que instrumentos de reivindicações os trabalhadores do século XIX utilizaram na luta por direitos.
– Por que associar o pedido de folga com as ações abolicionistas de José do Patrocínio?
– Qual seria o objetivo de organizar um jornal específico para trabalhadores enquanto havia outros jornais em circulação na cidade do Rio de Janeiro?

As respostas a essas questões são individuais e servirão para caracterizar o debate sobre as ações dos trabalhadores antes e depois da escravidão. 

Etapa 2: O dia do trabalhador como um momento de luta

Recursos: Projetor, quadro, caderno, canetas, giz de cera e fotocópia; 

Distribua esses textos ou exiba no quadro para os alunos: 

Texto 1

O dia mundial do trabalho foi instituído em 1889, celebrando a grande manifestação de trabalhadores ocorrida em Chicago no ano de 1886, quando uma massa de trabalhadores saiu às ruas reivindicando melhores condições de trabalho, e portanto, de vida. Esse evento sofreu severa repressão policial armada, resultando em trabalhadores mortos e feridos. Tal protesto, porém, serviu de exemplo ao mundo todo, consagrando universalmente a data de Primeiro de maio

(Guilherme Afif Domingos, “Apresentação”. Marisa Lajolo (org.) Primeiro de Maio. São Paulo, Imprensa oficial do Estado de São Paulo, 2009) 

Texto 2

Em maio de 1888, precisamente no dia 13, uma lei acabou com a escravidão no Brasil, o último país onde tal sistema de trabalho ainda vigorava. A partir daí, a defesa de condições mais humanas de trabalho começou a se desenhar mais fortemente no país, tendo que enfrentar a dura herança de um passado escravista que marcou profundamente toda a sociedade brasileira, na sua forma de tratar e de pensar seus trabalhadores. Essa luta foi longa, difícil e ainda não terminou. O Primeiro de maio existe para isso: para ser tanto um dia de festa, pelo que se conseguiu, como de protesto, pelo que se deseja ainda conseguir, ser no Brasil, quer em qualquer outro país.

(Angela de Castro Gomes, “Primeiro de maio”, https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/PrimeiroMaio

Texto 3

A respeito da forma como o primeiro de maio era comemorado nos primeiros anos, ainda no século XIX: “com variantes locais, nas principais cidades do país, e os préstitos operários, reunidos logo ao amanhecer nas praças centrais, sob fogos de artifício, desfilavam pelas principais ruas, observando uma ordem que, em geral, intercalava comissões de festejos, bandas musicais, moças trajando vestes que simbolizavam as aspirações operárias – especialmente liberdade, justiça social e redução das horas de trabalho – e grupos carregando bandeiras e estandartes representando a nação e as diversas organizações presentes, além dos trabalhadores que, vestindo suas roupas domingueiras, compareciam acompanhados de suas famílias. Durante as comemorações, líderes operários proferiam discursos e, não raras vezes, senhoritas declamavam poemas de exaltação ao trabalhador.

(Isabel Bilhão, “ “Trabalhadores do Brasil: as comemorações do Primeiro de maio em tempos de Estado Novo Varguista” – Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 31, nº 62, p. 71-92, 2011 – https://www.scielo.br/pdf/rbh/v31n62/a06v31n62/ )

Atividade: Os três textos tratam das comemorações pelo primeiro de maio, informando sua origem, a relação que alguns trabalhadores fizeram com o 13 de maio (data da abolição) e as diferentes formas de celebrar a data. Após a leitura dos textos, o professor deverá ouvir os alunos sobre a necessidade de festejar uma data e como ela deve ser usada também como protesto e espaço de luta. Estimular o debate sobre a diferença de festejar e protestar. Após um breve debate, pedir para os alunos produzirem cartazes ou poesias que pudessem ser usados numa festa/protesto. Nessa atividade será possível provocar a criatividade dos alunos e entender a percepção deles sobre o mundo do trabalho.  

Etapa 3: As festas de maio na literatura

Recursos: fotocópias, caderno

Antes de iniciar a atividade com os alunos é importante contextualizar a origem da celebração pelo Primeiro de maio e como ela passou por mudanças ao longo dos anos, principalmente no que se refere aos diferentes usos políticos:

A origem da data do 1 de maio remonta aos Estados Unidos do século XIX, quando essa data era usada por diversas categorias de trabalhadores como o moving day, dia de celebração de contratos de trabalho. No ano de 1886, a Federação Americana do Trabalho convocou para esse dia uma paralisação e um ato público, como um momento de luta pela redução da jornada para oito horas de trabalho. Em Chicago houve passeata e ato público com uma forte repressão, gerando assassinato de alguns trabalhadores, julgamento e execução de outros, transformando a data como um dia de luta, lembrada internacionalmente e tornando-se um feriado nos anos seguintes, também no Brasil. Ao longo dos anos a data ganhou novos elementos de identificação, incorporando a luta dos trabalhadores em outras partes do mundo, como a revolução russa de 1917, sendo também apropriada por políticos a fim de construir celebrações sem antes dar os direitos aos trabalhadores, retirando assim os créditos deles pelas lutas empreendidas na conquista desses direitos.

(texto adaptado de Iná Camargo Costa. “Mario de Andrade e o primeiro de maio de 35”. Trans/form/ação, São Paulo, 18: 29-42, 1995; ver mais em v18a04.pdf (scielo.br)

As mudanças de sentido pelos quais a data do primeiro de maio passou, também ocorreu com o 13 de maio, data da abolição. As grandes celebrações realizadas em maio de 1888 não se repetiram nos anos seguintes, e a data foi perdendo sentidos ao longo das décadas.
Após uma breve contextualização sobre o primeiro de maio, o treze de maio e seus sentidos, forme pequenos grupos de alunos e distribua os contos a seguir para uma leitura atenta dos alunos. 

O primeiro conto é de Lima Barreto (1881-1922) e foi publicado originalmente na Gazeta da Tarde em 4 de maio de 1911.

O segundo conto é de Mário de Andrade (1893-1945) e teria sido escrito entre os anos de 1934-1942 e publicado de forma póstuma no livro Contos novos (1947).

Distantes temporalmente, tanto a festa da lembrança quanto o tempo dos autores, essas festas têm em comum a expectativa gerada diante do que é comemorado, mas que causa frustração para os protagonistas. Em “maio”, o protagonista, que também é o narrador do texto, percebe que a esperança vivida por ele quando criança não se concretizara algumas décadas depois, quando já era adulto e trabalhador. Para o “35”, protagonista do conto de Mario de Andrade, a festa sonhada por ele para celebrar o seu dia, o do trabalhador, não correspondeu às suas expectativas por ter sido feita para outros, que não eram operários como ele. Esses dois textos causam reflexões sobre as apropriações políticas dessas duas datas e como isso excluiu sujeitos simples que queriam participar da festa e estabelecer seus próprios sentidos.

Atividade 1: Após essa breve explicação sobre os contos, peça para os alunos discutirem em grupo o posicionamento dos protagonistas. Feito o debate, entregue as seguintes questões:

– Como a “liberdade” aparece no texto “Maio” e seus significados para o narrador?
– Qual a diferença entre a festa pensada por “35” e a testemunhada por ele?

Atividade 2: A partir desses dois textos indique a seguinte pesquisa para os alunos: 

– Pesquisar o ano de 1911, quando o texto de Lima Barreto foi publicado, a fim de encontrar características políticas e sociais daquele ano e que possa ter motivado a escrita do conto. Essa pesquisa poderá ser feita nos jornais digitalizados e disponíveis no site da Biblioteca Nacional (www.memoria.bn.br ), inclusive na publicação original do conto.
– Pesquisar as mudanças no campo do trabalho durante o período Vargas, principalmente em 1938, ano em que as celebrações pelo Primeiro de Maio ganharam um apoio estatal e de dia do trabalho. Essa mudança pode ter alterado as formas de comemoração da festa e gerado a frustração no protagonista do conto de Mário de Andrade.  

Etapa 4: A data do 13 de maio e as mudanças de sentido

Recursos: caixa de som, projetor, caderno

Texto 1

Festejada por milhares de pessoas, a Abolição foi um acontecimento ímpar. Pela primeira vez se reconheceu a igualdade civil de todos os brasileiros. Mesmo que não tenha significado sua imediata efetivação, marca a invenção de uma cidadania brasileira entendida em termos universais. Porém, até o surgimento dos movimentos negros do século XX, a hierarquização racial pouco se modificou. A discussão atual sobre políticas de reparação e a reivindicação de uma identidade negra recolocam na ordem do dia a memória da escravidão inscrita na pele de milhões de brasileiros.

(Hebe Mattos, “A face negra da abolição”. Revista Nossa História, Ano 2, nº 19, maio 2005)

Vídeo

Treze de maio: qual história você conta?

Duração: 4’33’’

O vídeo é um questionamento sobre a forma como a história da abolição é contada. A contadora de histórias Kemla Baptista começa seu vídeo com um trecho do samba da Estação Primeira de Mangueira de 1988: “Pergunte ao criador, quem pintou essa aquarela. Livre do açoite das senzalas, preso na miséria da favela”. A partir disso, Kemla questiona a forma como ela aprendeu a história do 13 de maio e propõe uma nova abordagem. No final do vídeo, há a seguinte imagem:

Música

Grêmio Recreativo Estação Primeira de Mangueira – 1988 – Cem anos de liberdade, realidade e ilusão

Duração: 5’

Atividade 1: Após assistir o vídeo, ler o trecho do texto da Hebe Mattos e ouvir o samba enredo, os alunos devem responder as seguintes perguntas:

– Por que a data do 13 de maio perdeu sentido para homens e mulheres negros décadas depois da abolição?
– Quais são os indícios que o vídeo, o texto e a música dão para essa mudança de perspectiva em relação a data, tão festejada em 1888 (conforme pudemos ver pelas lembranças de Lima Barreto) e atualmente questionada?
– O que poderia ter sido feito para que a abolição assinada pela Princesa Isabel pudesse melhorar de fato a vida de homens e mulheres saídos da escravidão?

Atividade 2: Após observar a imagem do vídeo, peça aos alunos que façam uma pesquisa sobre a origem da Carteira de trabalho e promova um debate sobre a relação da abolição com a Carteira de trabalho.  

Etapa 5: A abolição e o trabalhador nas músicas

Recursos: caixa de som, projetor, caderno

Música I

13 de maio – Caetano Veloso

Duração: 4’13’’

Na letra, Caetano Veloso lembra das festas do 13 de maio em Santo Amaro: “os pretos celebravam, talvez hoje ainda o façam, o fim a escravidão”, e reforça que era uma festa para saudar Isabel, a princesa regente que assinou a lei da abolição.

Música II

As camélias do Quilombo do Leblon – Caetano Veloso e Gilberto Gil

Duração: 5’34’’

Na letra, os autores destacam dois momentos: o das camélias do quilombo do Leblon da primeira abolição e a saudação à redentora, como ficou conhecida a princesa Isabel, e a segunda abolição, que ainda não ocorrera.

O professor deverá executar as músicas e lembrar de alguns fatos, já trabalhados em aulas anteriores, como o papel da Princesa Isabel, responsável por assinar a lei, as festas que ocorreram, mas a resistência dos escravizados antes da abolição. O Quilombo do Leblon foi estudado por Eduardo Silva, sendo um importante exemplo de quilombos urbanos existentes no tempo da escravidão e que abrigava escravos fugidos, sendo a camélia era um símbolo usado por abolicionistas que apoiavam esse quilombo. 

Atividade 1: De acordo com as duas músicas, responda:

– A respeito da música 1, por que a dúvida sobre a continuidade das festas pelo 13 de maio em Santo Amaro?
– Por que os compositores da música 2 desejam uma “segunda abolição”?

As respostas dessas perguntas devem ser exploradas pelo professor em encontros posteriores a fim de reforçar a ideia de que ao longo dos mais de 100 anos da lei, novos sentidos foram atribuídos à data do 13 de maio e como a lei não satisfez por completo quem foi libertado por ela.

Música III

O bonde São Januário – Ataulfo Alves

https://www.youtube.com/watch?v=3l7j79MFyCY

Duração: 3’18’’

A música é do ano de 1937, quando o Brasil vivia sob o regime do Estado Novo. A partir de 1939, Getúlio Vargas passou a comemorar o 1º de maio, já como feriado do dia do trabalho, no estádio do Vasco da Gama, em São Januário.  Na letra da música o autor lembra que a região de São Januário é um bairro operário e que ele fazia parte desse grupo de trabalhadores. Para conhecer mais o estádio São Januário, projete na aula o artigo do site do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho e leia com os alunos o Lugares de Memória dos Trabalhadores #30  .

Atividade 2: Após ouvir a música e ver algumas imagens do estádio no artigo sugerido, os alunos deverão fazer uma pesquisa sobre os atos de Getúlio Vargas realizados em São Januário durante as comemorações pelo 1º de maio.

Bibliografia e Material de apoio:

Angela de Castro Gomes. A invenção do trabalhismo. 3ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005
Eduardo Silva. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura.
Fabiane Popinigis, “Portas fechadas – Insatisfeitos com o trabalho aos domingos e a exploração pelos patrões, comerciários sacudiram a capital da República nos primeiros anos do século XIX”. Revista Nossa História, Ano 2, nº 19, maio 2005.
Fabiane Popinigis. Proletários de casaca: trabalhadores do comércio carioca (1850-1911). Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2007.
Iná Camargo Costa. “Mario de Andrade e o primeiro de maio de 35”. Trans/form/ação, São Paulo, 18: 29-42, 1995 investigação de história cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Isabel Bilhão, “ ‘Trabalhadores do Brasil’: as comemorações do Primeio de maio em tempos de Estado Novo Varguista” – Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 31, nº 62, p. 71-92, 2011.
Marisa Lajolo (org.) Primeiro de Maio. São Paulo, Imprensa oficial do Estado de São Paulo, 2009.
Renata Figueiredo Moraes. As festas da abolição. O 13 de maio e seus significados no Rio de Janeiro (1888-1908). Tese (Doutorado), PUC-RIO, Departamento de História, 2012.

1 Professora Adjunta do Departamento de História – UERJ e Pesquisadora do LEHMT-UFRJ

Crédito da imagem de capa: Fonte https://memoria.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/04/dia-do-trabalho-conheca-como-surgiu-o-feriado-do-dia-1o-de-maio 


Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral e Samuel Oliveira.

LMT #76: Usina Wigg, Miguel Burnier, Ouro Preto (MG) – Luana Campos Akinruli



Luana Campos Akinruli
Doutora em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais



A importante presença dos trabalhadores na história de Miguel Burnier, distrito de Ouro Preto, Minas Gerais, quase nunca é evidenciada e divulgada. Dispersos na paisagem local existem sítios de vilas operárias, de conjuntos ferroviários e um patrimônio arquitetônico e religioso de grande envergadura. A Usina Wigg, por exemplo, foi a primeira no país a explorar manganês. Posteriormente, dedicou-se ao ferro. Ali também se desenvolveu a Usina Barra Mansa, que depois passou a fazer parte do Grupo Votorantim e, atualmente, ao grupo Gerdau.

A Usina Wigg foi fundada em 1893, pelo empresário anglo-brasileiro Carlos Wigg. Situava-se num local privilegiado para as atividades da indústria siderúrgica, com grande quantidade de jazidas de minério de ferro e de manganês de boa qualidade a pouca distância do local de beneficiamento. Também possuía abundância de reservas vegetais para a produção de carvão, água em fartura para a movimentação de maquinário de forças hidráulicas e proximidade da malha ferroviária para o escoamento da produção, além de depósitos de calcário, material indispensável ao funcionamento dos altos-fornos.

Atuando em todas as fases de produção – extração, beneficiamento, transporte e exportação do minério –, a Usina Wigg contava já no ano de 1905 com 373 casas destinadas a seus trabalhadores, onde residiam 334 famílias. As condições de moradia, no entanto, eram bastante precárias. A maioria era de pau a pique com cobertura de zinco. Em 1913, residiam cerca de 2.000 pessoas nessa vila operária.

Assim como em diversas outras vilas operárias criadas no país entre o final do século XIX e início do XX, a empresa procurava moldar diversos aspectos do cotidiano de seus trabalhadores. O controle social era rigoroso, com interferências na vida religiosa, escolar e no lazer dos funcionários. Na vila também havia serviços médicos, farmácia e um armazém de alimentos. Em geral, era permitido que os operários mantivessem pequenas plantações nos quintais de suas casas ou em glebas pertencentes à empresa nas imediações. A manutenção dessas áreas se dava rotineiramente pelas mulheres e esporadicamente pelos homens em horários de folga. Nas proximidades da sede existiam as melhores casas, moradias dos encarregados feitas de tijolos, coberturas de telhas e pisos de peroba rosa.

O trabalho na empresa, majoritariamente masculino, era realizado em turnos de 24 horas incluindo os fins de semana e feriados, com exceção da Sexta-feira da Paixão. Do total de 413 operários distribuídos em 28 seções da Mineração e Usina Wigg, em 1958, havia apenas 10 mulheres por exemplo. Cada seção tinha um encarregado, que era responsável por uma equipe de trabalho e a quem cabia realizar os pagamentos e definir as acomodações, entre outros assuntos.


As políticas assistências e o rígido controle e disciplina imposto pela empresa dificultaram a organização sindical e o protesto operário. Mas, eles também ocorreram. Em 1919, por exemplo, uma greve generalizada por melhores salários e condições de trabalho paralisou a mina e a Usina. O padre italiano Marcelino Braglia, responsável pela Igreja da Usina (Nossa Senhora Auxiliadora de Calastróis), procurou mediar, sem sucesso, o conflito. Outros conflitos e insatisfações, abertas ou veladas, eclodiriam ao longo da história da empresa.


Com a morte de Wigg em 1931 e, sem descendentes, sua esposa Alice da Silveira Wigg  assumiu provisoriamente os negócios. Em 1940, a empresa foi adquirida por uma nova organização acionária e teve seu nome alterado para Mineração e Usina Wigg S. A. A partir da década de 1950, o controle acionário passou à Siderúrgica Barra Mansa S. A. e nos anos 1970 para as Indústrias Votorantim, ambas de propriedade da família Ermírio de Moraes. As atividades minerárias nas áreas do patrimônio da Wigg continuaram sob novas titularidades, o que ainda hoje tem gerado a expulsão de famílias moradoras na localidade há gerações e mesmo violentas situações de conflitos socioambientais.

Embora quase nunca lembrada nos roteiros turísticos da “barroca” Ouro Preto, a Usina Wigg é um lugar de memória fundamental na história da cidade. As lembranças de seus antigos trabalhadores ainda hoje combinam recordações da violência e autoritarismo que marcaram aquelas relações de trabalho com as saudades, muitas vezes idealizadas, da vida comunitária e da solidariedade local. Na experiência da Wigg, continuada em grande medida pela Siderúrgica Barra Mansa, o mundo do trabalho era articulado de modo desigual e combinado, conjugando manutenção e superação na maneira de se trabalhar de outros tempos. Em sua vida cotidiana e na conjugação entre interiorização e resistência às formas de dominação da empresa, os trabalhadores e suas famílias apropriaram-se daquele espaço, forjaram laços e identidades, e transformaram Miguel Burnier numa vigorosa comunidade operária.

Vestígios arqueológicos da Usina Wigg em 2018.
Fotografia de Luana Campos Akinruli.


Para saber mais:

  • AKINRULI, Luana Carla Martins Campos. A desconstrução do esquecimento em contexto de conflito ambiental: arqueologia e etnografia da comunidade de Miguel Burnier, Ouro Preto, Minas Gerais. Tese de Doutorado em Antropologia, UFMG, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/BUBD-BCDH4A.
  • AKINRULI, Samuel Ayobami. Geoprocessamento para a análise das dinâmicas geoespaciais e temporais do patrimônio cultural do distrito de Miguel Burnier, Ouro Preto, Minas Gerais. Monografia, Especialização em Geoprocessamento, UFMG, 2017. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/IGCM-AX9MUT.
  • ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Fundo Gerdau Açominas S. A. (1891-2007).
  • LLOYD, Reginald. Impressões do Brazil no Século Vinte. Londres: Lloyd’s Greater Britain Publishing Company Ltd., 1913.

Crédito da imagem de capa:  Vista das minas de manganês e Miguel Burner, tendo ao centro da boca da mina o proprietário Carlos Wigg. Fonte: LLOYD, 1913, p. 324.



Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Vale Mais Especial: Entrevista com Elvira Boni – por Ângela de Castro Gomes e Eduardo Stotz

Vale Mais é o podcast do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho da UFRJ, que tem como objetivo discutir história, trabalho e sociedade, refletindo sobre temas contemporâneos a partir da história social do trabalho.

O episódio #Especial do Vale Mais é uma entrevista com Elvira Boni, realizada por Ângela de Castro Gomes e Eduardo Stotz

Para celebrar o Primeiro de Maio, o Vale Mais reproduziu um trecho da entrevista concedida por Dona Elvira Boni em 1983 para Ângela de Castro Gomes e Eduardo Stotz. O Primeiro de Maio de Dona Elvira é repleto de lutas e cantorias e narra as manifestações desse dia, em 1919, no Rio de Janeiro, realizado numa efervescente conjuntura política e de ascensão das lutas operárias. Elvira Boni narrou o clima festivo e de entusiasmo daquele evento, quando milhares de trabalhadoras e trabalhadores tomaram as ruas do Rio cantando suas palavras de ordem e seus hinos. 
Viva o Primeiro de Maio!

Participação: Ângela de Castro Gomes
Produção: Deivison Amaral, Heliene Nagasava e Larissa Farias
Roteiro: Ângela de Castro Gomes, Deivison Amaral, Larissa Farias e Paulo Fontes.
Apresentação: Larissa Farias 

Referência da entrevista: Entrevista Elvira Boni Lacerda. 5º Entrevista: 02.10.1983. Fita 7-A. Acervo CPDOC/FGV.

Livro: Velhos Militantes: Depoimentos. Ângela de Castro Gomes (coordenadora). Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1988.

Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima Vale Mais

Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. No terceiro episódio, conversamos com Thayara de Lima, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro A cultura de luta antirracista e o movimento negro do […]
  1. Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima
  2. Vale Mais #29: The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil, por Alexandre Fortes
  3. Vale Mais #28: O poder e a escravidão, por Bruna Portella e Felipe Azevedo
  4. Vale a Dica #14: Orgulho e Esperança, de Matthew Warchus
  5. Vale a Dica #13: 2 de Julho: a Retomada, de Spency Pimentel e Joana Moncau

CE #20: O Primeiro de Maio de Dona Elvira: lutas e cantorias

Angela de Castro Gomes
Professora Titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense
Professora Emérita do CPDOC/FGV

Vem ó maio, saúdam-te os povos!
Em ti colhem viril confiança.
Vem trazer-nos cerúlea bonança,
Vem ó maio trazer-nos dias novos!
(Hino do Primeiro de Maio, Pietro Gori, 1892
)

O dia 1o de maio tornou-se, internacionalmente, o Dia do Trabalho, por ter sido a data em que, em 1886, um combativo conjunto de trabalhadores da cidade de Chicago enfrentou uma violenta repressão policial, por reivindicar melhores condições de trabalho, em especial uma jornada de oito horas. Nesse 1o de maio houve trabalhadores mortos e feridos, além de muitos que foram presos, o que deve nos lembrar que este é, por excelência, um dia de luta por direitos, que são difíceis de conquistar e precisam ser permanentemente defendidos, pois se a luta pode avançar, também pode recuar. É o que vivemos hoje, no Brasil, após a chamada Reforma Trabalhista de 2017 que, aliada a outras iniciativas governamentais, produziu, de fato, o enfraquecimento, quando não a eliminação, de direitos trabalhistas arduamente conquistados pelos trabalhadores brasileiros, numa mobilização que tem mais de um século.   

Manifestações de 1º de Maio no Rio de Janeiro, em 1919.
Fonte: Revista da Semana, “Manifestação de 1de maio de 1919”, nde 10 maio de 1919. 

Isso porque é possível acompanhar essa história, a partir das manifestações ocorridas no 1o de maio desde o início do século XX, quando os trabalhadores ocupavam as ruas das principais cidades do Brasil, com destaque para o Rio de Janeiro, então a Capital Federal, e São Paulo. Quem vai nos ajudar a entender a importância desses acontecimentos é Dona Elvira Boni, uma militante anarquista que eu entrevistei no ano de 1983, quando escrevia minha tese de doutorado. Ela tinha 84 anos e morava em um apartamento no bairro de Laranjeiras, onde gentilmente me recebeu. Como seu nome me fora indicado pelo meu amigo e seu vizinho, José Sérgio Leite Lopes (que então também fazia sua tese de antropologia), não precisei me esforçar muito para convencer Dona Elvira a conversar comigo e me contar como havia se tornado anarquista e como esse engajamento marcara sua vida. Nascida em família de imigrantes italianos, seu pai e irmãos aderem ao anarquismo e à luta dos trabalhadores, no Rio de Janeiro. Com esse apoio, Dona Elvira iria frequentar a Liga Anticlerical entre 1909 e 1911 e ser uma das cinco moças que fundaram a União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas, em 1919. Uma associação combativa de orientação anarquista, que logo organizou uma greve pela jornada de oito horas de trabalho e se manteve atuante até 1922. Nela, Dona Elvira ocupou a função de tesoureira. Experiência rara, porque se as mulheres eram presença marcante no movimento operário do início do século XX, no Brasil e no mundo, não costumavam ter posição ou função de liderança em diretorias de associações. 

Foto com Elvira Boni na mesa de encerramento do Terceiro Congresso Operário, 1920.
Fonte: Arquivo pessoal de Marcolino Jeremias, membro do Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri – NELCA – Santos/SP.

As décadas de 1900 e 1910 são muito agitadas para os trabalhadores do país que, em 1917, fizeram uma greve geral em São Paulo (capital e interior), que se alastrou para o Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. Os grevistas demandavam a jornada de oito horas, a abolição do trabalho noturno para mulheres e “menores”, além de melhores salários, reivindicações fundamentais e recorrentes ao longo do tempo. Os anarquistas tinham, nesse contexto, muita força no interior do movimento operário e, em novembro de 1918, realizaram uma revolta no Rio de Janeiro, que evidenciou o alto grau de organização que haviam alcançado, sendo duramente reprimidos. Mas antes dessa revolta, o ano de 1918 registrou dois grandes e trágicos acontecimentos. Em julho, na capital federal, houve o incêndio e desabamento do Hotel New York, na moderna Avenida Central. Com dezenas de trabalhadores mortos, o que repercutiu muito entre a população, o incêndio foi uma catástrofe que acabou por ajudar o andamento da lei de Acidentes de Trabalho, que tramitava no Parlamento e foi aprovada em janeiro de 1919. Mais terrível ainda, foi a chegada da Gripe Espanhola, da qual Dona Elvira foi uma vítima e sobrevivente. Segundo ela – o que as fotos das revistas ilustradas confirmam – os mortos eram tantos, que os cadáveres ficavam nas calçadas, havendo quem pedisse para os encarregados de recolhê-los, levar primeiro os mais antigos e deixar os mais frescos, uma vez que era impossível transportar todos eles. A Gripe Espanhola, cuja gravidade as autoridades federais e estaduais, de todo o país, custaram a admitir e, por isso, a combater, foi um flagelo para a população das cidades, mas também para a do interior. Todo o país, do Amazonas ao Rio Grande Sul, foi atingido e, como acontece sempre quando há epidemias, os mais vulneráveis foram os pobres, entre os quais estavam muitos trabalhadores que morreram sem qualquer tipo de assistência.

É nesse clima que o ano de 1919 começa. Um ano em que haveria eleições presidenciais e, o que era raro, com disputa real entre dois candidatos: o de situação, o paraibano, Epitácio Pessoa e o de oposição, o jurista baiano, Rui Barbosa. Além disso, com o fim da Primeira Guerra Mundial, o Brasil participava da Conferência de Paz em Paris, sendo signatário do Tratado de Versalhes. Epitácio Pessoa, o candidato do governo, era o representante do Brasil. E o que tudo isso tem a ver com a luta por direitos dos trabalhadores? Tem sim, primeiro porque, pelo Tratado de Versalhes, as nações signatárias se comprometiam a implementar políticas que melhorassem as condições de vida e trabalho dos “assalariados urbanos”. Segundo, porque Rui Barbosa fazia uma campanha eleitoral inusitada, chegando a falar para grandes audiências em lugares públicos. Quer dizer, a situação nacional e internacional estava mudando e se tornando um pouco mais favorável às demandas dos trabalhadores.

Trabalhadores reunidos na Praça Mauá, Rio de Janeiro, em 1º de maio de 1919.
Fonte: Revista da Semana, “Manifestação de 1de maio de 1919”, nde 10 maio de 1919. 

Assim, embora várias cidades já conhecessem as manifestações de 1o de maio, pois elas ocorreram em anos anteriores, as que aconteceram em 1919, em especial no Rio de Janeiro seriam diferentes, por sua magnitude, marcando a memória dos trabalhadores fossem anarquistas ou não. O local escolhido para a concentração foi a Praça Mauá, porque fazendo parte da região portuária da cidade, era tradicionalmente ocupada por aqueles que trabalhavam no porto ou embarcados, e também por uma grande população de trabalhadores, que lá morava e/ou frequentava com assiduidade, pois ela abrigava um circuito de religiosidade e lazer populares. Dona Elvira, que esteve presente a essa demonstração, explica que o início da manifestação foi na Praça Mauá, e que lá ocorreu um grande comício. Em seguida, os trabalhadores percorreram, em passeata, toda a Avenida Rio Branco até chegarem ao Palácio Monroe. Durante o desfile, de tamanho impressionante, vários oradores se posicionavam, ao mesmo tempo, ao longo da avenida, fazendo discursos, não sem dificuldades, devido à empolgação do povo e à falta de amplificadores para voz.  Mas o que os trabalhadores mais gostaram de fazer, enquanto caminharam, foi cantar. Dona Elvira, uma artista de teatro anarquista de linda voz, mesmo aos 80 anos, disse que, nesse dia, “cantou-se tudo quanto foi hino que se sabia”. Cantou-se o Hino dos Trabalhadores, o Hino do 1o de Maio, O Sol dos Livres (com a música do Sole Mio) e, claro, A Internacional. Nada era muito planejado, nem muito afinado; mas os trabalhadores fizeram questão de cantar. Manifestações desse tipo ainda aconteceram em 1920, no Rio e em outras cidades, mas foram escasseando e encerrando uma experiência que, se não teve tanto sucesso em termos de conquistas imediatas, foi fundamental para a história da luta dos trabalhadores, sempre em curso, sempre sendo retomada.

Dona Elvira canta o Hino dos Trabalhadores durante entrevista a Angela de Castro Gomes.

No dia 1o de maio de 1919, a Praça Mauá, o Centro do Rio e, sobretudo, o povo trabalhador tiveram um desfile memorável. Dona Elvira me falou que nunca se esqueceu desse dia e, como testemunho, cantou para mim, com emoção, todos esses hinos que convidam à resistência e à luta. Ela, miúda, olhos claros e cabelos brancos (como os meus agora), se transformava, ganhando força diante de mim. E eu, depois de ouvi-la contar e cantar, também não esqueço, dividindo com vocês o agradecimento que sempre farei a ela.  

Dona Elvira recita o prólogo e canta o Hino do Primeiro de Maio, versão em português da canção do italiano Pietro Gori, composta originalmente 1892.


PARA SABER MAIS:

ADDOR, Carlos Augusto. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Dois Pontos, 1986.
BATALHA, Claudio. O movimento operário na Primeira República, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2000.
BARBOSA, Rui. A questão social e política no Brasil (discurso de 20 de março de 1919), Biblioteca Virtual de Ciências Humanas.
BONI, Elvira. Depoimentos, 1983, Rio de Janeiro, CPDOC/FGV (se vocês quiserem ouvir D. Elvira Boni cantar, o que eu aconselho).
GOMES, Angela de Castro (coord.). Velhos militantes: depoimentos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1988.
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2005.
SCHWARCZ, Lilia M.; STARLING, Heloisa M. A bailarina da morte: a gripe espanhola no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2020.


Crédito dos áudios das entrevistas: Entrevista Elvira Boni Lacerda. 5ª Entrevista: 02.10.1983. Fita 7-A. Acervo CPDOC/FGV.


Vale Mais #09 – Mundos do Trabalho e Sindicalismo Católico

Vale Mais é o podcast do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho da UFRJ, que tem como objetivo discutir história, trabalho e sociedade, refletindo sobre temas contemporâneos a partir da história social do trabalho.

O episódio #09 do Vale Mais é sobre Mundos do trabalho e sindicalismo católico.

Este episódio do Vale Mais é o primeiro episódio da segunda temporada do podcast, que propõe conversar com doutores da área de História Social do Trabalho sobre os seus respectivos temas de pesquisa e processo de elaboração. Neste episódio conversamos com Deivison Amaral, professor da PUC-Rio e pesquisador do LEHMT, sobre sua tese “Catolicismo e Trabalho: a cultura militante dos trabalhadores de Belo Horizonte (1909-1941)”. Uma pesquisa que visa olhar para a cultura militante católica em Belo Horizonte, abordando a dimensão associativa e a atuação de trabalhadores, organizações, sindicatos e militantes leigos. Além de relacionar aspectos da formação política e religiosa dos trabalhadores e militantes leigos com a dimensão transnacional de constituição do movimento operário cristão. Dessa forma, teremos uma conversa que discutirá a relevância de estudos que busquem a interdisciplinaridade em suas pesquisas, que ultrapassem historiografias com ponto de vista pejorativos.

Produção: Heliene Nagasava e Larissa Farias 
Roteiro: Heliene Nagasava e Larissa Farias 
Apresentação: Larissa Farias

Dica citada no episódio: Daens – Um Grito de Justiça (Filme)

Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima Vale Mais

Nesta temporada, convidamos pesquisadoras e pesquisadores para discutir projetos, livros e teses recentes que aprofundam debates interdisciplinares sobre os mundos do trabalho. No terceiro episódio, conversamos com Thayara de Lima, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do livro A cultura de luta antirracista e o movimento negro do […]
  1. Vale Mais #30: A cultura de luta antirracista e o movimento negro do século 21, por Thayara Lima
  2. Vale Mais #29: The Second World War and the Rise of Mass Nationalism in Brazil, por Alexandre Fortes
  3. Vale Mais #28: O poder e a escravidão, por Bruna Portella e Felipe Azevedo
  4. Vale a Dica #14: Orgulho e Esperança, de Matthew Warchus
  5. Vale a Dica #13: 2 de Julho: a Retomada, de Spency Pimentel e Joana Moncau

LMT #75: Museu Estadual do Carvão do Rio Grande do Sul, Arroio dos Ratos (RS) – Clarice Speranza



Clarice Speranza
Professora do Departamento de História da UFRGS



À distância, as ruínas já parecem majestosas. Quanto mais nos aproximamos, os prédios que abrigaram a  primeira termoelétricas do país a usar carvão mineral revelam uma dimensão quase indecifrável. Estamos diante do Museu Estadual do Carvão, em Arroio dos Ratos, município riograndense próximo a Porto Alegre. Situado em meio a um parque de 11 hectares, o Museu tornou-se parte inseparável da vida desta comunidade orgulhosa de seu passado, na cidade que se intitula Berço da Indústria Carbonífera Nacional.

A história da exploração do carvão na região se iniciou em meados do século XIX. Em 1872, foi fundada a primeira empresa de exploração de carvão no Brasil, a Brazilian Collieries Company Limited, com capital inglês. A partir de então, uma série de empresas mineradoras atuaram na  região.

Em 1885, a princesa Isabel batizou com seu nome um poço da Companhia das Minas de Carvão de Pedra Arroio dos Ratos. A herdeira do trono imperial chegou a descer ao subsolo e assustou-se: “Perguntei-me se poderia suportar isso muito tempo”, confessou em carta aos pais, na qual lamentava “a sorte penosíssima dos mineiros obrigados a 8 horas de trabalho por dia, nessas profundezas apertadas”.

A princesa pode ter ficado impressionada, mas foi muito comedida em seu comentário. Se em meados dos anos 1940, havia relatos de mineiros trabalhando 16 horas por dia no subsolo, pode-se imaginar que uma jornada de apenas 8 horas em 1885 era uma ilusão. De fato, no dissídio coletivo apresentado em 1943 pelo Sindicato dos Mineiros era relatado que a prática do “doble”, ou seja, do turno dobrado, era cotidiana. À época boa parte dos operários recebiam por produção e deixavam parte de seus ganhos nos armazéns de propriedade das empresas.

Em plena II Guerra Mundial, o Cadem (Consórcio Administrador de Empresas de Mineração, que reunia as duas principais mineradoras: a Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo e a Companhia Carbonífera Minas de Butiá) liderava a produção nacional. Foi neste momento que a região alcançou o auge de sua produção, empregando cerca de 7 mil operários.

A vida nas profundezas marcou, de fato, a existência de milhares de trabalhadores mineiros que extraíram carvão da terra durante as oito décadas de funcionamento das minas subterrâneas em Ratos e também nos hoje municípios vizinhos de Butiá, Minas do Leão e Charqueadas. A eles coube suportar uma rotina de trabalho que incluía não apenas o medo da escuridão, mas também o adoecimento e a degradação física pela aspiração de pó de sílica, quando não a morte por desabamentos. Um “suicídio lento e inexorável”, definiu o mineiro Manoel Jover Telles em 1947, quando era deputado estadual eleito pelo PCB.


As minas também foram um centro importante de mobilização e organização dos trabalhadores. A primeira greve teria ocorrido já em 1895 e foi seguida por diversas paralisações. As mobilizações de 1933 e 1934 levaram à formação de um sindicato mineiro unificando os trabalhadores de todas as vilas. Nas paralisações de 1945 e 1946, as vilas foram alvo de intervenção militar. O movimento de 1946 durou 36 dias e estancou completamente a produção de carvão, deixando Porto Alegre às escuras. Entre as décadas de 1940 e 1960,  o PCB e o PTB disputavam a hegemonia do movimento operário local.


Para tornar possível o contínuo crescimento da produção, as mineradoras investiram na criação de uma infraestrutura de bem estar que incluía postos de saúde e um grande hospital, escolas, igrejas, lojas de comércio, clubes de futebol e cinemas, além de moradias com aluguel subsidiados.  Por outro lado, não havia abastecimento de água nas casas nos anos 1940, e os trabalhadores padeciam de péssimas condições de trabalho, o que levava a altos índices de abandono do emprego. A estrutura de proteção e controle das vilas-fábricas tinha como contraponto uma estrita vigilância, a partir de uma estreita colaboração entre as empresas e a polícia, e o acionamento do Exército quando necessário.

Toda a geografia de Ratos e das demais vilas mineiras, nascida das planilhas das empresas mineradoras, foi apropriada pela luta política. Os nomes das ruas homenageiam os executivos da mineração, mas também líderes trabalhistas como Alberto Pasqualini. Também trazem as marcas dos grupos étnicos e raciais que formaram a classe mineira, como a Avenida Espanha, em Arroio dos Ratos, ou a Praça Paraíba, em Butiá, cujo nome cultua o apelido de um líder religioso negro.

As minas de Ratos foram fechadas nos anos 1950. A produção foi transferida integralmente para Butiá e Charqueadas. Atualmente ainda há mineração de carvão na região, mas somente em minas de superfície. As cidades, de toda forma, são tomadas por campos de rejeitos de carvão e por ruínas dos locais de produção. Em Butiá, o mais conhecido é o “Esqueleto”, um conjunto de vigas com dois andares onde funcionava o lavador do poço 2, onde o carvão era “lavado” e escolhido. Hoje o “Esqueleto” é patrimônio histórico do município.

Em meio a esta geografia de lutas e trabalho, o Museu Estadual do Carvão, criado em 1986 (no governo do trabalhista Alceu Collares), parece ser uma síntese. Administrado em conjunto pelos governos estadual e municipal, é um símbolo da exploração subterrânea do carvão, mas também dos embates de classe lá travados. Além de uma exposição de objetos e máquinas da mineração, abriga também o Arquivo Histórico da Mineração, um mais importantes centros de documentação operária da América Latina. É, assim, um fundamental lugar de memória dos mineiros gaúchos e um espaço de reflexão sobre a história do trabalho no Brasil.

No parque onde está localizado o museu ficam as ruínas dos prédios onde o carvão era processado depois de extraído do subsolo.
Foto de Felipe Klovan.

Agradeço aos comentários de Tassiane Melo Freitas e Alexsandro Witkowski.


Para saber mais:

  • CIOCCARI, Marta. Do gosto da mina, do jogo e da revolta: um estudo antropológico sobre a construção da honra numa comunidade de mineiros de carvão. Tese de doutorado em Antropologia – PPGAS Museu Nacional, Rio de Janeiro, 2010.
  • FREITAS, Tassiane M. De complexo carbonífero a museu: o processo de patrimonialização dos remanescentes do antigo complexo carbonífero de Arroio dos Ratos, RS, Brasil (1983-1994). Dissertação de mestrado – PPG em Memória Social e Patrimônio Cultural, UFPel, 2015.
  • SILVA, Cristina Ennes da. Nas profundezas da terra: um estudo sobre a região carbonífera do Rio Grande do Sul. Tese de Doutorado – PPG em História, PUCRS, Porto Alegre, 2007.
  • SPERANZA, Clarice G. Cavando direitos: As leis trabalhistas e os conflitos entre os mineiros de carvão e seus patrões no Rio Grande do Sul (1940-1954). São Leopoldo/Porto Alegre: Oikos/ANPUHRS, 2014
  • WITKOWSKI, Alexsandro. Da luz no fim do túnel ao Arquivo Histórico do Museu Estadual do Carvão: o acervo documental da mineração na região carbonífera do baixo Jacuí, RS (2009-2016). Dissertação de mestrado – PPG em Museologia e Patrimônio, UFRGS, 2019.

Crédito da imagem de capa: No subsolo das minas, operários de diversas origens trabalhavam lado a lado extraindo e transportando carvão, década de 1940. Crédito: Acervo Documental Museu Estadual do Carvão.



Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Artigo “Educação para as relações étnico-raciais e a história pública: a decolonização dos saberes na trajetória do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais” – Samuel Oliveira, Maria Renilda e Roberto Borges

O artigo “Educação para as relações étnico-raciais e a história pública: a decolonização dos saberes na trajetória do Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais” foi escrito por Samuel Oliveira, membro do LEHMT-UFRJ, Maria Renilda e Roberto Borges.

O texto faz parte de uma coletânea de artigos no livro “História Pública e Ensino de História”, organizada por Rodrigo Almeida (UFF) e Miriam Hermeto (UFMG). Investiga como as relações étnico-raciais constituem o debate sobre a História pública, a educação e a produção do conhecimento, compreendendo a formação de um programa de mestrado interdisciplinar que tem as relações raciais e as memórias negras como centro de discussão e análise.


Créditos da imagem de capa: Capa do livro História pública e ensino de história.

LMT #74: Vila Operária Maria Zélia, São Paulo (SP) – Simone Scifoni



Simone Scifoni
Professora do Departamento de Geografia da USP



A Vila Maria Zélia é testemunho dos modos de morar do operariado e das relações de trabalho do início do século XX, na cidade de São Paulo. Ela guarda, ainda, memórias ligadas à violação dos direitos humanos dos trabalhadores em momentos políticos do país marcados pelo autoritarismo, nos anos 1930 e nos anos 1970.

Contando com 198 casas de 6 diferentes tipos e tamanhos e equipamentos de uso coletivo, tais como 2 escolas (uma para meninos e outra para meninas), creche, jardim de infância, farmácia, capela, campo de futebol, salão para bailes, sapataria, armazém e restaurante, a Vila Maria Zélia é um exemplar único de habitação operária, existente ainda hoje naquele lugar que era chamado de “outra cidade”, os bairros a leste do embrião central da capital, como o Belenzinho.

A vila foi construída entre 1912 e 1916 compondo o espaço fabril da Companhia Nacional de Tecidos de Juta, do empresário Jorge Street. O nome da vila foi uma homenagem à filha de Jorge Street, falecida no começo do século XX. Crises econômicas e endividamento levaram a empresa a mudar de proprietários em 1924, mantendo-se a produção até 1934, quando veio a falência. A partir daí a fábrica e a Vila Maria Zélia passaram para o controle do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), sucedido pelo atual INSS. Em 1969, as casas da vila começaram a ser vendidas aos seus inquilinos, por meio de financiamento do BNH (Banco Nacional de Habitação).

As formas de morar dos operários em São Paulo, nessas primeiras décadas do século XX, tinham no pagamento do aluguel uma característica em comum. As casas de vila eram construídas por investidores privados ou por industriais e contavam com incentivos do poder público, como a isenção de impostos para construção. A habitação tinha um papel no que se entendia ser a moralização da vida do trabalhador. Jorge Street destacava que as casas da vila garantiam a moradia sã, com sol, luz e cômodos de acordo com o tamanho da família. Além disso, exercia a função de impor a disciplina e controlar a vida do trabalhador; na Vila Maria Zélia uma série de normas e regulamentos regulavam a vida do operariado, como a proibição de dormir na sala, fixação de horários para circulação e acesso de visitantes e proibição de permanência de pessoas que não eram da família moradora na casa.


Além de negócio lucrativo pela obtenção da renda de aluguel, a produção de casas para operários funcionava como mecanismo de manutenção de baixos salários e como estratégia de enfraquecimento da organização operária e da luta de classes. Isso se constata no discurso do empresário Jorge Street que colocava em evidência o papel da vila e de seus equipamentos coletivos como capazes de “tocar o coração do operário vencendo-o do instinto de revolta”.


Por esses motivos, a Vila Maria Zélia aparecia, no começo do século XX, no centro da crítica do movimento operário, justamente pelo seu caráter de empreendimento modelo, que isolava o trabalhador em uma espécie de cidadela fechada, um feudo, como chamou o jornal anarquista “A Plebe”. No entanto, para além do controle, a moradia na vila também gerava formas específicas de sociabilidade e solidariedade que frequentemente significavam burlas aos mecanismos de dominação empresarial. Uma cultura e identidade própria aos trabalhadores tinha nas vilas operárias um espaço privilegiado de desenvolvimento, a despeito da vontade e intenções dos patrões.

Por sua vinculação à história dos trabalhadores e à temática da habitação operária, a Vila Maria Zélia e a fábrica foram declaradas patrimônio cultural do município de São Paulo, em 1992, no governo de Luiza Erundina. Mas é preciso, ainda, somar a esse patrimônio as memórias de violação de direitos humanos dos trabalhadores.

Após a Revolta Comunista de 1935 e a decretação do Estado de Sítio por Getulio Vargas, a fábrica fechada no Belenzinho foi adaptada para funcionar como presídio político. Cerca de 700 sindicalistas, trabalhadores, professores e intelectuais considerados como comunistas foram encarcerados no presídio Maria Zélia. Durante os dois anos em que ficaram ali, os presos e presas organizaram como forma de resistência a Universidade Popular Maria Zélia, com aulas de alfabetização, línguas, anatomia e higiene. Produziram revistas e jornais e realizavam peças teatrais encenadas pelo Teatro Popular Maria Zélia.

Outra memória da vila, vinculada à repressão e perda de direitos dos trabalhadores, foi a da prisão do operário Olavo Hansen. Treze sindicatos e oposições sindicais convocaram uma manifestação no dia 1o de maio de 1970, no campo de futebol da Vila Maria Zélia. Olavo, conhecido militante sindical, foi preso enquanto distribuía panfletos. Levado para o DOPS, sofreu constantes sessões de tortura, falecendo dez dias após sua prisão. Para a Comissão Nacional da Verdade o episódio configura-se como caso comprovado de morte decorrente de tortura durante a ditadura militar.

A Vila Maria Zélia ainda hoje se destaca como lugar de moradia do trabalhador, muito embora não sejam mais eles operários de indústrias, como no passado. Entretanto, ainda estão presentes os conteúdos sociais que conferem significado a esse bem cultural tombado. Nos últimos anos, instituições culturais como o grupo XIX de Teatro e a Associação Cultural Vila Maria Zélia também têm se empenhado na valorização e divulgação da história da vila. A Vila Maria Zélia não seria patrimônio cultural sem seus moradores e suas memórias, sem as vivências e experiências humanas que dão sentido àqueles edifícios do passado.

Vila Maria Zélia com fábrica ao fundo, em 1918.
Fonte: periódico A Vida Moderna.

Para saber mais:

  • ALAMINO, Carolina A.M. Presídio Maria Zélia: repressão política no governo constitucional de Getúlio Vargas. Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.
  • BLAY, Eva A. Eu não tenho onde morar. Vilas operárias na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1985.
  • BRASIL. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório. Vol. 1. Brasília: CNV, 2014.
  • JUCÁ, Ana Lúcia Almeida de Oliveira; LOPES, Arzelinda Maria. A vida numa vila operária. Informativo Arquivo Histórico Municipal, 4 (19): jul/ago.2008 <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
  • TEIXEIRA, Palmira Petratti. A fábrica do sonho. Trajetória do industrial Jorge Street. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

Crédito da imagem de capa: Aspecto geral da Vila Maria Zélia em 1918. Fonte: Periódico A Vida Moderna.



Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.

Chão de Escola #10: Os impactos da ditadura civil-militar nas lutas e direitos das trabalhadoras e trabalhadores do campo

Autoras:  PROFª Alessandra Carvalho1 e PROFª Claudiane Torres da Silva2

Apresentação da atividade:

Segmento: Ensino Fundamental II (9º ano)

Unidade temática: Ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985) e os processos de resistência

Objetivos gerais:

– Caracterizar as lutas de trabalhadores rurais por direitos sociais e pela reforma agrária no governo de João Goulart.

– Contextualizar o golpe civil-militar de 1964 no cenário das disputas políticas e sociais da década de 1960.

– Identificar os impactos da ditadura sobre as trabalhadoras e os trabalhadores rurais e suas organizações.

– Caracterizar os processos de resistência das trabalhadoras rurais durante a ditadura civil-militar.

Habilidades a serem desenvolvidas (de acordo com a BNCC)

(EF09HI19) Identificar e compreender o processo que resultou na ditadura civil-militar no Brasil e discutir a emergência de questões relacionadas à memória e à justiça sobre os casos de violação dos direitos humanos.

Duração da atividade: 4 aulas de 50 minutos.

Aulas Planejamento
01Etapa 1
02Etapas 2 e 3
03 e 04Etapa 4

Conhecimentos prévios:

– Estabelecimento de direitos sociais para os trabalhadores urbanos desde a década de 1930;

– Lutas sociais nos anos 1950;

– Contexto político e social do governo de João Goulart (1961-1964).

Atividade

A atividade propõe a caracterização do contexto de luta dos trabalhadores rurais por direitos sociais e reforma agrária no Brasil na década de 1960, relacionando-a ao golpe civil-militar de 1964. A partir daí, identifica as ações repressivas da ditadura, as violações dos direitos humanos dos camponeses ocorridas após 1964 e as formas de resistência das trabalhadoras do campo.

Etapa 1: As lutas dos camponeses nas décadas de 1950 e 1960

Recursos: Projetor, caixa de som, quadro, caderno e fotocópia;

Ao longo da história do Brasil, as disputas em torno do acesso e distribuição da propriedade da terra foram constantes. Nessa longa história, devemos entender os movimentos sociais no campo como múltiplas experiências que caracterizam contextos políticos específicos. Em meados do século XX surgem várias denúncias sobre a exploração dos trabalhadores rurais, as dificuldades de acesso à terra e a reivindicação de uma reforma agrária. A ausência histórica de uma política de distribuição de terras no campo foi terreno fértil para o surgimento de importantes organizações e movimentos sociais como, por exemplo, as Ligas Camponesas e, posteriormente, o Movimentos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST). Com o aprofundamento do debate sobre a condição do trabalhador rural e a reforma agrária no país após 1945, podemos observar que os atores políticos passaram a responder aos movimentos sociais mais atuantes, fazendo da luta por direitos e da resistência da classe trabalhadora rural um importante campo de disputas. Estavam em jogo questões como educação no campo, acesso à terra, uso sustentável da terra, direitos trabalhistas, entre outros aspectos que reforçariam uma consciência de classe no campo. Nessa atividade vamos analisar as lutas de trabalhadores rurais na década de 1960, considerando o governo de João Goulart, o golpe civil-militar de 1964 e as ações da ditadura estabelecida em seguida.

Para iniciar a discussão sobre as lutas dos trabalhadores rurais nos anos 1960, apresente aos alunos duas canções. Não dê informações sobre elas, mas peça que as escutem pensando nas seguintes questões, que podem ser escritas no quadro:
– Quem está cantando?
– Quem são os autores das canções?
– Sobre o que falam as canções?
– Que tipo de canções são essas?

Canção 1: Hino da Reforma Agrária.

Duração: 3’03’’min.

A canção deve ser exibida a partir de 50”, sem a narração inicial que oferece algumas informações que queremos que o aluno descubra sozinho. Nela, um militante dos movimentos rurais descreve o contexto do início dos anos 1960 e cita a Lei 4.214, de 02 de março de 1963, conhecida como Estatuto do Trabalhador Rural. Essa lei determinou a extensão da legislação social ao trabalhador rural fornecendo as bases para a organização sindical do campo brasileiro.

Canção 2: A História não falha.

Duração: 2’51’’

A canção cita a expressão “na lei ou na marra” que remete à história da associação de trabalhadores rurais que surgiu no Engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, em janeiro de 1955, e foi seguida pela criação das Ligas Camponesas. Além de mobilizar trabalhadores rurais na luta por direitos e pela terra, uma comissão de trabalhadores rurais decidiu ir a Recife buscar apoio de um deputado estadual recém-eleito, ligado aos camponeses, chamado Francisco Julião. Este cunhou a palavra de ordem “Reforma agrária na lei ou na marra”, que alcançou grande força durante o governo de João Goulart.

Após ouvir as canções, é hora de ouvir os alunos! Como estamos usando documentos sonoros, é importante chamar a atenção para seus diferentes elementos. Além da letra, a melodia, os instrumentos usados e as maneiras de cantar são fundamentais para construir os sentidos da música. De maneira sensível e livre, estimule os estudantes a analisar esses aspectos – são canções cujos ritmos nos remetem à região Nordeste, cantadas em conjunto por homens e mulheres, que falam dos trabalhadores rurais e seus projetos de vida e convocam para a união e a luta. As contribuições dos estudantes podem ser organizadas no quadro.
Em seguida, informe aos alunos que as canções que eles escutaram fazem parte do CD “Cantando e lutando: música e política dos trabalhadores rurais de Pernambuco”, gravado em 2007 na cidade de Carpina, Pernambuco, durante a festa de São José. Esse CE é parte do projeto “Memória camponesa e cultura popular” (UFRJ, UFRRJ, com a colaboração de pesquisadores de outras universidades e de entidades sindicais) e, nele, foram registradas canções entoadas em reuniões e manifestações organizadas por trabalhadores rurais antes e depois do golpe de 1964. Por isso, elas são documentos que nos aproximam das formas de expressar o mundo e fazer política dos camponeses e nos permitem introduzir a temática da aula.
O repertório do CD está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xsd3pH0HvyI&list=PLpv_6194cjxroOi_WTt_eTwXVUKPdZyp1

Após as canções, distribuía o texto abaixo aos alunos e peça que respondam no caderno as questões colocadas ao final:

Texto: “Da barbárie à terra prometida: o campo e as lutas sociais na história da República”

“… a reforma agrária passou a ser um dos temas mais referidos no início dos anos 60, mantendo-se constantemente na ordem do dia, ocupando as seções de maior destaque dos jornais, (…) tornando-se um dos principais eixos do debate e das disputas políticas nacionais. (…)
O reconhecimento da importância da reforma agrária devia-se, em grande parte, à mobilização de trabalhadores rurais, que vinha desde a década de 1940 e ganhou maior força e visibilidade em fins dos anos 1950 e início dos anos 1960. Na verdade, os trabalhadores rurais foram uma das grandes novidades no espaço político do país naquele período. De assalariados a pequenos proprietários, incluindo posseiros, arrendatários, foreiros e colonos, (…) eles passaram a se identificar como camponeses, a se organizar e a lutar por terras e direitos.
Entre os fatos que motivaram essa mobilização estavam as expulsões de camponeses das propriedades, intensificadas a partir dos anos 1940. Essas expulsões ocorreram por razões diversas, dependendo da região do país. (…)
Essa situação coincidiu com o deslocamento para o campo de militantes de grupos e partidos de esquerda, que buscavam mobilizar e organizar o campesinato. A presença desses militantes foi fundamental em vários aspectos. Eles apresentavam aos camponeses uma alternativa à expulsão e à exploração, (…) contrapondo-se ao poder dos grandes proprietários e dos grileiros. Construíam uma noção de grupo, fazendo com que aquilo vivido por cada camponês como uma fatalidade individual fosse percebido como um problema coletivo. (…)
As lutas camponesas assumiram feições distintas, indo desde resistências contra expulsões até ocupações de terra e passando também por movimentos grevistas por salários, direitos trabalhistas e acesso a lotes para cultivo. De início, eram localizadas, mas, com o passar do tempo, passaram a se generalizar, a envolver um número maior de pessoas e a se radicalizar, chegando mesmo a ocorrer enfrentamentos armados entre camponeses, jagunços e policiais.
Além da ação direta na própria área rural, os camponeses passaram a realizar manifestações nas cidades, principalmente nas capitais, com o objetivo, por um lado, de encaminhar suas reivindicações e pressionar as autoridades por uma solução a seu favor, e, por outro, de levar seus problemas ao conhecimento da população urbana, buscando seu apoio. A presença dos camponeses nas cidades, além de pesar para reduzir a distância e o estranhamento sentidos pela população urbana, reforçava entre esta a percepção de que o campo era marcado por graves problemas sociais, de que havia no país uma questão agrária, que pedia uma solução urgente que passava não necessariamente pela repressão policial, mas pela adoção de medidas políticas de longo alcance, como a reforma agrária.

FONTE: GRYNSZPAN, Mario. Da barbárie à terra prometida: o campo e as lutas sociais na história da República. In: GOMES, A. C, PANDOLFI, D. C., ALBERTI, V. A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: CPDOC, 2002, p. 130-131.

Glossário:


Arrendatário: agricultor que recebe de um proprietário uma porção de terra para trabalhar e pela qual deve pagar uma remuneração;
Campesinato: conjunto de grupos sociais de base familiar que se dedica a atividades agrícolas, com graus diversos de autonomia;
Colono: agricultor que estabelece um contrato de exploração de uma porção de terra com seu proprietário mediante pagamento em dinheiro e/ou produtos.
Foreiro: agricultor que paga foro, ou seja, tributo ao proprietário da terra.
Grileiro: pessoa que se apossa de terras alheias mediante falsas escrituras de propriedade.
Jagunço: indivíduo que se presta ao trabalho paramilitar de proteção e segurança a grandes fazendeiros e lideranças políticas.
Posseiro: agricultor que ocupa terras devolutas ou abandonadas e desenvolve uma atividade de cultivo.

Considerando as canções e o texto acima:

  1. Explique a mudança presente na seguinte afirmação: “De assalariados a pequenos proprietários, incluindo posseiros, arrendatários, foreiros e colonos, (…) eles passaram a se identificar como camponeses, a se organizar e a lutar por terras e direitos.”
  2. Identifique as principais reivindicações dos trabalhadores rurais brasileiros nas décadas de 1950 e 1960.
  3. Apresente as principais formas de ação organizadas pelos camponeses.
  4. Explique como se dava a articulação dos trabalhadores rurais com outros setores da sociedade brasileira.

Etapa 2: As conquistas dos trabalhadores rurais no governo de João Goulart (1961-1964)

Recursos: Projetor, caixa de som, quadro, caderno e fotocópia;

A principal marca do governo de João Goulart, que chegou à presidência da república em 1961, foram as chamadas “reformas de base”. Nessa ampla denominação, foram reunidas propostas de mudanças que incluíam intervenções no sistema bancário e de pagamento de impostos, a regulação do acesso à moradia nas cidades, a ampliação do ensino superior, o direito de voto para analfabetos e militares de baixa patente e a reforma agrária. De todas essas iniciativas, a reforma agrária alcançou grande destaque, vista como meio de resolver os conflitos pela posse da terra e garantir o acesso à propriedade para milhões de trabalhadores rurais.
Em discurso durante o 1º Congresso Camponês realizado em Belo Horizonte, em novembro de 1961, João Goulart afirmou que pretendia realizar a reforma agrária. Em 1963, o presidente apresentou às lideranças políticas o anteprojeto de reforma agrária, mas este não foi aprovado no Congresso Nacional. Isso gerou grande insatisfação na classe trabalhadora rural, nos movimentos populares e nas forças políticas de esquerda, que intensificaram as pressões pela reforma agrária. Em 1964, João Goulart optou por organizar uma ofensiva política com os principais setores de esquerda para pressionar pelas reformas através da mobilização da população em manifestações públicas. A primeira foi o comício de 13 de março de 1964 na Central do Brasil, Rio de Janeiro, também conhecido como Comício das Reformas, no qual João Goulart anunciou a desapropriação de terras federais para a reforma agrária e intervenções em empresas da área do petróleo. Algumas semanas depois, o golpe civil-militar de 1964 interrompeu esse processo político e deu início a um regime ditatorial.

Nessa etapa, vamos começar assistindo um trecho do documentário “Direitos em construção permanente” até o minuto 8’40’’. Indique aos estudantes que eles devem anotar no caderno as informações sobre o que aconteceu no governo de João Goulart.

O documentário faz uma breve descrição da conquista de direitos trabalhistas desde o início do período republicano até o governo de João Goulart. Muitas informações já devem ser conhecidas pelos alunos, pois se referem aos períodos da Primeira República e Primeiro Governo Vargas. O documentário cita a criação da Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco (Fetape, 1962), a greve dos canavieiros (1962), a criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag, 1963) e a aprovação do Estatuto do Trabalhado Rural (1963).

Após a exibição do vídeo, em diálogo com as anotações dos estudantes, destaque o surgimento da Fetape, a primeira greve dos canavieiros e a criação da Contag como indicadores do avanço da organização dos trabalhadores rurais e da sua capacidade de pressão nos anos de 1962 e 1963. Estimule os alunos a relacionar essa discussão com as canções e o texto trabalhados na etapa anterior, que falavam de direitos, reforma agrária, luta e união dos trabalhadores, surgimento de uma identidade camponesa…

Em seguida, analise coletivamente os dois documentos abaixo buscando responder as seguintes questões:

– Qual é a importância da Lei 4.214 para os camponeses?
– O que levou à aprovação dessa lei?
– Como podemos relacionar as determinações da lei com a imagem escolhida pelo Ministério da Agricultura para ilustrar a capa de sua publicação?

Documento 1: Verbete “Estatuto do Trabalhador Rural” (LAMARÃO, Sérgio e MEDEIROS, Leonilde Servolo).

Definindo o trabalhador rural como “toda pessoa física que presta serviços a empregador rural… mediante salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte em dinheiro e parte in naturaa Lei nº 4.214 tornou obrigatória a concessão de carteira profissional a todo trabalhador rural maior de 14 anos independente do sexo, estipulou a jornada de trabalho em oito horas e instituiu o direito ao aviso prévio e à estabilidade. Nenhum trabalhador poderia ser remunerado com base inferior ao salário mínimo regional. Os trabalhadores menores de 16 anos receberiam a metade do salário atribuído ao adulto. Além disso, o estatuto assegurou o direito ao repouso semanal e às férias remuneradas. Quanto à orientação sindical propriamente dita, a lei – seguindo exatamente a orientação da CLT – afirmava ser “lícita a associação em sindicatos para estudo, defesa e condução dos interesses econômicos e profissionais de empregados e empregadores”. (…) A legalização do sindicato rural só seria possível mediante a carta de reconhecimento do Ministério do Trabalho.

Documento 2

Capa da publicação contendo o texto da Lei 4.214 (março de 1963) distribuída pelo Ministério da Agricultura. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/campones-ganha-protecao-de-estatuto

Etapa 3: O golpe civil-militar de 1964

A pressão dos trabalhadores rurais pela reforma agrária, com apoio de importantes setores urbanos e políticos, esteve no centro das tensões do governo Jango. A seguir, estão dois documentos que permitem discutir como, na época, essas tensões eram representadas e nos ajudam a caracterizar o contexto no qual se deu o golpe de Estado civil-militar em 1964.

Documento 1: Texto “1964: pouco antes do golpe, reforma agrária esteve no centro dos debates no Senado”

Uma das principais bandeiras do então presidente da República João Goulart (1919-1976), a reforma agrária esteve no centro do embate político que antecedeu o golpe de 1964.  (…) “O único objetivo é desapropriar o latifúndio improdutivo”, argumentava no Plenário, no dia 4 de março, o então senador Arthur Virgílio (AM), líder do PTB, partido de Jango, tranquilizando os fazendeiros que estivessem trabalhando e produzindo. “Mas uma atitude que não encontrará meios de recuar é a de alcançar essas terras que não merecem respeito, que são esse latifúndio nocivo ao país, que é motivo de atraso à nação. O latifúndio antissocial, o latifúndio anti-humano”, afirmou.
A proposta de Jango estava ancorada em uma mudança constitucional que permitiria a desapropriação de terras com pagamento a longo prazo, na forma de títulos da dívida agrária. Mas deputados e senadores derrotaram o governo e mantiveram a norma segundo a qual as desapropriações para fins de reforma agrária seriam efetuadas mediante pagamento antecipado, em dinheiro. O que, na prática, inviabilizava um amplo programa de reforma agrária, dado o alto custo.
(…) Na queda de braço com o Congresso, Jango buscou apoio popular, e no dia 13 de março de 1964, no “Comício das Reformas”, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, anunciou em discurso para 200 mil pessoas a desapropriação de terras às margens de rodovias, ferrovias, açudes públicos federais e as beneficiadas por obras de saneamento da União. (…)
No Congresso, o clima esquentou ainda mais. O comício foi encarado por parlamentares de oposição como sinal de que o governo decidira partir para o confronto. “Se por trás do presidente da República estão elementos conturbadores, provocadores e agitadores, que pretendem levar o presidente da República à campanha de descrédito do Congresso, tudo isso excede os limites, atenta contra o regime, põe em risco o regime democrático, como se fosse um plano inclinado, no qual, após meio caminho, ninguém pode retornar”, discursou no dia 17 de março de 1964 o então senador João Agripino, da UDN da Paraíba.
“O presidente da República violou a Constituição federal. O presidente da República violou a lei”, bradou no dia 18 o senador Daniel Krieger, da UDN do Rio Grande do Sul, sob o argumento de que Jango fizera um comício em área não permitida pelo então governo da Guanabara. (…)

FONTE: GONÇALVES JR., Valter. 09 jan 2020. Agência Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/03/24/1964-pouco-antes-do-golpe-reforma-agraria-esteve-no-centro-dos-debates-no-senado

  • Distribua o texto aos estudantes e peça para que identifiquem como o projeto de reforma agrária do governo João Goulart era visto por seus apoiadores e opositores.
  • Em 13 de março de 1964, foi realizado um comício na cidade do Rio de Janeiro, perto da “Central do Brasil”, importante estação de trens urbanos. Qual o significado desse comício para o governo Jango e para seus opositores? 

Documento 2

Charge de Lan, publicada no Jornal do Brasil em 14.06.1963. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro: Zahar. 2006, p. 74.
  • Apresente a charge aos alunos, indicando quando e onde ela foi publicada. Discuta brevemente o que é uma charge política e que tipo de interpretação podemos fazer dela.
  • Identifique o personagem e o cenário construído na charge (João Goulart, suando muito, busca se equilibrar sobre uma corda bamba; abaixo dele, à esquerda, podemos identificar foices, martelos – que aludem ao comunismo – e algumas espadas e, do lado direito, há várias espadas – que aludem às Forças Armadas).

ETAPA 4: A ditadura civil-militar e os trabalhadores rurais: repressão e resistência

Recursos: quadro, caderno e fotocópia;

Nessa etapa final, o objetivo é discutir as ações repressivas empreendidas pela ditadura civil-militar, proprietários de terra e suas milícias contra as organizações dos trabalhadores rurais. Ao mesmo tempo, destacamos a continuidade da mobilização camponesa nas décadas de 1960 a 1980. Para desenvolver essa etapa, foram selecionados quatro conjuntos de documentos compostos por textos temáticos e trajetórias de trabalhadoras rurais, que demarcam a importância da atuação das mulheres nas lutas políticas.
As trajetórias foram extraídas do livro “Retrato da repressão política no campo: Brasil 1962-1985: camponeses torturados, mortos e desaparecidos”, de Ana Carneiro e Marta Ciocari, publicado em 2011 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário a partir dos acervos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça. Assim, ele é resultado de uma política de Estado que buscou investigar as violações dos direitos humanos praticadas durante a ditadura civil-militar e “resgatar a memória, verdade e justiça de mortos e desaparecidos durante o período militar”  (https://bibliotecadigital.mdh.gov.br/jspui/handle/192/464).

Na primeira aula, os estudantes devem ser divididos em grupos pequenos de, no máximo, quatro pessoas. Cada grupo receberá um conjunto e as seguintes orientações para a tarefa:

  1. Cada estudante vai sublinhar no texto e na trajetória os trechos que falam sobre os direitos da classe trabalhadora. Em seguida, o grupo vai escrever no caderno a lista de reivindicações que aparecem.
  2. Ao ler os depoimentos das trabalhadoras, os estudantes devem debater no grupo as violações de direitos humanos que sofreram essas trabalhadoras e escrevê-las no caderno, identificando aquelas que foram cometidas por agentes do Estado e as que foram cometidas por agentes privados.
  3. Por fim, os estudantes devem analisar as violências sofridas que são específicas da condição das mulheres.

Na segunda aula, cada grupo deve apresentar à turma as reivindicações das trabalhadoras rurais e as violações dos direitos humanos cometidas por agentes públicos e privados que encontrou em seu conjunto temático. Para finalizar a etapa, é importante debater coletivamente as violências específicas que recaem sobre as camponesas.

 Bibliografia e material de apoio:

– Programa de memória dos movimentos sociais: a memória nos mobiliza (MEMOV)
www.memov.com.br/site/index.php
– Memórias da Ditadura
www.memoriasdaditadura.org.br
– Memorial da democracia
http://memorialdademocracia.com.br/card/campones-ganha-protecao-de-estatuto
– Senado Federal
https://www12.senado.leg.br/hpsenado
– Verbete Estatuto do Trabalhador Rural
www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/estatuto-do-trabalhador-rural
– Documentário “Direitos em construção permanente”
https://www.youtube.com/watch?v=52NvEea-1vQ&feature=emb_logo
– CARNEIRO, Ana; CIOCCARI, Marta. Retrato da repressão política no campo -Brasil 1962-1985. Camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Brasília: MDA, 2011.
– GASPAROTTO, Alessandra & TELÓ, Fabricio (org.) Histórias de lutas pela terra no Brasil (1960-1980). São Leopoldo: Oikos Editora, 2021. Disponível em: http://oikoseditora.com.br/obra/index/id/1124?fbclid=IwAR04OuECRHKUl7GpimWRK7o3k4sKbevm4GhXAuKenbKLZT8sWTwUCbDmIcs
– GRYNSZPAN, Mario. Da barbárie à terra prometida: o campo e as lutas sociais na história da República. In: GOMES, A. C, PANDOLFI, D. C., ALBERTI, V. A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: CPDOC, 2002.
– MOTTA, Rodrigo P. Sá. Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro: Zahar. 2006.

1 Professora de História do Colégio de Aplicação da UFRJ
2 Professora de História da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e Pesquisadora do LEHMT-UFRJ


Crédito da imagem de capa: Trabalhadores do campo. https://memoria.ebc.com.br/cidadania/2015/08/trabalhadores-do-campo-foram-vitimas-de-grilagem-na-ditadura-diz-pesquisadora: Acesso em 03/04/2021


Chão de Escola

Nos últimos anos, novos estudos acadêmicos têm ampliado significativamente o escopo e interesses da História Social do Trabalho. De um lado, temas clássicos desse campo de estudos como sindicatos, greves e a relação dos trabalhadores com a política e o Estado ganharam novos olhares e perspectivas. De outro, os novos estudos alargaram as temáticas, a cronologia e a geografia da história do trabalho, incorporando questões de gênero, raça, trabalho não remunerado, trabalhadores e trabalhadoras de diferentes categorias e até mesmo desempregados no centro da análise e discussão sobre a trajetória dos mundos do trabalho no Brasil.
Esses avanços de pesquisa, no entanto, raramente têm sido incorporados aos livros didáticos e à rotina das professoras e professores em sala de aula. A proposta da seção Chão de Escola é justamente aproximar as pesquisas acadêmicas do campo da história social do trabalho com as práticas e discussões do ensino de História. A cada nova edição, publicaremos uma proposta de atividade didática tendo como eixo norteador algum tema relacionado às novas pesquisas da História Social do Trabalho para ser desenvolvida com estudantes da educação básica. Junto a cada atividade, indicaremos textos, vídeos, imagens e links que aprofundem o tema e auxiliem ao docente a programar a sua aula. Além disso, a seção trará divulgação de artigos, entrevistas, teses e outros materiais que dialoguem com o ensino de história e mundos do trabalho.

A seção Chão de Escola é coordenada por Claudiane Torres da Silva, Luciana Pucu Wollmann do Amaral e Samuel Oliveira.

LMT #73: Palácio do Metalúrgico, Rio de Janeiro (RJ) – Rafael Ioris



Rafael Ioris
Professor de História da University of denver



Sede de um dos sindicatos mais combativos da história do Brasil, o Palácio do Metalúrgico foi palco de lutas operárias que ajudaram a definir a história social e mesmo os rumos políticos do Brasil contemporâneo. Foi lá, na rua Ana Neri, bairro do Rocha, no Rio de Janeiro, onde não só metalúrgicos, mas trabalhadores em geral, além de personalidades políticas e culturais frequentemente se reuniram para entender as complexidades de um país em rápida transformação na segunda metade do século XX, assim como lutar por uma sociedade mais inclusiva e justa.

A construção do prédio, inaugurado em 1959, resultou de uma ampla campanha de recrutamento de novos associados e de arrecadação de fundos junto a base do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, categoria em expansão naquele momento. A nova sede era também o resultado de um crescente ativismo dos metalúrgicos cariocas, fruto em grande medida de uma aliança entre trabalhistas, nacionalistas de esquerda e comunistas que passou a ser hegemônica na direção da entidade.

Assim, essa estabilidade administrativa permitiu que o sindicato oferecesse um maior leque de serviços e atividades sociais e culturais aos seus membros, inclusive e de maneira crescente às mulheres trabalhadoras. Liderados por dirigentes como Eurípedes Aires de Castro, Ulisses, Lopes, José Lellis da Costa, Izaltino Pereira e, especialmente, Benedito Cerqueira, o renovado ativismo sindical metalúrgico foi capaz de organizar mobilizações e lutar por demandas concretas dos trabalhadores, como aumentos salariais, melhores condições de trabalho e ampliação do acesso a tratamento médico. No contexto que antecedeu o golpe de 1964, os metalúrgicos cariocas se tornaram uma das categorias mais importantes e influentes na vida sindical do país, colaborando para a construção da agenda política que ficou conhecida como “Reformas de Base”.

A partir de meados dos anos 1950, a entidade ampliava suas taxas de sindicalização e seu fortalecimento político e financeiro. A conexão com as bases operárias através de conselhos de empresas e a criação de subsedes regionais colaboravam para o fomento de um novo senso de coesão e identidade operária. Nesse contexto emergiu a ideia da construção de uma nova sede, materializada em um imponente prédio de seis pisos, no bairro do Rocha, na Zona Norte do Rio, próximo a diversos bairros industriais e comunidades operárias da cidade.

As obras do prédio, que seria batizado com o orgulhoso e pomposo nome de Palácio do Metalúrgico, foram iniciadas em 1956. Após três anos, a sede, quando inaugurada, contava com ginásio, gráfica, consultórios médicos, biblioteca, lanchonete  e um auditório. O espaço logo se tornou um local fundamental de sociabilidade e organização dos metalúrgicos.


Mas seu impacto foi muito além da categoria, tornando o prédio um dos mais importantes centros da vida política carioca no início da década de 1960. Outros sindicatos, associações de moradores e organizações populares frequentemente usavam o moderno e amplo auditório para realizar sua assembleias e festividades. Foi também um dos principais espaços utilizados pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE para realização de debates, peças teatrais e exibição de filmes. O Palácio chegou mesmo a ser tornar palco obrigatório de visitas de personalidades internacionais como o cosmonauta soviético Yuri Gagarin em 1961.


O Palácio do Metalúrgico foi o palco de um dos momentos mais dramáticos do início dos anos 1960. No dia 25 de março de 1964, liderados por Cabo Anselmo, mais de dois mil marinheiros reuniram-se no auditório da sede metalúrgica para comemorar o segundo aniversário de sua Associação, considerada ilegal pelo comando da Marinha. O ato contou com a participação de sindicalistas, líderes estudantis, do deputado Leonel Brizola, além da presença emblemática de João Cândido, líder da Revolta da Chibata de 1910. Apesar da ordem de prisão emitida pelo Ministro da Marinha, os marinheiros resistiram e permaneceram no prédio. Apenas após um acordo, que implicou na anistia dos revoltosos concedida pelo presidente Jango, que os marinheiros decidiram desocupar o Palácio. O episódio é considerado por muitos um dos estopins do golpe de 1964. No dia seguinte à deposição de Jango, o Palácio foi invadido e vandalizado de forma brutal, simbolizando de forma veemente o novo ciclo repressivo que se iniciava para os trabalhadores.

Esvaziado de sua vocação política durante boa parte da ditadura, o Palácio dos Metalúrgicos viveria um novo momento de mobilização quando, em 1979, uma nova onda grevista colocou os operários e operárias metalúrgicos no centro das lutas sociais no Rio de Janeiro. Ao longo dos anos 1980, os metalúrgicos cariocas manteriam uma presença ativa no cenário de organização dos trabalhadores que marcou a redemocratização do país. De toda forma, durante a maior parte desse período uma Escola Metalúrgica manteve-se atuante na sede sindical, formando milhares de trabalhadores.

A crise política e econômica do Rio de Janeiro nas últimas décadas afetou fortemente os metalúrgicos, que sofreram com a intensa desindustrialização da cidade e viram sua base e presença pública serem drasticamente reduzidas, apesar da resistência sindical e da importante, porém efêmera, recuperação da indústria naval no início do século XXI. O Palácio do Metalúrgico foi tombado em 1999 pelo governo estadual e apesar das ameaças recentes de que poderia ser vendido, permanece como um lugar de memória fundamental para os trabalhadores brasileiros.   

Metalúrgicos em assembleia na sede do sindicato decidem pela greve em 11/09/1979.
Foto de A. Philot Acervo da Fundação Perseu Abramo.


Para saber mais:

  • IORIS, Rafael. Qual Desenvolvimento? Os Debates, Sentidos e Lições da Era Desenvolvimentista. São Paulo: Paco Editorial, 2017.
  • IORIS, Rafael “’Fifty Year in Five’ and What’s in It for Us? Development Promotion, Populism, Industrials Workers and ‘Carestia’ in 1950s Brazil.” Journal of Latin American Studies, v. 44, no. 2, 2012.
  • JORDAN, Thomas. “Redefinindo o sindicalismo corporativo nos anos 1950: o caso do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro.” Cadernos AEL, v.11, n. 20, 2004
  • SANTANA, Marco  Aurélio. Bravos companheiros: comunistas e metalúrgicos no Rio de Janeiro (1945/1964). Rio de Janeiro:7Letras, 2012.
  • LOPES, Ulisses. 2015. Depoimento. Rio de Janeiro, CPDOC/Fundação Getulio Vargas, (8h 50min).

Crédito da imagem de capa: Hércules Corrêa, do Comando Geral dos Trabalhadores, discursa no Auditório do Palácio do Metalúrgico em março de 1964, durante as celebrações do segundo ano de fundação da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais. À sua esquerda, o cabo Anselmo. Acervo: Iconographia.



Lugares de Memória dos Trabalhadores

As marcas das experiências dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros estão espalhadas por inúmeros lugares da cidade e do campo. Muitos desses locais não mais existem, outros estão esquecidos, pouquíssimos são celebrados. Na batalha de memórias, os mundos do trabalho e seus lugares também são negligenciados. Nossa série Lugares de Memória dos Trabalhadores procura justamente dar visibilidade para essa “geografia social do trabalho” procurando estimular uma reflexão sobre os espaços onde vivemos e como sua história e memória são tratadas. Semanalmente, um pequeno artigo com imagens, escrito por um(a) especialista, fará uma “biografia” de espaços relevantes da história dos trabalhadores de todo o Brasil. Nossa perspectiva é ampla. São lugares de atuação política e social, de lazer, de protestos, de repressão, de rituais e de criação de sociabilidades. Estátuas, praças, ruas, cemitérios, locais de trabalho, agências estatais, sedes de organizações, entre muitos outros. Todos eles, espaços que rotineiramente ou em alguns poucos episódios marcaram a história dos trabalhadores no Brasil, em alguma região ou mesmo em uma pequena comunidade.

A seção Lugares de Memória dos Trabalhadores é coordenada por Paulo Fontes.